Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
5090/20.7JAPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RAQUEL LIMA
Descritores: CRIME DE TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES AGRAVADO
CRIME DE TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES DE MENOR GRAVIDADE
ESTABELECIMENTO PRISIONAL
Nº do Documento: RP202406055090/20.7JAPRT.P1
Data do Acordão: 06/05/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL/CONFERÊNCIA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CRIMINAL
Área Temática: .
Sumário: I - A circunstância do arguido deter produto estupefaciente dentro de um Estabelecimento Prisional não determina, de imediato, a aplicação do art. 24º al. h) do DL15/93 de 22 de Janeiro.
II - Só ocorre a possibilidade de preenchimento de uma circunstância agravante do art. 24º se a conduta em análise se subsumir sem restrições ao disposto no art. 21º, o que ficará excluído no caso de ocorrerem uma ou mais circunstâncias que diminuam consideravelmente a ilicitude da conduta, que assim preencherá antes o disposto no art. 25º do mesmo D.L.
III - O critério a seguir será a avaliação do conjunto da acção tendo em conta o grau de lesividade ou de perigo de lesão (o crime de tráfico é um crime de perigo abstracto) do bem jurídico protegido (saúde pública).

(da responsabilidade da relatora)
Reclamações:
Decisão Texto Integral: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE PORTO ESTE
JUÍZO CENTRAL CRIMINAL DE PENAFIEL
JUIZ 2

Proc. n.º 5090/20.7JAPRT.P1




ACÓRDÃO



1. RELATÓRIO


Por acórdão proferido a 22.11.2023 foi decidido

1. Absolver o arguido AA da prática de um (1) crime de tráfico de estupefacientes agravado, previsto e punido pelos artigos 21.º, n.º 1 e 24.º, al. h), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, que lhe era imputado;
MAS
2. Condená-lo pela prática de um (1) crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, na pena de quatro (4) anos e três (3) meses de prisão.

Inconformados com a decisão, veio o Ministério Público e o arguido AA interpor recurso.

O MP, depois da motivação, apresenta as seguintes
CONCLUSÕES

1. É indubitável que o arguido pretendia colocar o estupefaciente no interior do estabelecimento prisional para aí, como bem sabia, ser vendido a reclusos, pelo que é manifesta a natureza do espaço e o conhecimento e vontade de todas as premissas por parte daquele.
2. Tendo em conta a quantidade e a diversidade de estupefacientes em causa tal prefigura um perigo evidente de difusão por um grande número de reclusos, bem como a evidente e provada intenção lucrativa que presidiu à ação ilícita, entendemos que a agravante da al. h) do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro está preenchida neste caso.
3. Resultou não provado que o arguido destinasse tais produtos estupefacientes ao seu consumo, e que, pelo contrário, o arguido destinava o produto estupefaciente acima identificado à venda e cedência a outros reclusos do estabelecimento prisional onde se encontrava.
4. Não se diga que o facto de a canábis lhe ter sido apreendido, no dia 16 de Novembro de 2020, logo após a sua entrada no Estabelecimento Prisional não coloca efectivamente as finalidades da punição em perigo.
5. Além de os compradores-alvo da ação do arguido se tratarem de reclusos em processo de ressocialização especialmente fragilizados pela reclusão na sua capacidade de autodeterminação relativamente ao consumo de estupefacientes (razão de ser da agravação), a própria norma da al. h) estende a agravante às imediações do EP (leia-se, exterior envolvente).
6. Logo no dia seguinte, 17 de Novembro, pela manhã, e escondida dentro de uma embalagem de cereais, lhe foram apreendidas 4,665 gramas de heroína.
7. Em momentos distintos, aproximados no tempo, foram apreendidas ao arguido dois tipos de substância diferentes, que não destinava ao seu consumo.
8. As quantidades e qualidades de estupefaciente apreendidas assumem já algum relevo.
9. A conduta do arguido foi preenchida no regresso de uma saída jurisdicional, em que se pretende uma paulatina reinserção em meio livre do arguido, e o arguido cometeu, desde logo, mesmo antes da re-entrada, um crime de tráfico de estupefacientes, configurado pela mera detenção do estupefaciente.
10. A censura dirigida pela comunidade não pode deixar de ser acrescida, na medida em que se espera que, pelo menos no tempo em que estão detidos, os reclusos não cometam crimes.
11. Na apreensão de 17 de Novembro, de heroína realizada na sua cela, o perigo de disseminação mostrava-se ainda mais acrescido, pelo facto de ser mais adentro do Estabelecimento Prisional, havendo uma espécie de posse mais prolongada e pacífica do estupefaciente, subtraída ao controle dos guardas prisionais.
12. Na ponderação do concreto elemento resultante do CRC de muitas condenações dali constantes (sendo certo que a condenação em 6 anos de prisão, pelo crime de tráfico de estupefacientes que, ao tempo, cumpria havia transitado em julgado menos de dois antes da prática destes factos), conjugado com a circunstância de a quantidade e qualidade de estupefaciente apreendida ser de considerar na circunstância exacta em que se produz o evento (aproveitamento de uma saída precária extraordinária com vista à maior reintegração) e a ilicitude agravada do comportamento, podemos concluir que estas circunstâncias impõem que se considere aqui, por um lado, um notório e maior desvalor desta acção levada a cabo pelo arguido (a posse para tráfico de estupefaciente no interior do EP) e, por outro lado, um perigo concreto de maior disseminação de estupefaciente no interior desse EP, atenta a mesma quantidade apreendida e natureza dos produtos.
13. Devendo considerar-se agravado o crime, deve proceder a qualificação de direito trazida pela acusação.
14. São elevadas exigências de prevenção geral, é intenso o carácter do dolo e são elevadas as exigências de prevenção especial.
15. São já de algum relevo a quantidade e qualidade dos estupefacientes apreendidos.
16. Deve ter-se ainda em conta os antecedentes criminais do arguido, mormente o facto de o arguido se encontrar em cumprimento da pena de 6 anos de prisão pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, decisão essa que havia transitado em julgado menos de dois anos antes da prática dos factos dos presentes autos.
17. Em favor do arguido, deve considera-se o facto de não ter havido disseminação de estupefaciente pela população reclusa, e o facto de após a libertação logo se ter inserido profissionalmente.
18. Sopesados os factores que depõe contra e a favor do arguido crê-se que a pena se deverá situar entre os 5 anos e 6 meses de prisão e os 6 anos de prisão.
19. O douto acórdão recorrido viola o disposto arts. 21º, nº 1 e 24º, al. h) do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro.


Termina pedindo
a) A revogação do acórdão que absolve o arguido da prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, previsto e punido pelos artigos 21.º, n.º 1 e 24.º, al. h), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro e o condena pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.
b) A condenação do arguido pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, previsto e punido pelos artigos 21.º, n.º 1 e 24.º, al. h), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, numa pena que se sugere situada entre os 5 anos e 6 meses e os 6 anos de prisão.

O arguido AA, após a apresentação da motivação apresentou as seguintes CONCLUSÕES:

I. Não pode o recorrente concordar com a afirmação do Tribunal a quo de que não há viabilidade face ao percurso criminal do recorrente de ver suspensa na sua execução a pena de prisão a que foi o mesmo condenado.

II. Considera o recorrente que é hora de experimentar na pessoa do recorrente uma reacção penal diversa da reclusão, uma vez que estamos perante alguém integrado familiar, social e profissionalmente e que indubitavelmente o recorrente não deixaria de aproveitar a oportunidade que decorre da suspensão da execução da pena de prisão.

III. Até porque, comparativamente com a gravidade de outros cometidos pelo recorrente e que levaram à sua reclusão (homicídio, furto qualificado, tentativa de roubo), estamos perante um crime de menor gravidade.

IV. Embora reconhecendo que as necessidades de prevenção geral e especial são grandes, o certo é que nos parece que existem condições para que o arguido possa vir a beneficiar de uma última oportunidade que possibilitará ao recorrente a necessidade de interiorização de que tem de se afastar da criminalidade.

V. É indubitável que estamos perante alguém que teve já várias condenações anteriores e que esta será, não o ignora o recorrente, uma derradeira oportunidade que lhe será oferecida de inverter o caminho e para continuar inserido na sociedade.

VI. Pelo que entende o recorrente, que a sentença recorrida deverá ser revogada no segmento decisório respeitante à pena efectiva, devendo a mesma ser suspensa na sua execução por, neste caso, tal se revelar adequado e preferível, sendo ainda comunitariamente suportável à luz da necessidade de tutela de bens jurídicos e da estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada, assim se respeitando as normas dos artigos 43.º, 70.º, 71.º, n.º 1, 50, n.º 1 e 53.º, n.3, todos dos Código Penal.

Princípios e disposições legais violadas ou incorretamente aplicadas: Artigos 40.º, 43.º, 50.º, 52.º, 53.º, 54.º, 70.º, 71.º, 72.º, 73.º e 77.ºdo Código Penal;

Termina pedindo que a decisão recorrida seja substituída por outra que contemple as conclusões atrás aduzidas, tudo com as legais consequências.
**


O Digno Magistrado do MP em 1ª instância veio responder ao recurso do arguido dizendo (…)

1. Sendo o arguido condenado pela forma agravada de tráfico, como se defendeu no recurso interposto pelo Ministério Público, numa pena entre os 5 anos e 6 meses e os 6 anos de prisão, a suspensão da execução da pena deixaria de ser legalmente admissível.
2. Na hipótese da improcedência do recurso do Ministério Público, ainda assim se entende que a pena não deverá ser suspensa na sua execução.
3. No que toca à prevenção geral crê-se que a comunidade não compreenderia que um cidadão que cumpre uma pena de prisão, precisamente por tráfico de estupefacientes, volte a praticar o mesmo crime, ainda para mais no regresso ao estabelecimento prisional após uma saída jurisdicional, que, como se sabe, visa uma adaptação à liberdade.
4. Não se consegue conceber, também, que atendendo aos antecedentes criminais do arguido se conjecture que a simples ameaça da pena de prisão cumpra com suficiência as finalidades da punição, mormente as finalidades de prevenção especial.
5. O facto de o arguido se encontrar inserido laboralmente não é factor preponderante para que se possa formular um prognóstico favorável.
6. O arguido, mesmo ao tempo da prática dos crimes pelos quais foi condenado e sofreu pena de prisão, estava inserido laboralmente, trabalhando com regularidade, e tal não foi o suficiente para se afastar da criminalidade, pelo que não se pode concluir que pelo facto de agora ter voltado a estar inserido profissionalmente é elemento relevante para concluir que ocorreu uma mudança que permite um juízo de esperança num futuro conforme ao Direito.
***

Já nesta Relação o Ex. Sr. Procurador Geral Adjunto veio dar Parecer, dizendo ” Fundamenta abundantemente o MºPº o seu entendimento, e conclui que não deveria ter sido afastada a agravante da alínea h) do artº 24º, que aqui deve ser aplicada, considerando as circunstâncias concretas do caso em análise. Considera ainda aquele Magistrado que, a considerar-se a qualificação jurídica pretendida, as exigências legais preventivas geral e especial imporiam a aplicação de uma pena de prisão pelo cometimento do crime não inferior a 5 anos e 6 meses a 6 anos de prisão, necessariamente efectiva, ponderando então a moldura penal entre 5 a 15 anos de prisão.
Tais alegações são plenamente sustentadas pelos argumentos de facto e de direito que nessa peça são apresentados.
À motivação apresentada por aquele Sr. Magistrado, apenas damos nota do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, no Processo 801/19.6JAPDL.L1-3, em que é Exª Relatora ADELINA BARRADAS DE OLIVEIRA, de 17-02-2022: “O que a norma contida na al. h) do art. 24º da LD, com referência ao segmento “estabelecimento prisional”. pretende é, afastar os produtos estupefacientes de qualquer EP.
O legislador puniu mais severamente a circulação ou introdução de estupefacientes em meio prisional. Ou seja, a circunstância agravante funciona independentemente da natureza ou da quantidade da substância estupefaciente traficada, elementos estes que, isso sim, deverão ter reflexo na determinação da medida concreta da pena.”
Também o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, no Processo 355/14.0GLSNT.L1-5, em que é Exº Relator LUÍS GOMINHO, de 24-04-2018:” - A técnica dos tipos plurais utilizada pelo art. 21.º do DL n.º 15/93, não deixa grande espaço para a verificação de crimes tentados nesta área, perante a variedade de condutas descritas a cobrir como consumadas a esmagadora maioria das actuações que, de outra forma, traduziriam actos preparatórios.
- O eixo central, em que assenta a matéria de facto considerada provada, não tem como enfoque primeiro a destinação final de cedência remunerada de produtos estupefacientes a terceiros, mas antes, a sua introdução em Estabelecimento Prisional, ainda que logicamente associada a uma intenção lucrativa futura, sendo que, para a maioria das modalidades de acção típicas previstas no art. 21.º, o respectivo tipo penal prescinde daquela destinação.
- Verifica-se formalmente a condição da al. h) do art.º 24º, a qual não tem em vista apenas a repressão da introdução daqueles produtos para “tráfico” em sentido estrito, mas sim toda e qualquer introdução dos mesmos em estabelecimento prisional, haja-se em vista que aquele é um espaço que “se destina à reeducação para o direito e a preparar os reclusos para uma futura reintegração social e para conduzirem as suas vidas de modo responsável e sem a prática de novos factos típicos e ilícitos.
- As quantidades de 4,699g. de cocaína, 95,688g. de canábis e 6,655g. de heroína não podem ser consideradas quantidades despiciendas de produtos estupefacientes, conceito que terá de ser interpretado em função do condicionamento específico do meio em que se fez introduzi-lo, o qual consabidamente, nunca poderá assumir as grandezas do meio livre.
- A destinação para cedência remunerada a terceiros (aqui também presente) constitui uma das forma mais desvaliosas de acção, e como tal, a implicar maior ilicitude para a respectiva detenção e introdução, pelo que se conclui que os arguidos praticaram, sob a forma de coautoria material, um crime consumado de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelo art.ºs 21.º, n.º 1 e 24.º, al. h), do DL n.º 15/94, de 22/01.”
Somos de parecer, pois, que este recurso interposto pelo Senhor Magistrado do Ministério Público merece integral provimento, nos termos e com os fundamentos invocados no seu recurso e que, por isso, deve proceder, alterando-se o douto acórdão nos termos indicados.
Em contrapartida, e mesmo que não se dê provimento ao recurso do MºPº, - hipótese académica, mas que importa considerar - não se poderá, contudo, prover ao recurso do arguido.
Não é possível fazer um juízo de prognose positivo quanto ao comportamento futuro do arguido se, o crime ora cometido, de consabida gravidade, foi cometido quando cumpria uma pena de prisão de 6 anos, por tráfico de estupefacientes. As condições que possuía seja social, seja laboralmente, ou familiares não são grandemente distintas das que agora mantém, o que não foi obstáculo para o cometimento quer deste crime, quer do anterior.
Termos em que, somos de parecer, pois, que este recurso interposto pelo arguido não merece provimento, devendo alterar-se o Acórdão nos termos propugnados pelo Ministério Publico.



Cumprido o art. 417º, nº 2, do CPP não houve resposta ao Parecer.

Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, onde deve ser julgado, de harmonia com o preceituado no artº. 419º, n.º3 al. c), do diploma citado.

I. Fundamentação

A) Delimitação do Objecto do Recurso
Como tem sido entendimento unânime, o objecto do recurso e os poderes de cognição do tribunal da Relação definem-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, onde deve sintetizar as razões da discordância do decidido e resumir as razões do pedido - artigos 402º, 403.º e 412.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, naturalmente que sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso (cfr. Silva, Germano Marques da, Curso de Processo Penal, Vol. III, 1994, p. 320; Albuquerque, Pinto de, Comentário do Código de Processo Penal, 3ª ed. 2009, pag 1027 e 1122, Santos, Simas, Recursos em Processo Penal, 7.ª ed., 2008, p. 103; entre outros os Acs. do S.T.J., de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242; de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271; de 28.04.1999, CJ/STJ, Ano VII, Tomo II, p. 196).

No caso vertente, em face das conclusões dos recursos, as questões a apreciar são as seguintes:
- saber se existe fundamento para condenar o arguido pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, previsto e punível pelos artigos 21.º, n.º 1 e 24.º, al. h), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, numa pena situada entre os 5 anos e 6 meses e os 6 anos de prisão, como pretende o MP.
- improcedendo o recurso do MP, se existe fundamento para suspender a execução da pena aplicada ao arguido.

B) Decisão Recorrida
Com vista à apreciação das questões supra enunciadas, importa ter presente o seguinte teor da decisão recorrida.
ACÓRDÃO
I. RELATÓRIO
1. O Ministério Público (ref. 91785174 de 30.4.2023 [fls. 393-394]),
a) Deduziu acusação, em processo comum e para julgamento em Tribunal Coletivo, contra
AA, filho de BB e de CC, natural de ..., Lisboa, nascido a ../../1973, solteiro, titular do cartão de cidadão ..., residente na Rua ...., ..., imputando-lhe a prática, em autoria imediata, na forma consumada, de um (1) crime de tráfico de estupefacientes e outras substâncias agravado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 21.º, n.º 1 e 24.º, al. h), do Decreto lei 15/93, de 22 de janeiro.
b) Promoveu, ainda, ao abrigo dos artigos 35.º, n.º 1 e n.º 2, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, a declaração de perda a favor do Estado do estupefaciente e demais objetos apreendidos.
2. A acusação do Ministério Público foi recebida nos seus precisos termos (ref. 92550954 de 6.7.2023[fls. 428-429]).
3. O arguido AA, de seu lado, não contestou.
4. Realizou-se a audiência de julgamento
II. SANEAMENTO
5. O Tribunal é competente.
A instância mantém-se válida e regular, não existindo ou sobrevindo qualquer questão prévia, nulidade ou exceção que cumpra decidir e que obste à apreciação do mérito da causa.
III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A. Factos provados
6. Com relevo para a decisão, mostram-se provados apenas os seguintes factos:
A
1) O arguido, à data dos factos infra descritos, encontrava-se no Estabelecimento Prisional 1..., sito na Alameda ..., ..., ..., a cumprir pena de 6 anos de prisão no âmbito do processo comum coletivo n.º 435/15.4JELSB, do Juízo Central Criminal de Lisboa – Juiz 13;
2) No dia 16 de novembro de 2020, depois de regressar de uma saída jurisdicional, o arguido deu entrada no referido Estabelecimento Prisional transportando dissimulado no interior do seu corpo, designadamente no ânus, os seguintes produtos que lhe foram apreendidos: – 96,777 g de canábis (resina), com um grau de concentração de 16,6% de tetrahidrocanabinol, divididos em 4 pedaços embrulhados (que juntos formavam a palavra “CANNABIS”) em película transparente;
– 4,665 g de heroína, com um grau de pureza de 9,8%, acondicionada num embrulho;
– 201 comprimidos, de metandrostenolona, de cor branca, com o peso de 27,645 g, divididos em dois embrulhos; e – um mini telemóvel da marca Long – CZ;

3) Os referidos bens foram apreendidos ao arguido nas seguintes circunstâncias

i. no dia 16 de novembro, logo após ter entrado no estabelecimento prisional e ser conduzido a um gabinete, os seguintes bens:
– 96,777 g de canábis (resina), com um grau de concentração de 16,6% de tetrahidrocanabinol, divididos em 4 pedaços embrulhados (que juntos formavam a palavra “CANNABIS”) em película transparente;
– 201 comprimidos, de metandrostenolona, de cor branca, com o peso de 27,645 g, divididos em dois embrulhos; e
– um mini telemóvel da marca Long – CZ;
ii. No dia 17 de novembro, cerca das 8.00 horas, na cela n.º ..., da Ala ..., escondida dentro de uma embalagem de cereais:
– 4,665 g de heroína, com um grau de pureza de 9,8%, acondicionada num embrulho;
4) O arguido destinava o produto estupefaciente acima identificado à venda e cedência a outros reclusos do estabelecimento prisional onde se encontrava;
5) O arguido não tinha qualquer autorização legal, administrativa ou médica, para adquirir, guardar, vender ou por qualquer forma ceder a terceiros heroína ou canábis;

B
6) O arguido conhecia a natureza e características das substâncias estupefacientes que deteve e transportou para o interior do estabelecimento prisional, sabendo tratar-se de canábis e heroína;
7) Estava ciente, ainda, de que não tinha qualquer autorização para deter, transportar, vender ou ceder e que se encontrava no estabelecimento prisional;
8) Não obstante, o arguido agiu do modo descrito, detendo e introduzindo no interior do estabelecimento prisional o estupefaciente referido, o que previamente representou e quis;
9) O arguido atuou livre, voluntária e conscientemente, sabendo que a sua conduta era ilícita e reprovável;
II
10) No dia 9 de dezembro de 2020, foram apreendidos 3 DVDs com imagens do sistema de videovigilância da Estação Ferroviária ...;
11) No dia 21 de dezembro de 2020, foi apreendido um DVD com imagens do sistema de videovigilância do Estabelecimento Prisional 1...;
12) No dia 20 de maio de 2021, nas instalações da Diretoria do Norte da Polícia Judiciária, DD entregou o seguinte bem que lhe foi apreendido:
– um telemóvel da marca Huawei, modelo WAS-LX 1ª, de cor champanhe, com o IMEI ...34 e o IMEI ...33, com um cartão SIM da Vodafone relativo ao n.º ...02;
13) No dia 20 de maio de 2021, no quarto de EE, na residência de sua mãe, DD, sita na Rua ..., Entrada ...39, Casa ...2, Bairro ..., Porto, encontrava-se o seguinte objeto pertencente àquele EE e que foi apreendido:
– um telemóvel da marca Alcatel, modelo 5007U, com o IMEI ...77 e o IMEI ...85, com cartão SIM da Vodafone;
III
14) O arguido é o quarto de uma fratria de treze, tendo seis irmãos consanguíneos, cinco irmãos germanos e dois uterinos;
15) É oriundo de um ambiente familiar desestruturado, devido aos problemas de relacionamento entre os progenitores, marcado por problemas de abusos físicos infligidos pelo progenitor à progenitora e que levaram à separação do casal quando o arguido contava cerca de quatro anos de idade;
16) Estas circunstâncias precipitaram a fuga da mãe do arguido para Espanha, onde veio a constituir nova família, ficando o arguido, juntamente com dois irmãos, aos cuidados da avó materna;
17) Contudo, aos 15 anos de idade, por a avó residir num bairro social em Lisboa com precárias condições económicas e com a ajuda da mãe de um amigo que via como figura maternal, o arguido encetou uma fuga para Espanha a fim de se juntar à mãe com a qual nunca perdeu o contacto;
18) No plano escolar, concluiu o 6.º ano de escolaridade com 13 anos, com registo de duas retenções devidas ao elevado absentismo, falta de motivação e incentivo;
19) Neste contexto, o arguido iniciou o percurso laboral pouco tempo depois de abandonar os estudos, tendo trabalhado numa oficina que fabricava troféus desportivos;
20) Posteriormente, o arguido teve outras ocupações com alguma regularidade, até ir para Espanha;
21) Neste país, conseguido uma colocação laboral como estivador, profissão que desenvolveu até completar dezoito anos de idade;
22) Objetivando um melhor salário, o arguido foi trabalhar como pedreiro, atividade que, contudo, apenas desenvolveu durante dois anos;
23) Posteriormente fez um curso de soldador, tendo trabalhado nesta área durante cinco anos com vínculos contratuais até ser despedido devido a uma reestruturação da empresa;
24) Conseguiu obter outras colocações em várias áreas com regularidade, tendo o seu percurso profissional sido interrompido pelo cumprimento de uma pena de prisão em 2009;
25) Após a sua libertação, o arguido teve dificuldades em se inserir no mercado de emprego, pelo que fazia alguns biscates;
26) Começou a consumir droga aos 12-13 anos de idade, inicialmente haxixe, tendo interrompido durante algum tempo esta adição devido a ter iniciado a prática de futebol;
27) Contudo, aos 33-34 anos, iniciou-se no consumo de cocaína e heroína, situação que tem determinado o seu percurso de vida;
28) A problemática aditiva levou à sua crescente desestruturação pessoal e contribuiu para o contacto deste com o sistema de justiça penal;
29) No sentido de se desvincular dos consumos aditivos, o arguido submeteu-se a um tratamento, mas veio a sofrer uma recaída no ano de 2014, tendo os consumos sido interrompidos apenas em contexto prisional;
30) Antes de preso no âmbito da anterior pena de prisão, o arguido vivia em Espanha, encontrando-se afastado há muitos anos do pai e de alguns irmãos que residiam em Portugal, habitando uma casa arrendada na cidade ...;
31) Ao tempo, privilegiava o convívio com outros indivíduos cujo estilo de vida era socialmente pouco ajustado, encontrando-se a consumir drogas de forma abusiva;
32) Tem duas filhas de relacionamentos diferentes, as quais se encontram autónomas, a viver em Espanha;
33) Deu entrada no Estabelecimento Prisional 1... a 27.7.2018, tendo sido transferido para o Estabelecimento Prisional 2..., em regime de alta segurança, onde permaneceu durante um ano, sendo depois transferido para o Estabelecimento Prisional 3...;
34) O arguido foi libertado no termo de pena, no passado dia 10 de junho de 2023, tendo permanecido alguns dias com o irmão;
35) Trabalha para uma empresa do ramo da construção civil, auferindo 750 €, sendo um trabalhador pontual, assíduo e bastante empenhado;
36) Tem uma namorada em Espanha, que já o visitou em Portugal;
37) O arguido encontra-se abstinente relativamente a consumos de estupefacientes;
38) Relativamente ao seu percurso criminal, o arguido atribui-os à sua dependência de substâncias estupefacientes;
39) Tem consciência que o presente processo poderá trazer alterações significativas na sua vida pessoal e familiar, uma vez que pretende regressar a Espanha onde refere poder organizar a sua vida;
40) O arguido já foi condenado

i. No âmbito do processo n.º 4/92, da 2.ª Secção da Audiência Provincial de Pontevedra (Espanha), por decisão de 17.9.1993 (confirmada por decisão transitada em julgado pelo Tribunal da Relação de Lisboa a 29.7.1999), pela prática, a 19.2.1992, de um crime de homicídio qualificado (parricídio), previsto e punido pelos artigos 131.º e 132.º, n.º 1 e n.º 2, al. a), ambos do Código Penal, na pena única de 20 anos de prisão;
ii. No âmbito do processo n.º 2951/91.9TDLSB, da 2.ª Secção da 4.ª Vara Criminal de Lisboa, por decisão transitada em julgado a 10.10.2000, pela prática, a 11.3.1991, de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 296.º e 297.º, n.º 1 e n.º 2, als. c) e d), do Código Penal de 1982, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão;
iii. No âmbito do processo n.º 8/2007 do Juízo de Instrução de Vigo n.º 3, por decisão transitada a 6.2.2007, pela prática, a 6.2.2007, de um crime de tentativa de roubo, na pena de 4 meses de prisão, suspensa por 2 anos;
iv. No âmbito do processo n.º 435/15.4JELSB, do Juízo Central Criminal de Lisboa – Juiz 13, por decisão transitada a 18.12.2018, pela prática, a 3.12.2006, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, na pena de 6 anos de prisão;
B. Factos não provados
7. Com relevo para a boa decisão da causa, não se provaram quaisquer outros que estejam em contradição com os dados como provados
Designadamente, não se provaram os seguintes factos:
a) Sem prejuízo do aí descrito, os bens referidos em 2) dos factos provados foram apreendidos no dia 17 de novembro de 2020, no decurso de uma busca à cela n.º ... da Ala ..., habitada pelo arguido;
b) Sem prejuízo do descrito em 4) dos factos provados, o arguido destinava o estupefaciente que foi apreendido ao seu consumo;

C.
8. Os demais que consta em diferentes peças processuais constitui matéria absolutamente conclusiva ou de direito.
D. Motivação
9. Impõe-se, agora, proceder à exposição dos motivos que fundamentam a decisão de facto.
Em termos genéricos, o Tribunal fundou a sua convicção considerando as declarações do arguido, assim como os depoimentos dos elementos do corpo da Guarda Prisional (FF, GG, HH e II) e, além disso, a prova pericial e documental que se encontra junto aos autos, analisando todos os elementos probatórios ao dispor do Tribunal em confronto entre si e de acordo com as regras da experiência e a livre convicção do julgador (artigo 127.º do Código de Processo Penal).
Concretizemos.
10. Factos provados.
10.1. Factualidade descrita em 1) a 5) dos factos provados.
a) Ainda antes de nos debruçarmos sobre os concretos elementos probatórios que serviram à formação da convicção d Tribunal, importa advertir que, no seu início, alguns dos atos processuais e diligências relevantes se mostram incorretamente documentadas, nomeadamente quanto à apreensão dos bens que se mostra referida em 2) dos factos provados, já que, consta a fls. 41 o auto de apreensão e da sua mera leitura resultaria que os aludidos bens teriam sido apreendidos no dia 20 de novembro de 2020.
Todavia, e tal resulta de modo límpido e cristalino, não só dos depoimentos das testemunhas, mas também das próprias declarações do arguido, que aquela apreensão ocorreu em termos bem distintos, já que ocorreu nos termos que se mostram descritos em 3) dos factos provados, o que se logra perceber também de alguns elementos documentais que constam nos autos, tais como:
– auto de notícia de fls. 25 (elaborado no dia 16 de novembro), juntamente com as fotos de fls. 26 a 32, assim como a guia de entrega que se mostra a fls. 33; e
– auto de notícia de fls. 34 (elaborado a 17 de novembro), assim como a foto de fls. 35 e a guia de entrega de fls. 36.
Assim, e naturalmente que conjugada com outros elementos probatórios a que o Tribunal deu relevo — tal como se disse, às próprias declarações do arguido (e melhor se verá em que termos é que estas serviram à formação da convicção do Tribunal), os depoimentos das testemunhas, o teor dos relatórios do exame pericial ao estupefaciente apreendido — considerou-se o teor dos autos de notícia, mas apenas enquanto documentam os bens que foram apreendidos, seu local e data, já não enquanto documentem declarações/depoimentos de quem quer que fosse.
b) Além dos autos de notícia (e nos termos que se assinalaram), o Tribunal atendeu igualmente às fotos de fls. 26 a 32, de fls. 35 e de fls. 39 e 40, retratando os bens apreendidos, designadamente o estupefaciente.
c) Ainda com grande relevo na formação da sua convicção, o Tribunal tomou em linha de conta os resultados do exame pericial que foi realizado ao estupefaciente e comprimidos apreendidos, cujo resultados se mostram no competente relatório de fls. 137 e 138, exames que, assinale-se, foram realizados no Laboratório da Polícia Científica da Polícia Judiciária e que não foram alvo da mais pequena contestação.
d) No que diz respeito ao circunstancialismo em que o arguido detinha os bens, assim como o destino que lhe pretendia dar, o Tribunal considerou, além das regras da experiência, os depoimentos de FF, GG, HH e II, todos eles pertenceres ou aos serviços da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais e ou ao corpo da Guarda Prisional.
Os depoimentos destas testemunhas foi, cada um deles, claro quanto ao modo como se procedeu à revista do arguido (FF e GG) e à busca à sua cela (GG, HH e II), assim como as reações que o mesmo teve ao tempo.
Ademais, os respetivos depoimentos encontram suporte nos elementos documentais e periciais que acima se aludiram.
Os respetivos depoimentos mereceram ainda credibilidade porquanto não se notou qualquer especial animosidade para com o arguido.
e) Por fim, refira-se que o arguido prestou declarações, admitindo que detinha a canábis e negando a posse/detenção ou propriedade da heroína e, ainda, que destinava o estupefaciente que lhe foi apreendido e que lhe pertencia (a canábis, recorde-se), apenas para o seu consumo.
Oportunidade para se dar conta da importância que o Tribunal conferiu às declarações do arguido JJ.
i. Em termos gerais, as declarações do arguido não apareceram credíveis ao Tribunal.
É certo que, como já se referiu, não deixou de admitir que detinha a droga que lhe foi apreendida aquando da sua entrada no Estabelecimento Prisional 1... (e que lhe foi apreendida a 16 de novembro). Mas, digamo-lo sem rodeios, perante o manancial de prova que atestava tais factos (recorde-se que o arguido foi alvo de revista logo à entrada do Estabelecimento Prisional e que, confrontado com as informações de que transportava estupefaciente no seu corpo, foi convencido retirar/evacuar do ânus o estupefaciente, o que fez), como os poderia negar?
Praticamente tudo o mais — rectius, tudo quanto achou que podia contestar por não haver prova direta — o arguido negou, seja o estupefaciente que lhe foi apreendido na cela no dia seguinte (a heroína) e, também, que destinava o estupefaciente à cedência a terceiros.
ii. Ora, as declarações do arguido mostraram-se, em alguns aspetos, contraditórias entre si, considerando-as à luz das mais elementares regras da experiência e, além disso, foram diretamente desmentidas por outros elementos probatórios a que o Tribunal deu relevo.
Desde logo, salta à vista que o arguido, que se apresentou como alguém que não consumia estupefacientes — nem com tal era conotado no estabelecimento prisional — tenha procurado convencer o tribunal que a introdução do estupefaciente visava o seu consumo por estar revoltado com o facto de não o terem avisado que o seu pai havia falecido e que, por isso, iria consumir algum estupefaciente. Isto, note-se, sem prejuízo de os elementos que constam do processo apontarem para o facto de pouca ou nenhuma relação manter com o pai.
Por outro lado, as declarações do arguido de que a droga que detinha são contrariados por outros elementos de prova, nomeadamente o depoimento de FF, comissário, assinalando que a interceção e revista do arguido aquando da sua entrada no estabelecimento prisional não foi aleatória, antes foi premeditada já que havia informações de que o mesmo iria introduzir estupefaciente naquele espaço. E, neste contexto, se a decisão de fazer introduzir estupefaciente no estabelecimento prisional surgiu no arguido já depois de o mesmo se encontrar a gozar a sua saída precária (quando, no dizer dele, ficou muito revoltado por ter sabido da morte do seu pai e ninguém o ter avisado…), como explicar que, afinal, no interior do Estabelecimento Prisional 1... já houvesse esse rumor? Ademais, deve dizer-se, FF deu conta que a informação lhe terá chegado por “via da concorrência”, isto é, eventualmente por outros traficantes que não estavam interessados em ver o seu negócio prejudicado…
Acresce ainda que, de acordo com as informações prestadas pela Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, o arguido foi sujeito a vários testes de despistagem a consumo de estupefacientes — cf. o teor de fls. 464 — e em nenhum deles o arguido surge como consumidor, o que aponta, inequivocamente, para que o estupefaciente fosse para ser cedido a outra ou outras pessoas.
Por fim, deve ainda assinalar-se que os guardas prisionais que participara na busca à cela que resultou na apreensão da heroína logo ouviram, diretamente, da boca do arguido que aquele estupefaciente lhe pertencia.
10.2. Factualidade descrita em 6) a 9) dos factos provados.
Esta factualidade resulta da normalidade das coisas perante o descrito em 1) a 5) dos factos provados, sendo certo que nenhuma prova foi produzida que permitisse ao Tribunal afastar ou suspeitar que “o normal acontecer” não se verificou no caso em apreço.
Ainda assim, deve assinalar-se que o arguido prestou declarações, sendo várias as pessoas que com ele contactaram, não sendo percebido pelo Tribunal, nem por qualquer outra pessoa qualquer problema nesta área, nomeadamente qualquer inaptidão ou problema cognitivo ou outro que o impedisse de compreender o mundo que o rodeia ou as normas que nos regem. E sempre se diga, neste âmbito, que foi elaborado relatório social por técnico com especiais habilitações, recorrendo a fontes e seguindo metodologias que temos por adequadas, nele não se dando conta — bem pelo contrário — de qualquer suspeita de que o arguido fuja da normalidade acima assinalada.
10.3. Factualidade descrita em 10) a 13) dos factos provados.
O Tribunal atendeu, aqui, ao teor dos autos de apreensão que se mostram a fls. 77, a fls. 155, fls. 114 e a fls. 116-117.
10.3. Factualidade descrita em 14) a 40) dos factos provados.
O Tribunal baseou-se, aqui, no teor do relatório social que se mostra a fls. 454 a 456 — sendo elaborado com técnico com especiais habilitações e que atendeu a fontes e seguiu metodologias que temos por adequadas — o qual, aliás, não sofreu qualquer contestação.
Ainda no que diz respeito às condições existenciais do arguido, o Tribunal valorou ainda a declaração que consta a fls. 463.
Tomou-se, ainda, em consideração o certificado do registo criminal do arguido que se encontra a fls. 444 a 448
11. Factos não provados.
a) Factualidade descrita em a) e b) dos factos provados.
Esta factualidade foi sustentada pelo arguido em audiência de julgamento, quando prestou declarações. Todavia, pelas razões que acima se expenderam, o Tribunal não lhes conferiu qualquer credibilidade e, além disso, os elementos probatórios que se referiram apontam no sentido do que se provou.
IV. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
12. Imputa-se ao arguido a prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, previsto e punido pelos artigos 21.º, n.º 1 e 24.º, al. h), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro.
Impõe-se, assim, que a presente decisão trate das seguintes matérias:
1.º, fazer o enquadramento jurídico-penal dos factos provados, isto é, dar conta se os factos provados permitem afirmar que o arguido efetivamente praticou o crime (de tráfico de estupefacientes) que lhe é imputado (ou outro que, neste processo, possa ser punido);
2.º, concluindo-se pela prática de ilícitos criminais, determinar as consequências jurídico-penais dos factos provados, nomeadamente:
– as penas que devem ser aplicadas ao arguido; e
– o destino a dar aos bens/objetos apreendidos.
Por fim, caberá, ainda, apreciar a responsabilidade pelas custas de cada um dos arguidos.
i. PARTE PENAL
A. Enquadramento jurídico-penal
13. Como dissemos, na acusação pública imputa-se ao arguido a prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, previsto e punido nos artigos 21.º, n.º 1 e 24.º, al. h), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro.
Vejamos se a factualidade provada confirma essa imputação.
A.1. O crime de tráfico de estupefacientes propriamente dito: o artigo 21.º, n.º 1
14. Comecemos, então, por analisar o tipo fundamental: o artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro (posteriormente alterado pelo Decreto-Lei n.º 81/95, de 22 de abril, pela Lei n.º 45/96, de 3 de setembro, pelo Decreto-Lei n.º 323/2001, de 17 de dezembro, pela Lei n.º 3/2003, de 15 de janeiro, pela Lei n.º 47/2003, de 22 de Agosto, pela Lei n.º 11/2004, de 27 de março, Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, Lei n.º 59-A/2007, de 4 de setembro, Lei n.º 18/2009, de 11 de maio, pela Lei n.º 38/2009, de 20 de julho, pelo Decreto-Lei n.º 114/2011, de 30 de novembro, pela Lei n.º 13/2012, de 26 de março, pela Lei n.º 22/2014, de 28 de abril, pela Lei n.º 77/2014, de 11 de novembro, pela Lei n.7/2017, de 2 de março, pela Lei n.º 8/2019, de 1 de fevereiro, pela Lei n.º 15/2020, de 29 de maio, pela Lei n.º 58/2020, de 31 de agosto), pela Lei n.º 9/2021, de 29 de janeiro, pela Lei n.º 25/2021, de 11 de maio, pela Lei 49/2021, de 23 de julho, pela Lei n.º 9/2023, de 3 de março e pela Lei n.º 55/2023, de 8 de setembro), sendo esta a norma referência a partir da qual se constrói quer o artigo 24.º, quer os artigos 25.º, 26.º e 40.º do apontado diploma legal (doravante designado simplesmente por Lei da Droga).
Este artigo 21.º, n.º 1 pune, assim, o “tráfico de estupefacientes”.
(Abra-se um brevíssimo parêntesis para assinalar que os factos ocorreram em novembro de 2020e as alterações posteriores ocorridas na Lei da Droga, considerado a factualidade provada, não têm a mais pequena influência ao caso dos autos).
15. “Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 40.º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos”.
É esta a redação do artigo 21.º, n.º 1, da Lei da Droga, o tipo fundamental do crime de tráfico de estupefacientes (a epígrafe que consta na lei é “Tráfico e outras atividades”) que importa começar por analisar.
Tem-se assinalado, na doutrina e jurisprudência, que o bem jurídico protegido com a incriminação é a saúde pública, num sentido amplo que abarca as suas componentes física e mental “em ordem a garantir um desenvolvimento são, seguro e livre dos cidadãos e da sociedade face aos perigos representados pelo consumo e tráfico de droga, atentatória da dignidade humana” (Fernando Gama Lobo, Droga – Legislação: notas, doutrina e jurisprudência, Quid Iuris? – Sociedade Editora, Lda., 2006, pág. 41), de tal modo que se pode afirmar que o crime de tráfico de estupefacientes é “protetor de diversos bens jurídicos pessoais, como a integridade física e a vida dos consumidores, mas em que o bem jurídico primariamente protegido é o da saúde pública”, na medida em que o legislador pretende “evitar a degradação e a destruição de seres humanos, provocadas pelo consumo de estupefacientes, que o respetivo tráfico indiscutivelmente potencia”, reconhecendo-se que “o tráfico põe em causa uma pluralidade de bens jurídicos”, tais como “a vida, a integridade física e a liberdade dos virtuais consumidores de estupefacientes; e, demais, afeta a vida em sociedade, na medida em que dificulta a inserção social dos consumidores e possui comprovados efeitos criminógenos”(Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2.10.2014, www.dgsi.pt; no mesmo sentido, entre tantos outros, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31.5.1995, Boletim do Ministério da Justiça, 447, pág. 178; de 1.3.2001, Coletânea de Jurisprudência, I, pág. 236; de 21.3.2007, Coletânea de Jurisprudência, I, pág. 220; considerando, todavia, que a lei visa proteger diversos bens jurídicos ¯ a saber: a saúde pública da população, a estabilidade económica, financeira, cultural e política da sociedade e a segurança e soberania do Estado ¯ sem que, sequer, se possa eleger um bem jurídico prevalente, pode ver-se João Luís de Moraes Rocha, Tráfico de estupefacientes e liberdade condicional, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 10, Fasc. 1.º, jan.-mar. de 2000, Coimbra Editora, pág. 107 a 109).
É justamente considerando a natureza específica do bem jurídico tutelado que o legislador construiu a tipo do tráfico de estupefacientes como um crime de perigo comum abstrato, que se consuma logo que o agente detenha a droga, não se mostrando necessário à sua consumação ou perfeição a verificação de qualquer dano ou resultado lesivo no bem jurídico protegido ou sequer se mostre verificado o perigo, antes este serve como mero motivo da incriminação (neste sentido, se pronuncia a doutrina, como Fernando Gama Lobo, Droga cit., pág. 442 a 444; e João Luís de Moraes Rocha, Tráfico cit., pág. 107; na jurisprudência, entre tantos outros, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21.3.2007, Coletânea de Jurisprudência, I, pág. 220; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4.7.2007, Coletânea de Jurisprudência, II, pág. 236; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2.4.2008, Coletânea de Jurisprudência, II, pág. 183; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4.6.2008, Coletânea de Jurisprudência, II, pág. 247; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.11.2008, Coletânea de Jurisprudência, III, pág. 229; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1.6.2011, www.dgsi.pt; Acórdão da Relação de Lisboa de 13.04.2000, Coletânea de Jurisprudência, II, pág. 157).
Daí que abundem as descrições de condutas típicas: “cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver”.
Neste sentido, “traficar” estupefaciente é tudo isto.
16. Ao nível do tipo objetivo, resulta do artigo 21.º, n.º 1, da Lei da Droga, que são três os pressupostos de verificação do crime de tráfico de estupefacientes: a prática não autorizada de qualquer das atividades descritas na referida norma; a não verificação da detenção da droga para exclusivo consumo pessoal; e a existência de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III (ou IV caso se refira ao n.º 4 do artigo 21.º).
a) Como já se disse, o legislador procurou indicar, de modo exaustivo (ainda que não taxativo) as condutas que exprimem o tráfico de estupefacientes: “cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver”. Insiste-se, todavia — o que, em nosso entender não é indiferente à intencionalidade normativa, nomeadamente para efeitos de distinção dos tipos privilegiados dos artigos 25.º e 26.º — que tal elenco não é taxativo, porquanto o legislador pune a simples “detenção”. Anote-se que estas atividades só são punidas quando o agente as realiza “sem para tal se encontrar autorizado”, pelo que a falta de autorização se apresenta também como elemento essencial do tipo.
b) Por outro lado — e tal tornou-se ainda mais claro em face da última alteração à Lei da Droga (que alterou o artigo 40.º) — a detenção de substâncias estupefacientes para consumo não é penalmente punida, mas apenas a título de contraordenação.
c) Por fim, como já se referiu, as substâncias devem constar das tabelas I a IV anexas ao referido Decreto-Lei n.º 15/93, de 2 de janeiro.
Sobre tal matéria, e vertendo a nossa atenção para o caso dos autos, deve desde já dizer-se que a canábis (resina) se mostra integrada na tabela I-C e a heroína na Tabela I-A.
i. A canábis é considerada uma droga “leve”. Trata-se de uma droga psicoativa que deriva da planta Cannabis, sendo o seu principal constituinte psicoativo a tetrahidrocanabinol (THC). Quando assume a forma de resina é vulgarmente conhecida como haxixe, sendo conhecida por erva quando é constituída por flores ou folhas maduras da planta Cannabis sativa. Tem, por isso, efeitos psicoativos e fisiológicos, tais como o relaxamento, a leve euforia, mas também uma diminuição passageira na memória de curto prazo, diminuição leve das habilidades motoras, para além de uma subjetiva mudança na perceção e, sobretudo, no humor. Ademais, aponta-se ainda o consumo de canábis como um fator muito relevante no despoletar da doença mental, nomeadamente a esquizofrenia e psicose.
Mostra-se a canábis integrada na Tabela I-C.
ii. A heroína, considerada como uma droga dura ou ultra dura (apesar da relatividade da classificação das drogas entre as duras e as leves), pertence à categoria das drogas depressoras do sistema nervoso central, apresentando um efeito inicial simultaneamente analgésico e de euforia (sensação de bem estar e de ausência de dor) que, gradualmente, é substituído pela disforia (estado de mau estar e ansiedade desagradável pela falta do estupefaciente).
A heroína mostra-se integrada na Tabela I-A.
17. Ao nível do tipo subjetivo, é necessário o dolo, em qualquer das suas modalidades, exigindo-se, pois, que o agente represente e conheça a natureza e características estupefacientes dos produtos objeto da ação, atuando, conhecedor da ilicitude da sua conduta, com intenção de realizar uma daquelas atividades descritas no tipo.
18. Aqui chegados, estamos em condições de, perante a factualidade apurada, dar o primeiro passo para determinar se o arguido deve ou não ser punido, a saber: o de determinar se efetivamente “traficava” (considerando o nomen do tipo legal) produtos estupefacientes, isto é, se as suas condutas se encontram abrangidas pelo artigo 21.º, n.º 1, da Lei da Droga.
Ora, a factualidade apurada não permite qualquer dúvida a este respeito:
Provou-se, efetivamente, que no dia 16 de novembro de 2020, o arguido introduziu no Estabelecimento Prisional 1..., transportando dissimulado no interior do seu corpo, designadamente no ânus, além de outros:
– 96,777 g de canábis (resina), com um grau de concentração de 16,6% de tetrahidrocanabinol, divididos em 4 pedaços embrulhados (que juntos formavam a palavra “CANNABIS”) em película transparente — que lhe foram logo apreendidos à entrada no estabelecimento prisional; e
– 4,665 g de heroína, com um grau de pureza de 9,8%, acondicionada num embrulho, que lhe foi apreendida apenas no dia seguinte, na cela onde o mesmo se encontrava.
O arguido destinava o produto estupefaciente à venda e cedência a outros reclusos do estabelecimento prisional onde se encontrava e não tinha qualquer autorização legal, administrativa ou médica, para adquirir, guardar, vender ou por qualquer forma ceder a terceiros heroína ou canábis.
Acresce que se provou, ainda, que o arguido conhecia a natureza e características das substâncias estupefacientes que deteve e transportou para o interior do estabelecimento prisional, sabendo tratar-se de canábis e heroína, estando ciente de que não tinha qualquer autorização para deter, transportar, vender ou ceder e que se encontrava no estabelecimento prisional, mas que atuou daquele modo que se descreveu — detendo e introduzindo no interior do estabelecimento prisional o estupefaciente referido — porque previamente representou e quis.
Por fim, o arguido atuou livre, voluntária e conscientemente, sabendo que a sua conduta era ilícita e reprovável.
Refira-se, ainda, que a detenção, por parte do arguido dos 201 comprimidos de metandrostenolona e do mini telemóvel da marca Long – CZ não constituem qualquer ilícito criminal, embora constituam infração disciplinar aos regulamentos do estabelecimento prisional.
Com efeito, de acordo com o Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade (aprovado pela Lei n.º 115/2009, de 12 de outubro, cuja última alteração lhe foi dada pela Lei n.º 35/2023, de 21 de julho), “o recluso apenas pode ter em seu poder os objetos” “a que atribua particular valor afetivo, de uso pessoal e para a sua vida diária, devidamente registados, que pelo seu valor e utilização não comprometam a ordem, a segurança e a disciplina do estabelecimento prisional, devendo os serviços prisionais fornecer ao recluso meios que lhe permitam guardar esses objetos em segurança” (artigos 26.º, n.º 6 e 28.º, n.º 1). E, acresce que, no que diz respeito aos bens pessoais, “ao recluso é apenas é permitido o uso de aliança, de relógio e de um objeto de adorno que não possua valor económico elevado”, podendo substituir estes por outros de valor semelhante (…) quando, simultaneamente, faça entrega dos que tem na sua posse” (artigo 37.º, n.º 1 e n.º 2, do Regulamento Geral dos Estabelecimentos Prisionais (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 51/2011, de 11 de abril, cuja última redação lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 58/2022, de 8 de setembro), podendo ainda ter “no espaço do alojamento” “unicamente” os seguintes objetos (n.º 3 do aludido artigo 37.º):
“a) artigos de higiene pessoal;
b) Vestuário e calçado para seu uso pessoal;
c) Livros, publicações periódicas e material de escrita;
d) Fonogramas, videogramas e jogos;
e) Televisor, aparelho de rádio, leitor de música e filmes, consola de jogos ou outro equipamento multimédia que não possibilite a comunicação eletrónica, até ao máximo de três equipamentos, não sendo, em qualquer caso, permitidos os computadores;
f) Publicações de conteúdo espiritual e religioso e objetos pessoais de culto espiritual e religioso;
g) Alimentos, nas quantidades e espécies permitidas nos termos do presente Regulamento Geral;
h) Tabaco e instrumento de ignição, em quantidade adequada ao consumo próprio;
i) Objetos a que o recluso atribua particular valor afetivo, desde que não possuam valor económico elevado nem, pelas suas características ou quantidade, comprometam a ordem, segurança e disciplina do estabelecimento;
j) Outros objetos cuja permanência no alojamento seja imprescindível por razões de saúde do recluso, sob proposta do médico e mediante autorização do diretor do estabelecimento prisional.”
Por outro lado, nos termos do artigo 104.º, als. i) e j), do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, constitui infração disciplinar grave “introduzir, produzir, fabricar, fazer sair, distribuir, transacionar, ter em seu poder ou guardar no estabelecimento prisional objetos proibidos ou organizar essas atividades e criar deste modo perigo para a ordem e segurança do estabelecimento prisional” e “deter, possuir, introduzir, produzir, fabricar, distribuir ou transacionar no estabelecimento prisional estupefacientes ou qualquer outra substância tóxica, fármacos não prescritos ou bebidas alcoólicas não autorizadas ou organizar essas atividades”.

A.2. A circunstância agravante do tráfico no estabelecimento prisional
19. Passo seguinte, é o de determinar se o arguido preencheu, igualmente, o tipo agravado previsto na alínea h) do artigo 24.º da Lei da Droga que lhe é imputado no libelo acusatório e que poderá determinar a sua condenação no crime de tráfico de estupefacientes agravado, nos termos do qual a pena prevista no artigo 21.º deve ser aumentada “de um quarto nos seus limites mínimo e máximo” se “a infração tiver sido cometida em instalações de serviços de tratamento de consumidores de droga, de reinserção social, de serviços ou instituições de ação social, em estabelecimento prisional, unidade militar, estabelecimento de educação, ou em outros locais onde os alunos ou estudantes se dediquem à prática de atividades educativas, desportivas ou sociais, ou nas suas imediações”.
Importa, por isso, apurar se os factos praticados pelo arguido se enquadram em alguma destas circunstâncias agravantes.
20. Mesmo antes de nos debruçarmos sobre a concreta circunstância agravante que o libelo acusatório imputa ao arguido, três notas se impõem.
a) A primeira, no sentido de acentuar que, diferentemente do que sucede relativamente ao artigo 25.º (onde se apontam fatores que poderão justificar a agravação da pena), o legislador indica taxativamente as situações que devem ser valoradas para efeitos da agravação da pena.
b) Depois — e tal matéria mostra-se relacionada com a nota seguinte — deve chamar-se a atenção que qualquer das agravantes qualificativas previstas na alínea h) do artigo 24.º não é de funcionamento automático, antes devem, cada uma delas, ser perspetivada e analisada considerando o princípio da proporcionalidade, aliás, de acordo com o artigo 3.º, n.º 4 da Convenção da Organização das Nações Unidas de 20.12.1988 (ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 45/91, de 6 de Setembro e que foi aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 29/91, de 6 de Setembro) que está na base do principal diploma legislativo que pune o tráfico de estupefacientes, o já referido Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, tal como este último expressamente admite no seu preâmbulo.
Na verdade, chocaria o mais elementar sentido de Justiça que a um jovem de 22 anos, a frequentar a universidade, fosse de aplicar uma pena a fixar entre os 5 e os 15 anos de prisão só porque tivesse distribuído alguns pedaços de haxixe em instalações escolares.
Assim, deste pequeníssimo exemplo se torna patente a necessidade de apreciar a conduta do agente tendo presente o princípio da proporcionalidade, o qual deve ser apreciado em função das específicas razões que justificam a agravação da punição, de tal modo que se possa dizer que a conduta, concretamente analisada revela um acentuado desvalor e desrespeito em relação às intencionalidades normativas que justificaram a opção do legislador em agravar a punição em face daquelas circunstâncias. Dito de modo mais seco: não havendo um funcionamento automático das circunstâncias agravantes, só haverá tráfico de estupefacientes agravado naquelas situações em que a conduta do agente revela, em concreto, um particular desprezo ou desrespeito pelos objetivos perseguidos pela norma penal agravante.
c) Por outro lado, “é sabido que a enunciação das circunstâncias que merecem o agravamento, nos termos do artigo 24.º, das penas previstas no artigo 21.º, revela uma heterogeneidade de motivos que não permite a construção de uma teoria geral sobre o fundamento da agravação”, pois “estão aí presentes circunstâncias que se referem ainda ao perigo e à proteção recuada suposta pela natureza e função dos crimes de perigo no caso de certos destinatários da atividade; outras às qualidades do agente, ao seu estatuto funcional ou ao lugar da infração; outras ainda à maior eficácia da atividade; ou ainda relativas à consideração de efetivos resultados danosos, não já de maior potencialidade do perigo, mas de verificação real de consequências desvaliosas”, de tal modo que “cada fundamento de agravação tem se ser valorado por si, desde logo na específica dimensão que lhe deva ser reconhecida ainda ao nível da própria tipicidade” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1.10.2003, Coletânea de Jurisprudência, III, pág. 184).
21. No que diz respeito à alínea h) do artigo 24.º, a agravação aí prevista procura “reprimir de forma mais gravosa o tráfico de estupefacientes que possa propiciar o seu consumo por pessoas que merecem especial proteção, designadamente, por razões de saúde e em função da sua pouca idade”, porque “a preocupação do legislador é evitar a circulação de estupefacientes em locais como aqueles, frequentados por pessoas em situação de especial fragilidade, por serem (ex) dependentes de estupefacientes em tratamento ou em recuperação, por se tratar de pessoas marginalizadas, por serem militares, relativamente aos quais se exige uma especial preparação física e uma disciplina específica, ou por serem jovens e assim haver necessidade de evitar a iniciação e a disseminação de drogas entre eles” (exatamente assim, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10.11.2022, disponível em www.dgsi.pt).
22. Centrando a nossa análise no tráfico de estupefacientes realizado em estabelecimento prisional, podemos afirmar que a agravação da pena em tais situações reside no desrespeito, manifestado pelo agente, dos objetivos de prevenção e reinserção ínsitos necessariamente no cumprimento das penas e perseguidos pela instituição prisional (neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8.6.2006, Coletânea de Jurisprudência, II, pág. 182; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28.6.2006, Coletânea de Jurisprudência, II, pág. 231). É que a “agravação não tem tanto que ver com a saúde dos presos, mas, sobretudo, com a elevadíssima ilicitude do facto, já que praticado por alguém que dá nota não só do inteiro desprezo a que vota os objetivos da condenação que está a cumprir, como potencia, pelo (mau) exemplo, que os outros presos enveredem pelo mesmo caminho, não só frustrando os objetivos de prevenção, como levando a deixar de lado a sua reinserção, enfim, pondo em causa todo o fim das penas que o sistema prisional é suposto acautelar” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6.6.2006, Coletânea de Jurisprudência, II, pág. 205).
Ademais, importa salientar que os reclusos são “uma população merecedora de uma disciplina específica, tendo em conta precisamente o elevado número de consumidores e mesmo toxicodependentes encarcerados e a necessidade de políticas especiais para combater o fenómeno nas prisões” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10.11.2022, disponível em www.dgsi.pt). É, pois, em função desta intencionalidade normativa específica — e nela não cabe o desrespeito pela autoridade do Estado ou o desrespeito pelo funcionamento e disciplina dos serviços em causa — e sabendo-se do caráter não automático da sua aplicação, que cabe então perguntar se a conduta dos arguidos, concretamente analisada quanto à quantidade ou qualidade de produto estupefaciente, ou quanto ao seu destino, ou quanto ao grau de disseminação pelos demais reclusos, revela um acentuado grau de desrespeito pelos objetivos de prevenção e reinserção ínsitos necessariamente no cumprimento das penas e perseguidos pela instituição prisional (neste exato sentido, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8.6.2006, Coletânea de Jurisprudência, II, pág. 232; e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28.2.2006, Coletânea de Jurisprudência, I, pág. 182) e, por isso, a sua punição agravada não se apresenta desproporcional. E neste contexto — o do “tráfico” em espaço prisional — crê-se que se apresenta como de grande relevo a consideração de que a agravante só deverá funcionar perante comportamentos através dos quais se haja processado a difusão de substâncias estupefacientes pelos demais reclusos ou, pelo menos, face a condutas especialmente potenciadoras desse perigo (apontando um sentido mais alargado, pode ver-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10.11.2022, acima citado, aí se referindo que “existirá ilícito agravado, em princípio, quando houver disseminação ou perigo de disseminação de estupefacientes pelos reclusos, quando a quantidade for significativa, ou quando a intenção for meramente lucrativa”, posição que, a nosso ver e sempre com o devido respeito, alarga excessiva e desproporcionalmente o âmbito de aplicação da alínea h) do artigo 24.º, por duas ordens de razões: prescinde de um perigo de difusão de estupefaciente no estabelecimento prisional que seja especial ou “agravado”, assim tornando a mera detenção de estupefaciente no estabelecimento prisional como uma conduta com uma ilicitude especialmente agravada [o que conduz, por exemplo, que bastaria que o estupefaciente seja apreendido no interior do estabelecimento prisional, mesmo que à sua entrada e sem a mais pequena possibilidade de, em concreto, ser distribuído pela população reclusa, como integrando a agravante]; inclui nas causas agravantes condutas que, em concreto, pouco poderão ter a ver com a difusão de droga entre os reclusos ou o perigo dessa difusão, tais como a quantidade detida pelo agente ou a intenção meramente lucrativa com que atua).
Ademais, para que a conduta possa ser integrada na alínea h) do artigo 24.º da Lei da Droga, é necessário que a ação se revista “de um grau de ilicitude proporcional à medida da pena correspondente ao crime agravado”, porque a situação que está ínsita naquela norma “é a de uma disseminação com certa escala entre os reclusos, não um ato isolado ou excecional de venda ou cedência a um recluso”, pelo que “a qualificação que aquele preceito prevê implica uma atividade sucessiva por um número indeterminado de reclusos, ainda que eventualmente restrita, como as condições de reclusão normalmente impõem, ou, pelo menos, a detenção de uma quantidade de estupefaciente bastante para tal efeito” até porque “”só assim se cumpre o princípio da proporcionalidade das penas” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.9.2018, disponível em www.dgsi.pt).
23. Olhando o caso dos autos, entende-se que nenhum dos arguidos deverá ser punido no quadro do tráfico agravado previsto na alínea h) do artigo 24.º da Lei da Droga. a) Deve reconhecer-se, não obstante a conclusão que fomos adiantando, que há elementos factuais que colocam o patamar da gravidade do ilícito levado a cabo pelo arguido elevado.
Desde logo, deve anotar-se que o arguido atuou tendo em vista a venda e cedência de estupefaciente no interior do estabelecimento prisional, pelo que, por esta banda, se deve considerar que atuou tendo em vista atingir e ofender o bem jurídico (a saúde) de populações especialmente vulneráveis no quadro do tráfico de estupefacientes.
Também a quantidade e qualidade de estupefaciente que foi traficada (96,777 g de canábis e 4,665 g de heroína), considerando tratar-se de um estabelecimento prisional, deve considerar-se com algum relevo. E, note-se, se a canábis (resina) é uma droga dita leve (no que tal afirmação tem de relativo) e com efeitos menos graves que outras, já a heroína é uma droga dura, com efeitos que vão muito para lá da mera recreação.
Por outro lado, e muito embora não tenha havido disseminação do estupefaciente entre os reclusos, o certo é que o estupefaciente foi apreendido já no interior do estabelecimento prisional — e a norma agravante estende o efeito agravante às sua imediações — pelo que é de considerar que o perigo, pressuposto pela agravação se mostrava já presente.
Acresce que, a distribuição e difusão de estupefaciente pela população reclusão só não ocorreu por motivos alheios à vontade do arguido.
b) Contudo, como já dissemos, entende-se que a conduta do arguido não atinge um tão elevado grau de exasperação e gravidade que mereça ser punida como tráfico de estupefacientes agravado.
Em primeiro lugar, importa anotar que o grosso do estupefaciente (o canábis) foi apreendido logo à entrada do Estabelecimento Prisional 1..., enquanto que o restante (a heroína) bem cedo da manhã seguinte. O que significa que não chegou a haver, portanto, qualquer disseminação do estupefaciente pelos reclusos.
Deste modo, sem prejuízo de a conduta do arguido ser reveladora do seu profundo desprezo pelas finalidades ressocializadoras do estabelecimento prisional, assim como um sinal de que se mostra indiferente às finalidades das penas que cumpria, a verdade é que a conduta delituosa levada a cabo não chegou a colocar efetivamente tais finalidades em causa justamente porque o estupefaciente foi apreendido mal passou os portões do estabelecimento prisional, não tendo havido possibilidade — ou estas tendo sido escassas — de ter sido disseminado-distribuído pelos demais reclusos.
Não se tente argumentar, em todo o caso, que considerando a quantidade e qualidade de estupefaciente introduzido no estabelecimento prisional, assim como a intenção com que o arguido agiu e o facto de ter sido apreendido já no seu espaço interior, conduz já a uma potenciação do risco de difusão da droga pela população reclusa e, por isso, a um aumento do perigo de ofensa ao bem jurídico.
Desde logo, porque a visão da realidade assim pressuposta conduz sempre ao agravamento da punição nos termos do artigo 24.º, al. h) nas situações em que há detenção de estupefaciente no interior de estabelecimentos prisionais, o que, além do mais, poderá conduzir a resultados verdadeiramente desproporcionais.
Depois, como dissemos, não basta um qualquer perigo de difusão de substâncias estupefacientes pela população reclusa para que a agravante se verifique, antes se deve comprovar nos factos de tal perigo se verifica em tal grau que justifique um especial agravamento da pena — lembre-se, a propósito, que o homicídio simples tem como limite mínimo e máximo os 8 e 16 anos de prisão, enquanto o tráfico agravado tem uma pena bem próxima: entre 5 e 15 anos de prisão.
Por fim, muito embora se reconheça estarmos em presença de um crime de perigo abstrato, o grau de aproximação à concretização desse perigo deve ser tido em conta, sob pena de uma desproporcional — e inadmissível — punição do tráfico de estupefacientes, ainda que em contexto prisional.
Conclui-se, portanto, que o arguido não deve ser punido no quadro do crime de tráfico de estupefacientes agravado, previsto e punido pelo artigo 24.º, al. h), da Lei da Droga.

A.3. Os tipos privilegiados, especialmente o tráfico de menor gravidade
24. Aqui chegados, deve ponderar-se a aplicação dos tipos privilegiados previstos no artigo 25.º e 26.º, apurando, consequentemente, se a conduta de algum dos arguidos deve ser integrada na figura do traficante-consumidor (artigo 26.º) ou as suas condutas devem ser qualificadas como tráfico de menor gravidade (artigo 25.º) ou, ainda, nos quadros do simples consumo (artigo 40.º ou a mera aplicação da Lei n.º 30/2000, de 29 de novembro).
É esse o caminho que ora iremos percorrer.
25. Comecemos pela análise dos artigos 40.º e 26.º da Lei da Droga.
a) No que tange ao crime de consumo, ao tempo da prática dos factos, regia o artigo 40.º da Lei da Droga:
“1. Quem consumir ou, para o seu consumo, cultivar, adquirir ou detiver plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a IV é punido com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 30 dias.
2. Se a quantidade de plantas, substâncias ou preparações, cultivada, detida ou adquirida pelo agente exceder a necessária para o consumo médio individual durante o período de 3 dias, a pena é de prisão até l ano ou de multa até 120 dias.
3. No caso do n.º 1, se o agente for consumidor ocasional, pode ser dispensado de pena.” Este regime sofreu forte restrição com a entrada em vigor do regime jurídico aplicável ao consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, aprovado pela Lei n.º 30/2000, de 29 de novembro, onde se estatui, além do mais que ora não interessa, no artigo 2.º, o seguinte:
“1. O consumo, a aquisição e a detenção para consumo próprio de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas referidas no artigo anterior [tabelas I a IV anexas ao Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro] constituem contraordenação.
2. Para efeitos da presente lei, a aquisição e a detenção para consumo próprio das substâncias referidas no número anterior não poderão exceder a quantidade necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias.”
E, além disso, no artigo 28.º diz-se que “são revogados o artigo 40.º, exceto quanto ao cultivo, e o artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, bem como as demais disposições que se mostrem incompatíveis com o presente regime.”
Reforçando os princípios orientadores daquela Lei n.º 30/2000, de 29 de novembro e a intenção político-criminal a ela subjacente no sentido de descriminalizar o consumo de estupefacientes, a Lei n.º 55/2023, de 8 de setembro (em vigor desde o passado dia 1 de outubro), procedeu à alteração do artigo 40.º da Lei da Droga, passando este artigo a ter a seguinte redação:
“1. Quem, para o seu consumo, cultivar plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a IV é punido com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 30 dias.
2. A aquisição e a detenção para consumo próprio das plantas, substâncias ou preparações referidas no número anterior constituem contraordenação.
3. A aquisição e a detenção das plantas, substâncias ou preparações referidas no n.º 1 que exceda a quantidade necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias constituem indício de que o propósito pode não ser o de consumo.
4. No caso de aquisição ou detenção das substâncias referidas no n.º 1 que exceda a quantidade prevista no número anterior e desde que fique demonstrado que tal aquisição ou detenção se destinam exclusivamente ao consumo próprio, a autoridade judiciária competente determina, consoante a fase do processo, o seu arquivamento, a não pronúncia ou a absolvição e o encaminhamento para comissão para a dissuasão da toxicodependência.
5. No caso do n.º 1, o agente pode ser dispensado de pena.”
Já no que diz respeito ao traficante-consumidor, estatui o artigo 26.º, n.º 1, que “quando, pela prática de algum dos factos referidos no artigo 21.º, o agente tiver por finalidade exclusiva conseguir plantas, substâncias ou preparações para uso pessoal, a pena é de prisão até 3 anos ou multa, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, ou de prisão até 1 ano ou multa até 120 dias no caso de substâncias ou preparações compreendidas na tabela IV”.
No crime de consumo de estupefacientes, para além do mais, “é o destino específico que o agente dá ou dará à droga que traça o perfil do crime” (Fernando Gama Lobo, Droga cit., pág. 95): o consumo.
No que diz respeito à figura do traficante-consumidor tem a jurisprudência assinalado que ocorre esta finalidade exclusiva apenas nas situações em que a detenção (no sentido amplo que se assinalou) é animada pelo fito único de obter produto estupefaciente para consumo, sendo incompatível com qualquer outra utilização (neste sentido entre tantos outros, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 15.12.1999, Boletim do Ministério da Justiça, 492, pág. 218; de 26.4.2000, www.dgsi.pt; de 21.6.2001, Coletânea de Jurisprudência, II, pág. 235, Acórdão da Relação do Porto de 11.12.2002, www.dgsi.pt; em sentido idêntico, na doutrina, Fernando Gama Lobo, Droga cit., pág. 69). Dito de outro modo: estamos perante o traficante-consumidor naquelas situações em que o agente pratica atos de tráfico para, como isso, conseguir o estupefaciente necessário ao seu consumo.
(Interpretando os textos legais no sentido ora expendido, mas defendendo, iure constituendo, “uma maior amplitude do que a atualmente possível” para a figura do traficante-consumidor, já que “parece excessiva a exigência de que o tráfico se destine exclusivamente a conseguir meios para a obtenção de droga, devendo bastar que o tráfico se destine essencialmente a tal finalidade”, José de Faria Costa, Algumas Breves Notas Sobre o Regime Jurídico do Consumo e do Tráfico de Droga, in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 134.º, n.º 3930, pág. 279).
b) Liminarmente se dirá que nenhuma destas figuras terá qualquer aplicação ao caso dos autos, posto que o arguido destinava o estupefaciente que detinha à venda e cedência a outros reclusos do estabelecimento prisional em que se encontrava, estando assim afastada a possibilidade de o arguido destinar tal estupefaciente ou ao seu consumo ou à obtenção de estupefaciente necessário ao seu consumo.
26. Arredada a possibilidade de a conduta dos arguidos se integrar na figura do traficante-consumidor, teremos de perguntar se se mostram preenchidos os pressupostos de aplicação do artigo 25.º da Lei da Droga e, por isso, devem ser punidos no quadro do tráfico de menor gravidade.
É o que se vai ver de seguida.
a) Reza, então, o artigo 25.º, al. a), que “se, nos casos dos artigos 21.º e 22.º, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da ação, a qualidade ou quantidade das plantas, substâncias ou preparações, a pena é de prisão de um a cinco anos”.
Constitui esta norma um tipo privilegiado e através dela o legislador procura não sujeitar às reações penais mais severas aqueles que, embora sejam mais que meros traficantes-consumidores (porque se apresentam possuidores de substâncias proibidas, mas sem uma finalidade exclusiva de as destinar ao seu consumo), não surgem como traficantes tout court. Simultaneamente, confere-se ao sistema de reação penal contra o tráfico de estupefacientes uma maior maleabilidade, funcionando como uma espécie de “«válvula de segurança do sistema», destinada a evitar que se parifiquem os casos de menor gravidade aos de tráfico importante e significativo” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8.10.1998, Coletânea de Jurisprudência, III, 188; de 7.12.1999, Boletim do Ministério da Justiça, 492, pág. 155; de 24.5.2007, Coletânea de Jurisprudência, II, pág. 203; de 23.9.2021, disponível em www.dgsi.pt; de 10.11.2022, disponível em www.dgsi.pt).
b) Para a aplicação deste preceito, a lei exige que a ilicitude do facto se mostre consideravelmente diminuída. Para isso, é indispensável proceder a uma “valoração global do facto”, “devendo o juiz valorar complexivamente todas as concretas circunstâncias do caso com vista à obtenção de um resultado final, qual seja o de saber se, objetivamente, a ilicitude da ação é de relevo menor que a tipificada nos artigos anteriores (21.º e 22.º)” (exatamente assim, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29.5.2003, Coletânea de Jurisprudência, II, pág. 205), tendo em consideração que as circunstâncias apontadas na lei — os meios utilizados, modalidade ou circunstâncias de atuação, quantidade e qualidade dos produtos — são meramente exemplificativos.
(No sentido que aqui defendemos, ao que sabemos de modo unânime, pode ver-se Fernando Gama Lobo, Droga cit., pág. 62; na jurisprudência, além dos arestos já citados, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1.3.2001, Coletânea de Jurisprudência, I, pág. 236; de 1.7.2004, Coletânea de Jurisprudência, II, pág. 242; de 22.3.2006, Coletânea de Jurisprudência, I, pág. 218; de 22.3.2006, Coletânea de Jurisprudência, I, pág. 219; de 15.2.2007, Coletânea de Jurisprudência, I, pág. 192; de 4.7.2007, Coletânea de Jurisprudência; II, págs. 236 a 238; de 2.4.2008, Coletânea de Jurisprudência, II, págs. 185 e 186; de 4.6.2008, Coletânea de Jurisprudência, II, págs. 247 e 248; de 19.11.2008, Coletânea de Jurisprudência, III, pág. 230 a 232).
A densificação do “conceito de «ilicitude consideravelmente diminuída», tendo, embora, como referências ainda a indicação dos critérios da lei, está fortemente tributária da intervenção de juízos essencialmente prudenciais, permitidos (e exigidos) pela sucessiva ponderação da praxis judicial perante a dimensão singular dos casos submetidos a julgamento” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22.3.2006, Coletânea de Jurisprudência, I, pág. 218).
Assim, “o privilegiamento deste tipo legal de crime não resulta de um concreto elemento típico que acresça à descrição do tipo fundamental (artigo 21.º do mesmo diploma), mas sim da verificação de uma diminuição considerável da ilicitude, a partir de uma avaliação da situação de facto, para a qual o legislador não indica todas as circunstâncias a atender, limitando-se a referir exemplificativamente “os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da ação, a qualidade e a quantidade das substâncias”, abrindo assim a porta à densificação doutrinal e jurisprudencial do conceito de menor gravidade” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10.11.2022, disponível em www.dgsi.pt).
Neste contexto, para aferir o que seja o tráfico de menor gravidade em relação ao previsto no artigo 21.º, importa atender, por exemplo (seguimos os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 23.11.2011 e de 23.9.2021, disponíveis em www.dgsi.pt):
– se “a atividade de tráfico é exercida por contacto direto do agente com quem consome (venda, cedência, etc.), isto é, sem recurso a intermediários ou a indivíduos contratados, e com os meios normais que as pessoas usam para se relacionarem (contacto pessoal, telefónico, internet);”
– às “quantidades que esse vendedor transmitia individualmente a cada um dos consumidores, se são adequadas ao consumo individual dos mesmos, sem adicionar todas as substâncias vendidas em determinado período, e verificar ainda se a quantidade que ele detinha num determinado momento é compatível com a sua pequena venda num período de tempo razoavelmente curto;
– “o período de duração da atividade pode prolongar-se até a um período de tempo tal que não se possa considerar o agente como «abastecedor», a quem os consumidores recorriam sistematicamente em certa área há mais de um ano, salvo tratando-se de indivíduo que utiliza os proventos assim obtidos, essencialmente, para satisfazer o seu próprio consumo, caso em que aquele período poderá ser mais dilatado;
– se “as operações de cultivo ou de corte e embalagem do produto são pouco sofisticadas;
– se “os meios de transporte empregues na dita atividade são os que o agente usa na vida diária para outros fins lícitos;
– se “os proventos obtidos são os necessários para a subsistência própria ou dos familiares dependentes, com um nível de vida necessariamente modesto e semelhante ao das outras pessoas do meio onde vivem, ou então os necessários para serem utilizados, essencialmente, no consumo próprio de produtos estupefacientes;
– “a atividade em causa deve ser exercida em área geográfica restrita;”
– “o tipo dos estupefacientes comercializados ou detidos para comercialização, tendo em consideração a sua danosidade para a saúde, habitualmente expressa na distinção entre «drogas duras» e «drogas leves»”;
– “a quantidade dos estupefacientes comercializados ou detidos para esse fim, avaliada não só pelo peso, mas também pelo grau de pureza;”
– “a dimensão dos lucros obtidos;”
– “o grau de adesão a essa atividade como modo e sustento de vida;”
– “a afetação ou não de parte das receitas conseguidas ao financiamento do consumo pessoal de drogas;”
– “a duração temporal da atividade desenvolvida;”
– “a frequência (ocasionalidade ou regularidade), e a persistência no prosseguimento da mesma;”
– “a posição do agente no circuito de distribuição clandestina dos estupefacientes, tendo em conta nomeadamente a distância ou proximidade com os consumidores;”
– “o número de consumidores contactados;”
– “a extensão geográfica da atividade do agente;”
– “a existência de contactos internacionais;”
– “o modo de execução do tráfico, nomeadamente se praticado isoladamente, se no âmbito de entreajuda familiar, ou antes com organização e meios sofisticados”.
Deste modo, “a aplicação do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, tem como pressuposto específico a existência de uma considerável diminuição do ilícito do tipo de crime previsto no artigo 21º, devendo formular-se um juízo positivo sobre a ilicitude global do facto, concluindo-se por uma menor dimensão e expressão do ilícito, ou seja, por um menor desvalor da ação” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10.11.2022, disponível em www.dgsi.pt).
“Em síntese, portanto, o crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, é um tipo legal específico, constituindo uma variante dependente do tipo fundamental do artigo 21.º do qual se aparta em razão da substancial diminuição da ilicitude do facto por comparação à suposta por este, (positivamente) aferida em função da imagem global do episódio e com atenção à modulação da ação típica e, ou, do seu objeto, ou seja, sempre referenciada ao desvalor da conduta ou da execução do facto — à ilicitude do tipo, é o mesmo —, que não a considerações relativas ao desvalor da atitude interna do agente, à personalidade deste, a juízos sobre a culpa” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.11.2021, disponível em www.dgsi.pt).
c) Partilhamos, por isso, a ideia de que entre o artigo 21.º e o artigo 25.º se procura distinguir realidades criminológicas diversas que, entre si, têm de comum apenas o facto de constituírem segmentos distintos de um mesmo processo envolvido no perigo de lesão (entre outros, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3.11.2004, Coletânea de Jurisprudência, III, pág. 217-218; de 13.4.2005, Coletânea de Jurisprudência, II, pág. 175; e de 7.12.2005, Coletânea de Jurisprudência, III, pág. 234).
Mas tal afirmação não significa que o artigo 21.º esteja reservado ao tráfico internacional ou envolvendo estruturas organizativas integradas e complexas e produto e quantidades e qualidades muito significativas, enquanto o artigo 25.º abarcaria o dealer de rua, atuando isoladamente, sem qualquer estrutura ou como simples distribuidor (neste sentido pode ver-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28.6.2006, Coletânea de Jurisprudência, II, pág. 227).
Tal modo de ver as coisas torna, afinal, o artigo 24.º vazio de sentido: se o tráfico internacional, ou mesmo nacional, mas devidamente estruturado e organizado, está abrangido pelo artigo 21.º, para que servem as alíneas b), c), f), g) e j) do artigo 24.º? Como, além disso, olvida a grande amplitude dada pelo legislador ao artigo 21.º, n.º 1 (que, note-se, pune a simples detenção, conceito que, seguramente, é mais largo que o armazenar próprio do grande tráfico). Ao que, acrescente-se, e fazendo uma analogia com a vida empresarial, não é por o empresário atuar isolado que é menos organizado ou menos eficaz na sua finalidade, antes poderá significar uma melhor organização de meios, a ponto de dispensar a ajuda de terceiros.
Acresce que o artigo 25.º não se limita a exigir uma ilicitude diminuída, antes impõe uma ilicitude consideravelmente diminuída, advérbio que, seguramente, é prenhe de intencionalidade normativa.
Por fim, temos para nós que a tendência de alguns autores e jurisprudência para alargar o âmbito do artigo 25.º perdeu grande parte da sua razão de ser: a prática do crime de tráfico de estupefacientes prevista no artigo 21.º, n.º 1, implicaria, necessariamente, a aplicação de uma pena de prisão efetiva, porquanto não seria possível a suspensão da execução da pena de prisão (nesta tónica se insere Vítor Paiva, Breves notas sobre a penalização do pequeno tráfico de estupefacientes, in Revista do Ministério Público, 99, ano 25, jul. – set., pág. 137); ou então, sempre significaria uma punição excessiva (desde logo porque sempre implicaria uma pena de prisão efetiva) para o pequeno tráfico de rua, de tal modo que a jurisprudência se via obrigada a “forçar ou usar indevidamente uma atenuante especial” (é nestes exatos termos que se exprime o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28.6.2006, Coletânea de Jurisprudência, II, pág. 228 que, por isso, no nosso entendimento, tende a alargar o âmbito de aplicação do artigo 25.º, al. a)).
Mas esta situação, após a reforma do Código Penal operada pela Lei n.º 59/2007, de 4 de setembro, perdeu todo o sentido: nem se torna necessário alargar excessivamente o âmbito da alínea a) do artigo 25.º (forçando a letra e o espírito da lei, dela arredando a necessidade de verificação de uma ilicitude consideravelmente diminuída), nem se mostra necessário o uso forçado ou indevido de atenuantes especiais, pois a suspensão da execução da pena de prisão é agora possível até 5 anos de prisão.
26. Feitos estes considerandos, impõe-se olhar o caso sub iudice.
a) A primeira nota a atender é que estamos perante uma atividade de tráfico realizada no estabelecimento prisional: o arguido, recluso, logrou entrar no estabelecimento prisional detende estupefaciente (canábis e heroína).
Muito embora se reconheça existir jurisprudência que entenda que o tráfico de estupefacientes em contexto prisional (ou de qualquer outra circunstância prevista no artigo 24.º) agrava a sua ilicitude em termos tais de impedir “uma imagem global do facto” ilícito como sendo marcada por uma “ilicitude consideravelmente diminuída (assim, por exemplo, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23.11.2011, disponível em www.dgsi.pt), a nossa posição tem sido a de admitir essa possibilidade. Posto que, olhando a globalidade dos factos, estejamos efetivamente em presença de uma ilicitude consideravelmente diminuída na conduta do agente.
Contudo, esta afirmação não significa, sem mais, que se desconsidere o facto de a atividade de tráfico se desenvolver em contexto prisional, o que seguramente assume relevo agravante. De tal modo que o se deve perguntar — e responder — é se apesar de elevado desvalor da conduta manifestado pelo agente ao realizar atividades de tráfico em contexto prisional, outras circunstâncias concorrem que não só eliminem ou mitiguem o elevado desvalor de ação que tal comporta, mas a conduzam a um patamar de gravidade tão baixo que seja possível afirmar um juízo de ilicitude consideravelmente diminuído.
b) Isto posto, desde já se adianta que não é possível fazer tal juízo.
É certo, reconhece-se, que o estupefaciente não chegou a ser disseminado pela população reclusão — recorde-se que a canábis foi apreendida mal passou as portas do Estabelecimento Prisional e a heroína no dia seguinte — e que o grosso do estupefaciente detido era canábis (resina), uma droga considerada leve (sem prejuízo do caráter discutível da distinção entre drogas leves e drogas duras).
Contudo, impõe-se negar tal juízo de ilicitude consideravelmente diminuída desde logo atendendo que o tráfico ocorreu em contexto prisional, destinando o arguido o estupefaciente à venda e cedência do mesmo aos reclusos. O que, por si só, dá um sinal claro de uma atuação num quadro de desprezo pelas finalidades ressocializadoras subjacentes ao cumprimento das penas de prisão.
Acresce que a quantidade de canábis, considerando tratar-se de um estabelecimento prisional, não se pode considerar diminuta.
Além disso, não pode deixar de ponderar o facto de o arguido deter duas qualidades de estupefaciente: canábis e heroína, embora esta, sendo uma “droga dura”, numa quantidade de 4,665 g, com um grau de pureza baixo (9,8 %).
Teremos, então, de concluir que não é possível qualificar a conduta do arguido como sendo de uma ilicitude consideravelmente diminuída e, por isso, ser punida no quadro do crime de tráfico de menor gravidade, previsto e punido pelo artigo 25.º, al. a), da Lei da Droga.
A.4. Enquadramento jurídico penal: conclusão
27. Feito este percurso, falta apenas tirar as ilações devidas de tudo quanto foi explanado, concluindo-se do seguinte modo:
– o arguido não praticou um crime de tráfico de estupefacientes agravado, previsto e punido pelos artigos 21.º, n.º 1 e 24.º, al. h, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, tal como lhe era imputado na acusação;
– antes praticou um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro.
B. Consequências jurídico-penais
B.1. A pena
28. Tendo-se concluído que o arguido praticou um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, importa agora fixar as consequências jurídico-penais, nomeadamente a pena.
Nesta matéria impõe-se, desde logo, chamar a atenção para o artigo 40.º do Código Penal, norma que ilumina todo o complexo normativo relacionado com as penas, sejam principais, sejam acessórias.
Sendo o direito penal português informado pelo irrenunciável princípio da dignidade da pessoa humana, é óbvio que “em caso algum a pena poderá ultrapassar a medida da culpa” do agente da infração (artigo 40.º, n.º 2) e a sua aplicação é exigida apenas em nome da necessidade de “proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” (artigo 40.º, n.º 1), aqui se manifestando as finalidades de prevenção geral e especial da pena.
Quer isto dizer que, na escolha e determinação das penas a aplicar, devem valer, em primeiro lugar, as exigências de prevenção geral ou de tutela dos bens jurídicos no caso concreto, isto é, “primordialmente, a medida da pena há de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto” assumindo um “significado prospetivo que se traduz na tutela das expectativas da comunidade na manutenção (ou mesmo no reforço) da vigência da norma infringida” (Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português — As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Aequitas, Editorial Notícias, págs. 227 e 228). Dito de outro modo, através da aplicação de uma concreta pena, mostra-se à comunidade que a norma protetora de um certo bem jurídico continua válida e que a sua violação acarreta consequências.
Esta necessidade de tutela de bens jurídicos — embora nunca ultrapassando a culpa do agente — há de “fornecer um espaço de liberdade ou de indeterminação, uma moldura de prevenção dentro dos quais podem (e devem) atuar as considerações extraídas das exigências da prevenção especial de socialização” (Jorge Figueiredo Dias, As Consequências cit., pág. 229), mas também (mas excecionalmente), as da prevenção especial negativa ou de intimidação. Por isso, e dentro da moldura de prevenção fixada pela necessidade de tutela de bens jurídicos — nunca, portanto abaixo do mínimo suportável pelas exigências de prevenção geral positiva — “podem e devem atuar os pontos de vista de prevenção especial de socialização, sendo eles que vão determinar, em último termo, a medida da pena”, devendo esta, na medida do possível, evitar a quebra da inserção social do agente e servir a sua reintegração na
comunidade” (Jorge Figueiredo Dias, As Consequências cit., págs. 230 e 231), para além dos fatores relativos à prevenção especial negativa, de intimidação ou de segurança.
A culpa, como já foi dito, tem a função de servir fundamento (nulla poena sine culpa) e de limite máximo inultrapassável à pena, cumprindo assim o postulado constitucional da dignidade da pessoa humana.
Resumidamente (seguindo Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal: Parte Geral – Tomo I, Gestlegal, 3.ª ed., 2019, pág. 96):
“(1) Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial;
(2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa;
(3) Dentro deste limite máximo, ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto ótimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico;
(4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração, a medida da pena é encontrada em função das exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excecionalmente negativa, de intimidação ou de segurança individuais.
29. Como vimos, o arguido praticou um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, punível com pena de prisão de 4 a 12 anos.
Refira-se, ainda, que “a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção” (n.º 1 do artigo 71.º), devendo o tribunal, “na determinação concreta da pena”, atender a “todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele” (n.º 2 do dito artigo 71.º).
30. Pesam, desde logo e muito significativamente, as elevadas exigências de prevenção geral que se fazem sentir neste tipo de criminalidade (tráfico de estupefacientes), muito frequente e fortemente associada ao sentimento de insegurança, porque ligado ao perigo de degradação da pessoa e a outras manifestações delituosas, causador, por isso, de alarme social a exigir uma reação enérgica para restabelecer a confiança na validade e vigência da norma violada.
Neste caso, as exigências de punição mostram-se ainda mais elevadas considerando que a conduta era dirigida à introdução do estupefaciente no estabelecimento prisional e à sua distribuição por reclusos, incrementando, e do modo muito significativo, os problemas com a segurança em meio prisional.
Acresce que o arguido atuou com dolo e dolo intenso.
Ademais, e para além do dolo — que, é sabido, não esgota a culpa —, procurando distribuir estupefaciente entre a população reclusa, revelou uma atitude de particular indiferença em relação às finalidades ressocializadoras do cumprimento de penas de prisão, frustrando, por essa via, as possibilidades de recuperação e reintegração social dos reclusos. Sinal, portanto, de uma atitude interior de especial desprezo pela sorte dos reclusos, muitos deles chegados a tal situação (também) por força das suas adições.
Relativamente ao ilícito, são vários os considerandos a atender.
Em primeiro lugar, nesta sede deve atender-se à natureza (canábis e heroína), qualidade (a canábis com um grau de concentração de 16.6% de tetrahidrocanabinol; a heroína com um grau de concentração de 9,8%) e à sua quantidade (96,777 g de canábis e 4,665 g de heroína) do estupefaciente.
O facto de o arguido se encontrar recluso tem aqui de valorar-se.
O facto de não ter havido disseminação de estupefaciente pela população reclusa terá, necessariamente, de se pesar em favor do arguido. Embora se não deva esquecer que este não é um crime de dano, mas de perigo e este, considerando que o estupefaciente chegou a entrar no espaço interior do estabelecimento prisional.
As exigências de prevenção especial mostram-se igualmente elevadas.
Desde logo e muito relevante, o arguido tem antecedentes criminais, e um deles de tráfico de estupefacientes. Aliás, o crime em apreço foi praticado quando o arguido se encontrava em cumprimento da pena de 6 anos prisão pela prática do crime de tráfico de estupefacientes. Ao que acresce ter antecedentes criminais pela prática de outros crimes, tais como homicídio e roubos, um deles tentado.
Em seu abono, deve valorar-se o facto de, após ter sido libertado, logo se ter inserido profissionalmente. Acresce que, e porque tais condutas terão estado a origem do seu percurso criminal, mantém-se afastado do consumo de estupefacientes.
Tudo sopesado, é de condenar o arguido na pena de 4 anos e 3 meses de prisão.
31. Aqui chegados, é necessário determinar se ao arguido deve ser aplicada alguma pena de substituição, designadamente a suspensão da execução da pena de prisão (artigo 50.º).
a) No que toca às penas de substituição, deve o Tribunal recorrer à sua aplicação sempre que concluir que, por este meio, se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Inserindo-se no programa político-criminal inscrito no atual Código Penal de luta contra as penas de curta duração, as normas referentes à aplicação das penas de substituição são uma manifestação de um princípio geral que impõe a aplicação de penas detentivas apenas naqueles casos em que ela se mostre indispensável às exigências de defesa do ordenamento jurídico que se encontra plasmado no artigo 70.º. Ou seja, urge determinar se há uma imperiosa necessidade de aplicar a pena de prisão a que foi condenado o arguido ou se esta pode ser substituída por uma não detentiva, designadamente e considerando que o arguido vai condenado na pena de 3 anos de prisão, na suspensão da execução da pena de prisão (artigo 50.º).
b) Neste particular, deve assinalar-se que são “finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa, que justificam (e impõem) a preferência por uma pena alternativa ou por uma pena de substituição e a sua efetiva aplicação”, devendo o “tribunal preferir à pena privativa da liberdade uma pena alternativa ou de substituição sempre que, verificados os respetivos pressupostos de aplicação”, estas se “revelem adequadas e suficientes à realização das finalidades da punição” (Jorge de Figueiredo Dias, As consequências cit., pág. 331; no mesmo sentido, Anabela Miranda Rodrigues, Critério de escolha das penas de substituição, in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Eduardo Correia, vol. I, 1988, pág. 34).
Assim, pode dizer-se que a culpa não terá aqui (escolha da pena de substituição) qualquer papel de relevo, reservando-se apenas para fixar o limite inultrapassável do quantum da pena (assim, Jorge de Figueiredo Dias, As consequências cit., pág. 332).
Antes se deve dar prevalência às considerações de prevenção especial de socialização, só se devendo negar a aplicação de uma pena de substituição nos casos em que a execução da pena de prisão se revele necessária ou, pelo menos, mais conveniente que qualquer pena de substituição, reservando-se para a prevenção geral positiva ou de integração o papel de defesa do ordenamento jurídico, como limite de atuação às exigências de socialização, isto é, como limite mínimo inultrapassável sob pena de pôr em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias (neste sentido, Jorge de Figueiredo Dias, As consequências cit., págs. 332 e 333; e Anabela Miranda Rodrigues, Critério cit., págs. 39 a 48).
32. Dispõe-se no artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal que “o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
Esta é, como unanimemente é assinalado, mais uma forma de, conhecidos os potenciais efeitos crimogéneos das prisões, evitar que os agentes de factos típicos sejam efetivamente presos.
Constitui uma verdadeira pena (de substituição), não sendo uma modificação da pena de prisão, mas uma pena autónoma que assenta num prognóstico favorável relativamente ao comportamento futuro do agente, efetivado no momento da decisão. Tal juízo de prognose fundamentar-se-á, cumulativamente, na ponderação da personalidade do agente e das circunstâncias do facto (ainda que posteriores ao facto e mesmo que já valoradas em sede de medida concreta da pena), de modo que se possa dizer que existe a fundada expectativa de que o agente, considerado merecedor de confiança, há de sentir a condenação como uma advertência e não voltará a delinquir, através de uma vida futura ordenada conforme o Direito e aos valores socialmente erigidos.
Para a decisão de suspender ou não a pena de prisão, são decisivos os critérios de prevenção, geral (conquanto se exige que a suspensão não coloque em causa os mínimos irrenunciáveis de defesa da ordem jurídica) e especial de socialização. Ao invés, não há qualquer apelo aos critérios da culpa.
Tendo o arguido sido condenado em pena não superior a 5 anos de prisão, não há dúvida que se mostra preenchido o pressuposto formal.
E quanto ao pressuposto material?
Com efeito, a suspensão da execução da pena só poderá ser aplicada se o Tribunal concluir por “um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do arguido”, na medida em que a simples censura da pena realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Na verdade, a pena de substituição de suspensão da execução constitui uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico, de forte exigência no plano individual, particularmente adequada para, em certas circunstâncias e satisfazendo as exigências de prevenção geral, responder eficazmente a imposições de prevenção especial de socialização, ao permitir responder simultaneamente à satisfação das expectativas da comunidade na validade jurídica das normas violadas, e à socialização e integração do agente no respeito pelos valores do direito, através da advertência da condenação e da injunção que impõe para que o agente conduza a vida de acordo com os valores socialmente mais relevantes.
A ameaça da prisão, especialmente em indivíduos sem anterior contacto com a justiça criminal, contém, por si mesma, virtualidades para assegurar a realização das finalidades da punição, nomeadamente a finalidade de prevenção especial e a socialização, sem sujeição ao regime, estigmatizante e muitas vezes de êxito problemático, da prisão.
A suspensão da execução, acompanhada das medidas e das condições admitidas na lei que forem consideradas adequadas a cada situação, permite, além disso, manter as condições de sociabilidade próprias à condução da vida no respeito pelos valores do direito como fatores de inclusão, evitando os riscos de fratura familiar, social, laboral e comportamental como fatores de exclusão.
Acresce que, como já se disse, a filosofia e as razões de política criminal que estão na base do instituto, radicam essencialmente no objetivo de afastamento das penas de prisão efetiva de curta e média duração, garantindo ainda, quer um conteúdo bastante aos fundamentos de ressocialização, quer exigências mínimas de prevenção geral e de defesa do ordenamento jurídico: é central no instituto o valor da socialização em liberdade.
Não são, por outro lado, considerações de culpa que devem ser tomadas em conta, mas juízos prognósticos sobre o desempenho da personalidade do agente perante as condições da sua vida, o seu comportamento e as circunstâncias do facto, que permitam fazer supor que as expectativas de confiança na prevenção da reincidência são fundadas. Por fim, a suspensão da execução da pena não depende da discricionariedade do juiz, mas traduz o exercício de um poder-dever vinculado, devendo ser decretada, na modalidade que for considerada mais conveniente, sempre que se verifiquem os respetivos pressupostos formais e materiais.
33. Vejamos o caso concreto, adiantando-se que nem as razões de prevenção geral, nem as de prevenção especial admitem a suspensão da execução da pena de prisão.
No quadro do tráfico de estupefacientes, atendendo ao bem jurídico em presença, ao modo como ele é atingido pela conduta ilícita e, essencialmente, o alarme social causado por tal ilícito, as razões de prevenção geral, em regra, desaconselham a suspensão da execução da pena de prisão (em sentido similar, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.10.2012, Coletânea de Jurisprudência, III 194).
Estas exigências mostram-se ainda mais pertinentes quando estamos a falar de tráfico de estupefacientes que tinha em vista servir a população prisional, uma franja de pessoas com maiores dificuldades e que até deveriam ser especialmente protegidas de condutas tais como as que foram perpetradas pelo arguido.
Ademais, é de assinalar que os factos foram praticados estando o arguido recluído e num quadro em que aproveitou uma saída jurisdicional.
Neste contexto, entende-se que a suspensão da execução da pena de prisão seria vista comunitariamente como uma forma de impunidade, situando-se a punição abaixo dos limiares mínimos da proteção de bens jurídicos.
E também as exigências da punição associadas à prevenção especial não consentem a possibilidade de a pena ser suspensa na sua execução. Com efeito, não pode ignorar-se que os factos foram praticados pelo arguido estando ele recluído e justamente pela prática do crime de tráfico de estupefacientes,
Assim, não se vê como seria possível formular um juízo de prognose favorável no sentido de que a mera ameaça do cumprimento da pena de prisão seria suficiente para manter o arguido afastado da prática de novos ilícitos criminais. Aliás, se a condenação em pena de prisão efetiva — e mais que isso, o seu cumprimento — não afastou o arguido da prática dos factos pelos quais vai agora condenado, como é que se poderá dizer que bastaria a ameaça do seu cumprimento o inibiria de praticar novos crimes? Tanto mais, note-se, que os factos foram realizados aproveitando o arguido uma saída precária.
Tem, pois, de se concluir que só o efetivo cumprimento da pena de prisão sinalizará comunitariamente que a norma violada pelo arguido continua vigente e que o seu cumprimento é imposto pela ordem jurídica justamente porque o seu desrespeito — hoc sensu, a sua violação — não deixará de ser sancionado. E, simultaneamente, servirá ao arguido para que o mesmo interiorize o desvalor da sua conduta desviante e da necessidade de respeitar os valores e as regras básicas do viver comunitário porquanto a sua violação implicará, como o caso revela, a sua condenação.
Vai, portanto, o arguido condenado na pena de 4 anos e 3 meses de prisão.
B.2. Dos instrumentos do crime e objetos apreendidos
34. Importa, agora, dar destino aos bens apreendidos.
Neste contexto e tendo presente a situação em análise, deve tomar-se em consideração o artigo 35.º da Lei da Droga e o artigo 186.º do Código de Processo Penal.
B.2.1. O produto estupefaciente
35. Comecemos por apreciar o destino a dar ao produto estupefaciente.
Ora, nos termos do artigo 35.º do normativo já citado da Lei da Droga, “as plantas, substâncias e preparações incluídas nas Tabelas I a IV são sempre declaradas perdidas a favor do Estado” (n.º 2), o que deve suceder mesmo que “nenhuma pessoa determinada possa ser punida pelo facto” (n.º 3).
Consequentemente, todo o produto estupefaciente apreendido (incluindo as amostras guardadas e os invólucros ou embrulhos onde se encontravam) será declarado perdido a favor do Estado, mais se determinando a sua destruição.
B.2.2. Os instrumentos do crime e outros objetos apreendidos (…)


V. DECISÃO
41. Pelo exposto, decide-se:
i. PARTE PENAL
A. DO CRIME E DAS PENAS
1. Absolver o arguido AA da prática de um (1) crime de tráfico de estupefacientes agravado, previsto e punido pelos artigos 21.º, n.º 1 e 24.º, al. h), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, que lhe era imputado;

Condená-lo pela prática de um (1) crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, na pena de quatro (4) anos e três (3) meses de prisão. (…)


C) Apreciação da questão em recurso.

Nos termos do disposto no art. 410º do CPP, com a epígrafe “fundamentos do recurso” 1 - Sempre que a lei não restringir a cognição do tribunal ou os respectivos poderes, o recurso pode ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida. 2 - Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova. 3 - O recurso pode ainda ter como fundamento, mesmo que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada.

Do preceituado nos artigos 368.º e 369.º do CPP pela remissão que é feita pelo art. 424º nº 2 CPP, o Tribunal da Relação deve conhecer das questões que constituem objecto do recurso pela ordem seguinte:
Em primeiro lugar, das que obstem ao conhecimento do mérito da decisão;
Em segundo lugar, das questões referentes ao mérito da decisão, desde logo, as que se referem à matéria de facto, começando pelos vícios enumerados no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, a que se segue impugnação alargada, se deduzida, nos termos do art.º 412.º, do mesmo diploma;
Por último, as questões relativas à matéria de Direito.
*

Passemos, então, à qualificação do crime em causa, tendo sempre presentes os seguintes factos:
1) O arguido, à data dos factos infra descritos, encontrava-se no Estabelecimento Prisional 1..., sito na Alameda ..., ..., ..., a cumprir pena de 6 anos de prisão no âmbito do processo comum coletivo n.º 435/15.4JELSB, do Juízo Central Criminal de Lisboa – Juiz 13;
2) No dia 16 de novembro de 2020, depois de regressar de uma saída jurisdicional, o arguido deu entrada no referido Estabelecimento Prisional transportando dissimulado no interior do seu corpo, designadamente no ânus, os seguintes produtos que lhe foram apreendidos: – 96,777 g de canábis (resina), com um grau de concentração de 16,6% de tetrahidrocanabinol, divididos em 4 pedaços embrulhados (que juntos formavam a palavra “CANNABIS”) em película transparente;
– 4,665 g de heroína, com um grau de pureza de 9,8%, acondicionada num embrulho;
– 201 comprimidos, de metandrostenolona, de cor branca, com o peso de 27,645 g, divididos em dois embrulhos; e – um mini telemóvel da marca Long – CZ;
3) Os referidos bens foram apreendidos ao arguido nas seguintes circunstâncias
i. no dia 16 de novembro, logo após ter entrado no estabelecimento prisional e ser conduzido a um gabinete, os seguintes bens:
– 96,777 g de canábis (resina), com um grau de concentração de 16,6% de tetrahidrocanabinol, divididos em 4 pedaços embrulhados (que juntos formavam a palavra “CANNABIS”) em película transparente;
– 201 comprimidos, de metandrostenolona, de cor branca, com o peso de 27,645 g, divididos em dois embrulhos; e
– um mini telemóvel da marca Long – CZ;
ii. No dia 17 de novembro, cerca das 8.00 horas, na cela n.º ..., da Ala ..., escondida dentro de uma embalagem de cereais:
– 4,665 g de heroína, com um grau de pureza de 9,8%, acondicionada num embrulho;
4) O arguido destinava o produto estupefaciente acima identificado à venda e cedência a outros reclusos do estabelecimento prisional onde se encontrava;


Desde há muito que, relativamente à qualificação dos crimes de tráfico e designadamente ao seu enquadramento no art. 24º, 21º e 25 do DL 15/93, costumamos citar o Acórdão do STJ de 02.12.2013, consultável in www.dgsi.pt onde se pode ler “O tipo matricial ou tipo-base do crime de tráfico de estupefacientes é o do art. 21.º, n.º 1 do DL 15/93 – tipo esse que, pela amplitude da respectiva moldura penal – 4 a 12 anos de prisão - e pela multifacetada descrição típica, abrange os casos mais variados de tráfico de estupefacientes, considerados dentro de uma gravidade mínima, mas já suficientemente acentuada para caber no âmbito do padrão de ilicitude requerido pelo tipo, cujo limite inferior da pena aplicável é indiciador dessa gravidade, e de uma gravidade máxima, correspondente a um grau de ilicitude muito elevada – tão elevada que justifique a pena de 12 anos de prisão. Esse tipo fundamental corresponde, pois, genericamente, a casos que são já de média e de grande gravidade. Os casos excepcionalmente graves estão previstos no art. 24.º, pela indicação taxativa das várias circunstâncias agravantes, de natureza heterogénea e, por isso, insubsumíveis a uma teoria unificadora, que se estendem pelas diversas alíneas do art. 24.º, enquanto os casos de considerável diminuição da ilicitude estão previstos no art. 25.º, aqui por enumeração exemplificativa de algumas circunstâncias que, fazendo baixar a ilicitude para um limiar inferior ao requerido pelo tipo-base, não justificam (desde logo por violação do princípio da proporcionalidade derivado do art. 18.º da Constituição) a grave penalidade prevista na moldura penal estabelecida para o tráfico normal, considerando como tal o previsto pelo legislador e que, como vimos, engloba o médio e grande tráfico.
Frequentemente designado como um tipo privilegiado de tráfico, não o será em termos próprios, se atendermos ao que FIGUEIREDDO DIAS assinala a propósito da teoria das circunstâncias (Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas Do Crime, Editorial de Notícias, p. 199), afirmando que «estas situações ⌠circunstâncias modificativas agravantes ou atenuantes ] distinguem-se das consideradas de qualificação ou privilegiamento, porque, enquanto nestas a modificação da moldura penal se opera por efeito de alterações ao nível do tipo ou dos elementos típicos – seja, como é geralmente, do tipo-de-ilícito, seja, menos frequentemente, do tipo-de-culpa -, na situação de que agora tratamos ela verifica-se por força de circunstâncias modificativas. Circunstâncias são, nesta acepção, pressupostos ou conjuntos de pressupostos que, não dizendo directamente respeito nem ao tipo-de-ilícito (objectivo ou subjectivo), nem ao tipo-de-culpa, nem mesmo à punibilidade em sentido próprio, todavia contendem com a maior ou menor gravidade do crime como um todo e relevam por isso directamente para a doutrina da determinação da pena».
A propósito da distinção entre um e outro seguiremos de perto o AC do STJ de 21.04.2010 onde se pode ler:
O art.º 21.º do DL n.º 15/93 define o tipo fundamental do crime de tráfico de estupefacientes, pelo qual se punem diversas actividades ilícitas, cada uma delas com virtualidade bastante para integrar o elemento objectivo do crime. O art.º 24º do mesmo diploma prevê o tipo agravado de tráfico, com a enumeração taxativa das respectivas circunstâncias agravantes. Quanto ao art.º 25º, para o qual o recorrente apela, refere-se ao tráfico de menor gravidade, fundamentado na diminuição considerável da ilicitude do facto revelada pela valoração em conjunto dos diversos factores, alguns deles enumerados na norma, a título exemplificativo (meios utilizados, modalidade e circunstâncias da acção, qualidade e quantidade das plantas, substâncias ou preparados. Estará a lei, assim, a fazer uma distinção entre o comum traficante, o grande traficante e o pequeno traficante, para enquadrar os factos sob análise no tráfico-tipo (art.º 21.º), no tráfico agravado (art.º 24.º) e no tráfico de menor gravidade (art.º 25.º)?
A este respeito e admitindo que seria essa a intenção legislativa, poder-se-ia pensar que, como a maioria dos casos investigados pelas polícias no combate ao tráfico de droga se dirigem contra a parte mais visível, isto é, contra o «tráfico de rua», e havendo que distinguir o simples «passador» de droga do intermediário e este do dono ou produtor do negócio, a lógica obrigaria a que houvesse mais condenações pelo tráfico de menor gravidade do que as pelo tráfico comum e mais destas do que as pelo tráfico agravado. Haveria, assim, uma pirâmide que teria por base o tráfico menor e por topo o tráfico agravado, estando no meio o tráfico comum. Esta visão sedutora do problema choca-se frontalmente, porém, com a realidade normativa.
Com efeito, o DL 15/93 começa por tipificar o crime que chama de “tráfico e outras actividades ilícitas” (art.º 21.º), depois enuncia as circunstâncias que o deverão agravar (art.º 24.º/tráfico agravado) e, por fim, as que o poderão privilegiar (art.º 25.º/tráfico de menor gravidade e art.º 26.º/traficante-consumidor). A imagem que a lei transmite, deste modo, não é a de uma única pirâmide, mas de duas pirâmides invertidas, uma maior que engloba a partir da “base” o crime de tráfico comum e junto ao topo o crime de tráfico agravado e outra, para baixo, de menor dimensão, constituída pelo tráfico de menor gravidade (e pelo traficante-consumidor), cuja “base” está unida à do tráfico comum e que, como se verá, se confunde em parte com a deste.
Fá-lo, aliás, à semelhança de outras tipificações legais, como as do crime de homicídio, onde se verifica que o crime tipo tem uma muito maior incidência do que o qualificado ou do que o privilegiado.
Há, contudo, uma diferença. Enquanto o homicídio comum é punível com uma pena de 8 a 16 anos de prisão e o homicídio privilegiado com uma pena de 1 a 5 anos de prisão, isto é, com penas que não se interceptam, já as penas pelo tráfico comum e pelo tráfico de menor gravidade comungam em parte na mesma pena, pois o primeiro é punível com 4 a 12 anos de prisão e o segundo com 1 a 5 anos de prisão.
Porque terá o legislador optado por esta solução legal e não por outra que considerasse o crime base o tráfico de menor gravidade?
Por um lado, pela orientação política que permanece arreigada na grande maioria dos países de que o tráfico de estupefacientes tem de ser atacado de forma particularmente severa, sem laxismos e num combate permanente. O crime regra é grave. Não é de gravidade diminuída. Não estamos em condições de aqui abordar a questão de saber se essa é uma opção justa e eficaz, já que está fora das nossas atribuições a discussão de opções políticas, muito menos as tomadas à escala global, mediante tratados a que Portugal se comprometeu.
Por outro lado, se ao traficante for passada a mensagem de que há um tratamento especial na pena para os casos «tidos» sistematicamente como de menor gravidade, ainda que na realidade não o sejam, tudo fará para adaptar o seu grande ou pequeno tráfico aos «modelos» concebidos jurisprudencialmente, por exemplo, transportando sempre pequenas quantidades de droga, embora o tenha de fazer por um maior número de vezes por dia, pois sabe que assim será menos penalizado.
A nosso ver, o legislador adoptou um esquema de tipificação penal em que leva em conta que a grande maioria dos casos que chegam aos tribunais se apresentam como pouco investigados, pois que as polícias só detectam, em regra, a parte mais visível dos factos (por exemplo, a apreensão de determinada quantidade de droga num certo dia). Na verdade, outro tipo de investigação, mais profunda, seria deveras dispendioso e, porventura, ineficaz (ineficácia, contudo, parcialmente colmatada nos últimos anos pelo crescente uso de escutas telefónicas como meio de prova).
Tal esquema parte da constatação de que há uma «zona cinzenta» em que o juiz fica na dúvida sobre a real dimensão do tráfico em causa e, nesses casos, deverá, tendencialmente, aplicar uma pena cuja medida concreta é coincidente na moldura penal abstracta do crime de tráfico comum e na do crime de tráfico menor gravidade, a qual, conforme se pode verificar pelos artigos 21.º e 25.º, se situa entre os 4 e os cinco anos de prisão.
Mas, enquanto essa pena de 4 a 5 anos de prisão pertence à moldura menos gravosa da que está prevista para o art.º 21.º, já fica na moldura mais gravosa do art.º 25.º, sendo, portanto, muito mais fácil justificar a aplicação da primeira do que a da segunda, face ao «peso» negativo ou positivo das demais circunstâncias do caso. Bem difícil seria justificar que um determinado crime de tráfico de menor gravidade tem uma elevada ilicitude para esse quadro legal e, em face disso, aplicar uma pena de 5 anos de prisão, pois estar-se-ia à beira da incongruência; os 4 ou 5 anos de prisão nesse tipo de crime ficarão reservados, deste modo, para outro tipo de casos em que intervêm circunstâncias agravantes não ligadas à ilicitude, como a reincidência.
Naqueles casos a que chamámos de «zona cinzenta», o legislador apontou para que se aplicasse o crime regra – o do art.º 21.º - mas permitiu que a sua moldura mais baixa convergisse com a penalidade própria do art.º 25.º, reservando este tipo criminal para outras situações de muito menor ilicitude, pois que “A tipificação do art. 25.º, do DL 15/93, parece significar o objectivo de permitir ao julgador que, sem prejuízo do natural rigor na concretização da intervenção penal relativamente a crimes desta natureza, encontre a medida justa da punição em casos que, embora porventura de gravidade ainda significativa, ficam aquém da gravidade do ilícito justificativo da tipificação do art. 21.º e têm resposta adequada dentro da moldura penal prevista na norma indicada em primeiro lugar” .
Na verdade, tem-se a percepção que, estatisticamente, a maioria das penas por crimes de tráfico de estupefacientes se situa na faixa dos 4 a 5 anos de prisão, com enquadramento dos factos no crime tipo do art.º 21.º, cuja pena, portanto, caberia também na do tráfico de menor gravidade. Esta tendência estará, porventura, a ser ligeiramente alterada nos últimos anos, desde que o legislador permitiu a suspensão da pena aplicada até aos 5 anos de prisão. Nota-se, na verdade, que a 1ª instância está a aplicar muitas vezes penas ligeiramente superiores a esse limite, por entender que em regra não se justifica a pena de substituição. Mas, a jurisprudência do STJ tem contrariado essa distorção na aplicação da pena, com a indicação de que no tráfico comum há exigências elevadas de prevenção geral que desaconselham a suspensão da pena, mesmo que aplicada em medida inferior a 5 anos de prisão. O que é, também, mais um argumento a favor da perspectiva legal de que o crime regra é o do art.º 21.º, ficando o do art.º 25.º para as situações em que há uma sensível diminuição da ilicitude e em que, portanto, mais facilmente se poderá perspectivar a suspensão da pena. Note-se que o legislador não se contentou com uma simples diminuição da ilicitude para enquadrar o crime de tráfico de menor gravidade, pois obrigou a que fosse “consideravelmente diminuída”. Do mesmo modo, não aceitou que o tráfico que é realizado pelo agente com a finalidade de obter droga para o seu consumo seja sempre integrado no crime privilegiado do traficante-consumidor, pois que essa finalidade tem de ser “exclusiva”. Em ambos os casos, o legislador deu um sinal claro ao intérprete de que os crimes privilegiados são a excepção e nunca a regra. Importa, porém, não transformar o crime de tráfico de menor gravidade do art.º 25.º numa raridade jurisprudencial e, pelo contrário, há que fazer um esforço para que surja com mais equidade e, portanto, num maior número de casos. Essa tem sido uma luta doutrinária de alguns, desde há muitos anos (v.g. Carlos Almeida, "Legislação Penal Sobre Droga: Problemas de Aplicação", na RMP, 44, Eduardo Maia Costa, Direito Penal da Droga, RMP, 74, Vítor Paiva, Breves notas sobre a penalização do pequeno tráfico de estupefacientes, RMP 99) e de alguma jurisprudência, designadamente a que tentou inverter a tendência conservadora já instalada (por exemplo, 15-02-2001 - Proc. n.º 106/01, 19-04-2001 - Proc. n.º 948/01, 10-05-2001 - Proc. n.º 472/01, 21-06-2001 - Proc. n.º 863/01, 31-01-2002 - Proc. n.º 4264/01, 31-01-2002 - Proc. n.º 4264/01, 13-02-2003 - Proc. n.º 253/03, 13-02-2003 - Proc. n.º 167/03-5, todos relatados pelo Cons. Carmona da Mota). Diz-se, por exemplo, neste último acórdão: «Haverá, por isso, que não «meter no mesmo saco» todos os traficantes, distinguindo entre os casos «graves» (art.. 21.º), os muito graves (art. 24.º) e os pouco graves (art. 25.º). Em tempos, é certo, «a jurisprudência quase esvaziou os art.s 25.º e 26.°, remetendo para o art.. 21.° a generalidade das situações e fazendo uma interpretação contra legem do art. 25.º». Mas, «aplicando-se este artigo às situações em que a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das drogas, a interpretação que parece mais consentânea com o texto (e com a epígrafe do artigo) – e que vem cativando, progressivamente, a jurisprudência - é a de que o legislador quis incluir aqui todos os casos de menor gravidade», ou seja, o «pequeno tráfico», o «pequeno retalhista de rua» (2)». Em relação a esta jurisprudência agora citada só poderá haver discordância se conduzir ao resultado (não explícito) de que o maior número de condenações deveria ser pelo crime do art.º 25.º, como se este fosse o crime regra. Mas tem o mérito de alertar os juízes de que o art.º 25.º não deve ser tido como letra morta ou de rara aplicação. Ora, se é relativamente fácil o enquadramento do crime agravado, pois a lei enumera taxativamente as diversas circunstâncias que considera qualificativas, já é matéria pouco elaborada pela jurisprudência a exemplificação do que deverá ser o tráfico de menor gravidade, cujo tipo criminal é sempre apresentado de um modo teórico e, depois, casuisticamente determinado, com as inevitáveis discrepâncias de tribunal para tribunal. Faremos aqui uma tentativa de exemplificação teórica da situação factual que configura o tipo de crime de tráfico de menor gravidade, com a esperança de que venha a ser aprofundada e corrigida por outros, cujo objectivo final é o de guiar a jurisprudência para alguma objectividade de critérios e para que, em casos semelhantes, as consequências jurídicas venham a ser as mesmas. Com o esclarecimento, porém, de que não temos o objectivo de fechar a porta a soluções distintas ou de estar a criar barreiras, pois a norma do art.º 25.º é aberta e, portanto, permite outras interpretações que não as que propomos. O que nos move é a sensação de que, decorridos tantos anos, ainda o STJ não soube indicar com exactidão em que casos-tipo se verifica o tráfico de menor gravidade, tipificado legalmente no art.º 25.º do DL 15/93, de 22 de Janeiro. Diremos, antes de mais, que aderimos parcialmente ao que escreveu Carlos Almeida na já citada obra, escrita em 5/12/1989, ainda no âmbito da vigência da anterior Lei da Droga: "considerando que se devem somar a globalidade das doses que um pequeno traficante veio a transmitir a terceiros ao longo da sua vida, ou atendendo apenas à totalidade do produto que num determinado momento lhe foi apreendida, não obstante se saber que se destinava a ser cedida a terceiros em pequenas porções, estamos a esvaziar de conteúdo o art. 24.1 [agora, 25], estamos a restringir a sua aplicação a casos mal investigados, a apreensões fortuitas, no fundo a acasos da vida”. "Não podemos admitir que seja esse o campo de aplicação do citado preceito. Não podemos admitir que tenha o legislador pretendido reconduzir a globalidade das situações às penas severas estabelecidas pelo art. 23 [agora 21] para os casos de tráfico mais graves". "Concluímos, assim, que não há que adicionar todas as substâncias que o "dealer" vendeu na vida, ou que considerar a quantidade que ele num determinado momento detinha, devendo-se, pelo contrário, atentar nas quantidades que esse vendedor transmitia individualmente a cada um dos consumidores. Nisto, como em tudo o que respeita à aplicação do direito, há que ter pondera­ção e equilíbrio, não deixando passar um intermediário por passador de rua, mas também não sancio­nando um e outro de forma idêntica". E aderimos parcialmente e não totalmente, pois, mencionando a lei na previsão do art.º 25.º que a ilicitude do facto se deve mostrar “consideravelmente diminuída”, não nos parece que o pequeno vendedor de rua, que faz dessa actividade “um modo de vida” deva beneficiar de uma considerável diminuição de ilicitude. Haverá, na nossa perspectiva, que impor algum limite temporal máximo para a prática dessa pequena actividade, pois, de outro modo, estaremos a beneficiar quem renitentemente vive à margem da lei, dos proventos arrecadados à custa de um negócio paralelo, criminoso e com resultados nefastos para a saúde dos “compradores”. Porém, admitimos que aqueles que vendem na rua com a finalidade de, essencialmente, poderem prover o seu próprio consumo (não considerados legalmente como vendedores-consumidores para o efeito do art.º 26.º, onde se exige que essa finalidade seja exclusiva), devam gozar de uma maior condescendência quanto ao período temporal de manutenção da actividade, pois a toxicodependência é uma doença de difícil reversão, geradora de actos compulsivos. Note-se, também, que provavelmente não poderá ser considerado como «vendedor de rua», mas como «pequeno armazenista», aquele que, apesar de só ter sido observado pela polícia em pequenas vendas aos consumidores, detém em local próprio uma quantidade de droga que excede largamente a necessidade de satisfazer os seus «clientes» num período de tempo razoavelmente curto, tal como o retalhista no comércio cujo stock é limitado às exigências dos clientes nos tempos mais próximos. Importa referir, também, que um problema importante que se deve equacionar é o da “qualidade” da droga. Não nos referimos, propriamente, à questão controversa das “drogas leves” e das “drogas duras”, mas da percentagem do princípio activo que contém o produto estupefaciente apreendido. Com efeito, quanto mais puro for o produto, isto é, quanto mais princípio activo contiver, maior é a quantidade de doses individuais de consumo que pode proporcionar. Há que ter em conta, para esse efeito, a Portaria 94/96 de 26 de Março, que estabeleceu, com base nos "dados epidemiológicos referentes ao uso habitual", o limite quantitativo máximo, do princípio activo de cada produto, para cada dose média individual diária. Como derradeira consideração, importa afirmar que somos favoráveis à jurisprudência mais constante do STJ, de que a diminuição de ilicitude que o tráfico de menor gravidade pressupõe resulta de uma avaliação global da situação de facto, atenta a qualidade ou a quantidade do produto, os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção. Na verdade, os próprios elementos típicos do crime do art.º 25.º, aí enunciados, para isso apontam. O que afirmamos é que toda a avaliação de uma actividade, seja ela qual for, quer num estabelecimento de ensino, quer no desempenho profissional, quer de uma obra de construção, pressupõe a definição prévia de critérios e, portanto, a nossa tentativa é a de aqui enunciar que critérios são esses, de acordo com actuações padrão, no domínio da factualidade que a norma legal abarca. Diríamos, em suma, que o agente do crime de tráfico de menor gravidade do art.º 25.º do DL 15/93, de 22 de Janeiro, deverá estar nas circunstâncias seguidamente enunciadas, tendencialmente cumulativas:i) A actividade de tráfico é exercida por contacto directo do agente com quem consome (venda, cedência, etc.), isto é, sem recurso a intermediários ou a indivíduos contratados, e com os meios normais que as pessoas usam para se relacionarem (contacto pessoal, telefónico, internet); j) Há que atentar nas quantidades que esse vendedor transmitia individualmente a cada um dos consumidores, se são adequadas ao consumo individual dos mesmos, sem adicionar todas as substâncias vendidas em determinado período, e verificar ainda se a quantidade que ele detinha num determinado momento é compatível com a sua pequena venda num período de tempo razoavelmente curto; k) O período de duração da actividade pode prolongar-se até a um período de tempo tal que não se possa considerar o agente como “abastecedor”, a quem os consumidores recorriam sistematicamente em certa área há mais de um ano, salvo tratando-se de indivíduo que utiliza os proventos assim obtidos, essencialmente, para satisfazer o seu próprio consumo, caso em que aquele período poderá ser mais dilatado; l) As operações de cultivo ou de corte e embalagem do produto são pouco sofisticadas.
m) Os meios de transporte empregues na dita actividade são os que o agente usa na vida diária para outros fins lícitos; n) Os proventos obtidos são os necessários para a subsistência própria ou dos familiares dependentes, com um nível de vida necessariamente modesto e semelhante ao das outras pessoas do meio onde vivem, ou então os necessários para serem utilizados, essencialmente, no consumo próprio de produtos estupefacientes; o) A actividade em causa deve ser exercida em área geográfica restrita; p) Ainda que se verifiquem as circunstâncias mencionadas anteriormente, não podem ocorrer qualquer das outras mencionadas no art.º 24.º do DL 15/93. “.

Se, no geral, concordamos com o Acórdão acabado de citar, parece-nos, porém, que esta última condicionante aí referida não tem razão de ser em face do modo como está estruturado o crime do art. 21º, 24º e 25 da lei 15/93.
Entendemos, com efeito, que só ocorre a possibilidade de preenchimento de uma circunstância agravante do art. 24º se a conduta em análise se subsumir sem restrições ao disposto no art. 21º, o que ficará excluído no caso de ocorrerem uma ou mais circunstâncias que diminuam consideravelmente a ilicitude da conduta, que assim preencherá antes o disposto no art. 25º do mesmo D.L.
Na génese deste critério de interpretação e aplicação do regime legal de combate à droga está, evidentemente, a conclusão de que o art.º 25º citado é um tipo criminal autónomo, criado por derivação, a partir do tipo de crime matricial do art. 21º, ao contrário do que acontece com o art.º 24º. Este limita-se a prever circunstâncias agravantes do crime tipificado nesse art. 21º. Já o art. 25º não é um tipo criminal dependente e tendente a uma responsabilização atenuada do agente dos mesmos factos prescritos no art.21º, mas sim uma norma penal que, dirigindo-se a condutas materialmente idênticas às previstas no art. 21º, têm uma natureza menos ofensiva da ordem jurídica em razão de circunstâncias que diminuem de forma acentuada a respectiva ilicitude.
Este mesmo critério foi, de resto, reconhecido pelo legislador ao prever na Lei nº 29/99, de 12/5 a exclusão do perdão de penas para os crimes previstos no art.º21º e também, expressamente, para os crimes previstos no art. 25º do D.L. 15/93. A não inclusão do art. 24º no texto desta lei resulta da respectiva desnecessidade, já que, excluindo-se o perdão dos crimes p. e p. pelo art.21º estariam excluídos necessariamente os do art. 24º. Mas quanto aos crimes do art. 25º, como têm natureza autónoma em relação aos do art. 21º, já foi preciso dar notícia da exclusão do perdão, expressamente.
Tal solução é também afirmada no Ac. do STJ de 28/5/2008, (www.dgsi.pt, doc. nº SJ200805280011473, relatado pelo Sr. Cons. Raul Borges, que ensina o seguinte: “Segundo H. H. Jescheck, Tratado de Derecho Penal, Parte General, Edição Bosch, tradução de S. Mir Puig e F. Muñoz Conde, p. 363, a modificação dos tipos tem lugar através de «variantes dependentes do tipo básico completamente reguladas, que constituem por sua vez tipos qualificados ou privilegiados», ou pelo recurso a «causas inominadas de agravação ou de atenuação da pena», que a lei designa como «casos especialmente graves» ou «casos menos graves».
Com o argumento da moldura da pena, tomou a pena aplicável como círculo dentro do qual se estabelecem as variações próprias dos casos especialmente graves e dos casos menos graves, com formação de grupos valorativos especiais que correspondem a diversos graus de gravidade.
O artigo 25º encerra um específico tipo legal de crime, o que pressupõe a sua caracterização como uma variante dependente privilegiada do tipo de crime do artigo 21º - cfr. Jescheck, Tratado citado, p. 363.
A sua aplicação tem como pressuposto específico a existência de uma considerável diminuição do ilícito; pressupõe um juízo positivo sobre a ilicitude do facto, que constate uma substancial diminuição desta, um menor desvalor da acção, uma atenuação do conteúdo de injusto, uma menor dimensão e expressão do ilícito.
Os pressupostos da disposição respeitam, todos eles, ao juízo sobre a ilicitude do facto no sentido positivo, constatando, face à específica forma e grau de realização do facto, que o caso se situará necessariamente aquém da necessidade de pena expressa pelo limite mínimo do tipo base, uma substancial diminuição desta.
Os índices, exemplos-padrão, ou ”Regelbeispiel”, enumerados no preceito, a par de outros, são atinentes uns, à própria acção típica (meios utilizados, modalidade, circunstâncias da acção), outros ao objecto da acção típica (qualidade ou quantidade do estupefaciente), ou seja, permitem todos estes factores ao desvalor da conduta, à execução do facto, fazendo parte do tipo de ilícito, não entrando em acção qualquer consideração relativa ao desvalor da atitude interna do agente, à personalidade deste, a juízo sobre a culpa.
Haverá que proceder à valorização global do episódio, não se mostrando suficiente que um dos factores interdependentes indicados na lei seja idóneo em abstracto para qualificar o facto como menos grave ou leve, devendo valorar-se complexivamente todas as circunstâncias.
O critério a seguir será a avaliação do conjunto da acção tendo em conta o grau de lesividade ou de perigo de lesão (o crime de tráfico é um crime de perigo abstracto) do bem jurídico protegido (saúde pública).
Valerá o tipo privilegiado ou atenuado para os casos menos graves e equivale aos casos de pouca importância do facto da lei italiana, sendo de assinalar a similitude e paralelismo com os pressupostos gerais da atenuação especial da pena, mas quedando-se aqui a “atenuação” em função do juízo de ilicitude, sem intervenção da culpa do agente e da necessidade de pena, presentes no artigo 72º do C. Penal, pois o princípio regulativo da aplicação do regime da atenuação especial é a diminuição acentuada não apenas da ilicitude do facto ou da culpa do agente, mas também da necessidade da pena e, portanto, das exigências da prevenção.
(…)
Trata-se de uma especial forma de atenuação para a qual aqui só se tem em consideração o plano da ilicitude, quando nos termos gerais é necessário estar-se perante diminuição acentuada, não só da ilicitude do facto, mas também da culpa do agente ou da necessidade da pena.
(…)
Aliás, o novo crime veio colmatar uma lacuna existente no anterior regime, face ao fosso existente entre a previsão das quantidades diminutas e o tipo fundamental, de tal modo que o equilíbrio do sistema procurava-se então entre o uso abusivo do artigo 24º e o recurso, mais frequente, à atenuação especial da pena do artigo 23º, para as situações de pequenas quantidades que se não devessem subsumir no artigo 24º do DL nº 480/83.
Maria João Antunes, in Decisões de Tribunais de 1ª instância, Comentários, 1993, pág. 296, expendia que o artigo 25º “exige do intérprete, fundamentalmente, que equacione se a imagem global do facto se enquadra ou não dentro dos limites das molduras fixadas nos artigos 21º e 22º, sob pena de a reacção criminal ser, à partida, desproporcionada”.
Adiantava que o legislador “consagrou para o efeito o critério da diminuição considerável da ilicitude do facto, adoptando a denominada técnica dos exemplos padrão, uma vez que só exemplificativamente fornece o substracto a partir do qual se poderá concluir por aquela diminuição”.
E finalizava, dizendo que significava isto duas coisas fundamentais. “Por um lado, «os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações» são meramente indiciadoras da consideravelmente diminuída ilicitude do facto; por outro, não sendo a enumeração esgotante, mas só exemplificativa, o tribunal pode concluir que a ilicitude do facto se mostra consideravelmente diminuída, apesar do substrato que funda esta conclusão ser alheio à enumeração prevista no artigo 25º”.
Como se extrai do acórdão do STJ, de 08-10-1998, CJSTJ1998, tomo 3, 188, o artigo 25º a), do DL 15/93, de 22-01, constitui uma “válvula de segurança do sistema”, destinado a evitar que se parifiquem os casos de tráfico menor aos de tráfico importante e significativo, evitando-se que situações de menor gravidade sejam tratadas com penas desproporcionadas ou que se utilize indevidamente uma atenuação especial.”
Tendo em mente os factos dados como provados e que não foram postos em causa, serão os mesmos subsumíveis ao crime de tráfico agravado, como pretende o MP no seu recurso?

A jurisprudência não é unânime.
Assim, no AC STJ de 09-12-2021 é dito queA maioria da jurisprudência deste Supremo Tribunal tem entendido que os factos tipificados no art. 24º do Dec. Lei nº 15/93 conferem de imediato a ilicitude do tráfico especialmente grave. Assim, se decidiu designadamente no Ac. STJ de 13/09/2018 que, refere no seu sumário que: I - O art. 24.º, do DL 15/93, de 22-01, prevê um tipo agravado de tráfico de estupefacientes, abrangendo situações de especial ilicitude do facto, funcionando como contraponto do art. 25.º do mesmo diploma, que estatui um crime privilegiado de tráfico, em razão da menor gravidade do facto. Assim, a lei prevê, a par do tipo fundamental de tráfico, instituído no art. 21.º, um crime privilegiado, o do art. 25.º, e um outro qualificado, o do art. 24.º, em função da dimensão da ilicitude do facto, que deverá ser consideravelmente menor que a ínsita no tipo fundamental no caso do art. 25.º, e, opostamente, consideravelmente maior no caso do art. 24.º (…)”. E, ainda referindo-nos a este Ac. STJ, aí se analisou uma situação em que o recorrente/recluso, levava consigo canábis no regresso ao EP, tendo-o condenado pela prática de um crime de tráfico agravado, confirmando a qualificação jurídica da 1ª Instância, e sustentando que, da leitura do art. 24º al. h) do Dec. Lei n.º 15/93, “(…) resulta com toda a clareza a especial preocupação do legislador em dissuadir, mediante a agravação significativa da pena, a disseminação de estupefacientes em certos lugares, não tanto por desrespeito pelo funcionamento e disciplina dos serviços em causa, mas sim em atenção à população que os frequenta”. “No caso dos estabelecimentos prisionais, que é o que agora interessa a agravação dos factos derivará (…) da adequação do facto à disseminação das drogas entre os reclusos”. Por isso, “a ação deve em princípio ser integrada na citada al. h) do art. 24 (…)”. E, aí se entendeu que “(…) a situação que está ínsita na al. h) do art. 24.º é a de uma disseminação com certa escala entre os reclusos, não um ato isolado ou excecional de venda ou cedência a um recluso. A qualificação que aquele preceito prevê implica uma atividade sucessiva por um número indeterminado de reclusos, ainda que eventualmente restrita, como as condições de reclusão normalmente impõem, ou, pelo menos, a detenção de uma quantidade de estupefaciente bastante para tal efeito (…)”.

A Jurisprudência não é unânime relativamente à concatenação do artigo 24º e artigo 25º da Lei da droga
Assim, ver Acórdão da Relação do Porto de 22.11.2023, relatado pela Sr. Desembargadora Eduarda Lobo, consultável in dgsi.pt onde se pode ler “ I - A jurisprudência e a doutrina têm vindo a considerar que o crime de tráfico de estupefacientes é um “crime exaurido”, “crime de empreendimento" ou "crime excutido", que se vem caracterizando como um ilícito penal que fica perfeito com o preenchimento de um único ato conducente ao resultado previsto no tipo; isto quer dizer que o "primeiro passo" dado pelo agente na senda do "iter criminis" já constitui o preenchimento do tipo, valendo os passos seguintes apenas para efeitos de estabelecimento da medida concreta da pena a impor. II - A circunstância de o crime de tráfico de estupefacientes ter sido cometido em estabelecimento prisional não produz efeito qualificativo automático, nos termos do artigo 24.º, h) do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, antes exigindo a sua interpretação teleológica, por forma a verificar se a concreta modalidade da ação, a concreta infração, justifica o especial agravamento da punição querida pelo legislador; pode haver situações de tráfico em estabelecimento prisional punidas nos termos gerais do artigo 21.º, n.º 1, desse diploma; nos casos que envolvam quantidades diminutas, cedências sem fins lucrativos ou de reduzido grau de disseminação da droga entre a população prisional, não pode dizer-se que, à luz da ratio do preceito, estejamos perante condutas de ilicitude equiparável à ilicitude excecionalmente elevada correspondente a esse artigo 24.º.”- NB bold da nossa autoria
Da mesma Relação e relatado pelo Sr. Desembargador Pedro Vaz Pato, o Acórdão de 19..01.2022, consultável in www.dgsi.ptI - A jurisprudência vem salientando que, para o preenchimento da previsão deste preceito, é relevante a “imagem global” dos factos em questão na perspectiva do seu grau de ilicitude. As circunstâncias referidas no art.º 25.º («meios utilizados, modalidade ou circunstâncias da acção, qualidade ou quantidade das plantas, substâncias ou preparações»), indicadas de forma não taxativa («nomeadamente»), relevam, juntamente com outras circunstâncias, na apreciação dessa “imagem global”. Como se afirma no acórdão do S.T.J. de 24.5.07, CJ-STJ, XV, 2, p. 200, «muito embora a qualidade e quantidade dos estupefacientes seja um elemento relevante para aferir da imagem global dos factos, os mesmos não são decisivos». Haverá que considerar, designadamente, o carácter ocasional ou regular da actividade, o período de tempo a que esta se reporta, o número de pessoas identificadas como consumidores, os montantes pecuniários e lucros envolvidos, o tipo de organização e logística, etc.. Não é necessário que todos os elementos considerados apontem no sentido da redução da ilicitude, e pode um deles, pela sua particular relevância e pela intensidade dessa redução de ilicitude, ser suficiente. Mas também pode um desses elementos impedir a aplicação deste preceito, pela sua relevância e pela intensidade de ilicitude que, por si só, revela. Pode ver-se, sobre esta questão, entre outros, os acórdãos. do STJ de 31.5.95, BMJ nº 447, p. 178; de 11.10.95, BMJ nº 450, p. 110; de 9.1.97, CJ-STJ, V, 1, p. 172; de 12.6.97, CJ-STJ, V, 2, p. 233; de 27.6.98, BMJ nº 473, p. 166; de 31.8.01, BMJ nº 497, p. 67; de 29.5.03, CJ-STJ, XI, 2, p. 204; de 22.3.06, CJ-STJ, XIV, 1, p. 219; e de 4.7.07, CJ-STJ, XVI, 2, p. 234. II - Circunstâncias previstas nas alíneas a) (a que aqui está em causa) ou na alínea h) do artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro não conduzem necessariamente à agravação do crime de estupefacientes nos termos desse artigo, pois essa agravação depende da gravidade dos factos em causa na sua globalidade. Mas o relevo agravante dessas circunstâncias em si mesmas não pode ser ignorado. A verificação de alguma dessas circunstâncias, só por si, acentua a gravidade desses factos, para além de outras circunstâncias que possam atenuar essa gravidade. Por esse motivo, a jurisprudência tem considerado (ver, neste sentido, o acórdão, desta Relação de 18 de março de 2020, proc. n.º 306/19.5JAPRT.P1, relatado por Liliana Páris Dias, acessível in www.dgsi.pt, citado na motivação do recurso e no parecer do Ministério Público junto desta instância) que, em regra, a verificação de uma circunstância como a prevista na alínea h) do referido artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro (concretamente, o tráfico de estupefacientes em estabelecimento prisional por parte de reclusos), impede que se considere estarmos perante uma situação de «considerável diminuição” da gravidade do tráfico de estupefacientes (esse acórdão afirma que será “difícil” que tal possa ocorrer). E o mesmo poderemos dizer da verificação da alínea a) desse artigo, agora em apreço (a venda a menores ou diminuídos psíquicos). A verificação de alguma dessas circunstâncias agrava a ilicitude do tráfico, mesmo que não se justifique a agravação do crime nos termos do referido artigo 24.º, o que tornará mais difícil afirmar que numa qualquer situação em que tal circunstância se verifique a “imagem global” desse facto está, como exige o acima citado artigo 25.º desse Decreto-Lei «consideravelmente diminuída». III - Não é de excluir, mesmo assim, que tal regra possa ser afastada. Não é de todo descabida, por isso, a opção do douto acórdão recorrido pela qualificação do crime em apreço como crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, tendo em conta que estamos perante uma única venda de uma pequena quantidade (no valor de um euro) de canábis. Há que considerar, porém, outra circunstância que, neste caso, agrava a ilicitude da conduta do arguido: a circunstância de ele se ter aproveitado quer da toxicodependência, quer das limitações psíquicas, do comprador para deste obter, como contrapartida da venda de uma pequena canábis, um relógio de valor (de cinquenta euros) muitíssimo superior ao valor de “mercado” desse produto (um euro). IV - Considerando, pois, estas várias circunstâncias agravantes, e não ignorando as referidas circunstâncias atenuantes, não pode dizer-se que a “imagem global” dos factos em apreço corresponde a uma «considerável diminuição» da ilicitude do tráfico, pelo que deverá a conduta do arguido ser qualificada como crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro. NB bold da nossa autoria

Por último, o Acórdão da Relação do Porto de 31.05.2023, relatado pela Sr. Desembargadora Maria Deolinda Dionísio in www.dgsi.pt “ (…) VII – Mas, não estando provado que qualquer do produto estupefaciente apreendido se destinasse ao consumo exclusivo do arguido, a consideração do crime de consumo de estupefacientes ou mesmo da contraordenação prevista na Lei n.º 30/2000, de 29/11, é inviável. VIII – Há muito que a jurisprudência dos tribunais superiores sufraga o entendimento de que o tipo legal de crime de tráfico de estupefacientes pune a conduta de tráfico enquanto integrante de múltiplos actos, e não cada acto individualmente considerado, o que significa que prevê-se a punição de uma certa actividade, de tráfico, sem prejuízo, porém, das condutas ilícitas, ou seja, os múltiplos actos, se apresentarem essencialmente homogéneas e temporalmente próximas e desde que exista uma unidade resolutiva, isto é, um mesmo propósito inicial, que se mantém ao longo de toda a actuação. IX – Acresce que a natureza do produto estupefaciente, quantidade e circunstâncias pessoais dos arguidos, fazendo supor que a disseminação do haxixe por outros reclusos seria praticamente insignificante, justifica-se a subsunção a um único crime de tráfico de menor gravidade. NB bold da nossa autoria


No caso, acompanhamos o entendimento do Acórdão recorrido sustentando que a verificação de uma circunstância qualificativa obsta ao privilegiamento do crime fundado na considerável diminuição da ilicitude, apesar de poder admitir-se que haja situações de tal forma excepcionais que tornem excessivamente insuportável, do ponto de vista da justa medida, a aplicação da moldura penal agravada.
Temos, igualmente, que concordar com o Acórdão recorrido quando afirma que a quantidade transportada pelo arguido não era diminuta.
Assim, fazendo apelo ao Mapa a que se refere o artigo 9º da Portaria n.º 94/96, de 26 de Março temos que concluir que:
- 96,777 g de canábis (resina), com um grau de concentração de 16,6% de tetrahidrocanabinol
Era suficiente para cerca de 324 doses diárias
96,77 x( 16,6:10):0,5
96,77 x 1,66:0,5

- 4,665 g de heroína, com um grau de pureza de 9,8%.
Era suficiente para cerca de 45 doses diárias.
4,665 x (9,8%: 10) : 0,1
4,665 X 0,9: 0,1

Temos também apurado que o arguido destinava o produto estupefaciente à sua venda, sendo que não se provou que fosse consumidor.
Não obstante a questão não ter sido levantada pelo arguido, estaria, desde logo, afastada a possibilidade de qualificar o crime em causa como um tráfico de menor gravidade – artigo 25º da Lei da droga.

Tal como o Acórdão recorrido, embora alguma jurisprudência entenda que o tráfico de estupefacientes em contexto prisional (ou verificando-se qualquer outra circunstância prevista no artigo 24.º) agrava a sua ilicitude e impede, por si só, uma imagem de uma situação em que a ilicitude é consideravelmente diminuída, entendemos que há situações em que essa ilicitude consideravelmente diminuída possa ocorrer, exigindo, porém, uma imagem global do facto ilícito.
Já afastamos, no caso, a sua existência pela quantidade transportada pelo arguido, mas também pela circunstância de a mesma, pese embora ter sido apreendida antes da disseminação pela população reclusa, ter como destino a venda e cedência aos demais reclusos
Deste modo, a situação em apreço cai no “caldeirão” do artigo 21º.
Tendo em consideração a quantidade, não especialmente diminuta, do estupefaciente transportado pelo arguido e o seu objectivo – venda- olhando para o ilícito no seu conjunto, facilmente concluímos que a integração desta situação no âmbito do artigo 24º, levaria a uma condenação desproporcional e não admissível.
Daí que consideremos bem qualificada a conduta do arguido tal como efectuada pelo Tribunal a quo, não encontrando qualquer razão especialmente ponderosa que levasse a alterar a pena aplicada ao arguido.
Deste modo, mantemos a pena aplicada e respectiva qualificação efetuada pelo Tribunal a quo, o que significa a improcedência total do recurso interposto pelo Ministério público.
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Analisemos o recurso do arguido.
Pretendia este a suspensão da execução da pena a que foi condenado.
Invoca, para tanto, dever experimentar-se, na pessoa do recorrente, uma reacção penal diversa da reclusão, uma vez que se encontra integrado familiar, social e profissionalmente.
Além disso, comparativamente com a gravidade de outros crimes cometidos pelo recorrente e que levaram à sua reclusão (homicídio, furto qualificado, tentativa de roubo), estamos perante um crime de menor gravidade.
Esta seria, na perspectiva do arguido, a derradeira oportunidade que lhe seria oferecida de inverter o caminho da sua vida.

O Tribunal a quo, a este propósito diz “nem as razões de prevenção geral, nem as de prevenção especial admitem a suspensão da execução da pena de prisão.
No quadro do tráfico de estupefacientes, atendendo ao bem jurídico em presença, ao modo como ele é atingido pela conduta ilícita e, essencialmente, o alarme social causado por tal ilícito, as razões de prevenção geral, em regra, desaconselham a suspensão da execução da pena de prisão (em sentido similar, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.10.2012, Coletânea de Jurisprudência, III 194).
Estas exigências mostram-se ainda mais pertinentes quando estamos a falar de tráfico de estupefacientes que tinha em vista servir a população prisional, uma franja de pessoas com maiores dificuldades e que até deveriam ser especialmente protegidas de condutas tais como as que foram perpetradas pelo arguido.
Ademais, é de assinalar que os factos foram praticados estando o arguido recluído e num quadro em que aproveitou uma saída jurisdicional.
Neste contexto, entende-se que a suspensão da execução da pena de prisão seria vista comunitariamente como uma forma de impunidade, situando-se a punição abaixo dos limiares mínimos da proteção de bens jurídicos.
E também as exigências da punição associadas à prevenção especial não consentem a possibilidade de a pena ser suspensa na sua execução. Com efeito, não pode ignorar-se que os factos foram praticados pelo arguido estando ele recluído e justamente pela prática do crime de tráfico de estupefacientes,
Assim, não se vê como seria possível formular um juízo de prognose favorável no sentido de que a mera ameaça do cumprimento da pena de prisão seria suficiente para manter o arguido afastado da prática de novos ilícitos criminais. Aliás, se a condenação em pena de prisão efetiva — e mais que isso, o seu cumprimento — não afastou o arguido da prática dos factos pelos quais vai agora condenado, como é que se poderá dizer que bastaria a ameaça do seu cumprimento o inibiria de praticar novos crimes? Tanto mais, note-se, que os factos foram realizados aproveitando o arguido uma saída precária. “NB bold da nossa autoria

Não podíamos estar mais de acordo.
Na verdade, nos termos do disposto no artigo 50º do Código Penal, o Tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente; às condições da sua vida, à sua conduta anterior ou posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Assim, atendendo à necessidade de ressocialização e à prevenção especial - finalidades da pena a que hoje se reconhece a primazia -, há que vislumbrar nas condições pessoais do arguido se o cumprimento de uma pena efectiva o irá trazer à sociedade e às regra da mesma, ou se antes esta se basta com a suspensão da pena, ou seja se uma reprovação pública inerente à pena suspensa e o castigo que ela envolve, aplicada num processo-crime e em audiência, satisfazem o sentimento jurídico da comunidade e, consequentemente, as exigências de prevenção geral de defesa da ordem jurídica.
Efectivamente, tal como escreve o Prof. Figueiredo Dias, “A pena de suspensão de execução da prisão constitui entre nós a mais importante das penas de substituição (...), por ser de todas a que possui mais largo âmbito, podendo ser aplicada em substituição de uma qualquer pena de prisão de medida não superior a 3 anos (leia-se, agora, face ao CP2007 – L 59/2007 de 4SET, 5 anos), isto é, uma pena de prisão só curta, mas de média duração. E a mais importante, por outro lado, por ser de longe aquela que os tribunais portugueses aplicam com maior frequência.(...)” Ela tem como finalidade político-criminal, o (...) “afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes e não qualquer correcção, melhora ou – ainda menos – metanoia das concepções daquele sobre a vida e o mundo” (...) sendo que (...) “decisivo é aqui o conteúdo mínimo da ideia de socialização, traduzida na prevenção da reincidência (...)”. No entanto, a possibilidade de suspensão da execução da pena de prisão não constitui uma (...) “mera faculdade em sentido técnico-jurídico, antes de um poder estritamente vinculado e portanto, nesta acepção de um poder-dever”. (...) Tudo depende, pois, (...)“da verificação in casu da totalidade dos pressupostos formais e materiais de que a lei faz depender a aplicação do instituto”(...), sendo que é (...)“pressuposto material da aplicação do instituto é que o tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente (...), sendo que, (...) na formulação do aludido prognóstico, o tribunal reporta-se ao momento da decisão, não ao momento da prática do facto (...)”. (Direito Penal Português, PG-II, Lisboa, 1993, p. 338 e ss)
De tudo resulta que as eventuais pressões das necessidades de prevenção geral não podem justificar que se vá para além dos limites dos juízos de censura individualizados pelo concreto grau de culpa do agente, sob pena de, em nome da defesa da prevenção geral, se estar a criar uma espécie de “responsabilidade criminal objectiva” que automaticamente e preterindo a análise global de todos os elementos da situação concreta, ao arrepio dos princípios basilares do actual Direito Penal, aplique ao agente uma pena de prisão efectiva só porque a Lei prevê apenas como hipótese a aplicação de pena de prisão.
A este respeito convém ter presente o Ac. do STJ de 24NOV1993(in BMJ 467.º/438) onde se lê que “factor essencial à filosofia do instituto da suspensão da pena é a capacidade da medida para apontar ao próprio arguido o rumo certo no domínio da valoração do seu comportamento de acordo com as exigências do direito penal, impondo-se-lhe como factor pedagógico de contenção e auto responsabilização pelo comportamento posterior”, e, por isso “ para a sua concessão é necessária a capacidade do arguido de sentir essa ameaça da pena, a exercer sobre si o efeito contentor, em caso de situação parecida, e a capacidade de vencer a vontade de delinquir”. Este “juízo não [assenta] necessariamente (...) numa certeza, (...) bastando uma expectativa fundada de que a simples ameaça da pena seja suficiente para realizar as finalidades da punição e consequentemente a ressocialização (em liberdade) do arguido (Neste sentido o Ac. do STJ de 4JUN1997, in BMJ 468.º/79 e ss). No mesmo sentido, Figueiredo Dias (Cit. §521, p.344) quando nos diz que “o que aqui está em causa não é qualquer certeza, mas a esperança fundada de que a socialização possa ser lograda.”
Especificamente no que respeita aos crimes de tráfico, lembramos o Ac do STJ de 17.01.2013 onde se pode ler “ A jurisprudência do Supremo Tribunal, em casos semelhantes, vai no sentido de que condutas idênticas à do recorrente, devem ser punidas com pena de prisão efectiva, atentas as elevadíssimas necessidades de prevenção (Cf., entre outros, o acórdão deste STJ, de 15.11.2007 in www.dgsi.pt/jstj, onde se refere expressamente que "...o combate ao tráfico de droga em que Portugal internacionalmente se comprometeu impõe que não seja suspensa a execução da pena nos casos de tráfico comum e de tráfico agravado de estupefacientes, em que não se verifiquem razões muito ponderosas, que no caso se não postulam, seria atentatória da necessidade estratégica nacional e internacional de combate a esse tipo de crime, faria desacreditar as expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada e não serviria os imperativos de prevenção geral”.
No mesmo sentido, Ac do STJ de 15.11.2012 “há fortes exigências de prevenção geral no crime de tráfico de estupefacientes, sempre que não existe uma acentuada diminuição da ilicitude ou da culpa. As expectativas da comunidade ficariam defraudadas, face às normas punitivas em vigor, caso se viesse a aplicar uma pena não privativa da liberdade, sem um forte motivo justificativo. A prisão será, pois, efectiva.”
Ainda, AC RP de 18.11.2009 in www.dgsi.pt “Como vem sendo enfaticamente salientado pelo Supremo Tribunal, na concretização da pena nos crimes de tráfico de estupefacientes deve-se atender a fortes razões de prevenção geral impostas pela frequência desse fenómeno e das suas nefastas consequências para a comunidade.
Por outro lado, parte significativa da população prisional portuguesa cumpre pena, directa ou indirectamente, relacionada com o tráfico e o consumo de estupefacientes. No ano de 2005 o tráfico de estupefacientes era a principal causa de condenação em pena detentiva, com 2592 condenações.
As necessidades de prevenção geral impõem, pois, uma resposta punitiva firme, única forma de combater eficazmente o tráfico.
Neste contexto, só em casos ou situações especiais, em que a ilicitude do facto se mostre diminuída e o sentimento de reprovação social se mostre esbatido, será admissível o uso do instituto da suspensão da execução da pena de prisão. Como recentemente se decidiu neste Supremo Tribunal, a suspensão da execução da pena nos casos de tráfico comum e de tráfico agravado de estupefacientes em que não se verifiquem razões ponderosas, seria atentatória da necessidade estratégica nacional e internacional de combate a esse tipo de crime, faria desacreditar as expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada e não serviria os imperativos de prevenção geral.
Aliás, o crime matriz de tráfico foi balizado em matéria de punibilidade pelo legislador de 1993 de modo a impedir a aplicação de pena de suspensão da execução da prisão, o que foi alcançado mediante a fixação do limite mínimo da pena aplicável em 4 anos de prisão, sendo certo que as circunstâncias que conduziram o legislador penal àquela solução, decorrentes das necessidades de prevenção geral, se mantêm integralmente, quando não acentuado”.
“A suspensão da execução da pena nos casos de tráfico comum e de tráfico agravado de estupefacientes, em que não se verifiquem razões ponderosas para uma atenuação extraordinária da pena, seria atentatória da necessidade estratégica nacional e internacional de combate a esse tipo de crime, faria desacreditar as expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada e não serviria os imperativos de prevenção geral”.
Temos, por isso, como bom o entendimento de que, nos crimes de tráfico de estupefacientes, comuns ou agravados, só perante um quadro circunstancial particularmente favorável ao agente, fundamentando uma prognose especialmente consistente, se justificará a suspensão da pena, pois só então é exigível impor uma compressão proporcional à salvaguarda de outras finalidades das penas, como a prevenção especial, na vertente ressocializadora.”

É assim necessário que o Tribunal esteja disposto a correr um certo risco – fundado e calculado, diga-se -, sobra a manutenção do arguido em estado de liberdade.
Nesta fase, o tribunal tem que ponderar e perguntar-se o seguinte: a simples ameaça de uma pena de pisão fará o arguido afastar-se da criminalidade, designadamente da prática de outro crime e tráfico?
Olhemos para os antecedentes criminais do arguido:
i. No âmbito do processo n.º 4/92, da 2.ª Secção da Audiência Provincial de Pontevedra (Espanha), por decisão de 17.9.1993 (confirmada por decisão transitada em julgado pelo Tribunal da Relação de Lisboa a 29.7.1999), pela prática, a 19.2.1992, de um crime de homicídio qualificado (parricídio), previsto e punido pelos artigos 131.º e 132.º, n.º 1 e n.º 2, al. a), ambos do Código Penal, na pena única de 20 anos de prisão;
ii. No âmbito do processo n.º 2951/91.9TDLSB, da 2.ª Secção da 4.ª Vara Criminal de Lisboa, por decisão transitada em julgado a 10.10.2000, pela prática, a 11.3.1991, de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 296.º e 297.º, n.º 1 e n.º 2, als. c) e d), do Código Penal de 1982, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão;
iii. No âmbito do processo n.º 8/2007 do Juízo de Instrução de Vigo n.º 3, por decisão transitada a 6.2.2007, pela prática, a 6.2.2007, de um crime de tentativa de roubo, na pena de 4 meses de prisão, suspensa por 2 anos;
iv. No âmbito do processo n.º 435/15.4JELSB, do Juízo Central Criminal de Lisboa – Juiz 13, por decisão transitada a 18.12.2018, pela prática, a 3.12.2006, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, na pena de 6 anos de prisão;

Para aquela pergunta formulada, a resposta o tribunal não tem margem de manobra.
O crime alvo de apreciação foi cometido aquando de saída precária, no âmbito desta última condenação.
Daí que o tribunal não possa fazer qualquer juízo de prognose favorável, pelo que a pena aplicada terá que ser de prisão efectiva.



III. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta 1ª secção do Tribunal da Relação do Porto em :

I. Negar provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, mantendo-se, na íntegra, a decisão recorrida.

II. Negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA mantendo-se, na íntegra, a decisão recorrida.

III. Custas apenas pelo arguido- art. 513º nº 1 CPP e art. 522º CPP
Porto, 05 de Junho de 2024




(Elaborado e revisto pela relatora, revisto pelos signatários e com assinatura digital de todos)
Por expressa opção da relatora, não se segue o Acordo Ortográfico de 1990.




Raquel Correia Lima (Relatora)
Donas Botto (1º Adjunto)
Castela Rio (2º Adjunto)