Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2519/09.9TBAMT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RODRIGUES PIRES
Descritores: EXPROPRIAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO
LICENCIAMENTO PARA CONSTRUÇÃO PENDENTE À DATA DA DUP
Nº do Documento: RP201501132519/09.9TBAMT.P1
Data do Acordão: 01/13/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A actualização da indemnização prevista no art. 24º, nº 1 do Cód. das Expropriações, muito embora tenha hoje reduzido relevo devido à situação de crise económica que atravessa o nosso país, não pode deixar de ser aplicada, uma vez que abstrai da maior ou menor depreciação monetária que haja ocorrido.
II - Se à data da declaração de utilidade pública (DUP) de parcela expropriada integrada em RAN (Reserva Agrícola Nacional) se encontrava pendente na respectiva entidade camarária processo de licenciamento para construção numa parte desta parcela, com parecer favorável da CRRA (Comissão Regional da Reserva Agrícola), e que viria a obter, em data posterior à DUP, aprovação do projecto de arquitectura, terá essa parte da parcela expropriada que ser avaliada em função da sua potencialidade construtiva.
III - Nos processos de expropriação por utilidade pública, o objecto de cognição do tribunal é delimitado pela decisão arbitral e pelas alegações do recorrente, de tal forma que tudo o que constar da decisão arbitral que seja desfavorável para as partes não recorrentes transita em julgado.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 2519/09.9 TBAMT.P1
Comarca de Porto Este – Amarante – Inst. Local – Sec. Cível – J1
Apelação
Recorrentes: B… e mulher; “EP – Estradas de Portugal, SA”
Relator: Eduardo Rodrigues Pires
Adjuntos: Desembargadores Márcia Portela e Pinto dos Santos

Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto:
RELATÓRIO
Por despacho do Sr. Secretário de Estado Adjunto das Obras Públicas e das Comunicações de 24.3.2009, publicado no Diário da República, n.º 64, II série, de 1.4.2009, foi declarada a utilidade pública e a autorização da posse administrativa das parcelas de terreno n.º … e … com a área total de 6.768 m2, sita no …, freguesia …, concelho de Amarante, inscrita na matriz predial rústica sob o art. 1284 e na matriz urbana sob o art. 1188º e descrita na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 741 - ….
A expropriação é parcial.
É expropriante a “EP – Estradas de Portugal, SA” e expropriados B… e mulher C….
Após a realização da vistoria “ad perpetuam rei memoriam”, foi proferido acórdão arbitral fixando a indemnização em 71.684,18€.
Por sentença de fls. 89 foi adjudicada a parcela em questão à expropriante, a qual, ao tempo era “D…, SA”.
Proferida sentença de adjudicação, os expropriados recorreram, tendo concluído que o valor da justa indemnização do terreno objecto de expropriação será de 236.300,76€.
Admitido o recurso, a expropriante deduziu resposta, na qual pugnou pela manutenção do valor da indemnização arbitrada.
Nomeados os peritos procedeu-se à avaliação da parcela.
Os Srs. peritos nomeados pelo Tribunal e os indicados pela entidade expropriante e pelos expropriados elaboraram um laudo conjunto, tendo existido unanimidade quanto ao valor de indemnização a atribuir: 92.876,25€.
Notificados do resultado da avaliação, as partes apresentaram alegações.Foi depois proferida sentença que fixou em 92.876,25€ a indemnização a pagar pela expropriante “EP – Estradas de Portugal, SA” aos expropriados B… e mulher C….
Inconformados com o decidido, tanto os expropriados como a entidade expropriante interpuseram recurso de apelação.
Os expropriados finalizaram as suas alegações com as seguintes conclusões:
1 – Nos termos do art. 24º CE, o montante da indemnização calcula-se com referência à data da DUP.
2 - Apesar de realizada em Outubro de 2010, a avaliação efetuada pelos Senhores Peritos reporta-se à data da DUP como, aliás, os mesmos expressamente referiram nos esclarecimentos que apresentaram em juízo no dia 25.2.2011 (fls. 2).
3 – Como tal, nos termos da citada disposição legal, o montante da indemnização deve/tem de ser “actualizado à data da decisão final do processo de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação”.
4 – Acresce que a atualização da indemnização, prevista e imposta no art. 24º CE, visa apenas e tão só repor o expropriado, em termos de poder de compra, na situação em que estaria caso tivesse recebido a indemnização aquando da DUP, abstraindo, pois, de qualquer valorização ou desvalorização que porventura o bem expropriado tenha sofrido depois dessa data.
5 - Entendendo diferentemente, a, aliás, douta sentença recorrida violou o disposto no art. 24º CE pelo que deve ser revogada.
Por outro lado,
6 - Resulta claramente do doc. 1 junto com o recurso interposto da decisão arbitral que em 18.2.2005 a Comissão Regional da Reserva Agrícola tinha concedido parecer favorável à utilização de 250 m2 de solo agrícola para construção de habitação e anexo, incluindo a área de construção já existente (85 m2) no local proposto e resulta de modo evidente do doc. 2 junto com o requerimento apresentado em 6.2.2011, que esse processo de licenciamento foi indeferido, quando o projeto de arquitetura já estava aprovado, em virtude de a construção se inserir em zona de proteção “non aedificandi” criada pela expropriação aqui em causa.
7 – Ora, para que os Expropriados sejam indemnizados pela perda dessa capacidade construtiva (num total de 165 m2) não é necessário que a construção em questão estivesse devidamente autorizada e/ou licenciada, mas, apenas, que fosse (como era) possível aquando da DUP (só não o sendo por via da expropriação e da zona de proteção por ela criada).
8 – Daí que deva acrescer à indemnização a atribuir aos Expropriados a quantia de 7.260,00€ mencionada pelos Senhores Peritos do Tribunal e dos Expropriados nos esclarecimentos por si prestados que deram entrada em juízo em 25.2.2011.
9 - Em face do exposto, deve a, aliás, douta sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que fixe a indemnização em 100.136,25€, valor a atualizar nos termos previstos no art. 24º CE e sobre o qual acresçam juros à taxa legal após trânsito em julgado da decisão até efetivo pagamento.
Por seu turno, a expropriante finalizou as suas alegações com as seguintes conclusões:
1- A sentença proferida assentou nas conclusões do relatório unânime, o qual se encontra pouco fundamentado e sem observar as disposições legais aplicáveis.
2- A indemnização atribuída pela desvalorização da parte sobrante não vai de encontro ao disposto no artigo 3.º e 29.º do CE/99.
3- O alegado e não demonstrado ensombramento e ruído pela passagem dos veículos pelas juntas de dilatação não são prejuízos que decorram da expropriação, pelo que não podem ser avaliados nem indemnizados nesta sede.
4- São prejuízos que, a existirem, decorrem da obra realizada, com intervenientes diferentes.
5- As depreciações, prejuízos ou encargos contabilizados no processo de expropriação são aqueles que derivam da divisão do prédio.
6- Os valores atribuídos não apresentam suporte legal e não correspondem aos prejuízos efetivos.
7- A sentença recorrida violou o disposto no artigo 23.º n.º 1, 3.º e 29.º do CE/99.
Pretende assim que o valor da indemnização seja o atribuído no laudo arbitral.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Cumpre então apreciar e decidir.
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FUNDAMENTAÇÃO
Uma vez que estamos perante decisão proferida em 14.5.2014 em processo que foi instaurado depois de 1.1.2008, é aplicável ao presente recurso o regime previsto no Novo Cód. do Proc. Civil.
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O âmbito do recurso, sempre ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram – cfr. arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do Novo Cód. do Proc. Civil.
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As questões a decidir são as seguintes:
I – Recurso interposto pelos expropriados:
a) Actualização do valor indemnizatório ao abrigo do disposto no art. 24º do Cód. das Expropriações;
b) Cálculo do montante indemnizatório (eventual consideração de perda de capacidade construtiva no tocante à área de 165m2).
IIRecurso interposto pela entidade expropriante:
Indemnização atribuída pela desvalorização das partes sobrantes.
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OS FACTOS
É a seguinte a matéria de facto considerada como assente pela 1ª Instância:
a) Por despacho datado de 24/03/2009 proferido pelo Sr. Secretário de Estado Adjunto das Obras Públicas e das Comunicações, publicado no Diário da República n.º 64 II Série de 1 de Abril de 2009 foi declarada a utilidade pública com carácter de urgência e autorizada a posse administrativa das parcelas n.º … e … do projecto para a construção do Túnel do Marão – A-4/IP4 –Amarante/Vila Real.
b) Tal parcela de terreno tem a área total de 6.768 m2, situa-se no …, freguesia …, concelho de Amarante, inscrita na matriz predial da freguesia … sob o artigo rústico 1284 e urbano 1188 e descrita na Conservatória sob o n.º 741.
c) De acordo com o relatório da vistoria “ad perpetuam rei memoriam” a parcela era ocupada por terreno agrícola de regadio, disposto em patamares, delimitados por bardos de vinha e vinha em ramada e o logradouro de um prédio urbano correspondente a um pavilhão agrícola, sendo as parcelas, uma de forma trapezoidal e outra de contorno poligonal irregular.
d) O Plano Director Municipal de Amarante, à data da declaração de utilidade pública define as parcelas referidas como situadas em “Espaço Agrícola Inserido na Reserva Agrícola Nacional – RAN e Reserva Ecológica Nacional - REN”.
e) O valor das benfeitorias é, quanto às árvores, de €1.595 euros e, quanto às construções (barracão, galinheiro, poça de água, tanque de rega, vedação em rede) de €11.150 euros.
f) As partes sobrantes do prédio ficaram desvalorizadas, no seu corrente valor de mercado, pois a habitação agora está paredes-meias com pilares e a sombra do viaduto e com o ruído do pisar das juntas de dilatação no tabuleiro por viaturas em €38.161,25 euros.
g) Do relatório de peritagem elaborado pelos Srs. Peritos designados pelo Tribunal, pelos expropriados e pela EE, que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais, foi fixado em €92.876,25 o montante da indemnização a atribuir aos expropriados.
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O DIREITO
I Recurso interposto pelos expropriados
a) A Mmª Juíza “a quo” na sentença recorrida fixou o valor da indemnização em 92.876,25€, sem que tenha procedido à actualização deste montante, tendo escrito o seguinte para fundamentar tal posição:
“Como este é o valor apurado pelos peritos maioritários, cuja avaliação se realizou em Outubro de 2010, não se justifica a actualização por não ter ocorrido entretanto qualquer facto ou circunstância que determinasse a alteração do valor ali por eles encontrado, e de forma correcta, nomeadamente a depreciação do valor da moeda ou valorização do sector imobiliário, bem pelo contrário, em face da crise económica que já se iniciava nesse ano e estagnação absoluta do mercado de imóveis.”
Mereceu este entendimento a discordância dos expropriados, que, em sede de recurso, pugnando pela actualização do montante indemnizatório, fundaram a sua argumentação no preceituado no art. 24º do Cód. das Expropriações.
É a seguinte a redacção deste preceito nos seus nºs 1 e 2:
«1. O montante da indemnização calcula-se com referência à data da declaração de utilidade pública, sendo actualizado à data da decisão final do processo de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação.
2. O índice referido no número anterior é o publicado pelo Instituto Nacional de Estatística relativamente ao local da situação dos bens ou da sua maior extensão.»
Neste preceito consagra-se o princípio de que a indemnização é calculada com referência ao valor do bem no momento da declaração de utilidade pública (rectius: no momento da publicação desta) por ser então que é substituído pelo crédito à indemnização.
Todavia, a lei reconhece que, por via da inflação, os atrasos do processo de expropriação seriam susceptíveis de afectar em termos relativos a indemnização do expropriado. Por isso, manda actualizá-la de acordo com a evolução do índice dos preços no consumidor, com exclusão da habitação, publicado pelo Instituto Nacional de Estatística, entre a data da referida declaração e a decisão final do processo – ou, antes, entre os meses em que ocorrerem, dado que tal índice tem o mês como suporte temporal mínimo.[1]
Tal actualização, não se baseando numa situação de mora ou de atraso de pagamento, é pois estranha aos juros de mora.
O seu objectivo essencial, conforme já se referiu, é a protecção do expropriado contra o fenómeno da depreciação da moeda.[2]
A avaliação, no caso dos autos, embora tenha sido efectuada em Outubro de 2010, reportou-se à data da declaração de utilidade pública, em consonância com o preceituado no art. 24º, nº 1 do Cód. das Expropriações, como, de resto, foi expressamente afirmado pelos Srs. Peritos nos esclarecimentos que prestaram em Fevereiro de 2011 (cfr. fls. 150).
A actualização prevista nesta mesma disposição legal, muito embora tenha hoje escasso impacto devido à situação de crise económica que atravessa o nosso país, não pode deixar de ser aplicada, uma vez que abstrai da maior ou menor depreciação monetária que haja ocorrido.
Ora, o reduzido relevo deste normativo, no presente, não tem como consequência a sua não aplicação no caso “sub judice”, razão pela qual não se pode acolher a argumentação explanada pela Mmª Juíza “a quo” na sentença recorrida e que atrás se transcreveu.
Por conseguinte, neste segmento (conclusões 1 a 5), o recurso interposto pelos expropriados obterá procedência.
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b) Os expropriados insurgem-se também contra o montante da indemnização que foi fixado por entenderem que deveria ter sido considerada a perda de capacidade construtiva no tocante à área de 165m2.
Com efeito, sustentam que a Comissão Regional da Reserva Agrícola emitiu, em 2005, parecer favorável à utilização de 250m2 de solo agrícola para construção de habitação e anexo, onde se incluía a área de construção já antes existente (85m2), de nada relevando a circunstância de o respectivo pedido de licenciamento ter sido indeferido, em virtude de a construção se inserir em zona de protecção “non aedificandi”, originada pela expropriação.
Por isso, consideram que à verba indemnizatória atribuída na sentença recorrida se deverá somar a quantia de 7.260,00€.
Vejamos se lhes assiste razão.
No laudo pericial subscrito por todos os Srs. Peritos escreveram estes que “… embora a parcela tenha mais de 3.000m2, uma vez que no prédio já existem construções, considera-se esgotada a eventual capacidade de construção para efeitos agrícolas.”
Depois, nos esclarecimentos que sobre a questão que agora se discute foram solicitados aos Srs. Peritos escreveram o seguinte os designados pelo tribunal:
“A DUP tem a data de 1-4-2009 e o processo esteve parado entre 28-7-2005 e 17-4-2009, isto é, à data da DUP não havia construção habitacional autorizada o que só veio a acontecer em 3-2-2010.
Como a avaliação se reporta à data da DUP, os peritos entendem que não têm que reformular o cálculo da indemnização. Procedimento diferente adotariam se à data da DUP houvesse mais área de construção autorizada do que a existente.”
No entanto, para o caso de o tribunal se decidir pela atribuição da parcela indemnizatória reclamada pelos expropriados, embora sublinhem ser difícil de implantar a área de construção concedida, fixam esta na importância de 7.260,00€.
Quanto ao perito indicado pelos expropriados sustentou este que à data da DUP era possível construir no terreno a habitação com anexo de 200+50m2. E desenvolvendo o seu raciocínio escreveu: “ (…) essa possibilidade resulta de forma clara do documento emitido pelo CRRA e com a postura que a C. M. Amarante veio a assumir posteriormente. Isto é, se com base na autorização da CRRA emitida em 2005 a C. M. Amarante autorizava essa construção em inícios de 2010, não existe qualquer razão válida para supor que não a aceitaria aquando da DUP ocorrida em 2009. Acresce que o que se pretende avaliar é a capacidade construtiva no terreno aquando da DUP, independentemente de essa capacidade já estar ou não reconhecida pela Câmara Municipal. Assim sendo, sou de opinião que deve ser considerada sem qualquer reserva a capacidade construtiva do terreno em causa, em consonância com a autorização dada pela CRRA, e feita a respectiva valoração (…)”.
Manifesta depois a sua concordância com a importância referida pelos peritos designados pelo tribunal (7.260,00€).
Já o perito indicado pela entidade expropriante pronunciou-se, de forma clara, no sentido da não atribuição deste montante indemnizatório, tendo escrito o seguinte na parte final dos seus esclarecimentos:
“a) O pedido de 2005 foi apresentado em violação de um parecer vinculativo emitido pela CRRA, o que levaria sempre ao seu indeferimento por motivos ligados à RAN e não à expropriação;
b) À data da DUP (01.04.2009) nenhum direito os expropriados tinham para construir na parcela sobrante poente à expropriada;
c) Após a publicação da DUP, a 17.04.2009, os expropriados procuram junto da CM de Amarante repescar o licenciamento anterior;
d) Contudo, o artigo 23º, nº 2, alínea d) do Código das Expropriações desconsidera para efeitos de indemnização as mais-valias emergentes de licenças requeridas posteriormente, no caso, à data da DUP;
e) O projecto de arquitectura é posteriormente aprovado, mas consubstancia, sempre, um acto nulo, quer por violar uma servidão administrativa non aedificandi rodoviária, nos termos do art. 11º do Decreto-Lei nº 13/94, quer o regime da RAN (artigo 38º do Decreto-Lei nº 73/2009), de nenhum efeito e insusceptível, sequer, de revogação (cfr. art. 139º, nº 1, alínea a) do CPA). Do mesmo padeceria a licença de construção se fosse emitida.”
Na sentença recorrida, nada se disse de forma expressa sobre esta questão, atendendo a que a Mmª Juíza “a quo” se limitou a remeter para o laudo pericial unânime constante de fls. 182/190, tendo fixado a indemnização no montante neste referido (92.876,25€). Nenhuma alusão se fez aos subsequentes esclarecimentos e ao valor adicional que neles foi mencionado (7.260,00€), que foi assim implicitamente desatendido.
Apreciemos então.
Dos elementos documentais que se encontram juntos ao processo resulta que em 18.2.2005 a C.R.R.A. (Comissão Regional de Reserva Agrícola) decidiu conceder, nos termos das alíneas a) e c) do DL 196/89, parecer favorável à utilização de 250m2 de solo agrícola para construção de habitação (200m2) e anexo de apoio agrícola (50m2). Os 200m2 concedidos para a habitação incluíam a área de construção já existente, junto ao local proposto para a sua instalação (fls. 108).
Depois, na sequência do pedido de licenciamento para construção de uma moradia unifamiliar apresentado na Câmara Municipal de Amarante pelo expropriado B… em 12.4.2005, correspondente ao proc. nº …/2005, foi este notificado por despacho da Sr.ª Vereadora do Urbanismo, de 22.4.2005, para no prazo de 60 dias apresentar os elementos em falta, referidos no parecer técnico de 21.4.2005, sob pena de rejeição do pedido. Ora, neste parecer escreveu-se o seguinte: “o parecer do CRRA apresentado refere que os 200m2 concedidos para a habitação inclui a área de construção já existente, junto ao local proposto para a instalação da mesma. O projecto apresentado não se apresenta em conformidade com o parecer referido, pelo que esta questão deverá ser esclarecida” (fls. 109/111).
Sucede que o expropriado não apresentou os elementos em falta, nem forneceu os esclarecimentos solicitados.
Porém, a entidade camarária não procedeu à rejeição do pedido de licenciamento.
Assim, em 17.4.2009, no âmbito do mesmo proc. nº …/2005, alguns dias depois da publicação da declaração de utilidade pública, o expropriado apresentou no processo de licenciamento uma exposição e novos elementos, os quais permitiriam viabilizar a sua pretensão. Daí que por despacho de 3.2.2010 tenha sido aprovado o projecto de arquitectura, fixando-se em seis meses o prazo para a apresentação dos projectos de especialidade (fls. 125).
Só que entretanto veio-se a apurar que o edifício que se pretendia construir se localizava na zona de protecção non aedificandi da auto-estrada, o que teve como consequência a revogação do anterior despacho de 3.2.2010 e o indeferimento em definitivo do pedido de licenciamento apresentado para construção de uma moradia unifamiliar – despacho da Sr.ª Vereadora do Urbanismo da Câmara Municipal de Amarante de 26.4.2010 (fls. 124/126).
É sabido que o montante da indemnização, tal como decorre do art. 24º, nº 1 do Cód. das Expropriações, se calcula com referência à data da declaração de utilidade pública.
Esta foi publicada em 1.4.2009, de modo que, no caso “sub judice” será esta a data a ter em atenção para a determinação do “quantum” indemnizatório.
Acontece que nesta data não se encontrava reconhecido aos expropriados o direito a construir na área da parcela expropriada aqui em causa. Mas esse pedido fora efectuado há já algum tempo. Com efeito, o processo de licenciamento para construção nessa área de uma moradia unifamiliar tivera o seu início em 2005 e ficara parado durante vários anos porque o expropriado não apresentou elementos em falta nem forneceu esclarecimentos que lhe foram solicitados pela Câmara Municipal de Amarante.
Contudo, em momento algum a entidade camarária indeferiu tal pedido de licenciamento.
Deste modo, alguns dias após a publicação da declaração de utilidade pública, em 17.4.2009, os expropriados vieram reactivar o processo de licenciamento [que tem sempre o mesmo número – …/2005] mediante a apresentação de uma exposição e de novos elementos, o que tudo culminou na aprovação do projecto de arquitectura, por despacho de 3.2.2010, tendo sido fixado o prazo de seis meses para apresentação dos projectos de especialidade.
Despacho que, porém, viria a ser posteriormente revogado, em 26.4.2010, com o definitivo indeferimento do pedido de licenciamento, em virtude da construção que se pretendia licenciar se localizar na zona de protecção “non aedificandi” da auto-estrada.
O art. 23º, nº 2, al. d) do Cód. das Expropriações estabelece que na determinação do valor dos bens expropriados não se pode tomar em conta a mais-valia que resultar de informações de viabilidade, licenças ou autorizações administrativas requeridas depois da notificação a que se reporta o nº 5 do art. 10º do mesmo diploma, ou seja da notificação ao expropriado da resolução de requerer a declaração de utilidade pública da expropriação.
Neste caso, a notificação ao expropriado da resolução de requerer a declaração de utilidade pública, com carácter de urgência, concretizou-se através de carta remetida em 19.3.2009 (cfr. fls. 76/77).
Na situação vertente, o que se verifica é que, embora na data em que foi publicada a declaração de utilidade pública os expropriados não estivessem autorizados a construir na parte da parcela expropriada que aqui se discute, já há muito tinham formulado junto da competente entidade camarária o correspondente pedido de licenciamento, fundado este no parecer favorável à construção que havia sido dado pela Comissão Regional da Reserva Agrícola.
E no desenvolvimento deste processo viria a ser aprovado o respectivo projecto de arquitectura, o que significou o reconhecimento de potencialidade edificativa àquela área da parcela expropriada, sucedendo que o posterior indeferimento do pedido de licenciamento só ocorreu em consequência da zona “non aedificandi” surgida como resultado da própria expropriação.
Neste contexto, não há pois lugar à exclusão prevista no art. 23º, nº 2, al. d) do Cód. das Expropriações e não pode deixar de se reconhecer que à data da declaração de utilidade pública a área aqui em causa da parcela expropriada dispunha de potencialidade construtiva.
Como tal, os expropriados terão que ser indemnizados quanto à perda de capacidade construtiva no tocante à área de 165m2, sendo o montante indemnizatório fixado em 7.260,00€, nos termos que vêm explicitados pelos Srs. Peritos indicados pelo tribunal e aos quais aderiu o Sr. Perito designado pelos expropriados e que se passam a transcrever (fls. 150/1):
“A construção admitida para a parcela era de 250m2. A casa actual tem 85m2, logo poder-se-iam construir mais 165m2.
Admitindo como valor de terreno de construção €50,00/m2 e valor médio agrícola €6,00/m2, a desvalorização seria a diferença, isto é, €44,00/m2.
Logo a desvalorização adicional seria a de 165m2x€44,00/m2=€7.260,00.”
Consequentemente, também nesta parte, obterá procedência o recurso interposto pelos expropriados.
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IIRecurso interposto pela entidade expropriante
A entidade expropriante no seu recurso veio insurgir-se contra a indemnização atribuída pela desvalorização da parte sobrante, sustentando que o ensombramento e o ruído pela passagem dos veículos pelas juntas de dilatação não são prejuízos que decorram da expropriação, pelo que não poderão ser avaliados nem indemnizados nesta sede. Decorrem, outrossim, da obra realizada.
Alega igualmente que os valores considerados pelos Srs. Peritos para as partes sobrantes não se encontram minimamente sustentados, nem correspondem aos prejuízos efectivos.
Os acórdãos arbitrais, tal como tem vindo a ser entendido pacificamente pelos nossos tribunais, não são meros arbitramentos, tendo antes natureza judicial, sendo-lhes assim aplicável o regime estabelecido para as restantes decisões judiciais.
Por isso, nos processos de expropriação por utilidade pública, o objecto de cognição do tribunal é delimitado pela decisão arbitral e pelas alegações do recorrente. Tudo o que constar da decisão arbitral que seja desfavorável para as partes não recorrentes transita em julgado (cfr. art. 635º, nº 5 do Novo Cód. do Proc. Civil).
Tal significa assim que a falta de recurso corresponde a concordância com o decidido pelos árbitros.[3]
Sucede que, no presente caso, a entidade expropriante não interpôs recurso da decisão arbitral, o que significou concordância com a mesma.
O recurso foi interposto somente pelos expropriados que no tocante à concreta matéria da indemnização a atribuir pela desvalorização das partes sobrantes propuseram valores mais elevados do que os constantes da decisão arbitral.
A entidade expropriante apresentou resposta, na qual no seu final se pronunciou pela manutenção do valor da indemnização arbitrada.
A questão central que agora coloca nas suas alegações de recurso prende-se precisamente com o fundamento que levou à atribuição de um significativo montante indemnizatório pela desvalorização da parte sobrante, baseado este no ensombramento e ruído pela passagem dos veículos pelas juntas de dilatação.
Entende que estes prejuízos deveriam ser reclamados noutra sede.
Acontece, porém, que esta questão se encontrava fora do objecto de cognição do tribunal. Com efeito, no acórdão arbitral foi atribuída indemnização com base em tais fundamentos e os expropriados no seu recurso pugnaram pela elevação dos valores arbitrados. Por seu turno, a expropriante, como já se referiu, não interpôs recurso da decisão arbitral, nem tão pouco, na sua resposta, se insurgiu em passo algum contra a atribuição de uma verba indemnizatória daquela natureza ou defendeu a sua reclamação em diferente sede.
Por esse motivo, não pode agora suscitar tal questão no âmbito do presente recurso para este Tribunal da Relação, uma vez que a mesma, por não ter sido objecto de atempada impugnação, se deverá haver como transitada em julgado.
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Diversamente, já é de considerar o seu recurso na parte em que se insurge contra o montante indemnizatório fixado pela 1ª Instância pela desvalorização da parte sobrante – mais elevado do que o constante da decisão arbitral – por entender que este não se mostra adequado, nem corresponde aos prejuízos efectivos.
Sucede que quanto à matéria da desvalorização da parte sobrante a posição dos Srs. Peritos é unânime, encontrando-se detalhadamente fundamentada, conforme se passa a transcrever (fls. 188/9):
“(…)
Face ao critério de avaliação adoptado, considera-se que as partes sobrantes sitas a Sul, dadas as respectivas áreas e uso actual, não sofrem desvalorização susceptível de indemnização. No entanto as zonas sobrantes sitas a norte do viaduto, serão afectadas. A zona a Nascente (sobrante Norte da sub-parcela …) ficará sem qualquer interesse económico, por estar encravada entre dois ramos de um caminho e pela área com que fica, cerca de 165m2, considerando-se ficar desvalorizada em cerca de 95%. Considerando-se como valor médio do solo cerca de €6,00/m2, a desvalorização será de: 170m2 x 6,00m2 x 95% = €969,00 e a zona a Poente (sobrante Norte da sub-parcela …), numa faixa de 20m de largura contígua ao viaduto, constituída por terreno agrícola e construções de apoio, pela sombra provocada pelo mesmo viaduto reduzindo o rendimento agrícola, redução que se fixa em 30% para o terreno. Tendo em consideração o comprimento da zona afectada, 130m e estimando uma faixa atingida por uma largura de 20m, a desvalorização da parcela sobrante por ensombramento será de: 130m x 20 = 2600m2 x €6,00/m2 x 30% = €4.680,00.
Em relação à construção de apoio agrícola (armazém) pela proximidade do mesmo às construções considera-se uma desvalorização de 30% relativo à área de construção do mesmo, (2 x 212,50m2 = 425m2) uma vez que se encontra agora encostada ao alinhamento vertical do tabuleiro do viaduto e durante várias horas do dia está na zona de sombra que o tabuleiro projecta. Acrescente-se no entanto que para além desse facto, todas as características do edifício (armazém agrícola) se mantêm inalteradas quanto ao objectivo inicial da sua construção. O armazém de dois pisos tem um valor que se estima em €350,00/m2, sendo €250,00/m2 se tivesse apenas um piso e mais €100,00/m2 para o segundo piso, uma vez que para a construção do segundo piso, os anteriores elementos estruturais foram muito aproveitados. Assim, a desvalorização do armazém será a seguinte: 212,50m2 x €350,00/m2 x 30% = €22.312,50.
Quanto à habitação, com 85m2, considerando que antes da expropriação tinha vistas amplas e desafogadas e agora vive paredes meias com os pilares e a sombra do viaduto, além de sofrer do natural ruído que o pisar de juntas de dilatação no tabuleiro por viaturas de todos os tipos sempre acarreta, considera-se também uma desvalorização de 30%. Considerando que face à idade da habitação se estima um valor de 400,00/m2, a desvalorização da moradia será a seguinte:
85m2 x €400,00/m2 x 30% = €10.200,00.
(…).”
Ora, não vemos qualquer razão para dissentir do que foi escrito, unanimemente, pelos Srs. Peritos no seu laudo a fls. 188/9, onde, de resto, fundamentaram, de forma pormenorizada, os montantes que atribuíram no que concerne à desvalorização das partes sobrantes.
Como tal, entendemos ser de manter o valor arbitrado pela 1ª instância neste segmento indemnizatório (38.161,25€), razão pela qual improcede o recurso interposto pela entidade expropriante.
*
Sumário (art. 663º, nº 7 do Novo Cód. do Proc. Civil):
- A actualização da indemnização prevista no art. 24º, nº 1 do Cód. das Expropriações, muito embora tenha hoje reduzido relevo devido à situação de crise económica que atravessa o nosso país, não pode deixar de ser aplicada, uma vez que abstrai da maior ou menor depreciação monetária que haja ocorrido.
- Se à data da declaração de utilidade pública (DUP) de parcela expropriada integrada em RAN (Reserva Agrícola Nacional) se encontrava pendente na respectiva entidade camarária processo de licenciamento para construção numa parte desta parcela, com parecer favorável da CRRA (Comissão Regional da Reserva Agrícola), e que viria a obter, em data posterior à DUP, aprovação do projecto de arquitectura, terá essa parte da parcela expropriada que ser avaliada em função da sua potencialidade construtiva.
- Nos processos de expropriação por utilidade pública, o objecto de cognição do tribunal é delimitado pela decisão arbitral e pelas alegações do recorrente, de tal forma que tudo o que constar da decisão arbitral que seja desfavorável para as partes não recorrentes transita em julgado.
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DECISÃO
Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem este Tribunal em:
a) julgar procedente o recurso de apelação interposto pelos expropriados B… e mulher e, em consequência, fixa-se a indemnização a pagar pela expropriante “Estradas de Portugal, SA” na importância de 100.136,25€ (cem mil cento e trinta e seis euros e vinte e cinco cêntimos) a actualizar a partir da declaração de utilidade pública e até à data do trânsito em julgado da decisão final do presente processo, de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação, publicado pelo Instituto Nacional de Estatística relativamente ao local da situação da parcela de terreno expropriada, a que acrescem ainda juros à taxa legal contados desde a data do trânsito em julgado da decisão final e até efectivo e integral pagamento;
b) julgar improcedente o recurso de apelação interposto pela expropriante “Estradas de Portugal, SA”.
As custas na 1ª Instância serão suportadas na proporção do decaimento.
As custas dos recursos serão em ambos os casos suportadas, face ao seu decaimento, pela entidade expropriante.

Porto, 13.1.2015
Eduardo Rodrigues Pires
Márcia Portela
M. Pinto dos Santos
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[1] Cfr. Perestrelo de Oliveira, “Código das Expropriações Anotado”, 2ª ed., pág. 95.
[2] Cfr. Salvador da Costa, “Código das Expropriações e Estatuto dos Peritos Avaliadores – Anotados e Comentados”, 2010, pág. 159.
[3] Cfr., neste sentido entre outros: Ac. STJ de 26.11.2009, p. 2416/04.4 TJVNF.S1, disponível in www.dgsi.pt.; Ac. Rel. Porto de 4.7.2007, p. 0733513, disponível in www.dgsi.pt; Ac. Rel. Porto de 1.7.2008, p. 0822444, disponível in www.dgsi.pt.