Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
233/24.4T8VCD-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ MANUEL CORREIA
Descritores: PROCESSO DE PROMOÇÃO E PROTEÇÃO
MEDIDA DE APOIO JUNTO DA MÃE
ADEQUAÇÃO E PROPORCIONALIDADE
Nº do Documento: RP20250626233/24.4T8VCD-B.P1
Data do Acordão: 06/26/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 3. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: A medida de promoção e proteção de apoio junto da mãe (art.º 35.º, n.º 1, al. a) da LPCJP) é a adequada à prossecução do superior interesse das crianças, suas filhas, num quadro em que, apesar das suas fragilidades parentais: (i) há razões ponderosas e objetivas para que se faça um juízo de prognose favorável sobre o seu comportamento futuro como mãe; (ii) é esta a única figura de referência das filhas; (iii) e a permanência destas consigo é condição essencial para que, dada a idade de ambas, se preserve um vínculo afetivo e emocional que, de outro modo, seria quebrado.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 233/24.4T8VCD-B.P1 - Recurso de apelação
Tribunal recorrido: Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo de Família e Menores de ...



Sumário
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.- Acordam na 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto,



I.- Relatório


1.- O Ministério Público requereu a abertura de processo judicial de promoção e proteção a favor das crianças AA, nascida a ../../2022, filha de BB e de CC, e DD, nascida a ../../2023, filha de BB e de EE.
Na origem do requerimento esteve a circunstância de ambas as crianças se encontrarem em situação de risco para o seu bem estar e desenvolvimento integral e a necessidade, daí decorrente, de aplicação, no seu superior interesse, de medida de promoção e proteção.

2.- Decorrida a fase da instrução do processo, em conferência realizada, em 08-03-2024, com esse fim, foi obtido e homologado judicialmente acordo de promoção e proteção no sentido:
i.- da aplicação da medida de apoio junto da mãe, prevista no art.º 35.º, n.º 1, al. a) da LPCJP, em relação à criança AA;
ii.- da aplicação da medida de apoio junto dos pais, prevista no artigo 35.º, n.º, al. a) da mesma lei, em relação à criança DD;
iii.- da aplicação de tais medidas pelo período de 1 ano, com revisão decorridos 3 meses contados da sua aplicação.

3.- Em 06-05-2024, foi junta informação social relativa à situação das crianças, dando conta, além do mais, que a progenitora, no dia 29-04-2024, se ausentara com as filhas da morada de família onde todas se encontravam e que, no dia 30-04-2024, depois de pernoitar em casa de familiares, foi integrada em Casa Abrigo.

4.- Foram, entretanto, juntos: em 08-06-2024, relatórios da perícia médico-legal efetuados a ambos os progenitores; em 05-08-2024, relatório social de acompanhamento da execução da medida de proteção aplicada; em 02-09-2024, informação social aludindo ao facto de a progenitora e as crianças estarem acolhidas em Casa Abrigo em regime de ‘vaga de emergência’ e que, por isso, haviam atingido o limite de tempo de permanência na instituição, tendo de ser transferidas para outra Casa Abrigo; em 20-01-2024, relatórios de perícia médico-legal respeitantes aos avós paternos da DD; em 10-02-2025, novo relatório social de acompanhamento da execução das medidas de promoção e proteção aplicadas.

5.- Por despacho de 13-03-2025, em linha com a promoção do Ministério Público com a mesma data, foi determinada:
.- a prorrogação da execução da medida de ‘apoio junto da mãe’, nos termos do artigo 62.º, n.º 3, alínea c), da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, pelo período máximo de seis meses a executar nos seguintes termos:
a) a mãe fixará a sua residência em casa da avó e tia-avó maternas, na Rua ... na ...;
b) mantêm-se as obrigações assumidas no acordo assinado em 08-03-2024, nomeadamente a mãe assumirá ainda a obrigação de procura ativa de emprego; as crianças deverão ser integradas em infantário;
c) a DD e a AA conviverão com o pai e os avós paternos da DD, na casa destes, de forma quinzenal, entre 6.ª feira e 2.ª feira, indo eles buscar e entregar as crianças à casa da tia-avó, ou ao infantário onde eventualmente estejam integradas.
d) mantêm-se, ainda, os contactos com eles por videochamada, duas vezes por semana, nos termos em que já estão a decorrer.

6.- Inconformados com esta decisão, os avós paternos da DD, FF e GG, dela interpuseram o presente recurso, pugnando pela sua revogação e pela sua substituição por outra que determinasse a aplicação das medidas de apoio junto de outro familiar em relação à DD e de confiança a pessoa idónea em relação à AA.
Para o efeito, formularam as seguintes conclusões:

1- A decisão agora em crise determinou a prorrogação da execução da medida de ‘apoio junto da mãe’, nos termos do artigo 62.º, n.º 3, alínea c), da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, pelo período máximo de seis meses;
2- A prorrogação da execução da medida não acautela o superior interesse das menores,
3- Atenta a factualidade dada como provada, onde consta que a mãe não reúne, de forma individual e autónoma, condições para uma maternidade saudável e adequadas às filhas, sendo necessário a sua vigilância.
4- A decisão agora em crise ignorou toda a factualidade provada relativa aos aqui Recorrentes, nomeadamente os relatórios periciais que comprovam o vínculo destes às menores e, sobretudo, a disponibilidade emocional e afectiva para cuidarem das mesmas.
5- Bem como ignorou, que até à data em que a progenitora saiu da casa dos Recorrentes, estes eram a única rectaguarda familiar das menores.
6- A decisão agora recorrida também ignorou o facto de o progenitor da DD viver com os Recorrentes.
7- A decisão agora recorrida também ignora o facto de os recorrentes e seu agregado familiar manter vinculo e disponibilidade emocional e afectiva para acolher a menor AA, meia irmã da neta dos Recorrentes.
8- A prorrogação da medida aplicada “ Apoio junto da mãe” constitui uma violação dos princípios enunciados no art.º 4º, als. a), e) g) e h) da lei 147/99.
9- A medida aplicada deve ser alvo de revisão e substituída pelas medidas “Apoio junto de outro familiar” quanto à menor DD e “Confiança a pessoa idónea”, quanto à menor AA, isto visando o cumprimento dos princípios constantes do art.4, alíneas a), e), g) e h) da lei 147/99.

7.- O Ministério Público respondeu ao recurso, batendo-se por que lhe fosse negado provimento e confirmado o despacho recorrido, não formulando conclusões.
8.- O recurso foi admitido como apelação, com subida imediata, em separado e com efeito meramente devolutivo e assim recebido nesta Relação, que o considerou corretamente admitido e com o efeito legalmente previsto.

9.- Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II.- Das questões a decidir
.- O âmbito dos recursos, tal como resulta das disposições conjugadas dos art.ºs 635.º, n.º 4, 639.º, n.ºs 1 e 2 e 641.º, n.º 2, al. b) do Código de Processo Civil (doravante, CPC), é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente.
Isto, com ressalva das questões de conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado ou das que se prendem com a qualificação jurídica dos factos (v art.ºs 608.º, n.º 2, 663.º, n.º 2 e 5.º, n.º 3 do CPC).
Neste pressuposto, a questão que, neste recurso, importa apreciar e decidir é a seguinte:
i.- da adequação ou inadequação da manutenção da medida determinada no despacho recorrido a favor da AA e da DD de apoio junto da mãe e, em caso de inadequação, da sua substituição, como pedido pelos Apelantes, pelas medidas de apoio junto de outro familiar quando à DD e de confiança a pessoa idónea quanto à AA.

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III.- Da Fundamentação

III.I.- Da Fundamentação de facto

.- Os factos que aqui importa considerar e que, em função dos elementos constantes dos autos, se mostram provados são, desde logo, os acima descritos no relatório desta decisão, os quais, por razões de economia processual, se dão aqui por integralmente reproduzidos.

São, também, os que como tal constam da decisão recorrida, destacando-se, porque relevantes para a decisão a proferir, os seguintes:
1.- À data da aplicação da medida revista no despacho recorrido, a progenitora residia com o progenitor da DD em casa dos pais deste; após episódio que originou a rutura do relacionamento entre ambos foi, contudo, em 30-04-2024, acolhida em Casa Abrigo, onde se encontra.
2.- EE, pai da DD, possui o 6.º ano de escolaridade, evidencia instabilidade emocional e foi consumidor de bebidas alcoólicas em excesso.
3.- Tem a sua residência junto dos seus progenitores, sita Rua ..., ... ....
4.- Trabalhou no restaurante A..., na ..., efetuando, desde abril de 2024, descontos para o sistema de proteção social.
5.- O seu salário era de 900€/mês ilíquidos, acrescido de ‘gorjetas’.
6.- Desde que iniciou a sua vida laboral, EE apresenta descontos em mais de dez empresas de diferentes ramos, a saber: restauração, padaria, construção civil, serração, de armazém de comércio por grosso para revenda, entre outros.
7.- Das perícias psicológicas e psiquiátricas forenses realizadas nos autos resulta:
.- quanto à progenitora: “Ao nível da personalidade, exibiu características disfuncionais, de tipo sociopático, nomeadamente imaturidade emocional, incapacidade para planeamento de um projeto de vida, ou de consequências dos seus atos, baixa tolerância à frustração, despreocupação e irresponsabilidade, o que poderá prejudicar a construção e a manutenção de vínculos adequados com as filhas. Assim, a examinanda não reúne, de forma individual e autónoma, condições para uma maternidade saudável e adequadas às filhas. A examinanda e a sua descendência beneficiariam em ter apoio estruturado e supervisão nos cuidados prestados, até porque as filhas beneficiam em manter-se junto da progenitora, atenta a sua tenra idade, mas também em ter a vigilância de adultos com personalidades amadurecidas e responsáveis.”
.- quanto ao progenitor: “Ao nível cognitivo, exibiu clinicamente características compatíveis com uma condição de atraso mental ligeiro; teria, ainda, antecedentes de alterações mentais e do comportamento decorrente do abuso de álcool. Assim, o examinando não parece reunir, de forma autónoma, capacidades de maturidade global para o desempenho das suas responsabilidades parentais; será necessário o apoio e supervisão de equipas multidisciplinares (médica, pedagógica, assistente social), ou de adultos sem problemática aditiva e com sentido de responsabilidade, atentos às exigências que as crianças implicam nos primeiros anos de vida para um desenvolvimento saudável e conducente a personalidades adequadas.”
8.- O pai da AA, CC, não evidencia vinculação ou ligação emocional consistente com a filha.
9.- Conheceu BB quando esta já se encontrava com 4 meses de gestação da AA, que perfilhou por sua iniciativa, não sendo o pai biológico.
10.- A relação entre ambos perdurou menos de um ano, tendo coabitado apenas 4 meses.
11.- Nunca houve contactos regulares entre o mesmo e a AA.
12.- Evidencia imaturidade face à idade, insegurança e dificuldade em projetar o seu futuro, tendo sido consumidor de haxixe desde a adolescência.
13.- A avó materna reside na Suíça, tendo reconstruído a sua vida familiar contraindo matrimónio, do qual resultou o nascimento de uma criança, atualmente com 15 anos de idade.
14.- Mostrou-se inteirada da situação da filha e das netas, contactando com a primeira com alguma regularidade através do telemóvel.
15.- Manifestou disponibilidade para, caso a progenitora pretenda emigrar para junto de si, alojá-la na sua habitação e diligenciar pela integração da filha no mercado de trabalho e das netas em creche.
16.- Os avós paternos da DD, FF e GG, têm verbalizado que se encontram disponíveis para assumir os cuidados e supervisão da DD, bem como da AA.
17.- O casal encontra-se inserido no mercado de trabalho, ambos por conta de outrem, sendo que o avô é pedreiro e a avó trabalha como auxiliar de serviços gerais no Hospital ... da ....
18.- A progenitora tem, no decurso do seu acolhimento em Casa Abrigo, correspondido às orientações técnicas que lhe foram dadas, estando a efetuar esforços no sentido de cumprir com as suas obrigações e responsabilidades pessoais e parentais.
19.- Relativamente aos contactos do progenitor com a DD, iniciaram-se em 30 de julho de 2024, sendo realizados através de videochamada, de acordo com a disponibilidade da instituição, duas vezes por semana, às terças e quintas-feiras, a partir das 15h30/16h00, ressalvados os períodos de descanso da criança.
20.- Em tais contactos, participam EE e a avó paterna da criança, sendo que decorreram sempre sem incidentes.
21.- Tem sido observado que a avó paterna domina quase a totalidade da interação com a neta, estando o progenitor auto-relegado para segundo plano.
22.- De acordo com a instituição onde se encontram integradas:
.- “A BB mostra muita vontade de reconstruir a sua vida e iniciar um projeto de vida junto da sua família (mãe, 49 anos, padrasto, 47 anos e irmã, 15 anos) na Suíça, tendo o seu apoio conforme já expresso pela sua mãe à Dra. HH. Enquanto mãe, a BB tem demostrado uma evolução ao nível das suas práticas parentais e recurso a estratégia para lidar com as filhas, mostrando-se menos ansiosa e com capacidade de recurso ao diálogo na resolução dos problemas e gestão de birras. Pesa embora aquando do acolhimento fosse possível perceber que por vezes recorria a uma comunicação mais agressiva quando se percecionava a sós com as filhas, o mesmo não se verifica neste momento. A BB tem demonstrado procurar uma comunicação positiva, conseguindo responder maioritariamente às necessidades das menores de uma forma muito positiva, revelando uma atitude pautada por disponibilidade e responsabilidade. Verifica-se que aceita sugestões e orientações tanto da equipa do CAE como de outras utentes com quem se identifica, permitindo que a sua prestação de cuidados as filhas evidencie uma mudança positiva.
Considera-se que a sua mudança para junto da família, e, por conseguinte, para um ambiente que perceciona como protetor e calmo, seria benéfico para a BB a para as filhas, no sentido de lhe permitir promover um desenvolvimento emocional e social das menores saudável. A BB exibe ainda consciência sobre a importância da estimulação da fala das menores, procurando ter uma linguagem e usar estratégias adequadas. Ao nível da estimulação física e cognitiva das filhas, até ao momento da sua saída continuaremos a dar algumas orientações que favoreçam o seu desenvolvimento.
No que concerne às menores é possível verificar que socializam facilmente e evidenciam um vínculo afetivo com a mãe muito forte e positivo.
Durante o tempo de acolhimento tem demonstrado possuir competências pessoais e sociais, sendo zelosa e cumpridora das suas tarefas, e estabelecendo uma boa relação com as restantes utentes e a Equipa.
24.- Ao longo da sua permanência na Casa Abrigo, a progenitora não redefiniu o seu projeto de vida, não se integrou em mercado de trabalho, não articulou com a família forma de sair da casa abrigo, não integrou as crianças em infantário, permanecendo estas todo este tempo integradas numa estrutura de emergência não vocacionada para o acolhimento de crianças.
25.- O pai da AA continua a não evidenciar qualquer vinculação ou ligação emocional com a filha.
26.- A progenitora retomou, entretanto, contactos com familiares, nomeadamente com a avó e a tia maternas, II, pretendendo integrar o agregado familiar destas e reorganizar a sua vida na ....
27.- As crianças conviveram com o pai da DD e os avós paternos nos dias 25-12-2024 e 01-01-2025.

Os factos provados são, ainda, aqueles que resultam do Relatório Social acima referido em 4, junto aos autos em 10-02-25, que aqui se considera nos termos e para os efeitos do disposto nos art.ºs 607.º, n.º 4 e 663.º, n.º 2 do CPC, designadamente:

28.- A bisavó e a tia avó maternas das crianças, respetivamente, com 69 e 45 anos de idade, mostram-se recetivas para acolher, no seu domicílio, a progenitora e as filhas.
29.- O respetivo agregado familiar é constituído por 6 pessoas: bisavó; tia-avó; companheiro desta; e três primos da AA e da DD.
30.- A bisavó é pensionista, estando os restantes adultos – tia-avó, companheiro e um dos filhos – integrados no mercado de trabalho.
31.- A habitação é própria e nela a progenitora BB e as filhas terão um quarto exclusivo para elas, com camas individuais estas.
32.- O pai da DD trabalha agora para uma empresa que opera no setor de revestimentos na construção civil.
33.- Os avós paternos da DD continuam a manifestar desejo de assumir integralmente os cuidados da DD e da AA, expressando afetividade por esta, que consideram verdadeira neta.
34.- A progenitora não mostra recetividade a que a AA conviva com os avós e pai de DD, justificando que não existem laços de sangue.
35.- A progenitora projeta o futuro de forma adequada na ..., junto da tia e avó maternas.
36.- O progenitor, com a supervisão dos avós paternos, pretende obter a guarda de ambas as crianças, enquanto a progenitora, no presente momento, defende que os convívios da DD para com a família paterna sejam sem pernoita e a AA fique afastada dessas interações.
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III.II.- Do objeto do recurso

.- Da medida de promoção e proteção adequada a acautelar o superior interesse das crianças AA e DD

1.- Este processo de promoção e proteção corre termos no superior interesse das crianças AA, nascida a ../../2022 e, portanto, com 3 anos de idade e DD, nascida a ../../2023 e, portanto, prestes a completar 2 anos de idade.
Ambas as crianças são filhas de BB, sendo que a AA é filha de CC (que a perfilhou, apesar de não ser o seu pai biológico), ao passo que a DD é filha de EE e, porque pais deste, neta dos Apelantes.
Em 08-03-2024, foram aplicadas a favor das crianças, pelo período de 1 ano, sujeitas a revisão decorridos 3 meses, as medidas de: (i) apoio junto da mãe, prevista no art.º 35.º, n.º 1, al. a) da LPCJP, quanto à AA; (ii) de apoio junto dos pais, prevista no mesmo preceito, quanto à DD.
Tais medidas, no despacho da sua revisão proferido em 13-03-2025 (o alvo deste recurso), foram prorrogadas por 6 meses e com observância das seguintes condições: (i) a mãe fixaria a sua residência em casa da avó e tia-avó maternas, na Rua ..., ...; (ii) a mãe continuaria sujeita à obrigação de procura ativa de emprego; (iii) as crianças deveriam ser integradas em infantário; (iv) a DD e a AA conviveriam com o pai e os avós paternos da DD, na casa destes, de forma quinzenal, entre 6.ª feira e 2.ª feira, indo eles buscar e entregar as crianças à casa da tia-avó, ou ao infantário onde eventualmente estejam integradas; (v) manter-se-iam, ainda, os contactos com eles por videochamada, duas vezes por semana, nos termos em que já estão a decorrer.
Os avós paternos da DD, FF e GG, discordam, contudo, do conteúdo desta medida, no pressuposto de não acautelar os interesses das crianças. Propõem, em alternativa, que estas lhes sejam entregues, no âmbito das medidas, previstas, respetivamente, nas alíneas b) e c) do n.º 1 do art.º 35.º da LPCJP, de apoio junto de outro familiar quanto à DD e de confiança a pessoa idónea quanto à AA.
O objeto deste recurso consiste, pois, em saber se a medida mantida no despacho recorrido a favor da AA e da DD é a adequada a garantir o seu superior interesse e, na negativa, se deve ser substituída pela proposta pelos avós paternos da DD, aqui Apelantes.

2.- A promoção dos direitos e a proteção das crianças e dos jovens em perigo, por forma a que seja garantido o seu bem estar e desenvolvimento integral, está prevista na Lei n.º 147/99, de 01.09 (com as alterações introduzidas pelas Leis nºs 31/2003, de 22.08, 142/2015, de 08.09 e 26/2018, de 05.07 – doravante, LPCJP) – v. o seu art.º 1.º.
De acordo com o n.º 1 do seu art.º 3.º, a intervenção para promoção dos direitos e proteção da criança e do jovem em perigo tem lugar quando, além do mais, os pais ponham em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento, ou quando esse perigo resulte de ação ou omissão de terceiros ou da própria criança ou do jovem a que aqueles não se oponham de modo adequado a removê-lo.
Com a aplicação de uma medida de promoção e proteção visa-se, nos termos do art.º 34.º: (a) afastar o perigo em que estes se encontram; (b) proporcionar-lhes as condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral; (c) garantir a recuperação física e psicológica das crianças e jovens vítimas de qualquer forma de exploração e abuso.
Na aplicação de uma medida devem ser levados em consideração, como decorre do art.º 4.º, e entre outros, os seguintes princípios:
a.- do interesse superior da criança e do jovem - a intervenção deve atender prioritariamente aos interesses e direitos da criança e do jovem, nomeadamente à continuidade de relações de afeto de qualidade e significativas, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto;
e.- da proporcionalidade e atualidade - a intervenção deve ser a necessária e a adequada à situação de perigo em que a criança ou o jovem se encontram no momento em que a decisão é tomada e só pode interferir na sua vida e na da sua família na medida do que for estritamente necessário a essa finalidade;
g.- do primado da continuidade das relações psicológicas profundas - a intervenção deve respeitar o direito da criança à preservação das relações afetivas estruturantes de grande significado e de referência para o seu saudável e harmónico desenvolvimento, devendo prevalecer as medidas que garantam a continuidade de uma vinculação securizante;
h.- da prevalência da família - na promoção dos direitos e na proteção da criança e do jovem deve ser dada prevalência às medidas que os integrem em família, quer na sua família biológica, quer promovendo a sua adoção ou outra forma de integração familiar estável.
As medidas de promoção e proteção compreendem, de acordo com o catálogo previsto no art.º 35.º, e entre outras: (a) a de apoio junto dos pais; (b) a de apoio junto de outro familiar; (c) a de confiança a pessoa idónea. Todas estas medidas são, segundo o n.º 3, executadas no meio natural de vida e, como decorre do n.º 2 do art.º 60.º, não podem ter duração superior a 1 ano, ainda que possam ser prorrogadas até 18 meses se o interesse da criança ou do jovem o aconselhar.
A medida aplicada deve ser revista decorrido um período não superior a 6 meses e de tal revisão pode advir, além do mais, a substituição da medida por outra mais adequada ou a continuação ou a prorrogação da execução da medida (art.º 62.º, n.ºs e 2, alíneas b) e c)).

3.- No caso dos autos, não é questionado o perigo em que a AA e a DD se encontram e, consequentemente, a necessidade de aplicação de uma medida de promoção e proteção.
O que se questiona é saber se ambas as crianças devem, como decidido no despacho recorrido, permanecer ‘confiadas’ à mãe, passando esta a residir com elas em casa da avó e tia avó maternas, na ..., ou se o devem ser aos Apelantes, avós paternos da DD, tal como pedido por estes.
A este respeito, tendo presente os factos provados e os critérios acima expostos que devem nortear a aplicação de uma medida de promoção, concluímos que a medida mantida no despacho recorrida é, não só a adequada, como a única suscetível de acautelar o superior interesse da AA e da DD.
Vejamos.

4.- É inquestionável que a mãe apresenta fragilidades ao nível da sua personalidade, comprometedoras das suas competências parentais. Como decorre dos factos provados, a mãe apresenta, além do mais, imaturidade emocional, baixa tolerância à frustração, despreocupação, irresponsabilidade e incapacidade para planear a sua vida.
Sem prejuízo, também resulta dos factos provados que tais lacunas são e têm sido compensadas com apoio estruturado e supervisionado de terceiros. Por outro lado, é visível a atitude e o esforço da mãe em evoluir como mãe, não só aceitando sugestões e orientações daqueles terceiros, como tentando melhorar a sua forma de lidar com as filhas. Tanto assim que, como evidenciado pela instituição onde foi acolhida, já se mostra menos ansiosa e recorre ao diálogo para resolver problemas e comportamentos inadequados das mesmas.
Há, pois, razões objetivas e ponderosas para que se faça um juízo de prognose favorável sobre o seu comportamento futuro como mãe.
Acresce que foi sempre com a mãe que a AA e a DD estiveram. Ou seja, desde que nasceram a presença da mãe foi sempre uma realidade incontornável na vida das crianças. É a mãe, por conseguinte, não só a pessoa que, com maior ou menor qualidade, tem prestado os cuidados de que carecem, mas também a figura de referência das suas vidas.
Outrossim, a AA acaba de fazer 3 anos de idade e a DD nem sequer atingiu os 2 anos de idade, sendo, pois, crianças muito pequenas. Nas suas idades, é crucial para o seu desenvolvimento emocional, social e, inclusive, cognitivo a preservação e a solidificação do vínculo com a figura de referência, na certeza de que só este é capaz de lhes proporcionar a base de segurança e de confiança necessárias para um crescimento pleno e saudável.
A permanência da AA e da DD com a mãe é, pois, condição essencial para a preservação de um vínculo que, de outro modo, seria quebrado, com consequências imprevisíveis para a sua estabilidade emocional.
De referir, ainda, que, com a medida aplicada na decisão recorrida, proporciona-se às crianças a saída de um ambiente institucional e a sua inserção num contexto familiar alargado próximo da progenitora. Designadamente, no agregado familiar da sua bisavó e tia avó, que, além de dispor de condições residenciais adequadas, está recetivo a acolhê-las no seu seio.
Finalmente, na decisão recorrida não só não se descurou o convívio com a família paterna alargada, como, pelo contrário, se intensificou o regime anteriormente vigente. Se antes o convívio era feito à distância, através de videochamada, agora, além da manutenção dessa forma de comunicação, prevê-se que a DD e a AA convivam com o pai e com os Apelantes, avós paternos da DD, na casa destes, quinzenalmente, entre 6.ª feira e 2.ª feira.
Ou seja, a par da integração das crianças num meio natural de vida junto da progenitora, passou a prever-se agora, também, um convívio abrangente e alargado com a família do pai.

5.- A medida aplicada em 1.ª instância, com o conteúdo que lhe foi dado, é, pois, e desde logo, a adequada para a promoção do superior interesse da AA e da DD, superior interesse que é, como se viu, princípio orientador da aplicação da medida de proteção, mas também o fim último da intervenção judicial no quadro de um processo de promoção e proteção.
É, também, adequada à situação de perigo em que se encontram as crianças e só interfere na vida destas e da sua família, mormente na da mãe, na medida do estritamente necessário à promoção dessa finalidade, sendo, pois, proporcional.
É, ainda, a única que, como se viu, respeita o direito das crianças à preservação da sua relação com a figura de referência que é a mãe e, portanto, aquela que se justifica para assegurar o primado da continuidade das relações psicológicas profundas, que, como se viu, impele à aplicação de medidas que garantam a continuidade de vínculos securizantes.
É, finalmente, uma medida que promove convívios com ambos os progenitores e com as respetivas famílias alargadas e, por conseguinte, uma medida pautada pela observância do princípio da prevalência da família.
Os princípios que norteiam a aplicação das medidas de promoção e proteção, mormente os referidos pelos Apelantes, não só não afastam, como, pelo contrário, impõem a aplicação, no superior interesse da AA e da DD, da medida de promoção e proteção efetivamente aplicada na decisão recorrida.

6.- Alegam os Apelantes que as medidas que preconizam, as quais, em último termo, conduziriam a que a AA e a DD lhes fossem confiadas, seriam as adequadas à situação das mesmas. Isto porque, além das fragilidades parentais da mãe, está demonstrado nos autos o seu vínculo (dos Apelantes) às crianças, bem como a disponibilidade emocional e afetiva de para cuidarem delas.
Outrossim, até ao momento em que mãe decidiu sair da casa de ambos, na qual residem com o pai da DD, sempre foram a única retaguarda familiar das crianças.
Finalmente, a sua disponibilidade para o acolhimento abarca a AA, relativamente à qual não têm laços de parentesco, o que evidencia o firme propósito de ambos para proporcionarem um projeto de vida adequado ao superior interesse da neta e da sua irmã.
Ora, o vínculo dos Apelantes às crianças e a sua total disponibilidade emocional e afetiva para acolhê-las é um dado indesmentível. É, aliás, de enaltecer a posição dos Apelantes a respeito da situação das crianças, manifestamente reveladora de enorme preocupação e afeto por ambas, inclusive pela AA, relativamente à qual não têm laços de parentesco, sendo ela apenas irmã da sua neta, a DD.
Como quer que seja, tais factos não afastam a conclusão a que se chegou no sentido de que a medida decretada em 1.ª instância é a efetivamente adequada à prossecução do superior interesse das crianças.
Na verdade, é com a progenitora que a AA e a DD têm o vínculo primário de referência. Incluí-las no agregado familiar dos Apelantes, mesmo dele fazendo parte o progenitor, seria, por conseguinte, quebrar esse vínculo, sem certeza de que daí resultasse maior estabilidade para ambas.
Do que se trata aqui é da prossecução do superior interesse da AA e da DD e não do interesse subjetivo dos Apelantes ou mesmo de algum dos progenitores, pelo que apontando esse interesse para a permanência das crianças junto da mãe, forçoso é concluir que é a medida de apoio desta a mais adequada para assegurar aquele fim.
Acresce que, sendo certo que os Apelantes proporcionaram à AA e à DD uma retaguarda familiar especialmente positiva quando ambas e a progenitora habitavam na sua residência, não menos certo é que, independentemente das suas fragilidades, a progenitora não deixou de ser, mesmo nessa altura, a figura de referência das filhas.
Por outro lado, a integração da mãe e das filhas no agregado familiar dos Apelantes cessou após rutura do relacionamento da primeira com o segundo e tal rutura não mais foi superada, persistindo até ao momento.
Finalmente, entre o momento em que residiram com a mãe na residência dos Apelantes e o momento atual, não só decorreu um período de tempo significativo, como as crianças vivenciaram, entretanto, com o acolhimento em instituição, uma experiência totalmente diversa e evolutiva no seu relacionamento com a progenitora.
Ora, a intervenção judicial de promoção e proteção obedece, como se viu, ao princípio da atualidade, devendo atender-se, na ponderação sobre a medida a aplicar, à situação de perigo em que a criança se encontra no momento em que a decisão é tomada.
Considerar-se a altura em que as crianças residiram com os avós paternos da DD em casa destes como critério de aplicação de medida de promoção e proteção redundaria no caso, consequentemente, na desconsideração desse princípio.
De salientar, ainda, que a medida aplicada em 1.ª instância promove, como se viu, o reforço dos contactos das crianças com os Apelantes e com o pai da DD, em termos tais que lhes permite um convívio de grande proximidade com ambas.
A medida de apoio junto da mãe, associada a todas as obrigações complementares estabelecidas, é, pois, a adequada à situação da AA e da DD, nenhuma razão havendo para que se proceda à sua alteração.
Improcede, em suma, a pretensão dos Apelantes, com a consequente manutenção de tal medida.
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7.- Porque vencidos no recurso, suportarão os Apelantes as custas da apelação (art.ºs 527.º e 529.º do CPC).

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IV.- Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes da 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente o presente recurso de apelação e, consequentemente, confirmar, na íntegra, a decisão recorrida.

Custas pelos Apelantes.

Notifique.

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Porto, 26-06-2025

Os Juízes Desembargadores,

Relator: José Manuel Monteiro Correia

1.ª Adjunta: Isabel Rebelo Ferreira

2º Adjunto: António Carneiro da Silva

(assinado eletronicamente)