Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | JOSÉ EUSÉBIO ALMEIDA | ||
Descritores: | RESPONSABILIDADES PARENTAIS ALTERAÇÃO DO REGIME ALIMENTOS CONDENAÇÃO ULTRA PETITUM | ||
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Nº do Documento: | RP2019090967/05.5TMMTS-R.P1 | ||
Data do Acordão: | 09/09/2019 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | ALTERADA | ||
Indicações Eventuais: | 5ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º701, FLS.76-84) | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - Se o tribunal condena o requerido numa quantia superior à liquidada e expressamente peticionada pela requerente no seu requerimento inicial haverá, nessa parte, nulidade da sentença, por condenação além do pedido. II - A tal não obsta o facto de estarmos perante um processo de jurisdição voluntária, quando, como sucede, aquele pedido se refere a eventuais despesas anteriores à propositura da ação em que se pretende o aumento da prestação de alimentos, relativamente aos filhos, devida pelo requerido. III - A maioridade de um dos filhos, ocorrida na pendência da ação, mas depois da entrada em vigor da Lei n.º 122/2015, não obsta ao prosseguimento da ação entre (apenas) as mesmas partes iniciais nem que a totalidade da prestação, devida em relação a esse filho, seja entregue à requerente, quem fez e vai fazendo as correspondentes despesas. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo n.º 67/05.5TMMTS-R.P1 Recorrente/requerido – B… Recorrida/requerente – C… Interveniente – Ministério Público Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto[1]: 1.1 - A 9.06.2016, C… veio requerer contra B… a alteraçaÞo do regime das responsabilidades parentais relativamente aos filhos de ambos, D… e E…, pedindo que a prestaçaÞo de alimentos, no valor de 400,00€ mensais para cada menor, fosse aumentada para o montante de 750,00€. Peticionou, ainda, a condenaçaÞo do requerido no pagamento da meação das despesas realizadas até à data da propositura da ação, no valor de 11.200,00€.1 – Relatório Alegou, em síntese, que o montante das pensões foi fixado em 2006 e é agora insuficiente, tendo em conta as despesas correntes e as supervenientes que os filhos justificam. 1.2 - O requerido foi citado e defendeu que a pretendida alteração não tem razão de ser. 1.3 - A 16.01.16 teve lugar a conferência de pais, mas não foi obtido acordo. Consequentemente, ambos os progenitores alegaram. Foi determinada a junção de diversos documentos, redistribuído o processo (fls. 57), solicitados novos documentos, tendo-se determinado ao ISS a elaboração de informação social, que veio a ser junta em janeiro de 2018, ocasião em que se designou a audiência de discussão e julgamento. A audiência teve lugar a 20.02.18 e prosseguiu (em razões da solicitação de outros elementos documentais) a 2.10.18 e a 3.04.19. 1.4 – Depois de produzida a prova e uma vez conclusos os autos, foi imediatamente proferida a sentença de fls. 294 e ss., que assim decidiu: Julgo a presente açaÞo parcialmente procedente, e, consequentemente, determino a alteraçaÞo do montante da prestaçaÞo alimentícia devida aos seus filhos, condenando o requerido B…, a pagar, a cada um dos seus filhos menores, o montante de 700,00 euros mensais, num total de 1.400,00 euros, aqui se englobando todas as despesas. Tal quantia deveraì ser entregue até ao dia 8 de cada mês, atraveìs de transferência ou depoìsito bancaìrio, sendo a mesma devida desde a data da propositura da açaÞo (artigo 2006, n.º1 do C. Civil). Tal quantia deveraì ser atualizada em Janeiro de cada ano, aÌ taxa estipulada segundo o iìndice do INE. Condeno ainda o requerido progenitor ao pagamento do montante de 11.200,00€ devido a tiìtulo de despesas realizadas até aÌ data da propositura da açaÞo, acrescido do valor correspondente de juros legais estabelecidos, contados desde a data da propositura da açaÞo até efetivo e integral pagamento. Custas a cargo de requerente e requerido, na proporçaÞo do decaimento, fixando-se em 10% para a requerente e 90% para o requerido. Face aÌs desconformidades fiscais verificadas relativamente aÌ situaçaÞo dos rendimentos do progenitor, comunique de imediato ao serviço de finanças para o efeito tido por conveniente. 2 – O Recurso 2.1 - O requerido não se conformou com a decisão e veio apelar. Pretendendo a revogação da sentença e a sua substituição por decisão que não altere a fixação de alimentos para além dos já fixados em decisão anterior, ou se assim não se entender, que apenas os altere para montantes compatíveis com as necessidades dos filhos e as possibilidades dos progenitores, apresenta as seguintes Conclusões:1 - Em matéria de recurso deve também ser reapreciada a prova produzida e que foi fixada na sentença. 2 – Nomeadamente quanto às despesas dos menores, as quais não foram idênticas desde a propositura da ação de alteração de alimentos até ao proferir da sentença. 3 – Estando demonstrado que inicialmente o filho D… frequentava o externato F… e a filha E… frequentava a escola pública onde o ensino é gratuito. 4 – Por outro lado, desde o início do ano letivo de 2018 que o filho D… já frequenta a escola pública, concretamente a Faculdade de Medicina G…, onde as propinas, como é de notório conhecimento, são baratas (cerca de 100,00€/mês x 10 meses), encontrando-se a filha a frequentar o externato F…. 5 – Assim se demonstrando que as despesas dos menores variaram no período entretanto decorrido, sendo também de notório conhecimento que as propinas nos estabelecimentos de ensino, nomeadamente no externato F… não envolvem todo o ano civil, mas apenas o ano letivo, ou seja, 10 meses por ano. 6 – Acresce ainda que as despesas mencionadas na sentença relacionadas com aparelhos dentários são despesas transitórias e cujo pagamento até já se esgotou, não tendo que ser levadas em conta para uma fixação duradoura de encargos com os menores. 7 – Pelo que, reapreciando a matéria supra mencionada, se alcança um valor de despesas e encargos com os menores na ordem dos 1.500,00€ mensais para ambos. 8 – E finalmente terá de ser corrigida a matéria fáctica contida na alínea c) dos factos provados, uma vez que a ultima fixação da prestação alimentar aos menores ocorreu, não em 13 de março de 2006, mas sim em 4 de junho de 2010, tendo então sido decidido por sentença que a pensão alimentar dos menores seria anualmente atualizada de acordo com o índice de inflação publicado pelo INE. 9 - Assim, face aos encargos financeiros com os menores ambos os progenitores deverão assumir igualmente o seu pagamento. 10 – Já que ambos são médicos de profissão e os seus rendimentos são equiparados. 11 – Na verdade, resultou provado que a requerente trabalha exclusivamente em medicina privada, concretamente numa clínica da qual é proprietária a sua mãe. 12 – Onde a requerente trabalha intensamente, 14 horas por dia, como afirmou e repetiu em depoimento de parte. 13 – Não podendo a requerente, por isso, esconder ou camuflar os seus rendimentos. 14 – Já que, nos termos do contrato de prestação de serviços para aquela clínica, que a requerente juntou, verifica-se todo um conjunto de regalias que dão para espelhar aquela realidade. 15 – Nomeadamente, todas as despesas com habitação (vive em mora fornecida pela clínica) com transportes (utiliza viatura da empresa) e pode utilizar um cartão de débito da empresa com a quantia de 1.000,00€ por mês para gastos próprios. 16 – Sendo também certo que consta daquele contrato que a empresa ainda lhe paga todos os encargos e impostos relacionados com a prestação de serviços da requerente. 17 – Pode-se assim imaginar o que representa economicamente usufruir tais vantagens (os custos da renda de uma moradia, mais os encargos com água, luz e manutenção) e bem assim a utilização de uma viatura com o gasto da sua manutenção e combustível. 18 – Associado a tudo isto o pagamento de 1.000,00€ por mês e ainda os encargos com a prestação de serviços e os impostos da Requerente, como está assinalado naquele contrato. 19 – E ainda o pagamento de um vencimento sujeito a contribuições para a Segurança Social a acrescer às mordomias supra assinaladas, conforme também foi dado como provado. 20 – Tudo isto são condições económicas que demonstram que a requerente tem um nível de vida semelhante ao requerido. 21 – E trabalhinho pelos vistos não falta à Requerente que ocupa 14 horas por dia no seu trabalho na clínica. 22 – Razão porque, como é de Lei e de Justiça, deve a requerente concorrer igualitariamente com o requerido e na mesma proporção para pagarem os encargos com o sustento e educação dos filhos. 23 – E, nessa medida, deverão os progenitores, cada um, concorrer com o pagamento de 750,00€ ou aproximado, para o pagamento das despesas dos filhos. 24 – Ficando assim também demonstrado nos autos que a pensão alimentar já estabelecida ao requerido, no montante de 800,00€ acrescida das atualizações anuais desde 2011 se deve manter. 25 – Mostrando-se injustificado e desproporcionado, por isso, o aumento da pensão a cargo do requerido para o montante de 1.400,00€. 26 – O que não se justifica, pois para que tal acontecesse, necessário se tornaria que as despesas dos menores ascendessem ao valor mensal de 2.800,00€, atenta a repartição de tais encargos igualitariamente para ambos os progenitores. 27 – A fixação daquele montante de 1.400,00€ somente para o requerido mostra-se destituída de qualquer fundamento ou razoabilidade. 28 – Acrescendo ainda que a situação económica apurada ao requerido, face aos rendimentos mencionados na alínea q) dos factos provados, é incompatível com o pagamento daquela pensão de 1.400,00€ mensais, atendendo a que o requerido também tem que subsistir dignamente. 29 – Finalmente, também é completamente descabida a condenação do requerido a pagar à Requerente a quantia de 11.200,00€, referida na parte final da sentença. 30 – Fazendo retroagir o pagamento das despesas, não à data da propositura da sentença [ação], conforme estabelece o artigo 2006 do Código Civil, mas indo mais longe e alcançando os 8 meses anteriores à propositura da ação. 31 – Sendo nessa matéria a sentença ainda mais “papista que o papa”, já que a própria requerente deduziu na ação o pagamento de apenas metade daquelas despesas e não a sua totalidade (cfr. artigo 19.º da petição onde a Requerente, invocando que o Requerido tem a mesma capacidade financeira, deverá ser compelido ao seu pagamento, na proporção de metade). 32 – Ficam assim evidenciados os erros grosseiros cometidos na sentença, onde mais parece que, em matéria de alimentos, há apenas um progenitor pagador, que é o requerido e uma progenitora que fica isenta daquela obrigação. 33 – Já que decorre do artigo 2004 do CC que os alimentos devem ser proporcionais aos meios daqueles que os devem prestar e às necessidades daqueles que houverem de recebê-los. E decorre do artigo 2006 do CC que os alimentos apenas são devidos desde a propositura da ação. 34 – A sentença violou as disposições legais contidas nos artigos 2004 e 2006 do Código Civil. 2.2 – Respondendo ao recurso, a recorrida vem a concluir: 1 - Embora as alegaçoÞes se estribem numa reapreciaçaÞo de prova dos factos e por impugnaçaÞo da decisão de facto, as alegaçoÞes nada referem sobre a prova que se pretende impugnar, designadamente para que possa aquela ser reapreciada e a decisão alterada. 2 - Ora, ao impor um ónus especial de alegaçaÞo e, a abranger as alegaçoÞes de recurso apresentadas os argumentos fáctico-jurídicos invocados em defesa das teses sustentadas pelas partes, pelo recurso a presunções, não constituiu tal pretensão um meio de prova próprio, impedindo o tribunal “ad quem” de partir de factos conhecidos (factos de base), para por meio de ilações, pretender dar como provados factos desconhecidos (factos presumidos), devendo por tal as alegaçoÞes não ser aceites e o recurso desentranhado. 3 - Aliás, em abono da verdade, analisando a prova testemunhal produzida, para alem de ser falso o alegado pelo recorrente, prova-se que este intencionalmente falta e faltou aí verdade e trunca as informaçoÞes, quer sobre as suas condiçoÞes económicas, quer ainda sobre as despesas que a recorrida e em prol dos filhos teve que realizar. Caso assim se não entenda, 4 - O recorrente motivou o seu recurso no sentido de que os alimentos abarcam a educaçaÞo, onde se incluem as atividades extracurriculares, a vida social e as despesas de saúde e ou outras decorrentes do binómio necessidades/possibilidades, por ter sido a decisão omissa e por tal nada mais ser devido do que o que a decisão impõe. 5 - Premissa truncada e falsa quando a decisão inicial não englobava nos alimentos as restantes despesas dos menores como se provou. 6 - Por outro lado, defende que apenas eram devidos €11.200,00 e que a meaçaÞo seriam €5.600,00 das restantes despesas, por entender que a recorrente tendo peticionado tal quantia em 2016, seria essa a devida. 7 - Desconsiderou quer os três anos subsequentes peticionados de despesas de educação, as restantes despesas extracurriculares e as de saúde, assim remetendo o elemento literal da letra e do contido nas alegações, para a educação e com mero reporte ao ano de 2016. 8 - Porém, além da prova junta, foi junta prova documental e, produzida prova testemunhal, não impugnada, de que a recorrida gastou muito mais nestes três anos do que €33.600,00 (por referência e em exclusivo aÌs despesas de educação). 9 - E, embora falsamente alegado ter o recorrente atualizados a pensão de alimentos, de acordo com a decisão, a mera leitura das alegações confirma o contrario. 10 - Afinal os €400,00 de pensão de alimentos fixados em 2006 e para cada filho (sempre em regime de penhora) são os €400,00 de hoje e, que o recorrente pretende ver reduzidos. 11 - Finalmente, não colhe a pretensão do recorrente de que tem rendimentos inferiores aos que tinha para que a pensão de alimentos e as rubricas que naquela passaram a ser contidas, designadamente educação, atividades extracurriculares e vida social não possam ser englobadas na pensão de alimentos e, por tal alteradas para os €700,00 que a Decisão contém como justo. 12 - Sobre os rendimentos do requerente, nada mais haverá a afirmar que remeter para a prova jaì produzida (...) 13 – Como está comprovado nos autos, o recorrente demorou aproximadamente um ano para apresentar o seu vencimento e, mesmo assim, omitiu ao tribunal os seus verdadeiros rendimentos. Ao recorrer-se do exemplo contido no art. 18.º da petição inicial, para alegar ser a decisão proferida de “mais papa que papista”, esqueceu-se, naturalmente, que teria que multiplicar esses encargos por três anos, os anos em que a mãe e recorrida suportou tais despesas. Vejamos a “teoria da verdade” e que colide com a “teoria do nada” do recorrente e, com que aquele termina as suas alegações de Recurso: arts. 18.º e 19.º da PI: - €11.2000,00 x 8 meses (Outubro a Maio). Porém, e sobre a “teoria do nada”: €11.200,00 x 8 meses x 3 anos / pendência incidente = €33.600,00/2 €16.800,00 2.3 – O Ministério Público também respondeu às alegações do requerido, tendo concluído: I - Muito embora o recorrente manifeste discordância em relação aÌ matéria de facto tida como provada, constata-se que não observa minimamente o ónus de especificação dos concretos factos cuja alteração pretende, o sentido dessa alteração, e os meios probatórios que a justificariam – n.º 2 do art. 640 do CPC – pelo que se entende que nesta parte o recurso deve ser rejeitado – art. 640 n.º 1 do CPC. II - Considerando, no entanto, que o recurso interposto poderá conduzir aí procedência de alguma questões suscitadas no mesmo, o Ministério Público vem, ao abrigo do disposto no art. 636 n.ºs 1 e 2 do CPC, requerer a ampliação do objecto do recurso, por forma a que nele seja incluído, aditando-se ao que consta como provado na alínea R) da sentença “que o requerido eì remunerado por tais serviços em valor que não foi possível apurar”. III - Com esta alteração a factualidade a considerar será assim aquela que foi tida como assente na sentença recorrida pelo que são irrelevantes as considerações do recorrente na medida em que tenham por fundamento factualidade diversa daquela. IV - E considerada essa factualidade, conclui-se que as despesas com a educação e sustento dos filhos, D… e E…, ascendem em média a €1.200,00 euros mensais para cada um, pelo que se justifica a alteração da prestação alimentar a cargo do recorrente, ainda que se conceda que deva fixar-se em €600,00 mensais para cada um dos filhos. V - Deverá em todo o caso atender-se a que jaì na pendência da açaÞo o D… viria a completar 18 anos de idade (em 10.7.2018), circunstância que, não obstando a que a açaÞo prossiga os seus termos também quanto a ele – art. 989 n.º 2, do CPC, e 1880 e 1905, n.º 2, do CC - impõe, no entanto, que a partir daquela data a prestação alimentar seja entregue diretamente aquele D…, e jaì não aí mãe, em virtude de terem cessado as responsabilidades parentais relativamente aquele D… – art. 1877 do CC – incluindo o poder de representação da mãe. VI - Concede-se que tem razão o recorrente quando sustenta a revogação da sentença recorrida no que concerne aí condenação no pagamento de €11.200,00 euros a título de despesas realizadas até aÌ data da propositura da açaÞo, acrescido de juros de mora legais. VII - Para além de representar condenação ultra petitum – cfr. art. 609 n.º 1 do CPC - face ao pedido formulado no requerimento inicial, a decisão recorrida não tem neste particular sustentação nos factos apurados pelo que deveraì nesta parte alterar-se a sentença recorrida, limitando-se a condenação do requerido, para além do pagamento das prestações mensais, ao valor correspondente aÌ diferença entre a prestação que vinha a ser paga (€400,00 euros /mês para cada filho) e o valor da prestação a fixar. 2.4 - O recurso foi recebido nos termos legais e, nesta Relação, depois de solicitada e junta a certidão de nascimento dos filhos de recorrente e recorrida, os autos correram Vistos. 2.5 – Objeto do recurso Atendendo às conclusões formuladas pelo apelante e à resposta ao recurso apresentada pelo Ministério Público, as questões a resolver são as seguintes: 2.5.1 - Se, admitida a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, deve a mesma ser alterada e em que sentido. Se, consequentemente, deve proceder a impugnação em sede de ampliação do âmbito do recurso. 2.5.2 - Se a sentença padece de nulidade por condenar além do pedido e, padecendo, que consequência na apreciação do pedido de condenação do apelante em relação a despesas anteriores à propositura da ação. 2.5.3 - Se a maioridade do filho D…, ocorrida na pendência da ação, impõe que a partir da data em que completou 18 anos a prestação alimentar lhe seja entregue diretamente. 2.5.4 – Se a sentença violou o disposto nos artigos 2004 e 2006 do Código Civil. 3. Apreciação do recurso 3.1. Da impugnação matéria de facto(2.5.1) - Admissibilidade da impugnação, pelo recorrente, da decisão sobre a matéria de facto e eventual alteração desta matéria e impugnação subsidiária em sede de ampliação do âmbito do recurso. Como decorre do disposto no artigo 662, n.º 1 do Código de Processo Civil (CPC), A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. O preceito, na redação dada pelo novo CPC (em contraponto, desde logo, com o artigo 712 do CPC anterior) clarifica e reforça os poderes da Relação[2], ou alarga e melhora esses poderes[3], impondo um dever de alteração da decisão sobre a matéria de facto, reunidos que estejam os respetivos pressupostos legais, e de acordo com a sua própria convicção[4], desde que o impugnante tenha cumprido o ónus imposto pelo artigo 640 do CPC[5]. O citado artigo 640 do CPC, como decorre das várias alíneas do seu n.º 1, impõe ao recorrente que impugne a decisão sobre a matéria de facto que especifique “Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados” e “os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida” e ainda “A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”. Acrescenta a alínea a) do n.º 2 do mesmo preceito que “quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”. Como é sabido, é entendimento largamente maioritário que relativamente ao recurso da decisão sobre a matéria de facto não existe um possível despacho de aperfeiçoamento e, como referem António Santos Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/Luís Filipe Pires de Sousa[6], tal situação, em lugar “de autorizar uma aplicação excessivamente rigorosa da lei, deve fazer pender para uma solução que se revele proporcionada relativamente à gravidade da falha verificada”. Dito de outro modo, as exigências impostas pelo artigo 640 ao recorrente que pretenda impugnar a decisão sobre a matéria de facto devem ser entendidas sem excessivo rigor, que de imediato e inúmeras vezes conduziria à imediata rejeição do recurso. O que a lei processual deixa transparecer e a jurisprudência do Supremo vinca reiteradamente é a opção por um verdadeiro duplo grau de jurisdição e a consequente prevalência da substância sobre a forma. Sem embargo – e naturalmente, até por respeito aos princípios da igualdade e da legalidade -, as imposições decorrentes do artigo 640 do CPC não podem ser letra morta e ultrapassadas ou ignoradas, como se não existissem. Aqui, como sempre deve suceder, imperará uma interpretação sensata e afastada dos extremos, sejam estes a de rejeição imediata ao primeiro e minúsculo incumprimento, seja, ao invés, a aceitação de toda e qualquer impugnação, independentemente do eventual lato incumprimento do ónus que impende sobre o impugnante. Dito isto, importa apreciar a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, em concreto e, desde já, compreender exatamente o que o apelante impugna e se devidamente (queremos dizer, legalmente) o faz. Ora, por muito que se defenda uma interpretação não extremista e não excessivamente formalista em relação à exigências impostas pelo artigo 840 do CPC, no caso presente revela-se manifesto que o apelante ignora por completo tais exigências e, nem no corpo das suas alegações nem nas conclusões destas identifica os concretos pontos de facto que pretende ver alterados, a prova que sustenta essa pretendida alteração e o sentido da mesma. A sua impugnação é genérica e abstrata e, por isso, não pode ser deferida, impondo-se, isso sim, a sua rejeição. Há, no entanto, um ponto de facto que o apelante identifica, quando sustenta: “terá de ser corrigida a matéria fáctica contida na alínea c) dos factos provados, uma vez que a última fixação da prestação alimentar aos menores ocorreu, não em 13 de março de 2006, mas sim em 4 de junho de 2010, tendo então sido decidido por sentença que a pensão alimentar dos menores seria anualmente atualizada de acordo com o índice de inflação publicado pelo INE”. Na alínea c) dos factos provados, citada pelo apelante, deixou-se escrito o seguinte: “C - Em 13 de Março de 2006 foi fixada a prestação de alimentos devidos pelo progenitor aos seus filhos no valor mensal de €400,00 (Quatrocentos Euros) para cada menor”. Note-se, em primeiro lugar, que o facto descrito na alínea c) não padece de qualquer falsidade (no corpo das suas alegações o recorrente chega a dizer que “não é verdadeira a matéria fáctica vertida na alínea c)” pois é um facto – passe a expressão – que naquela data foi fixada aquela pensão e a alínea não que foi a última fixação da pensão. O que o apelante pretenderá dizer – e é diferente – é que, em 2010, foi decidido manter o valor das pensões fixadas, ainda que, a partir de então, acrescidas da atualização anual correspondente à aplicação do índice de inflação publicado pelo INE”. Ainda aqui, o apelante não indica em que prova sustenta essa afirmação e, por outro lado, não deixa de articular, quer na ação quer no recurso, no pressuposto fáctico de a alteração de 2010 ser irrelevante, na medida em que sustenta sempre que a pensão atual, e que não deve ser alterada, é no valor de 400,00€ e não no valor, necessariamente diferente, que corresponderia à atualização daquele montante nos anos posteriores a 2010. Dito de outro modo, fica a ideia que o apelante pretende que se afirme um valor da pensão, anterior à propositura do presente pedido de alteração, superior ao valor que vem pagando, como se a tivesse sucessivamente atualizado, mas esquecido do montante concreto que resultou dessas atualizações. Acresce que o pretendido pelo apelante se revela inócuo para a presente ação, porquanto tudo quanto há de ser relevante tem a ver com a alteração pretendida e o valor fixado com efeitos a partir da propositura desta ação, ou seja, valerá para futuro, depois de junho de 2016. Dito de outro modo, se há dívida anterior a essa data ou posterior a ela, agora na medida da diferença entre o que vier a ser fixado e o que era o valor vigente, sempre será liquidável atendendo ao valor efetivamente pago. Sem prejuízo das considerações anteriores e ainda que a pretensão do apelante em ver acrescida/clarificada aquela alínea c) devesse resultar de prova documental que aqui não vislumbramos, parecendo-nos desproporcionais (atenta a natureza da ação e a (i)relevância do facto) quaisquer outras diligências neste sede recursória, mas considerando que o facto que se pretende acrescentar resulta inequivocamente de acordo entre a requerente e o requerido, olhando aos seus articulados, incluindo os de recurso, entendemos que nada obsta que a alínea c) passe a ter a seguinte redação: “C - Em 13 de Março de 2006 foi fixada a prestaçaÞo de alimentos devidos pelo progenitor aos seus filhos no valor mensal de €400,00 (Quatrocentos Euros) para cada menor, valor da pensão mantido em 2010, ocasião em que passou a ser anualmente atualizada de acordo com o índice de inflação publicado pelo INE”. Em tudo o mais, e como se referiu anteriormente, a pretensão do recorrente em ver alterada a matéria de facto é manifestamente de rejeitar. Tendo em conta o que se deixou dito anteriormente, importa agora saber se há lugar à reapreciação da matéria de facto, atento o pedido de ampliação do âmbito do recurso formulado pelo Ministério Público. A pretensão formulada pelo Ministério Público no respeitante à reapreciação da matéria de facto levada à alínea r) dos factos provados, formulada nos termos do artigo 636, n.º 2 do CPC, ou seja, a título subsidiário, deixa de ter pertinência a partir do indeferimento da impugnação do apelante, como resulta do ponto anterior (2.5.2). E a esta conclusão não obsta o que se decidiu no mesmo ponto quanto à alínea c) dos mesmos factos provados atenta a sua inocuidade no contexto do recurso e cautelar subsidiariedade da resposta do Ministério Público. Com efeito, o pressuposto da impugnação da decisão proferida sobre determinado ponto de facto, quando feita nos termos do citado n.º 2 do artigo 636 do CPC pretende acautelar a procedência das questões suscitadas pelo recorrente e não se descortina (tendo em conta, desde logo, toda a resposta apresentada do Ministério Público) que questões podiam eventualmente proceder e que fossem suscetíveis de serem obstaculizadas – nessa procedência – pela alteração proposta à alínea r) dos factos provados. Sempre se acrescente, ainda assim, que o Ministério Público não está isento de cumprir os ónus do artigo 640, como decorre do n.º 3, distinto do n.º 5 do artigo 639, todos eles do CPC, e mesmo este válido apenas para os recursos interpostos por imposição legal. Ora, salvo melhor opinião, tal não sucedeu. Por outro lado, sob pena da prática de atos inúteis (e, por isso, processualmente proibidos) só faz sentido reapreciar/alterar a matéria de facto quando da alteração possa resultar alguma influência, mínima que seja, para a aplicação do direito. Ora, para a fixação de um determinado montante devido pelo progenitor, dizer-se que este “presta serviços médicos no Hospital H…, na H1…, H2… e H3…” ou dizer-se que “presta serviços médicos no Hospital H…, na H1…, H2… e H3…, sendo remunerado por tais serviços em valor que não foi possível apurar” é exatamente a mesma coisa, ou seja, tem precisamente a mesma utilidade operativa para a ponderação das possibilidades do progenitor. Pelo conjunto de razões que antecedem, entendemos não haver lugar à apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, formulada pelo Ministério Público em sede de ampliação do âmbito do recurso. 3.2 – Fundamentação de facto Tendo em conta o anteriormente decidido e considerado a fixação dos factos provados e relevantes feita na 1.ª instância, a matéria de facto a considerar é a seguinte:A - Requerente e Requerido são progenitores de D… e E…. B - Ambos os filhos, o D… já maior e a menor E… continuam a residir coma mãe, encontrando-se a menor aí guarda e cuidados da progenitora. C - Em 13 de março de 2006 foi fixada a prestação de alimentos devidos pelo progenitor aos seus filhos no valor mensal de 400,00€ (Quatrocentos Euros) para cada menor, valor da pensão mantido em 2010, ocasião em que passou a ser anualmente atualizada de acordo com o índice de inflação publicado pelo INE”. D - Presentemente, a situação escolar, pessoal e social dos menores eì substancialmente diferente daquela que existia aÌ data em que foram fixados os alimentos. E - O D…, atualmente jaì a frequentar o ensino superior e aÌ data da propositura da açaÞo com 15 anos de idade, apresentava as seguintes despesas, que não existiam aÌ data em que foram fixados os alimentos: 1. Despesas de ensino: 1.1. Despesas anuais: a) Inscrição no Externato F… - 256,16€; b) Livros e material escolar – calculadora eletrónica - 823,09€; c) Aquisição de passe escolar - 20,00€; Tais despesas anuais, correspondem a um gasto mensal aproximado de 90,00€ (noventa euros). 1.2. Despesas mensais: a) Propina escolar - 380,00€; b) Mensalidade do passe escolar - 27,50€; c) Alimentação - 120,00€; 2. Despesas de saúde: 2.1. Prótese ortodôntica - 1.500,00€, estando a mãe a pagar mensalmente €125,00; 2.2. Manutenção mensal (consultas de medicina dentaria) - 50,00€; 3. Despesas de comunicações: 3.1. Telemóvel e internet - 20,00€; 4. Atividade desportiva: Voleibol: 4.1. Mensalidade - 30,00€; 4.2. Equipamento (clube e especializados) e deslocações (treinos e torneios), valores que anualmente ascendem para cima de 700,00€ (setecentos euros), o que corresponde a uma despesa mensal de cerca de 60,00€ (sessenta euros). F- A menor E…, aí data da propositura da açaÞo com 14 anos de idade, apresentava as seguintes despesas, que não existiam aÌ data em que foram fixados os alimentos: 1. Despesas de ensino: 1.1. Explicações - 95,00€ (4 x semana); 1.2. Alimentação mensal - 60,00€; 2. Despesas de saúde: 2.1. Lentes de contacto – diária - 40,00€; 2.2. Prótese ortodôntica - 1.500,00€, estando a mãe a pagar mensalmente 125,00€; 2.3. Manutenção mensal (consultas de medicina dentaria) - 50,00€; 3. Despesas de comunicações: 3.1. Telemóvel e internet - 20,00€; 4. Actividades desportiva: Voleibol: 4.1. Mensalidade - 30,00€; 4.2. Equipamento (clube e especializados) e deslocações (treinos e torneios), valores que anualmente ascendem para cima de 700,00€ (setecentos euros), o que corresponde a uma despesa mensal de cerca de 60,00€ (sessenta euros). G - Posteriormente aí propositura da açaÞo a menor passou a frequentar o ensino secundário no externato F… apresentando as seguintes despesas: a) Inscrição no Externato F… - 256,16€; b) Livros e material escolar – calculadora eletrónica - 823,09€; c) Aquisição de passe escolar - 20,00€; Tais despesas anuais, correspondem a um gasto mensal aproximado de 90,00€ (noventa euros). Despesas mensais: a) Propina escolar - 380,00€; b) Mensalidade do passe escolar - 27,50€; c) Alimentação - 120,00€; H - As despesas supra mencionadas são supervenientes e cumulam-se ás despesas básicas de habitação, alimentação, vestuário e transportes. I - Alem dessas, já os menores têm outras despesas, nomeadamente em festas, apresentações, roupas escolhidas e outros equipamentos lúdicos, vulgo informática e outros em valor variável mas nunca inferior a 120,00€ mensais para cada um. J - Nas despesas supervenientes dos menores, a Requerente vem suportando, sozinha, pelo menos desde o inicio do ano escolar, cerca de 1.400,00€ (mil e quatrocentos euros) por mês. K - Nenhum dos filhos usufrui de qualquer comparticipação e/ou subsidio estatal relativamente ao valor das propinas - fls. 245. L - Ambos os progenitores são médicos. M - A progenitora exerce serviços de medicina e consultoria na empresa, L…, Lda., propriedade da sua mãe. N - Pelos serviços prestados, para além dos honorários constantes da cláusula terceira do contrato de prestação de serviços, auferiu nos últimos 12 meses (reportados à data de 3 de maio de 2018) a título de salário, o valor de 6.000,00€- fls. 125. O - O progenitor vive há cerca de 11 anos em união e facto com I…, médica anestesista, com eles coabitando um filho desta última em casa própria da companheira. P - A companheira do requerido é sócia gerente da sociedade «J…, Lda.», com sede na mesma morada do local de residência de ambos, e para a qual o requerido presta serviços médicos- fls. 39. Q - O requerido presta serviços médicos no Centro Hospitalar K…, auferindo um vencimento mensal variável, sendo que no mês de janeiro de 2018, auferiu 1.813,84€, em fevereiro de 2018, 1886.67€, em março de 2018, 1728,10, em abril de 2018, 2345,92, em maio de 2018, 1.607,81€, em junho de 2018, 4475,15€, em julho 2040,73€, em agosto 1.747,74€ e em setembro 3.980,38€.- fls. 228 a 241. R - O requerido presta serviços médicos no Hospital H…, na H1…, H2… e H3… - declarações do requerido, do filho e filho da companheira. S - Em 15 de dezembro de 2016, o Hospital H… declarou que o requerido presta serviços nas suas unidades hospitalares através da empresa «J…, Lda.»- cfr. Fls. 38 v. T - Segundo informação prestada pela sociedade em 13 e março de 2017, o requerido não aufere qualquer rendimento pelos serviços clínicos prestados, sendo tais serviços prestados a título gratuito - fls. 51. U - Em 24 de outubro de 2018, o Hospital H… veio declarar que não fez qualquer pagamento aÌ empresa «J…, Lda.» e que o Dr. B… não exerce funções nas unidades de saúde geridas pelo Hospital H…, SA- fls. 296. V - O progenitor utiliza veiculo automóvel da empresa «J…, Lda.» e beneficia do pagamento de todas as despesas com ele relacionadas, designadamente de deslocações efetuadas - declarações do requerido. W- O progenitor solicita a emissão de facturas respeitantes a refeições tomadas com o filho em nome da empresa «I…, Lda.»- declarações do filho. X - O acervo hereditário deixado pelos pais do requerido, bem como os bens imóveis de que jaì era proprietário em Amarante, foram todos adquiridos e registados em nome da companheira- fls. 198 a 217. 3.3 – Apreciação jurídica da apelação 3.3.1 (2.5.2) – Da nulidade da sentença.Dispõe o artigo 609, n.º 1 do Código de Processo Civil (CPC) que “A sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir” e o artigo 615 do mesmo diploma, na alínea e) do seu n.º 1, coerentemente, comina com a nulidade a sentença quando “O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido”. No caso presente, como decorre linearmente do requerimento inicial, a ora recorrida alegou que “ao vir suportando tais despesas, não previstas, acumulou um valor de gastos superior a €11.200,00 (onze mil e duzentos euros) – 1.400,00 x 8 meses (Outubro a Maio). Demonstrada a capacidade do progenitor de contribuir para estas despesas dos menores, deverá o mesmo ser compelido ao seu pagamento, na proporção de metade” (artigos 18.º e 19.º). De seguida, concretizando o pedido, disse na requerida na alínea “B. Seja ainda o Requerido condenado a liquidar a meação das despesas já realizadas até ao presente e que, nesta data, ascendem a €11.200,00”. A sentença, no entanto, e sem que dos seus fundamentos resulte qualquer sustentação para tanto, veio a condenar o recorrente no pagamento (à recorrida) do montante de 11.200,00€ devido a tiìtulo de despesas realizadas até aÌ data da propositura da açaÞo, acrescido do valor correspondente de juros legais estabelecidos, contados desde a data da propositura da açaÞo até efetivo e integral pagamento. Com todo o respeito por diversa opinião, entendemos que se está perante um caso de condenação em quantidade superior ao que foi pedido, enquadrável na primeira parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 615 do CPC, gerador, nessa parte, de nulidade da sentença, não sendo obstáculo a esta conclusão a circunstância de o recorrente não ter invocado expressamente a nulidade nem o facto de estarmos em sede de um processo de jurisdição voluntária[7]. Com efeito, para além do Ministério Público ter invocado que se estava perante uma “condenaçaÞo ultra petitum – cfr. art. 609 n.º 1 do CPC”, devemos ter presente que, uma vez invocados os factos passíveis de a integrar, a qualificação como nulidade do vício da sentença está abrangida na liberdade de qualificação jurídica do tribunal (artigo 5.º, n.º 3 do CPC). Por outro lado, sendo certo que os processos de jurisdição voluntária, além do mais, envolvem uma prevalência do princípio do inquisitório sobre o do dispositivo e um predomínio da equidade com desvalorização da legalidade estrita[8], eles não podem alhear-se da legalidade processual mínima que, a não ser atendida, desautorizaria o princípio do contraditório e da igualdade das partes[9]. É que, como aqui sucedeu, admitir-se que o tribunal poderia condenar num valor superior (num valor em dobro, acrescente-se) àquele que, fundamentadamente, foi peticionado de forma líquida, seria levar o entendimento das possibilidades de decisão na jurisdição voluntária a um nível violador daqueles princípios, confrontando o recorrente com uma condenação concreta que contra si não foi efetivamente deduzida, quando não estava em causa a fixação do valor da prestação de alimentos, esta sim, eventualmente enquadrável num juízo de equidade que fosse consequência de um inquisitório reforçado, exercido ao longo do processo. Em conformidade com o que antecede, entende-se padecer de nulidade a parte da sentença recorrida que condenou o recorrente no pagamento da quantia de 11.200,00€, acrescida de juros. Sem embargo, atenta a natureza parcial da anulação e a disponibilidade de todos os elementos necessários para decidir a pretensão formulada pela recorrida, nessa parte, a Relação deve substituir-se ao tribunal recorrido, nos termos do artigo 665 do CPC, apreciando a aludida pretensão, o que se fará de seguida[10]. Em razão do antes referido, importa agora apreciar a viabilidade do pedido de condenação do apelante em relação a despesas anteriores à propositura da ação, a que, também em sede de recurso, o requerido se opõe. No seu requerimento inicial a requerente veio alegar que vem suportando sozinha despesas não previstas e, por isso acumulou um valor de gastos superior a 11.200,00€, correspondentes a 1.400,00€ em cada um dos oito meses que decorreram entre outubro e maio. Em conformidade, “demonstrada a capacidade do progenitor de contribuir para estas despesas dos menores, deverá o mesmo ser compelido ao seu pagamento, na proporção de metade” – conclui. As despesas que a requerente refere são as mesmas que suportam o seu pedido de alteração da prestação de alimentos, no qual reclama o pagamento pelo requerido da quantia mensal de 750,00€ para cada filho. Como se sabe, o artigo 2006 do Código Civil (CC) dispõe que os alimentos são devidos desde a propositura da ação e deve entender-se que tal ocorre se estivermos perante a ação inicial ou perante um pedido de alteração, nomeadamente um pedido de aumento da prestação alimentar devida[11]. Por ser assim, relativamente às eventuais despesas anteriores à propositura da presente ação (tanto mais que se alegam supervenientes mas nem se qualificam como extraordinários) que a requerente haja pago não há qualquer título jurídico que as suporte, na medida em que extravasem – e terá que ter sido esse o pressuposto – da fixação anterior e da responsabilidade do outro progenitor daí decorrente. Como referem José António de França Pitão/Gustavo França Pitão[12], decorre do citado artigo 2006 do CC “que naqueles casos em que o requerente invoque que a necessidade de alimentos já ocorre desde período anterior à formulação do pedido, mas só agora requereu a sua prestação, não possa o tribunal atender ao período anterior à propositura da ação, mesmo que se invoque que, nessa altura, já havia essa necessidade”. Acresce que tudo isto que também os factos fixados não são de molde a alicerçar a pretensão da requerente, porquanto a alínea j) desses factos não é bastante a suportar o concreto pedido, o qual, repete-se, e independentemente da matéria fáctica, não tem suporte legal. Em conformidade, a condenação do recorrente no pagamento do montante de 11.200,00€ devido a título de despesas realizadas até aÌ data da propositura da açaÞo, acrescido do valor correspondente de juros legais estabelecidos, contados desde a data da propositura da açaÞo até efetivo e integral pagamento deve ser integralmente revogada. 3.3.2 – (2.5.3) – Se a maioridade do filho D…, ocorrida na pendência da ação, impõe que a partir da data em que completou 18 anos a prestação lhe seja entregue diretamente. Contrariamente ao que sustenta o Ministério Público, entendemos que a maioridade do filho, ocorrida na pendência da causa, mas posteriormente à lei 122/2015, de 1 de setembro, não obsta, quer ao prosseguimento da causa – como o Ministério Público também entende -, quer ao deferimento ao progenitor que vem assumindo as despesas do filho, entretanto maior, da prestação alimentícia. Efetivamente, o artigo 989, n.º 3, permite a esse progenitor reclamar aquelas despesas, acrescidas às correspondentes ao encargo alimentício do tempo correspondente à menoridade, já que as primeiras, atenta a data da maioridade, ocorrem depois da entrada em vigor da aludida Lei 122/2015[13]. E assim sendo, determina o n.º 4 que “O juiz pode decidir, ou os pais acordarem, que essa contribuição é entregue, no todo ou em parte, aos filhos maiores ou emancipados”, ou seja, pode (também) decidir que seja entregue, no todo ou em parte, ao progenitor. Aliás, tratando-se, no caso e como habitualmente sucede, de despesas já custeadas pelo progenitor, será difícil ver a justiça ou legalidade da sua entrega a outrem. Assim, e nessa parte, nada há a censurar à sentença recorrida. 3.3.3 – (2.5.4) – Se a sentença violou o disposto nos artigos 2004 e 2006 do Código Civil (CC). Saber se a sentença violou os normativos citados, mormente o artigo 2004 do CC, é entrar diretamente na substância da decisão, respondendo à pergunta consistente em saber se o valor da pensão dos filhos é o adequado (justo e equilibrado) ou, não o sendo, qual deve ser esse valor, atendendo a que os alimentos têm de ser proporcionais aos meios de quem tem de os prestar e às necessidades de quem houver de os receber (artigo 2004, n.º 1 do CC). Sobre o momento em que a prestação alimentícia, inicial ou alterada, é devida (artigo 2006 do CC) já nos pronunciamos anteriormente: desde a propositura desta ação. Há, por isso e apenas, que saber se foi devidamente respeitado o disposto no artigo 2004, n.º 1 do CC. Aqui e no caso presente, agora sim, estamos em sede de jurisdição voluntária e com necessidade de apelar à equidade (artigos 12.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC) – Lei n.º 141/2015 e 986 a 988 do CPC). Se bem vemos, a recorrida entende que a prestação alimentícia relativa a cada um dos filhos deve ser de 750,00€ mensais; a sentença fixou essa prestação em 700,00€, o Ministério Público entende dever ser no montante de 600,00€, e o recorrente considera que não deve ser superior ao já fixado (sendo certo que o fixado, tendo em conta as atualizações anuais será de cerca de 425,00€) ou então que seja alterada (leia-se, aumentada) para valores compatíveis com as necessidades dos filhos e com as possibilidades dos progenitores. Complicando a certeza decisória, não podemos esquecer que esta ação de alteração da prestação de alimentos demorou quase três anos, ao longo dos quais, naturalmente, a situação dos menores se foi modificando, quer em relação aos estabelecimentos de ensino frequentados e inerentes despesas, quer aos custos, que num juízo de normalidade, foram aumentando com o avançar da adolescência. Por outro lado, a matéria de facto fixada, certamente também ela fruto do evoluir temporal, tem momentos distintos, nunca podendo dizer-se que os valores corretos num determinado momento o sejam também num outro, distante meses ou anos. A nossa decisão terá, por tudo isso, que ponderar a factualidade apurada, a sua temporalidade ou permanência, a natureza das despesas invocadas e sempre num juízo de normalidade e bom senso. Repitamos aqui alguns dos factos relevantes: - O filho D… é atualmente estudante universitário em universidade pública (e é do conhecimento público o valor aproximado das propinas). À data da propositura da açaÞo (2016) tinha despesas mensais de cerca de 90,00€ com os gastos anuais de inscrição no externato, livros e material escolar e aquisição de passe e ainda, com alimentação, propina, passe escolar, despesas de saúde, telefone, internet e desporto, cerca de 813,00€ por mês. - A filha E…, aÌ data da propositura da açaÞo com 14 anos de idade, apresentava despesas de ensino e alimentação no montante mensal de 155,00€; despesas de saúde de 215,00€ e despesas de telemóvel, internet e atividade desportiva no montante, também mensal, de cerca de 110,00€ - Posteriormente aÌ propositura da açaÞo, passou a frequentar o externato F… apresentando despesas (inscrição, material escolar e passe) de 90,00€ mensais e outras despesas mensais (incluindo alimentação) no montante de 527,50€. - Além dessas, têm outras despesas, nomeadamente em festas, apresentações, roupas escolhidas e outros equipamentos lúdicos, vulgo informática e outros em valor variável mas nunca inferior a 120,00€ mensais para cada um. Considerando as despesas comprovadas e o momento mais atual, tendo em conta que as despesas de ensino e aquisição de material escolar, mormente livros, têm tendência a aumentar na Faculdade (enquanto a propina, relativamente ao externato, é mais baixa) e considerando que as despesas ortodônticas da prótese (1.500,00€) se foram diluindo na prestação de 125,00€ mensais, a que se atende, podemos ter por certo que a totalidade dos gastos relativos a cada um dos filhos nunca ultrapassam a média de 1.100,00€ mensais. A comparticipação de cada progenitor é de igual medida, facto que se mostra aceite desde o início da presente ação. Tudo ponderado, entendemos que a contribuição do progenitor deve passar a ser de 550,00€ mensais, devidos desde a propositura desta ação. Em conformidade, na procedência parcial do recurso revoga-se a sentença proferida na 1.ª instância, a qual se substitui pelo dispositivo, infra. As custas, quer da ação, quer do recurso são devidas na ponderação do vencimento e decaimento. Assim, considerando o pedido inicial e o ora decidido, entendemos que são devidas por ambas as partes, na proporção de 3/5 a requerente (recorrida) e 2/5 para o requerido (recorrente). 4. Decisão: Pelas razões ditas e na procedência parcial do recurso, acorda-se na Secção Civil do Tribunal da Relação do Porto em revogar a sentença proferida em 1.ª instância[14] (em conformidade condenando e absolvendo o requerido), substituindo-a nos seguintes termos: “Julga-se a presente açaÞo parcialmente procedente, e, consequentemente, alterando-se o montante da prestação alimentícia devida aos seus filhos, condena-se o requerido B…, a pagar, por cada um dos seus filhos, o montante de 550,00€ (quinhentos e cinquenta euros) mensais, num total de 1.100,00€ (mil e cem euros), englobando todas as despesas. Tal quantia, a ser entregue à requerente C… até ao dia 8 de cada mês, é devida desde a data da propositura desta açaÞo (artigo 2006, n.º1 do C. Civil) e deve ser atualizada em Janeiro de cada ano, aÌ taxa estipulada segundo o índice do INE. Absolve-se o requerido do pedido formulado pela requerente de pagamento do montante de 11.200,00€, invocado como relativo a despesas anteriores à data da propositura da açaÞo”. Custas da ação e do recurso a cargo de requerente/recorrida e requerido/recorrente na proporção respetiva de 3/5 e 2/5 Porto, 9.09.2019 José Eusébio Almeida Carlos Gil Carlos Querido _____________ [1] Relator: José Eusébio Almeida; Adjuntos: Carlos Gil e Carlos Querido. [2] António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 3.ª Edição, Almedina, 2016, pág. 241. [3] Rui Pinto, Notas ao Código de Processo Civil, Volume II, 2.ª Edição, Coimbra Editora, 2015, pág. 162. [4] Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Volume II, 2.ª Edição, Almedina, 2019, pág. 538. [5] António Santos Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, pág. 796, anotação 4. [6] Ob. cit., pág. 770, anotação 2. [7] Nas palavras de Manuel A. Domingues de Andrade (Noções Elementares de Processo Civil, com a colaboração do Prof. Antunes Varela – Nova Edição Revista e Actualizada pelo Dr. Herculano Esteves, Coimbra Editora, Limitada, 1979, pág. 72) a “Característica geral dos processos de jurisdição voluntária. Não há neles, em princípio, um conflito de interesses a compor, mas um só interesse a regular, embora podendo haver um conflito de opiniões ou representações acerca do mesmo interesse”. [8] Sobre a jurisdição voluntária, cfr., em especial, Teresa Sá Lopes, “A jurisdição voluntária e as normas processuais” in Revista do Centro de Estudos Judiciários, 2017, I, Almedina, 2017, págs. 207/232, no qual conclui, na pág. 232: “Nos processos de jurisdição voluntária a equidade é fonte de direito. Ponderando-se os interesses em causa, ao abrigo da mesma, é possível assegurar, na decisão do caso, a solução mais justa e oportuna. Não pode, porém, servir para se afastarem os pressupostos da decisão, seja eles de natureza substantiva ou processual”. A autora, no mesmo artigo, na pág. 220, cita o Ac. da Relação do Porto de 5.02.2013 onde se deixou dito que os processos de jurisdição voluntária não estão sujeitos “à proibição indicada no n.º 1 do artigo 661 do CPC” (anterior redação). Importa dizer, no entanto, que o citado acórdão (Proc. n.º 1164/10.0TMPRT-B.P1, Relator, Desembargador M. Pinto dos Santos) não parece ter querido estabelecer uma regra geral, ou pelo menos, ser transponível para o presente recurso, pois discorre a partir de um caso de atribuição da casa de morada de família e não deixa de dizer: “não se diga, como faz a recorrente, que tal decisão traduz uma condenação em objecto diverso do que foi por ela peticionado, pois havendo [necessariamente] lugar àquela compensação/renda como contrapartida da atribuição provisória da casa de morada de família, terá o Julgador que a fixar, independentemente de ter sido incluída ou não no pedido formulado pelo cônjuge beneficiado com a pretensão” (sublinhado nosso). [9] Cfr. Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Volume II, 2.ª Edição, Almedina, 2019, págs. 441, onde cita Miguel Mesquita (RLJ, ano 143.º, 2013, n.º 3983, pág. 149). [10] Sem necessidade de dar cumprimento ao disposto no n.º 3 do artigo citado, porquanto, além da pronúncia/invocação feita pelo Ministério Público, a recorrida, na sua resposta ao recurso, já argumentou detalhadamente sobre a razão de ser do seu pedido, ora em causa. [11] Nesse sentido, Ac. Do Tribunal da Relação de Lisboa de 14.09.2017 (Relator, Desembargador Pedro Martins), assim sumariado: “Quer seja de fixação inicial da prestação alimentar, quer de aumento da prestação, a sentença retroage os seus efeitos ao momento da propositura da ação (art. 2006 do CC)” e também Teresa Sá Lopes, “A jurisdição voluntária e as normas processuais”, cit., a págs. 223/224. [12] Responsabilidades Parentais e Alimentos, Quid Juris, 2018, pág. 208. [13] Cfr. Daniela Pinheiro Silva, Alimentos a Filho Maior – Natureza, Âmbito e Extensão das Normas Previstas no Art. 989.º, n.º 3 e 4 do Código de Processo Civil, Coleção Casa do Juiz, n.º 10, Almedina, Coletânea de Jurisprudência, 2019, em especial págs. 33 e ss. e conclusões, a págs. 107/110. [14] A parte da sentença onde se escreveu “Face aÌs desconformidades fiscais verificadas relativamente aÌ situaçaÞo dos rendimentos do progenitor, comunique de imediato ao serviço de finanças para o efeito tido por conveniente” não é, obviamente, revogada, sendo mesmo de presumir que já foi cumprida. |