Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
166/21.6T8BAO.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MENDES COELHO
Descritores: LOCAÇÃO
INCUMPRIMENTO DO CONTRATO
PERDA DE INTERESSE NA PRESTAÇÃO
Nº do Documento: RP20230227166/21.6T8BAO.P1
Data do Acordão: 02/27/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE; SENTENÇA CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – Em contrato de locação de bem móvel sujeito ao regime previsto nos arts. 1022º e sgs. do C. Civil, provando-se que desde a entrega do equipamento o mesmo nunca ficou a funcionar, que a locatária deu disso conhecimento por várias vezes à locadora e nada se tendo apurado no sentido de que esta desconhecesse que aquele não funcionamento ocorria desde aquela entrega, é de concluir pelo incumprimento de tal contrato pela locadora com base no disposto no art. 1032º, alínea a), do C. Civil.
II – Não tendo a locadora respondido a comunicações sucessivas da locatária a dar-lhe conta do não funcionamento do equipamento, com pedidos expressos de levantamento do mesmo das suas instalações e, inclusivamente, declarando expressamente a sua intenção de não pagamento da sua contraprestação, e nada se mostrando apurado também no sentido de uma sua qualquer actuação – não obstante o tempo que ia decorrendo entre aquelas comunicações – em vista de fornecer à locatária o que faltava para o equipamento funcionar ou de o substituir por outro, de tal decorre uma situação objectiva de perda de interesse na prestação por parte da ré/locatária, geradora de incumprimento definitivo do contrato por parte da locadora agora por via do regime previsto no art. 808º nº1 do C. Civil.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº166/21.6T8BAO.P1
(Comarca do Porto Este – Juízo de Competência Genérica de Baião)

Relator: António Mendes Coelho
1º Adjunto: Joaquim Moura
2º Adjunto: Ana Paula Amorim

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I Relatório[1]

A..., S.A. propôs acção declarativa comum contra B..., Unipessoal, Lda., pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia global de € 6.089,64, acrescida de juros legais sobre o capital de € 4.989,29 vencidos desde a data da apresentação da acção e até efectivo e integral pagamento.
Alegou para tal que, no exercício da sua actividade, celebrou com a ré um contrato de locação clássica com início em 1.10.2018 e duração de 60 meses, mediante o pagamento de uma renda trimestral no valor de € 195,00 cada, acrescida de IVA à taxa legal. De acordo com o contratado, a autora adquiriu e pagou ao fornecedor o equipamento escolhido pela ré – um sistema de CCTV, composto por diversos componentes – que entregou à ré e colocou à sua disposição, tendo esta confirmado perante a autora, através de declaração de confirmação de entrega e de aceitação, que os bens foram entregues na sua totalidade e com todos os seus componentes e por si recebidos, instalados, em perfeito estado e funcionando devidamente.
Mais alegou que, ao assinar a mencionada declaração, a ré sabia que a autora iria pagar o preço de compra ao fornecedor, o que não aconteceria caso a ré não tivesse assinado a mencionada confirmação.
Destarte, pugna ter cumprido integralmente o contrato celebrado, contrariamente à ré que deixou de efectuar o pagamento dos valores dos alugueres contratados desde 2.11.2018 até ao fim do contrato.
Por força do referido incumprimento, considerou o contrato resolvido a partir de 11 de Março de 2019 e vencidas de imediato todas as obrigações, interpelando a ré para pagamento das facturas vencidas e não pagas (no valor global de € 671,99) e, bem assim, do valor de € 4.317,30, equivalente a todos os alugueres devidos até ao termo do contrato, acrescidos de IVA, sendo este valor devido por consideração de que adquiriu o bem locado para beneficio da ré e tendo em conta a necessidade de compensar os danos emergentes, nomeadamente, com o investimento patrimonial por si perdido como resultado da perda de valor do equipamento, custos financeiros com o investimento em equipamento novo objecto da locação e custos administrativos com a celebração e manutenção do contrato, € 110,70 referentes a custos de aviso e gestão e € 4,31 referentes a custos de retorno de entradas, custos devidamente informados à ré e disponíveis no seu site, tudo conforme decorre das Condições Gerais do contrato aceite pelas partes.
Alegou ainda que a C... é apenas o fornecedor que a ré escolheu para os bens objecto de locação, bens estes que a autora adquiriu com o único propósito de os alugar à ré, e defendeu que sobre a quantia de capital em dívida (€ 4.989,29) acrescem juros de mora, contados às taxas aplicadas pelo Banco Central Europeu (Portaria n.º 597/2005, de 19.07), no valor de € 985,34 até à data de interposição da acção, e demais juros que se vierem a vencer, e ainda € 115,01 de custos devidos à mora.
A ré apresentou contestação, pugnando pela total improcedência da acção e pela sua absolvição do pedido, porquanto quem incumpriu o contrato celebrado entre as partes foi a autora, ao não proporcionar à ré/locatária o gozo da coisa para os fins a que se destina – na medida em que o equipamento nunca foi devidamente instalado e configurado, nem colocado a funcionar, para além de que nunca lhe foi fornecida qualquer formação, nem entregue o telemóvel smartphone acordado –, o que determinou a ré a resolver o contrato por carta registada e com aviso de recepção, datada de 4 de Dezembro de 2018.
Invocou, igualmente, que o único contrato que assinou presencialmente foi o inicialmente celebrado com a empresa C..., Lda, pois o celebrado com a autora foi-lhe posteriormente remetido via internet e a assinatura que nele apôs a sua gerente, é digital. Assim, é evidente que assinou o documento de “confirmação de entrega e aceitação” sem atentar no seu conteúdo, convencida de que estava a assinar um simples documento de confirmação da recepção do equipamento. Daí que tenha, posteriormente, comunicado à autora, telefonicamente e por escrito, de forma sucessiva e reiterada, que o equipamento nunca havia sido colocado em funcionamento.
Socorreu-se, ainda, do Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais, pugnando pela exclusão de várias cláusulas do contrato com fundamento no art.º 8.º do mencionado diploma legal, designadamente da cláusula penal, por não se encontrar antecedida de qualquer título/epígrafe que pudesse chamar à atenção da ré para o seu conteúdo – tanto mais que se trata de uma cláusula da maior importância, mas redigida em letra minúscula, passando despercebida a qualquer contraente – e por ser manifestamente excessiva.
Conclui, dizendo que o equipamento locado continua no seu estabelecimento, sem utilidade alguma porque continua sem funcionar e que, continuando a dele necessitar, bastaria que a autora o colocasse ou mandasse colocar em funcionamento e cumprisse o demais contratado, designadamente ministrando-lhe formação, que estaria inteiramente disponível para repristinar a eficácia do contrato celebrado.
Proferido despacho a ordenar a notificação da autora para se pronunciar sobre a matéria de excepção invocada pela ré, veio aquela defender que a ré não é um consumidor/particular, mas sim uma sociedade, pelo que a diligência que lhe é exigida quanto ao conhecimento e compreensão dos termos do clausulado do contrato é naturalmente acrescida face ao que se exigiria a um consumidor mediado.
Defendeu ainda que não se verifica fundamento para a exclusão de qualquer das cláusulas do contrato ao abrigo do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, porquanto são claras e não contêm qualquer complexidade ou dificuldade de interpretação, encontrando-se redigidas com o tamanho e espaçamento legal.
Ademais, tinha a representante da ré o ónus de diligenciar pelo conhecimento efectivo e integral da relação contratual a que se vinculou, não se exonerando à leitura de toda e qualquer cláusula que conste do documento que se encontra por si assinado.
No que concretamente respeita à cláusula penal, pugnou pela inexistência de qualquer carácter desproporcional da mesma.
Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador e subsequente despacho de identificação do objecto do litígio e enunciação dos temas da prova.
Procedeu-se a julgamento, tendo na sua sequência sido produzida sentença em que se decidiu assim:
Nestes termos, julga-se a presente ação parcialmente procedente, por parcialmente provada, e em consequência decide-se condenar a ré B..., Unipessoal, Lda. no pagamento à autora A..., S.A. da quantia de € 671,99 (seiscentos e setenta e um euros e noventa e nove cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos, à taxa legal de 8% desde a data de vencimento de cada uma das faturas, e vincendos à taxa que se encontrar em vigor em cada momento, até efetivo e integral pagamento, absolvendo a ré do demais peticionado.
*
Custas pela autora e ré na proporção do respetivo decaimento, que se fixa em 89% e 11%, respetivamente – art.ºs 527.º, n.ºs 1 e 2, e 607.º, n.º 6 do Código de Processo Civil.

De tal sentença veio a autora interpor recurso, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
“1. O presente Recurso incide sobre a decisão do douto Tribunal a quo que declarou excluída e nula a cláusula penal estabelecida nas condições gerais do contrato, absolvendo a Ré do valor equivalente às rendas vincendas até ao termo do período de duração acordado para o contrato.
2. O presente recurso visa, assim, a revogação da decisão do tribunal a quo e a sua substituição por outra que julgue também procedente este pedido da acção intentada pela Autora.
3. A cláusula em crise dispõe o seguinte:
A A... tem o direito de resolver o contrato se o LC não pagar duas rendas consecutivas. Tendo em conta i) que a A... adquiriu o OL no interesse do LC, ii) o custo financeiro com a aquisição do OL e a sua perda de valor e iii) os custos administrativos com a celebração deste contrato, entre outros, se a A... exercer o seu direito de resolução sem aviso prévio, terá direito a exigir a título de cláusula penal o valor equivalente à soma de todas as rendas que fossem devidas até ao termo inicial base do contrato. O mesmo se aplica em caso de denúncia antecipada do contrato por iniciativa do LC. Este valor será devido a partir da comunicação da resolução ou da denúncia
4. Veio o Tribunal a quo entender que a aludida cláusula carecia de explicação acrescida, entendendo que, embora a Ré seja pessoa coletiva, estamos perante uma sociedade unipessoal por quotas, que labora numa área que nada tem a ver com o aluguer de equipamentos ou com a celebração de negócios jurídicos formais, pelo que nunca estaria a locadora/autora dispensada de tal ónus imposto por lei.
5. Ocorre que todas as cláusulas contidas no contrato de locação cumprem a lei que lhe é aplicável, não violando quaisquer dos dispositivos legais aplicáveis, nomeadamente os previstos no artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, encontrando-se redigidas com o tamanho e espaçamento legal.
6. Acrescendo que as condições gerais aplicáveis ao contrato foram informadas à Ré, conforme aliás decorre do próprio contrato junto aos autos (doc. n.º 1 junto à petição inicial), citando-se a título demonstrativo:
Declaro/Declaramos que lemos, compreendemos e concordamos em ficar vinculados por todos os termos e condições previstas neste contrato, bem como pelos termos e condições gerais do Contrato de Locação, de acordo com o modelo “Locação Clássica – ...” disponível online em www.A....pt/... que se consideram para todos os efeitos parte deste Contrato. Mais declaro/declaramos que tomámos conhecimento dos termos e condições gerais do Contrato de Locação e da informação sobre Proteção de Dados disponível em www.A....pt/proteccao-de-dados, tendo quaisquer dúvidas sido plenamente esclarecidas, estando por isso devidamente comunicado e informado do seu conteúdo, com o qual estou/estamos de acordo.
7. Pelo que, tinha a representante da Ré (que assinou todas as folhas que compõem o contrato de locação na qualidade de interveniente contratual) o ónus de diligenciar pelo conhecimento efetivo e integral da relação contratual a que se vincula, não se exonerando à leitura de toda e qualquer cláusula que conste de documento que se encontra a ser por si assinado.
8. Atente-se que a Ré (aderente) antes de subscrever o contrato teve oportunidade de tomar conhecimento integral e efetivo do teor de todas as cláusulas do contrato, podendo pedir os esclarecimentos que entendesse necessários, conforme, aliás, resulta provado nos autos pela própria confissão da Ré:
9. o celebrado com a autora foi-lhe posteriormente remetido via internet e a assinatura que nele apôs a sua gerente, é digital.
10. Neste sentido, cite-se o Supremo Tribunal de Justiça, o qual afirma que os deveres em causa não preveem apenas “possibilitar ao aderente o conhecimento antecipado da existência de cláusulas contratuais gerais que irão integrar o contrato singular, bem como o conhecimento do seu conteúdo, exigindo-lhe, para esse efeito, também a ele um comportamento diligente” (Acórdão do STJ de 20-01-2020, Revista n.º 2963/07.9TVLSB.L1.S1 - 1.ª Secção, consultável em https://www.stj.pt) e (…) o legislador não tratou o aderente como pessoa inábil e incapaz de adoptar os cuidados que são inerentes à celebração de um contrato e por isso lhe exigiu também um comportamento diligente tendo em vista o conhecimento real e efectivo das cláusulas que lhe estão a ser impostas. XVI - Daí que a recorrente não possa invocar o desconhecimento dessas cláusulas, para efeitos de se eximir ao respectivo cumprimento, quando esse desconhecimento, a existir, apenas resultou da sua falta de diligência.“ (Acórdão do STJ de 24-03-2011, Revista n.º 1582/07.1TBAMT-B.P1.S1 - 7.ª Secção, consultável em https://www.stj.pt).
11. E na senda do supra citado e douto Acórdão, mostra-se provado, pela própria confissão da Ré que qualquer “desconhecimento” de qualquer cláusula apenas resultou da sua falta de diligência.
12. Conforme se retira da Sentença onde se lê:
Neste particular, destrinçou o(s) documento(s) que havia assinado em papel daqueles que assinou eletronicamente, admitindo que o fez sem atentar com cuidado ao seu teor (…)
13. Concluindo-se que a aludida cláusula não carecia de qualquer clarificação do seu conteúdo e alcance, tendo sido cumprido o dever de comunicação com a antecedência necessária, tendo tido a Ré a oportunidade de solicitar esclarecimentos, o que nunca se verificou.
14. Pelo que, necessariamente, terá de se considerar a aludida “cláusula” perfeitamente válida, não existindo qualquer fundamento para a sua exclusão do contrato.
15. Em segunda linha, veio o Tribunal a quo considerar que a aludida cláusula consagra cláusula penal desproporcionada aos danos a ressarcir por ser manifestamente excessiva.
16. Entendendo que o incumprimento do contrato seria até mais benéfico para a autora que a ré incumprisse o clausulado logo no início da relação jurídica, porquanto assim receberia de imediato toda a quantia económica acordada e ainda dispunha do sistema de CCTV recente e em boas condições para novo aluguer ou, pelo menos, para venda a terceiros, extraindo daí lucro.
17. Verifica-se que tal entendimento é absolutamente contrário ao que se verifica nos autos, impondo-se que as decisões não se limitem a fazer tábua rasa de conceitos, mas que se adaptem ao caso concreto e espelhem a decisão mais justa e equilibrada, o que não se verifica no caso em crise.
18. Isto porque, conforme resulta do texto da sentença, a Ré mantém desde a data da celebração do contrato (1 de outubro de 2018) até ao presente dia (e com a decisão proferida assim continuará…) na sua posse o equipamento locado - sistema de CCTV.
“Conclui, dizendo que o equipamento locado continua no seu estabelecimento (…)”Fato provado:
11. A autora adquiriu e pagou ao fornecedor C..., Lda. o sistema de CCTV alugado, composto por diversos componentes, o qual foi entregue à ré pelo mencionado fornecedor.
19. Verificando-se que em boa verdade e conforme provado nos autos, para além da Autora não ter recebido o pagamento dos alugueres contratados também não recebeu o bem que é sua propriedade, enquanto a Ré mantém a posse e fruição do bem sem pagar qualquer valor e por isso de forma gratuita!
20. A proibição (relativa) estabelecida pelo artigo 19º, alínea c), do Decreto-Lei nº 446/85, depende da análise do quadro negocial padronizado, ou seja, a validade das cláusulas penais em apreço – que podem ser válidas para uns contratos e não para outros, consoante o caso concreto – devendo ser aferida perante o contexto específico e global do tipo de contrato, tendo em conta natureza da actividade da proponente, as especificidades do negócio, os valores sancionatórios nela previstos em directo confronto com os danos previsíveis que o não acatamento do acordado, pelo aderente, poderá provocar.
21. No caso em apreço, a Autora, com vista à outorga do contrato de locação a que os autos se referem, adquiriu a terceira entidade, o bem, escolhido pela locatária e com vista à outorga, com esta, do contrato de locação.
22. Do exposto decorre, de forma clara, que em caso de incumprimento, pela locatária do contrato de locação, a locadora sofre o prejuízo decorrente da aquisição do(s) bem com vista à outorga do contrato de locação e da não recepção, do locatário(a) dos alugueres acordados, sendo claro que tem, como qualquer outro locador, direito à restituição do bem locado ou bens locados, findo o contrato de locação, por ser seu proprietário.
23. inexiste qualquer carácter desproporcional na referida cláusula e, bem assim, fundamento para esta ser julgada nula à luz das disposições do Regime das Cláusulas Contratuais Gerais, como se almeja demonstrar.
24. Assim, considerando os próprios termos e o teor específico da cláusula, principalmente, a expressa utilização do termo «cláusula penal», é de concluir que as partes quiseram prefixar uma indemnização sancionatória para o caso de não cumprimento do contrato (isto é, a cláusula penal foi convencionada para o caso de incumprimento definitivo, para o caso da rescisão/resolução do contrato), o que se revela, em princípio, como absolutamente legal face ao supra referido e ao citado preceito legal do Código Civil.
25. Neste sentido, a não recuperação do capital e a não obtenção da sua remuneração constituem um prejuízo para o locador que este pode invocar ao abrigo do regime geral da responsabilidade contratual para exigir da contraparte a sua indemnização.
26. Não se mostrando preenchido o requisito legal de desproporcionalidade das cláusulas penais face aos danos a ressarcir, previsto no artigo 19.º, alínea c) do Decreto-Lei 446/85 de 25 de Outubro.
27. A este propósito, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, ao referir que o montante da pena “deve ser, em regra, de valor superior aos danos a ressarcir, sob pena de frustrar a finalidade compulsória referida” (Acórdão do STJ de 12 de Junho de 2007 (Relator: Conselheiro João Moreira Camilo), in CJ-Acs. STJ, ano XV, tomo II, pp. 107, ss, p. 108.
28. E cumpre desde já esclarecer que a ser aplicada tal cláusula penal, tal circunstância sempre será imputável à Ré - porque acordou uma cláusula penal e porque culposamente não cumpriu o contrato.
29. No caso em apreço, contrariamente à posição assumida na douta sentença a quo, não obstante a referida cláusula garantir ao locador todos os benefícios que o contrato põe ao seu alcance, como sejam a recuperação do equipamento, a conservação dos alugueres pagos e vencidos, e a exigência, não obstante a resolução, das prestações vincendas, sem que tenha de conceder ao locatário o gozo e fruição daquele equipamento, não pode concluir-se que a cláusula em apreço seja desproporcionada aos danos a ressarcir (Veja-se, neste sentido, os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 20.05.2014 e de 18.12.2012, in www.dgsi.pt).
30. Pelo exposto, entende a Autora que, ao contrário do que considerou o Tribunal a quo, inexiste fundamento para a nulidade da Cláusula em análise das condições gerais do contrato no que se refere ao pagamento do valor de todos os alugueres devidos até ao termo inicialmente contratado após a resolução por falta de pagamento das rendas.
31. A este respeito refira-se ainda o que ficou assente e não ferido de julgamento na declaração assinada pela Ré (declaração de confirmação de entrega e de aceitação, que os bens foram entregues na sua totalidade e com todos os seus componentes e por si recebidos, instalados, em perfeito estado e funcionando devidamente):
Facto provado:
8. No escrito referido em 7. b. consta, de entre o mais, que:
“2. Quantidade Equipamento (objeto locado) (…)
1 SISTEMA DE CCTV
3. CONFIRMAÇÃO DE ENTREGA E ACEITAÇÃO:
No que respeita ao contrato/proposta supra mencionado, Eu/nós confirmamos o seguinte:
1. Recebi/recebemos o equipamento supra mencionado no dia de hoje, data da entrega.
Foi-me/foi-nos igualmente entregue um manual de procedimentos ou o mesmo não é necessário.
2. O equipamento foi montado e/ou instalado por um profissional.
3. Recebi/recebemos todas as instruções necessárias.
4. O equipamento está em perfeito estado e funciona devidamente.
5. O equipamento foi entregue na sua totalidade e com todos os seus componentes.
6. O bem corresponde exatamente às descrições constantes da proposta/contrato e está em conformidade com o que foi acordado com o fabricante e fornecedor (por exemplo, em termos de tecnologia, qualidade e desempenho).
O bem possui todas as funcionalidades e atributos garantidos pelo fornecedor.
7. O bem tem a qualidade garantida pelo fornecedor e/ou por terceiros.
8. Eu/nós estou/estamos ciente(s) de que o fornecedor não está autorizado a representar a A... S.A. ou a celebrar qualquer acordo diferente do que se encontra previsto no contrato.
9. A nossa proposta acima referida – caso não tenha ainda sido aceite – é submetida novamente.
Eu/nós concordamos em ficar vinculados a esta proposta por um período de 4 semanas contado a partir da data da assinatura desta confirmação de aceitação.
10. Eu/nós recebemos hoje uma cópia desta confirmação de aceitação”.
IMPORTANTE:
A confirmação de aceitação desencadeia o pagamento do preço de compra ao fornecedor pela A..., S.A. Se o locatário não testar o funcionamento do objeto locado e/ou assinar esta declaração antes de receber o(s) objeto(s) locado(s) na integra e no estado contratualmente acordado, fica o mesmo obrigado a ressarcir a A..., S.A. por quaisquer perdas ou danos daí advenientes”.
32. Ora, esta declaração foi apreciada pelo Tribunal a quo e considerada válida e sem qualquer causa de exclusão ou nulidade e conforme se escreveu na douta sentença:
Acresce que a ré declarou, por escrito, no documento intitulado “Confirmação de entrega e aceitação”, que o equipamento lhe foi entregue na sua totalidade, montado/instalado por um profissional e que estaria em perfeito estado e a funcionar devidamente, mais constando do respetivo documento, após a menção “IMPORTANTE” escrita a negrito, que a confirmação de aceitação desencadearia o pagamento do preço de compra pela autora ao fornecedor (facto provado em 8.), (…) Tal declaração determinou, então, a autora a adquirir e proceder ao pagamento do equipamento junto da C... (factos 11. e 12.).
De realçar que, ao contrário do pretendido pela ré, no que respeita aos pontos 1. a 10. do documento intitulado “Confirmação de entrega e aceitação” não podemos socorrer-nos do regime jurídico das cláusulas contratuais gerais, por não estarem em causa cláusulas que regulam os termos do negócio celebrado (art.º 1.º do Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de outubro, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 323/2001, de 17 de dezembro, aplicável no caso dos autos), mas antes uma declaração realizada pela locatária – ainda que redigida previamente pela locadora –, em que esta se pronuncia quanto à entrega, instalação, funcionamento e conformidade da coisa locada, pelo que o que estará em causa será antes a força probatória de tal declaração, e não a sua exclusão nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 8.º do mencionado diploma legal. (…)
Contudo, cremos que qualquer contraente minimamente diligente facilmente perceberia todo o seu alcance, por se tratarem de frases curtas e simples e perfeitamente destacadas do demais teor do documento.
33. Pelo que sempre seria de condenar a Ré uma vez que a mencionada declaração obriga a Ré a ressarcir a A..., S.A. por quaisquer perdas ou danos daí advenientes resultando provado as perdas e danos – não recebimento das rendas acordadas e não recuperação do bem locado por facto imputável à Ré!
34. Considerando, assim, a Autora que se impõe a revogação da sentença a quo e a sua substituição por outra sentença que julgue integralmente procedente, por provado, o pedido deduzido pela Autora.”

Não foram apresentadas contra-alegações.

Foram dispensados os vistos ao abrigo do art. 657º nº4 do CPC.
Considerando que o objecto do recurso, sem prejuízo de eventuais questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas suas conclusões (arts. 635º nº4 e 639º nº1 do CPC), há uma única questão a tratar: saber se, no caso, a autora/recorrente tem direito à indemnização a título de cláusula penal prevista no contrato celebrado com a ré.
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II – Fundamentação

É a seguinte a matéria de facto apurada (a qual não foi posta em causa no recurso):
Factos provados
1. A autora é uma sociedade comercial que se dedica à aquisição de equipamentos informáticos, software e outros bens com o propósito de os alugar e ao aluguer dos mesmos.
2. A ré é uma sociedade comercial que se dedica à exploração comercial da denominada “Farmácia ...”, sita na Rua ..., freguesia ..., Baião.
3. No âmbito da atividade comercial da autora, e após contacto encetado pela legal representante da ré junto da mesma, por acordo reduzido a escrito intitulado “Locação Clássica – Contrato de locação para clientes empresariais”, assinado pela legal representante da ré em 1 de outubro de 2018 e pela autora em 2 de Outubro de 2018, esta última acordou em dar de aluguer à ré, pelo período de 60 (sessenta) meses, um sistema de CCTV, mediante o pagamento de 20 (vinte) prestações trimestrais no valor de € 195,00 (cento e noventa e cinco euros) cada, acrescidas de IVA, e ainda de uma taxa de serviço, a pagar uma única vez, no montante de € 75,00 (setenta e cinco euros), acrescida de IVA, sendo o fornecedor do equipamento a sociedade “C...”, conforme doc. de fls. 12 frente, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
4. Do mencionado acordo escrito consta, de entre o mais, que:
a. “No ato de entrega, o LC deve inspecionar o OL e deve indicar a existência de algum defeito. Só deve confirmar a aceitação do OL se puder assegurar que a entrega está completa e que o OL se encontra nas condições contratadas”;
b. “A partir do momento da confirmação do recebimento do OL, o LC assume o risco de perda acidental, roubo, destruição ou deterioração do OL ou risco equivalente (…)”;
c. “Com a celebração do contrato de locação, a A... transfere para o LC os direitos relativos a defeitos do OL que tenha obtido em virtude do contrato de compra do OL, bem como outros direitos derivados de garantias. A obrigação da A... está limitada aos direitos que tenha obtido do Fornecedor/Fabricante relativamente ao OL e direitos derivados de garantias. Se os defeitos surgirem, o LC deve fazer valer esses direitos imediatamente e avisar a A...”;
d. “A A... tem o direito de resolver o contrato se o LC não pagar duas rendas consecutivas. Tendo em conta i) que a A... adquiriu o OL no interesse do LC, ii) o custo financeiro com a aquisição do OL e a sua perda de valor e iii) os custos administrativos com a celebração deste contrato, entre outros, se a A... exercer o seu direito de resolução sem aviso prévio, terá direito a exigir a título de cláusula penal o valor equivalente à soma de todas as rendas que fossem devidas até ao termo inicial base do contrato. O mesmo se aplica em caso de denúncia antecipada do contrato por iniciativa do LC. Este valor será devido a partir da comunicação da resolução ou da denúncia”;
e. “O LC não tem direito de adquirir a propriedade do OL”;
f. “O LC será responsável pelo pagamento do preço dos serviços de emissão de avisos de mora (preçário acessível em https:www.A....pt/precario)”.
5. O acordo referido em 3. e 4. foi pré-redigido pela autora, com as menções referentes ao número do contrato e da proposta, à identificação do locatário (LC), do vendedor/fornecedor e do objeto locado, ao tipo de pagamento, número de rendas, termo inicial base e taxa de serviço em branco, de modo a poderem ser preenchidas aquando da outorga de cada contrato.
6. O acordo mencionado em 3. e 4. foi facultado à legal representante da ré por um colaborador da C..., Lda., com quem a autora mantinha uma parceria comercial, no dia 1 de Outubro de 2018, após a entrega do equipamento no seu estabelecimento.
7. Nessa mesma ocasião, foi ainda fornecida à legal representante da ré, e por si assinada, eletrónica ou manualmente, a seguinte documentação:
a. uma autorização de débito direto SEPA, autorizando a autora a enviar instruções ao seu banco para debitar a sua conta de acordo com as instruções daquela, indicando em tal autorização o respetivo IBAN, conforme doc. de fls. 12 verso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
b. um documento intitulado de “Confirmação de entrega e aceitação”, conforme doc. de fls. 13 verso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
c. um documento intitulado “Contrato n.º ...”, com a identificação da sociedade C..., Lda. no cabeçalho, pré-redigido por esta, com as menções referente ao tipo de contrato, identificação do cliente, dados de faturação, dados de instalação, descrição do equipamento, forma de pagamento e condições particulares e observações em branco, de modo a poderem ser preenchidas aquando da outorga de cada contrato, conforme doc. de fls. 30 frente e verso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
8. No escrito referido em 7. b. consta, de entre o mais, que:
2. Quantidade Equipamento (objeto locado) (…)
1 SISTEMA DE CCTV
3. CONFIRMAÇÃO DE ENTREGA E ACEITAÇÃO:
No que respeita ao contrato/proposta supra mencionado, Eu/nós confirmamos o seguinte:
1. Recebi/recebemos o equipamento supra mencionado no dia de hoje, data da entrega.
Foi-me/foi-nos igualmente entregue um manual de procedimentos ou o mesmo não é necessário.
2. O equipamento foi montado e/ou instalado por um profissional.
3. Recebi/recebemos todas as instruções necessárias.
4. O equipamento está em perfeito estado e funciona devidamente.
5. O equipamento foi entregue na sua totalidade e com todos os seus componentes.
6. O bem corresponde exatamente às descrições constantes da proposta/contrato e está em conformidade com o que foi acordado com o fabricante e fornecedor (por exemplo, em termos de tecnologia, qualidade e desempenho).
O bem possui todas as funcionalidades e atributos garantidos pelo fornecedor.
7. O bem tem a qualidade garantida pelo fornecedor e/ou por terceiros.
8. Eu/nós estou/estamos ciente(s) de que o fornecedor não está autorizado a representar a A... S.A. ou a celebrar qualquer acordo diferente do que se encontra previsto no contrato.
9. A nossa proposta acima referida – caso não tenha ainda sido aceite – é submetida novamente. Eu/nós concordamos em ficar vinculados a esta proposta por um período de 4 semanas contado a partir da data da assinatura desta confirmação de aceitação.
10. Eu/nós recebemos hoje uma cópia desta confirmação de aceitação”.
IMPORTANTE:
A confirmação de aceitação desencadeia o pagamento do preço de compra ao fornecedor pela A..., S.A. Se o locatário não testar o funcionamento do objecto locado e/ou assinar esta declaração antes de receber o(s) objeto(s) locado(s) na integra eno estado contratualmente acordado, fica o mesmo obrigado a ressarcir a A..., S.A. por quaisquer perdas ou danos daí advenientes”.
9. No escrito plasmado em 7. c. consta, de entre o mais, os dados de facturação e de instalação, a descrição do equipamento, a forma de pagamento, as condições particulares e observações e, ainda, as seguintes condições do contrato:
3. OBRIGAÇÕES DA C...: - A NA está obriga a:
a) Instalar e colocar em funcionamento os Equipamentos objeto deste contrato;
b) Proporcionar ao CLIENTE instruções na ótica do utilizador para o bom funcionamento dos Equipamentos;
c) Em relação ao sistema central e acessórios incluídos nos Esquipamentos, pode a NA segundo o seu critério, ajustar, reparar ou substituir, sem encargos para o CLIENTE, peças, componentes e/ou materiais durante a garantia dos Equipamentos, desde que os mesmos defeitos não sejam atribuídos a actos, omissões ou negligências do CLIENTE.
(…)
6. MANUTENÇÃO: O CLIENTE conta com um contrato de assistência em garantia durante a vigência estabelecida no campo “Garantia do Equipamento”, que respeita a Lei em vigor à altura do contrato e que garante a reparação e/ou substituição de peças, componentes ou até dos próprios Equipamentos que estejam defeituosos, tendo em conta que:
a) Qualquer deslocação é cobrada ao preço em vigor da NA na altura em causa;
b) As Condições Particulares de Garantia dos Equipamentos facultados por escrito e assinadas pela NA e pelo CLIENTE em como é conhecedor das mesmas aquando da celebração não foram violadas;
c) A mesma é feita dentro do prazo em que é exequível à NA fazê-la, não obstante da NA honrar em torna-la possível assim que reportada;
d) Qualquer contrato de manutenção que envolva a NA a custos ou esforços superiores ao do suporte à garantia são celebrados contratualmente pelas partes.
7. PROPRIEDADE DURANTE A VIGÊNCIA DO CONTRATO - A NA (ou o Locador no caso de aluguer) é o único proprietário do equipamento até que tenham sido pagas totalmente todas as verbas acordadas, assim como todos os gastos imputáveis aos Equipamentos que possam surgir por qualquer motivo e que são por conta do CLIENTE desde o momento da receção.
8. PROPRIEDADE APÓS O TÉRMINO OU DENÚNCIA DO CONTRATO – O CLIENTE renuncia expressamente à propriedade do equipamento no final do contrato ou no caso de denúncia do mesmo, sendo a NA (ou o Locador no caso de aluguer) o único proprietário do Equipamento, autorizando desde já que qualquer valor residual ou pagamento final que exista perante o Locador seja efetuado pela NA para a transmissão legal da propriedade do equipamento”.
10. Até ao dia 1 de Outubro de 2018 a ré desconhecia a sociedade C..., Lda.
11. A autora adquiriu e pagou ao fornecedor C..., Lda. o sistema de CCTV alugado, composto por diversos componentes, o qual foi entregue à ré pelo mencionado fornecedor.
12. A autora procedeu ao pagamento do equipamento à C... em virtude da declaração de entrega e aceitação da ré referida em 8.
13. Apesar da declaração da ré referida em 8., o sistema de CCTV nunca ficou a funcionar, faltando ainda a entrega do telemóvel smartphone e da formação adequada para a utilização do equipamento, do que a ré só veio a dar conhecimento à autora posteriormente à outorga do acordo.
14. Por força do acordo referido em 3., a autora procedeu à emissão das seguintes faturas:
a. FT n.º 2018/..., no valor de € 239,85 (duzentos e trinta e nove euros e oitenta e cinco cêntimos), correspondendo € 195,00 (cento e noventa e cinco euros) ao aluguer trimestral para o período de 1 de Outubro de 2018 a 31 de Dezembro de 2018 e € 44,85 (quarenta e quatro euros e oitenta e cinco cêntimos) a IVA, conforme doc. de fls. 14 cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
b. FT n.º 2018/..., no valor de € 61,50 (sessenta e um euros e cinquenta cêntimos), correspondendo € 50,00 (cinquenta euros) a taxa de serviço e € 11,50 (onze euros e cinquenta cêntimos) a IVA, conforme doc. de fls. 15 cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
c. FT n.º 2018/..., no valor de € 26,16, correspondente ao seguro para o período de 1 de Outubro de 2018 a 31 de Dezembro de 2018, conforme doc. de fls. 16 cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
d. FT n.º 2018/..., no valor de € 239,85 (duzentos e trinta e nove euros e oitenta e cinco cêntimos), correspondendo € 195,00 (cento e noventa e cinco euros) ao aluguer trimestral para o período de 1 de Janeiro de 2019 a 31 de Março de 2019 e € 44,85 (quarenta e quatro euros e oitenta e cinco cêntimos) a IVA, conforme doc. de fls. 17 cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
e. FT n.º 2018/..., no valor de € 104,63 (cento e quatro euros e sessenta e três cêntimos), correspondente ao seguro para o ano de 2019, conforme doc. de fls. 18 cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
15. Por mensagem de correio electrónico, datada de 27 de Novembro de 2018, a legal representante da ré comunicou à autora o seguinte:
Boa tarde,
Estou descontente com o serviço e a pensar eliminar, o contrato feito, visto assinar um contrato a dia 1 de Outubro, ao qual foi retirada da minha conta o valor da prestação e estamos ao dia 27 de novembro e este mesmo serviço não está a funcionar,
Portanto tenho mais que motivos para renunciar ao contrato.
Telefonei já falei várias vezes e sem obter uma resposta do motivo pela qual esta situação está a acontecer.
Muito obrigada,
Melhores cumprimentos”.
16. Por missiva datada de 4 de Dezembro de 2018, enviada por correio registado e com aviso de recepção, com o assunto “Rescisão de Contrato n.º ...”, a ré comunicou à sociedade C... Lda. o seguinte:
Ex_mos representantes da C...,
Venho por este meio solicitar para que o contrato renting n.º ... seja anulado, bem como o V/Contrato n.º ..., visto que fiz um serviço ao qual o contrato foi elaborado a 1 de outubro de 2018, sendo que o valor foi retirado na minha conta a 2 de outubro de 2018, e estamos desde essa data sem poder utilizar o serviço, uma vez que todo o equipamento assim como a sua instalação ainda não se encontra a funcionar.
Portanto tenho todas e mais as razões para renunciar a este mesmo contrato, conforme envio documentos em anexo, também a minha confiança neste mesmo serviço está limitado, e não posso estar dois anos com este mesmo serviço ativo.
Também solicito que toda a quantia que me foi retirada da conta seja reposta.
Mais acrescento que, foram várias as tentativas de contacto telefónico, mas sem sucesso, visto o representante da v/empresa – Sr. AA – se ter justificado que se ausentou para férias, motivo ao qual sou completamente alheia.
No caso da quantia não me ser restituída, não vou permitir que seja removido o equipamento já instalado.
Solicito que resolvam toda a situação por bem,
Melhores cumprimentos”.
17. Por mensagem de correio electrónico, datada de 14 de Dezembro de 2018, a legal representante da ré comunicou à autora o seguinte:
Conforme conversa telefónica, exijo que a empresa C... venha retirar todo o equipamento colocado, visto não comparecer ás reuniões marcadas a 3/12/2918 conforme tinha agendado, também não cumpriu com as datas da instalação de todo o equipamento e justificou ir de férias, pelo que toda a confiança neste mesmo serviço é nula.
Já procedi ao cancelamento das transferências bancárias visto a empresa C... não cumprir com todo o contrato conforme já comunicado por cartas registadas e email para as duas empresas A... e C....
Melhores cumprimentos”.
18. Por mensagem de correio eletrónico, datada de 17 de dezembro de 2018, remetida para o endereço ..., a legal representante da ré comunicou o seguinte:
Exmos representantes da A..., s.a.
Muito bom dia,
A regularização não vai ser feita, visto incumprimento por parte da empresa C... não cumprir com todo o contacto elaborado, pelo que foram já enviados todos os comprovativos de incumprimento para ambas as empresas.
Pelo que exijo que venham levantar todo o equipamento”.
19. Por missiva datada de 6 de Fevereiro de 2019, com o assunto “(Informação importante) Contrato Nº ... A... / C...”, a autora comunicou à ré o seguinte:
“(…) Neste momento, a vossa organização tem um contrato connosco que foi mediado pela empresa C..., LDA. Desta forma, e para garantir uma correta informação ao mercado gostaríamos de informar o seguinte:
1. A C..., LDA. apresentou-se à insolvência a 31/12/2018;
2. A A... cessou à data de 31/12/2018 a sua parceria comercial com a C..., LDA;
3. No seguimento do processo de insolvência a C..., LDA. informou-nos que a empresa D..., LDA. estará habilitada para assumir a gestão operacional dos contratos em vigor auxiliando em questões de manutenção técnica, pelo que, se necessário poderão contactá-los em ... ou telefonicamente ... / ...;
4. Os equipamentos colocados nas vossas instalações, ao abrigo de um contrato celebrado com a A..., são propriedade da A..., sendo estes colocados ao vosso dispor como clientes durante o prazo contratado;
(…)
Aproveitamos ainda para esclarecer que o contrato celebrado entre V. Exas. e a A... se encontra a decorrer e qualquer questão relacionada com o mesmo deve ser tratada diretamente com a A...”.
20. Por mensagem de correio electrónico, datada de 8 de Fevereiro de 2019, a legal representante da ré comunicou à autora o seguinte:
Muito boa noite Dra. BB,
Conforme conversa telefónica e como já referi várias vezes, foi da minha boa fé manter um contrato de aluguer com a vossa empresa, pelo que paguei todos os valores nas devidas datas, pelo que devido ao incumprimento da empresa com quem a vossa organização manteve contrato até porque deu insolvência não cumpriu com o contrato que assinei com vocês, pelo que neste momento não tenho qualquer confiança neste mesmo serviço, assim como fui lesada, nunca tive serviço a funcionar, e não poderei pagar um serviço que nunca chegou a funcionar.
A vossa empresa teve conhecimento por mim, sempre com várias chamadas telefónicas que esta mesma empresa C..., não cumpriu com o contrato que assinei com a A..., NUNCA TIVE O SERVIÇO A FUNCIONAR!!!!
Volto a referir que o equipamento que se encontra nas minhas instalações, na qual não é meu e nunca ficou instalado, poderá ser levantado por essa mesma empresa pela qual vocês escolheram para assumir todos os problemas da que deu insolvência.
Não vou de forma alguma pagar um serviço que NUNCA FUNCIONOU”.
21. Por mensagem de correio electrónico, datada de 11 de Fevereiro de 2019, a legal representante da ré comunicou à autora o seguinte:
Muito boa noite,
Completamente errado o que está a escrever, o sistema nunca ficou a funcionar, assim como não se encontra a funcionar, conforme contrato feito por vocês, e empresa que foi à insolvência (C...).
Pretendo que venham levantar todo o equipamento que não me pertence, e nunca funcionou.
Repetidas chamadas telefónicas fiz para a vossa empresa a comunicar a situação que o serviço nunca funcionou.
Volto a referir que não vou pagar, visto ainda estar a ser lesada em todo o meu tempo e tentativas para resolver a situação que se torna um aborrecimento para ter um serviço pela qual nunca funcionou, pretendo que venham levantar um equipamento que não funciona.
Poderá seguir para tribunal, pois ainda vou requerer indemnização por todo este incómodo que me estão a causar.
Melhores cumprimentos.”.
22. Por missiva datada de 18 de Fevereiro de 2019, a legal representante da ré comunicou à autora o seguinte:
Venho por este meio mais uma vez expor e requerer a resolução da seguinte situação:
Conforme envio em anexo documentos comprovativos e e-mails em diferentes datas a comunicar toda a situação pela qual fui enganada pela empresa C..., empresa que se deslocou às minhas instalações afirmando que trabalhava como vossa parceira em relações contratuais, foi esta mesma quem tratou de todo o contrato entre a minha empresa e a A..., garantiu instalação de videovigilância, um telemóvel smartphone que nunca cheguei a receber, configurações de todo o sistema que nunca ficou a funcionar conforme contrato em anexo (Contrato ...).
Uma vez que esta vossa parceria com a C... não foi cumprida de acordo com o contrato estabelecido, nunca poderei aceitar manter um contrato em vigor, assim como aceitar que uma nova vossa parceira mais uma vez estabelecida por vocês para dar continuidade a um contrato que não foi cumprido por ambas as entidades, não está a funcionar, nem nunca funcionou pelo que toda a confiança neste mesmo serviço já nãoexiste, nem pretendo este serviço. (terão de ter mais atenção às escolhas das parcerias estabelecidas).
Agradeço que venham levantar todo o equipamento que nunca ficou a funcionar conforme acordado no contrato por razões imputáveis exclusivamente à C....
Melhores cumprimentos”.
23. Por missiva datada de 20 de fevereiro de 2019, enviada por correio registado e com aviso de receção, a legal representante da ré comunicou à autora o seguinte:
Venho por este meio mais uma vez expor e requerer a resolução da seguinte situação:
Conforme envio em anexo documentos comprovativos e e-mails em diferentes datas a comunicar toda a situação pela qual fui enganada pela empresa C..., empresa que se deslocou às minhas instalações afirmando que trabalhava como vossa parceira em relações contratuais, foi esta mesmo quem tratou de todo o contrato entre a minha empresa e a A..., garantiu instalação de videovigilância, um telemóvel smartphone que nunca cheguei a receber, configurações de todo o sistema que nunca ficou a funcionar conforme contrato clausulado em anexo (Contrato ...).
Por tudo isto perdi toda a confiança e interesse neste serviço, uma vez que a farmácia vai mudar de instalações, já não é oportuno dar agora início a um serviço que deveria ser iniciado a 1 de outubro de 2018.
O contrato em causa nem sequer se iniciou por incumprimento da vossa parte, terão de ter mais atenção às escolhas dos vossos agentes / representantes.
Agradeço que venham levantar todo o equipamento que nunca ficou a funcionar conforme acordado no contrato por razões imputáveis exclusivamente à C....
Melhores cumprimentos”.
24. Por missiva datada de 11 de Março de 2019, com o assunto “Comunicação de resolução do contrato por falta de pagamento de alugueres – incumprimento definitivo do contrato de locação n.º ...”, a autora comunicou à ré o seguinte:
Exmos. Senhores,
Em face do não pagamento dos alugueres mensais vencidos, desde 2018-11-02, e não obstante as nossas insistências, telefónicas e por escrito, através das quais o notificamos da nossa intenção de resolver o contrato caso a situação de incumprimento não fosse corrigida, fazendo uso dos nosso direitos, de acordo com as Condições Gerais de Locação acordadas, consideramos o Contrato de Locação supra identificado definitivamente incumprido, por motivo exclusivamente imputado a V. Exa. na qualidade de Locatária, pelo que vimos por este meio comunicar a resolução do referido contrato de locação, com todas as legais consequências, produzindo os respetivos efeitos na data da receção da presente comunicação.
(…)
Com a devolução dos referidos bens, deverão igualmente proceder ao pagamento de todas as quantias em dívida constantes da Conta Corrente em anexo, cujo montante total em dívida é de 5124,34 €.
As quantias liquidadas no Anexo 1 são devidas nos termos da Secção 1, n.º 2, e 16.º, n.º 1 das Condições Gerais de Locação, pois para que a Locadora celebrasse o contrato e adquirisse o(s) bem(bens) escolhido(s) pelo(a) Locatário(a), este(a) obrigou-se ao pagamento de todos os alugueres (…)”.
25. Em anexo à missiva referida em 24., a autora remeteu à ré um documento intitulado “Extracto de Conta Corrente com os montantes em dívida”, com o seguinte teor:
Data de Factura Descrição Valor Juro % Dias Juro
Vencimento
2018-11-02 ... TX SERVICO 02.10.18 61,50 € 13,05 129 2,88 €
2018-12-06 ... R TRIMESTE 01.10.18 239,85 € 13,05 95 8,26 €
2018-12-06 ... SEGURO 01.10.18 26, 16 € 13,05 95 0,90 €
2019-01-02 ... R TRIMESTE 01.01.19 239,85 € 13,05 68 5,91 €
2019-01-15 ... SEGURO ANUA 01.01.19 104,63 € 13,05 55 2,09 €
2019-03-11 Subtotal 671,99 € 20,04 €
Custos de aviso e Gestão de Cobrança 110,70 €
Custos de retorno de entradas 4,31 €
Juros 20,04 €
Valor em dívida à data de terminação 807,04 €
Data Vencimento Alugueres Futuros Valor
2019-04-01 Aluguer 195,00 €
2019-07-01 Aluguer 195,00 €
2019-10-01 Aluguer 195,00 €
2020-01-01 Aluguer 195,00 €
2020-04-01 Aluguer 195,00 €
2020-07-01 Aluguer 195,00 €
2020-10-01 Aluguer 195,00 €
2021-01-01 Aluguer 195,00 €
2021-04-01 Aluguer 195,00 €
2021-07-01 Aluguer 195,00 €
2021-10-01 Aluguer 195,00 €
2022-01-01 Aluguer 195,00 €
2022-04-01 Aluguer 195,00 €
2022-07-01 Aluguer 195,00 €
2022-10-01 Aluguer 195,00 €
2023-01-01 Aluguer 195,00 €
2023-04-01 Aluguer 195,00 €
2023-07-01 Aluguer 195,00 €
Total Alugueres Futuros 3 510,00 €
IVA 807,30 €
Data Vencimento Alugueres Futuros Valor
Total Alugueres Futuros incl. IVA 4 317,30 €
Valores em dívida à data de terminação 807,04 €
Total Alugueres Futuros incl. IVA 4 317,30 €
Total 5 124,34 €
26. Por mensagem de correio electrónico, datada de 14 de Março de 2019, a legal representante da ré comunicou à autora o seguinte:
Ex.mos. senhores.
Relativamente à carta enviada a 11 de março 2019, venho novamente referir que o sistema de vigilância que foi colocado nunca ficou a funcionar, como tal não poderei proceder ao pagamento de um serviço que nunca ficou a funcionar conforme já enviei várias comunicações em carta registada.
Volto a referir que se escolhem parceiros para trabalhar com a vossa empresa que dão insolvência e não assumem responsabilidades o consumidor nada tem a ver com essa situação.
Agora querem que envie o equipamento que nunca funcionou a sua instalação ficou em parte colocada e que assuma essa responsabilidade e ainda faça um pagamento de um serviço que nunca funcionou?
Agradeço que venha levantar todo o equipamento.
Melhores cumprimentos”.
27. A ré continua a necessitar de um equipamento de videovigilância para o seu estabelecimento.

Factos não provados
Não se provou que:
a. O fornecedor C..., Lda. foi indicado à autora pela ré.
b. No dia 1 de outubro de 2018 a C... apresentou-se à ré como proprietária e locadora dos equipamentos.
c. Os documentos referidos em 3. e 7. a. e b. foram remitidos mais tarde pela autora à ré, por via eletrónica.
d. As condições do acordo celebrado entre a autora e ré, descritas em 4., foram explicadas à ré.
e. A autora teve custos no valor € 115,01 devido à falta de pagamento pela ré.
*
Vamos então ao tratamento da questão enunciada supra.
Perfilha-se o entendimento da decisão recorrida – aliás não questionado no recurso – de que estamos perante um contrato de locação nos termos em que este é definido no art. 1022º do C. Civil (“contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição”) e regulado por aquele mesmo diploma nos variados preceitos que, sobre ele, àquele se seguem.
Efectivamente, como também referido na decisão recorrida, não está em causa um contrato de locação financeira, previsto e regulado no Dec.Lei 149/95, de 24/6 – onde sob o seu art. 1º se define tal contrato como aquele “pelo qual uma das partes se obriga, mediante retribuição, a ceder à outra o gozo temporário de uma coisa, móvel ou imóvel, adquirida ou construída por indicação desta, e que o locatário poderá comprar, decorrido o período acordado, por um preço nele determinado ou determinável mediante simples aplicação dos critérios nele fixados” –, já que, como ali se nota, não está nele prevista a possibilidade de compra do bem locado no respectivo termo prevista na definição daquele, e por outro lado, acrescentamos agora nós, não se apura que, no caso, o bem móvel dado de locação tenha sido adquirido pela autora/locadora por indicação dada a esta pela ré/locatária, requisito também previsto como inerente àquela figura contratual.
Aliás, o próprio documento onde consta o texto contratual, que foi pré-redigido pela autora (nº5 dos factos provados), é até intitulado de “Locação clássica”, com certeza para se diferenciar o mesmo do contrato de locação financeira.
Face à questão enunciada, há que apurar, primeiro, se ocorre o incumprimento contratual desencadeador da resolução do contrato e da aplicação da cláusula penal por parte da autora e, caso assim se conclua, então haverá depois que apurar se a disposição contratual onde se prevê tal cláusula penal vincula validamente a ré ou é de excluir a mesma do contrato por via do regime legal das cláusulas contratuais gerais (previsto no Dec.Lei 446/85, de 25/10).
Por outro lado, para se apurar se ocorre aquele incumprimento contratual há que apurar se, aquando da resolução do contrato comunicada pela autora à ré, ainda estava vigente entre ambas tal contrato, pois, como nos parece óbvio, só se pode resolver um contrato que ainda esteja de pé.
Comecemos então por aqui.
Desde já se faz notar que não obstante na decisão recorrida se ter considerado o contrato como não incumprido pela autora e, como tal, vigente aquando da declaração de resolução efectuada por esta e referida sob o nº24 dos factos provados, tal consideração, no caso, não nos vincula, pois, como já referimos, a aplicação da cláusula penal questionada, face ao conteúdo da própria cláusula contratual onde a mesma se prevê – vide alínea d. do nº4 dos factos provados –, depende de haver resolução do contrato e, como tal, de haver incumprimento contratual da ré que a torne cabível, do que decorre que este tribunal também tem que, por si, apurar deste circunstancialismo jurídico.
Como resulta da factualidade provada (nºs 3 e 6 dos factos provados), está em causa a locação da autora à ré de um equipamento constituído for um sistema de CCTV, tendo o respectivo contrato sido apresentado à ré por uma sociedade com quem a autora mantinha uma parceria comercial (“C..., Lda.”) no dia 1 de Outubro de 2018 e nessa mesma data assinado pela legal representante da ré, após a entrega a esta, naquele mesmo dia, do equipamento em causa. Ainda naquele mesmo dia foi fornecida à ré a documentação referida sob o nº7 dos factos provados, entre a qual se inclui um documento intitulado de “Confirmação de entrega e aceitação”, onde se diz, nomeadamente, que o equipamento foi entregue na sua totalidade, que o mesmo foi montado/instalado por um profissional e que estava em perfeito estado e a funcionar devidamente (nº8 dos factos provados).
Mostra-se ainda provado (nº13) que, apesar daquela declaração de “Confirmação de entrega e aceitação” logo efectuada no dia da assinatura do contrato pela ré e entrega a esta do equipamento, o sistema de CCTV nunca ficou a funcionar, faltando ainda a entrega do telemóvel smartphone e da formação adequada para a utilização do equipamento, do que a ré veio a dar conhecimento à autora posteriormente à outorga do contrato.
Nesta linha de dar conhecimento à autora daquele não funcionamento do equipamento, estão as comunicações sucessivas enviadas àquela pela ré em 27 de Novembro de 2018, em 14 de Dezembro de 2018, em 17 de Dezembro de 2018, em 8 de Fevereiro de 2019, em 11 de Fevereiro de 2019, em 18 de Fevereiro de 2019 e em 20 de Fevereiro de 2019 (referidas, respectivamente, sob os nºs 15, 17, 18, 20, 21, 22 e 23 dos factos provados), com pedidos expressos de levantamento do equipamento (por causa do seu não funcionamento) das suas instalações nas de 14 e 17 de Dezembro de 2018 e nas de 8, 11, 18 e 20 de Fevereiro de 2019 e, inclusivamente, declarando expressamente a sua intenção de não pagamento da sua contraprestação nas de 8 e 11 de Fevereiro de 2019.
A tais comunicações da ré e pedidos de levantamento do equipamento por esta efectuados, a autora, tanto quanto se apura, não deu qualquer resposta.
Nos termos do art. 1032º alínea a) do C. Civil, “Quando a coisa locada apresentar vício que lhe não permita realizar cabalmente o fim a que é destinada, ou carecer de qualidades necessárias a esse fim ou asseguradas pelo locador, considera-se o contrato não cumprido: a) Se o defeito datar, pelo menos, do momento da entrega e o locador não provar que o desconhecia sem culpa”.
No caso vertente, considerou-se na sentença recorrida, analisando-se tal preceito, que a ré, ao ter assinado o documento de “confirmação de entrega e aceitação” do equipamento supra aludido, onde constam os dizeres supra mencionados (nº 8 dos factos provados), assegurou à própria autora que o equipamento entregue estaria a funcionar, do que decorre, no entendimento ali vertido, que não obstante se provar que o vício da coisa locada datava do momento da sua entrega à ré, a autora o desconhecia sem culpa.
Mas não podemos concordar com tal entendimento.
Aquela declaração da ré, feita logo no dia em que assinou o contrato (como resulta dos nºs 3, 6 e 7 dos factos provados), fazia parte do acervo documental a si entregue e que era necessário logo assinar para subscrever tal contrato e, como nos parece óbvio, não podia nunca traduzir uma declaração inequívoca e vinculante de que o equipamento estava bem e a funcionar (isto é, de inexistência de vício da coisa locada), desde logo porque tal equipamento, naquela data, nem sequer tinha sido instalado e começado a funcionar, como resulta provado sob o nº13.
Por outro lado, pelas comunicações efectuadas pela ré que supra se referiram, ficou a autora a saber que tal equipamento, desde a data da sua entrega, não funcionava, e, como supra se referiu, nada se apurou no sentido de ter havido uma sua qualquer resposta a qualquer de tais comunicações: não alegou o seu desconhecimento daquele não funcionamento, nada contraditou sobre tal, nem nada assumiu ou rejeitou fosse em que sentido fosse.
Assim, provou-se que desde a entrega do equipamento o mesmo nunca ficou a funcionar, que a ré/locatária deu disso conhecimento por várias vezes à autora/locadora e nada se apurou no sentido de que esta desconhecesse que aquele não funcionamento ocorria desde aquela entrega.
Como tal, face ao preceituado naquele art. 1032º e respectiva alínea a), há que concluir pelo incumprimento do contrato por parte da autora/locadora.
Ocorrendo tal incumprimento por parte da autora, parece-nos claro que a comunicação enviada pela ré à autora em 8 de Fevereiro de 2019, referida sob o nº20 dos factos provados, numa altura em que qualquer questão com o contrato deveria ser tratada directamente com a autora (como esta própria comunicou à ré pela missiva que lhe enviou a 6 de Fevereiro de 2109, referida sob o nº19 dos factos provados), integra, da sua parte, uma declaração de resolução do contrato, faculdade esta expressamente prevista no art. 801º nº2 do C. Civil[2].
Efectivamente, através de tal comunicação, a ré, além de dar conta à autora de que o equipamento nunca funcionou, invoca o não cumprimento do contrato por parte da “C...” (e tal imputação, não obstante estar referenciada àquela sociedade com quem a autora tinha ou teve parceria comercial, tinha que ser tratada com a autora, por via da própria carta que esta enviou à ré e que acima se referiu), pede que a autora venha levantar o equipamento das suas instalações e assume que não vai pagar a sua contraprestação, o que traduz uma sua inequívoca intenção de desvinculação contratual operada em conformidade com o disposto no art. 436º nº1 do C. Civil.
Tal declaração, posteriormente confirmada por idênticas comunicações dirigidas pela ré à autora em 11, 18 e 20 de Fevereiro de 2019 (nºs 21, 22 e 23 dos factos provados), tornou-se eficaz logo que chegou à autora e, tendo sido enviada por email, é de concluir que chegou a esta naquela mesma data de 8 de Fevereiro de 2019 (nada se mostra apurado em contrário de tal conclusão).
Assim, é de considerar que o contrato em causa se encontra resolvido pela ré, com base em incumprimento da própria autora, com referência a 9 de Fevereiro de 2019, dia imediatamente seguinte ao recebimento por parte da autora daquela declaração da ré (art. 279º b) do C. Civil).
Ora, estando o contrato já resolvido pela ré naquela data de 9 de Fevereiro de 2019, do que decorre a extinção/cessação dos seus efeitos a partir de tal data e, portanto, a impossibilidade de nova resolução do mesmo, é óbvio que quando a autora efectuou da sua parte, em 11 de Março de 2019, a comunicação de resolução do contrato (nº24 dos factos provados), esta já não podia operar pois o mesmo já não vigorava.
Além disso, diga-se também, ainda que não se tivesse concluído pelo incumprimento do contrato por parte da autora nos termos que supra se analisaram, com base em norma própria do regime legal da locação (o referido art. 1032º alínea a) do C. Civil), sempre em nosso entender (e também em contrário do considerado na sentença recorrida, onde também se abordou tal ponto) se teria verificado uma situação de incumprimento definitivo do contrato por parte da ré com base no regime previsto no art. 808º nº1 do C. Civil.
Efectivamente, nada tendo a autora respondido a qualquer das comunicações da ré referidas sob os nºs 15, 17, 18, 20, 21, 22 e 23 dos factos provados e nada se mostrando apurado também no sentido de uma sua qualquer actuação – não obstante o tempo que ia decorrendo entre aquelas comunicações – em vista de fornecer à ré o que faltava para o equipamento funcionar ou de o substituir por outro, de tal decorre uma situação objectiva de perda de interesse na prestação por parte da ré/locatária, bem ali demonstrada e acompanhada de repetidas solicitações desta à autora no sentido do levantamento do equipamento das suas instalações (como acontece nas comunicações referidas sob os nºs 18, 20, 21, 22 e 23).
Na verdade, ainda que se tenha provado (nº27 dos factos provados) que a ré continua a necessitar de um equipamento de videovigilância para o seu estabelecimento, com certeza não será daquele, em concreto, mas sim de outro, que funcione.
Considerando aquela ausência de resposta da autora, tal perda objectiva de interesse na prestação e incumprimento dela decorrente acabou por se efectivar de forma segura, no limite, por via da última daquelas comunicações à ré, efectuada em 20 de Fevereiro de 2019 (referida sob o nº23 dos factos provados), valendo esta, face ao seu conteúdo, também como (mais uma) clara declaração de resolução do contrato por parte da ré.
Como tal, à data em que a autora efectuou a sua declaração de resolução (11 de Março de 2019), também por esta outra via sempre seria de considerar o contrato como já resolvido anteriormente com base em incumprimento definitivo da sua própria parte.
Deste modo, tendo a autora accionado a resolução do contrato quando este já tinha sido antes resolvido pela ré com base em incumprimento da própria autora, é de concluir que não se verifica o pressuposto de funcionamento da cláusula penal aposta no mesmo (resolução por incumprimento da ré nos termos previstos na cláusula referida em d. do nº4 dos factos provados).
Como tal, não podendo a mesma funcionar, mostra-se inútil a análise da conformidade de tal cláusula com o regime das cláusulas contratuais gerais, do que decorre que fica prejudicado o tratamento de tal questão (arts. 608º nº2 e 663º nº2 do CPC).

Face a tudo o que se referiu anteriormente, e embora com fundamentação diferente, é de concluir pela manutenção do decidido na sentença recorrida [sendo que se mantém a condenação da ré na quantia de 671,99 euros acrescida de juros ali decidida, pois quanto a tal, não obstante a mesma ter por base entendimento que não sufragamos (o incumprimento da ré), não pode a mesma ser alterada – só por via de recurso subordinado da ré (art. 633º nº5 do CPC) poderíamos alterar tal decisão, mas, como se vê dos autos, este não foi interposto].

As custas do recurso ficam a cargo da autora, pois nele decaiu (art. 527º, nºs 1 e 2, do CPC).
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Sumário (da exclusiva responsabilidade do relator – art. 663 º nº7 do CPC):
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III – Decisão

Por tudo o exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso, mantendo-se a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
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Porto, 27/3/2023.
Mendes Coelho
Joaquim Moura
Ana Paula Amorim
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[1] Segue-se, com pequenas alterações, o relatório da sentença recorrida.
[2] Note-se que o regime previsto neste preceito, como se refere no “Código Civil Anotado”, coord. de Ana Prata, Volume I, 2ª edição, Almedina, 2019, págs. 1037 e 1038, em anotação assinada por Ana Prata, vale tanto para o caso de impossibilitação culposa de cumprimento em sentido estrito como para as hipóteses de incumprimento definitivo culposo, por interpretação extensiva. Acrescenta ainda aquela autora, nessa linha, que “Não nos parece necessário recorrer à analogia para alcançar este resultado, já que, sendo o incumprimento definitivo, impossibilitada está a satisfação do interesse creditório”.