Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | EDUARDA LOBO | ||
Descritores: | LEGÍTIMA DEFESA PRESSUPOSTOS | ||
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Nº do Documento: | RP201111091465/10.8JAPRT.P1 | ||
Data do Acordão: | 11/09/2011 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REC. PENAL. | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO. | ||
Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO. | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I – A defesa só é legítima se surgir como indispensável para a salvaguarda de um interesse jurídico do agredido ou de terceiro e for o meio menos gravoso para o agressor. II – A necessidade de defesa tem de ajuizar-se segundo o conjunto das circunstâncias em que se verifica a agressão, em particular, a perigosidade do agressor e da sua forma de actuar , bem como os meios de que se dispõe para a defesa; e deve aferir-se objectivamente, segundo o exame das circunstâncias feitas por um homem médio colocado na situação do agredido. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Proc. nº 1465/10.8JAPRT.P1 1ª secção Relatora: Eduarda Lobo Adjunto: Des. Alves Duarte Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal da Relação do Porto I – RELATÓRIO No âmbito do Processo Comum com intervenção do Tribunal Colectivo que corre termos no Tribunal Judicial de Boticas com o nº 1465/10.8JAPRT, foi submetido a julgamento o arguido B………, tendo a final sido proferido acórdão que condenou o arguido: - pela prática de um crime de homicídio p. e p. no artº 131º do Cód. Penal, na pena de 10 (dez) anos e 6 (seis) meses de prisão; - a pagar aos demandantes a quantia de € 62.500,00 (sessenta e dois mil e quinhentos euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais, absolvendo-o do restante pedido. Inconformado com o acórdão condenatório, dele veio o arguido interpor o presente recurso, extraindo das respectivas motivações as seguintes conclusões: 1. O Tribunal “a quo” não relata, ainda que de forma sucinta e concisa, as declarações prestadas pelo arguido que serviram de fundamento a sua convicção; 2. Por outro lado, no que concerne a testemunha C….., também não é indicado, ainda que de forma sucinta, a razão de ciência do mesmo, designadamente, no local dos factos onde é que a referida testemunha se encontrava, de forma a se poder aferir e perceber se a dita testemunha presenciou ou não a totalidade dos factos e se estava ou não, em condições de presenciar todos esses mesmos factos; 3. Assim, o Tribunal “a quo” na fundamentação de facto, não explica, nem é possível perceber, porque é que entendeu não dar credibilidade ao facto de a testemunha C….. não ter visto toda a dinâmica dos factos; 4. Por outro lado, também não é feita uma exegese crítica entre as declarações prestadas pelo arguido e o depoimento da dita testemunha C……, uma vez que ambos serviram para formar a convicção do Tribunal, de forma a perceber-se e compreender-se se a dita testemunha viu ou não na íntegra toda a dinâmica dos factos e perceber o modo como os mesmos efectivamente ocorreram; 5. Da fundamentação de facto do Acórdão recorrido, nada consta se a testemunha fonte, a testemunha C……, foi ou não confrontada, em sede de audiência de discussão e julgamento, com a alegada existência da dita conversa referida pelas testemunhas D….. e E…..; 6. Assim, da leitura da fundamentação de facto, ficamos sem perceber se a dita conversa alegada pelas testemunhas D…… e E….., efectivamente ocorreu ou não e, se ocorreu, ficamos sem saber se a testemunha fonte, C……, confirma ou não o referido pelas alegadas testemunhas; 7. Deste modo, também por aqui, da fundamentação de facto, ficamos sem perceber quais foram os critérios lógicos que constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse no sentido de dar credibilidade, no que aos factos imputados ao arguido na acusação diz respeito, ao depoimento indirecto prestado pela testemunhas D….. e E……, em detrimento da testemunha C.......; 8. Assim, a falta de fundamentação dos motivos de facto e exame critico das provas que serviram para fundamentar de facto a decisão e a convicção do Tribunal, gera nulidade nos termos do art.º 374 n.º 2 e 379 n.º1, al. a) do CPP, o que se invoca; 9. O depoimento das testemunhas D…… e E……, no que aos factos imputados na acusação ao arguido diz respeito, como ressalta da fundamentação do Acórdão recorrido, são testemunhas de ouvir dizer, por isso, depoimentos indirectos; 10. Assim, o depoimento indirecto das testemunhas D....... e E......., no que aos factos imputados ao arguido pela acusação diz respeito, não foi confirmado, nem negado, uma vez que ficamos sem saber se a dita conversa entre as ditas testemunhas e o C....... efectivamente ocorreu ou não pois que, a testemunha C....... não foi confrontado com tal situação, nem quanto á mesma se referiu; 11. Acresce que, sem prescindir do que vem alegado, é certo que a dita testemunha C......., em sede de julgamento relatou aquilo que presenciou e viu, que não coincidia com a versão apresentada pela ditas D....... e E....... e que, alegadamente, lhe teria sido relatada pela dita testemunha C....... mas, que não sabemos se efectivamente assim foi ou não, uma vez que a testemunha C....... não foi confrontada com tal situação; 12. Contudo, quando há contradição entre as testemunhas de ouvir dizer e a testemunha fonte, por força do princípio da imediação, somente vale em Juízo o testemunho da testemunha fonte; 13. O tribunal a quo ao valorar e conferir credibilidade às duas testemunhas – D....... e E....... - com depoimentos indirectos postergando a globalidade do depoimento da, alegada testemunha fonte – C....... - viola o princípio constitucional da imediação da prova inato na ideia de um Estado de Direito democrático como é a República Portuguesa (cf. art. 355 do CPP e 2.º da CRP) e não pode ser aceite por não ter agasalho na lei penal adjectiva aplicável; 14. Assim, o Tribunal ao valorar o depoimento das referidas testemunhas - D....... e E....... - valorou prova proibida e, por isso, incorreu em erro manifesto na apreciação da prova, o que desde já se invoca; 15. Salvo o devido respeito, o Tribunal ao julgar a matéria de facto nos termos em que consta do Acórdão apenas se estribou em meros indícios; 16. Assim, ao dar como provada a matéria de facto nos termos em que o fez, designadamente, os pontos 4,5,8 e 9, o Tribunal “ a quo”, violou a regras da experiencia comum, nos termos que vem supra explanados, bem como, violou, igualmente a presunção de inocência do arguido e o “principio in dúbio pro reo”; 17. Deste modo, também por aqui incorreu o Tribunal em erro manifesto na apreciação da prova, o que também se invoca nos termos da al. c) do n.º 2 do art.º 410 do CPP; 18. Na matéria de facto dada como provada o Tribunal “a quo” considera assentes, entre outros, os seguintes factos: 19. “No entanto, já após terem sido separados, o arguido deitou a mão ao bolso das calças e muniu-se de uma navalha que consigo trazia, mas cujas dimensões e características não foi possível apurar porquanto não foi apreendida ou examinada, a qual logo tratou de abrir ficando a lâmina á vista.” (ponto 4 da matéria de factos dada como provada); 20. “Acto continuo, abeirou-se de F....... e, manejando a navalha de que se munira, cravou-lhe a lâmina da mesma no lado esquerdo do pescoço num movimento de cima para baixo, da frente para trás e da esquerda para a direita” (Ponto 5); 21. “Ao praticar os factos supra descritos, agiu o arguido com o propósito concretizado de tirar a vida a F......., bem sabendo que a sua conduta – ao cravar-lhe a navalha – era susceptível de atingir tal desiderato.” (Ponto 8); 22. “Agiu sempre de forma livre, voluntaria e consciente, bem sabendo que o seu comportamento era legalmente proibido” (Ponto 9); 23. Salvo o devido respeito, pensamos que nos pontos que vêm referidos, o Tribunal “ a quo” não apreciou correctamente toda a prova produzida em audiência, bem como, uma análise crítica da prova produzida, segundo as regras da experiência comum e critérios lógicos impunham decisão diversa, isto é, a exclusão de qualquer responsabilidade criminal por parte do arguido; 24. Efectivamente, é preciso relembrar que no local apenas estavam presentes três pessoas: o arguido, o falecido e a testemunha C.......; 25. A testemunha C......., não tem nenhuma relação de amizade ou parentesco, quer com o arguido, quer com o falecido, assim como, não andava, nem anda de relações cortadas com quem quer que seja, pois apenas os conhece de vista; 26. Deste modo, o depoimento desta testemunha foi prestado com toda a imparcialidade e isenção, ao contrario das testemunhas D....... e E......., as quais, por serem respectivamente, irmã e demandante civil e avó do falecido, são pessoas notoriamente interessadas na condenação do arguido; 27. Com efeito, na análise da dinâmica dos factos temos de considerar duas fases; 28. Uma primeira fase, até ao momento em que falecido e arguido são separados pela testemunha C.......; 29. Até este primeiro momento, a testemunha C......., consegue percepcionar e visionar todos os factos, designadamente, vê o falecido e o arguido agarrados e a discutir, uma vez que se encontra de frente para os mesmos, dispondo, por isso, de um amplo campo de visão; 30. Uma segunda fase, após a separação de arguido e falecido, realizada pela testemunha C.......; 31. Efectivamente, após a separação de falecido e arguido, a testemunha C......., volta costas a ambos e dirige-se, sempre de costas para ambos, na direcção da sua viatura; 32. Assim, tudo o que ocorreu entre falecido e arguido entre o momento que são separados e a testemunha C....... volta costas, dirigindo-se para a sua viatura, até chegar a esta, a dita testemunha não vê nada e não presencia a dinâmica e circunstancialismo em que ocorreram os factos e, por isso, apenas refere que quando chega á viatura apenas vê o arguido com um objecto na mão que lhe parece uma navalha e o falecido a sangrar, não tendo presenciado como os factos efectivamente ocorreram; 33. Deste modo, aqui e para se perceber a dinâmica dos factos apenas podemos atender as declarações prestadas pelo arguido, as quais merecem toda a credibilidade; 34. Aqui é preciso não esquecer que o arguido se presume inocente e quaisquer dúvidas tem necessariamente de ser valoradas a favor do arguido; 35. Assim, em face deste circunstancialismo, conjugando todos os elementos de prova, designadamente, as declarações do arguido e da testemunha C......., analisando-os criticamente a luz de juízos de experiência comum e de acordo com o critério de um homem médio, constata-se que os factos não ocorreram nos termos em que o Tribunal deu como provados e, por isso, não podia o Tribunal “ a quo” dar como provados os pontos da matéria de facto dada como assente que vêm referidos; 36. Efectivamente, como demonstramos, há um momento em que a testemunha C....... deixa de ver o que estava a ocorrer entre falecido e arguido, uma vez que se encontrava de costas e caminhava em direcção à sua viatura; 37. É precisamente neste momento que o falecido se abeira do arguido e o ataca pelas costas, agarrando a camisola do arguido e apertando-a em torno do pescoço do arguido, com o objectivo de o sufocar e estando o arguido a ficar sem ar, desesperado, temendo pela vida, uma vez que o falecido é um individuo agressivo, robusto e muito mais forte que o arguido, este para se defender e libertar do falecido, tira a navalha do bolso e dá um corte na camisola, conseguindo, entretanto, voltar-se para o falecido, que o agride com murros na cara e na confusão e no desespero de se defender a navalha espeta-se no falecido, nunca tendo sido intenção do arguido tirar a vida ao falecido mas, tão só, defender-se da agressão de que estava a ser vitima; 38. Deste modo, na actuação do arguido verificam-se os pressupostos da legítima defesa, previsto no art.º 32 do CP e, quando assim se não entenda, o que não se admite, sempre estão preenchidos os pressupostos do excesso de legítima defesa, previsto no art.º 33 do CP, devendo, aqui considerar-se o medo e perturbação com que o arguido actuou e a pena ser especialmente atenuada e suspensa na sua execução; 39. Para o que vem alegado releva, além das regras da experiência comum e a lógica de um homem médio suposto pela ordem jurídica, o depoimento do arguido e o depoimento da testemunha C....... que depuseram a matéria ora referida: Arguido, depoimento gravado no sistema integrado de gravação digital do Tribunal, com o ficheiro n.º 20110701103202_6856_64203 html das 10.32.04 horas às 11.03.44 horas e do minuto 00.00.01 ao minuto 00.31.39; C....... depoimento gravado no sistema integrado de gravação digital do Tribunal, com o ficheiro n.º 20110701110445_6856_64203 html. das 11.04.47 horas ás 11.17.58 horas e do minuto 00.00.01 ao minuto 00.13.11; 40. O espaço prisional mais do que reabilitativo é igualmente estigmatizante, e por consequência, alavanca maiêutica de mais criminalidade; 41. O arguido é um jovem de 26 anos de idade; 42. O arguido não possui antecedentes criminais, e encontra-se devidamente inserido no meio social onde vive, tem uma vida familiar estável, nada consta em desabono da sua conduta moral; 43. O arguido é um jovem cordial e trabalhador, tendo a situação em julgamento gerado surpresa; 44. Sem prescindir e à cautela de patrocínio, torna-se necessário relembrar que o arguido, após o primeiro interrogatório, foi submetido, inicialmente, a medida de coacção de prisão preventiva e, posteriormente, à obrigação de permanência na habitação, medida de coacção esta que se manteve até a data de julgamento e continua a manter-se, sempre cumpriu todas as obrigações que lhe foram impostas mas, cujo período de tempo não foi tido em consideração nos termos do art.º 80 do CP, na pena, severa e desproporcionada, que, injustamente, lhe foi aplicada; 45. Por outro lado, tendo em conta que a pena a aplicar deve ter como medida a culpa do agente a quem lhe são imputados os factos, e de acordo com as necessidades de prevenção geral e especial, pensamos que na hipótese académica de o arguido ser responsabilizado pelos mesmos, o que não se aceita nem admite, sempre deverá a pena de prisão aplicada ao arguido pelas razões que vêm apontadas, designadamente e, na pior das hipótese, actuação em excesso de legitima defesa, ser especialmente atenuada e suspensa na sua execução e se assim não se entender, o que não se admite nem por hipótese académica, sempre deve a pena aplicada ser substancialmente reduzida por desadequada e desproporcionada; 46. Sem prescindir de tudo quanto vem dito, a indemnização fixada pelo dano morte, não tem fundamento legal, não podendo, por isso, ser fixada em qualquer circunstância; 47. Assim, salvo o devido respeito, o Tribunal “ a quo” violou, interpretou ou aplicou incorrectamente, além de outros, o disposto nos art.º 127, 128, 129, 355, 365 n.º3, 374 n.º2, 379 n.º1 al. a), 410 n.º2, al. c) e 412 n.º3 al. a) e b) do CPP, 32, 33, 71, 72, 80 do CP e 2 e 32 n.º5 da CRP. * Os demandantes civis responderam às motivações de recurso, pugnando pela sua improcedência, concluindo que: a) Não há qualquer nulidade na sentença recorrida nos termos dos arts. 374º e 379º do CPP. a sentença não tem que transcrever o que este ou aquele agente processual diz. Tem sim que dizer que as suas afirmações foram neste ou naquele sentido e desse modo resumir o que foi referido, e em conclusão, dando-lhe ou retirando-lhe credibilidade. A falta de credibilidade numa parte concreta do depoimento da testemunha C......., encontra-se devidamente fundamentada na decisão recorrida, após um exame crítico das várias provas concorrentes; b) Refere o acórdão recorrido “A testemunha (…) , única que referiu estar no local quando os factos ocorreram, o que foi confirmado pelo arguido, prestou um depoimento que não se mostrou totalmente consistente, nem verosímil, ao referir que estava no local dos factos, que o arguido e a vítima se envolveram numa discussão com agressões físicas, tendo-os separado e que logo de seguida viu a vítima a sangrar e o arguido com uma navalha na mão, sem que tenha presenciado como essa agressão ocorreu”. Logo em seguida explica os motivos pelos quais esta testemunha não mereceu credibilidade ao Tribunal, na parte em que diz não ter presenciado o momento em que o golpe mortal foi desferido, pois que, uma pessoa normal, presente local, que ajudou a separar arguido e vítima que estavam a discutir, sem mais nem porque, logo de seguida já só os vê, um a morrer com a carótida cortada e outro com a navalha na mão. Esta versão, efectivamente não tem sentido, não é consentânea com o normal da vida. c) Como vem referido no próprio recurso, após esses factos, a mesma testemunha C......., foi a casa de uma irmã do falecido, a D......., chamou-a ao local e aí contou-lhe o que se passara que foi arguido que matou e como. d) O arguido inclusivamente admitiu os factos, e o acórdão refere que: “efectivamente, o arguido admite que empunhou a navalha que veio a atingir a vítima de forma a provocar-lhe as lesões que determinaram a sua morte”. e) Não há erro notório na apreciação da prova. Os testemunhos da D....... e da E....... não são indirectos, pois estas não disseram que ouviram dizer a alguém, nem que esta ou aquela coisa foi por si percepcionada e não assistida. O que dizem é muito claro. Que foi a testemunha C....... que foi a casa chamá-las, e que, já no local, lhe contou que vira efectivamente o arguido a espetar a navalha ao falecido F…... Não é uma prova de ouvir dizer. É aquilo que estas pessoas presenciaram, viram e ouviram; f) O Tribunal não se baseia só e apenas neste depoimento. Baseia-se em tudo que existe no processo. Nas declarações do arguido e nas declarações de todas as testemunhas e documentos, a avalia-as no seu conjunto. Portanto, não é verdade que, fosse o depoimento da testemunha C....... o sustentáculo da condenação. O verdadeiro sustentáculo da condenação, foi a confissão do arguido; g) Em rigor, o acórdão, na parte que em que refere que, quando chamadas a D....... e a E....... disseram, tê-lo sido pelo C....... e que, no local, este contou como tudo se passou, não se refere às declarações das testemunhas D....... e E....... como sustentáculos da condenação, mas sim como razões pelas quais, decidiu não dar credibilidade ao que o C....... disse. Ao pôr em causa o depoimento deste, nesta parte, haveria que dizer porquê. E tal foi dito. Nomeadamente porque, acto contínuo, disse exactamente uma coisa diferente às pessoas que ele próprio foi chamar; h) Refere o recorrente na Pag. 14 do seu recurso que o Tribunal assenta, “essencialmente”, a decisão, nos depoimentos das testemunhas D....... e E........ Salvo o devido respeito, muito longe da verdade anda o recorrente. É que a decisão condenatória, baseia-se antes de mais, na confissão do próprio arguido e testemunhas, nomeadamente e até principalmente no testemunho do C....... que estava no local e presenciou tudo. É que o Tribunal, só não deu credibilidade a este testemunha, no momento exacto em que diz que não viu a faca a ser espetada. Mas valoriza-o em tudo o resto. E se no local estavam os 3, e de repente aparece o falecido cortado e o arguido com a faca na mão; i) Nenhuma prova foi feita no sentido de confirmar que o falecido estaria a agredir o arguido, nomeadamente, não se provou que este o tentasse estrangular ou que lhe desse murros; j) Quando o arguido diz que conseguiu soltar-se num primeiro momento em que o falecido o tentou estrangular agarrando-lhe na camisola, pelas costas, e depois se vira de frente, nesse momento, se estivesse a ser agredido com murros sem reacção como refere, estaria com as mãos numa posição defensiva ao nível das partes que estavam a ser agredidas, face e pescoço. Razão pela qual os cortes acidentais, teriam que estar nas mãos e nos punhos do falecido. Só havia uma única navalhada no pescoço. E salvo o devido respeito, a única forma de essa navalhada ter ocorrido acidentalmente, pelo modo descrito pelo próprio recorrente, era que o falecido tivesse dados muros com o pescoço; k) O arguido é pastor de gado ovino e caprino, habituado a matar e a esfolar esse tipo de gado, primeiro dando-se uma marretada na cabeça do animal, para o inanimar e depois, corta-se-lhe a artéria carótica para o sangue sair e o animal morrer. Por isso é muito normal e comum os pastores andarem com a sua navalha no bolso. O arguido sabia exactamente onde atingir para matar e foi o que fez no caso concreto; l) Em desespero, e na situação como é colocada pelo arguido quando diz estar a ser agredido, o normal da vida seria lançar a navalha para onde calhasse e não uma vez, muitas vezes e tal provocaria vários cortes. Mas houve apenas um único corte, direccionado justamente para onde o arguido sabia o que iria acontecer. Os batimentos cardíacos rapidamente expulsaram todo o sangue do organismo e levaram à morte; m) O arguido abandonou a vítima no local à sua sorte, não o socorreu; n) Um corte num braço seria suficiente para afastar a agressão ou livrar-se da camisola e fugir. Chamar por auxílio pelo C......., seria o mais lógico, até porque este já os tinha separado num primeiro momento; o) A ameaça contra a integridade física, nos moldes que o arguido a coloca, nunca justificaria que se defendesse, matando; p) A pena concretamente aplicada ao arguido encontra-se dentro do que é normal na jurisprudência em casos semelhantes e encontra-se devidamente ponderada ao caso concreto; q) O pedido civil está igualmente dentro dos parâmetros normais que vêm sendo praticados pela jurisprudência. Os danos a indemnizar, e fixados no acórdão em recurso, são 3. O dano morte, o sofrimento produzido na vítima desde o momento da agressão até à morte e o dano moral sofrido pelos lesados, o seu sofrimento; r) O falecido era uma pessoa muito jovem, solteiro, cheio de alegria de viver, muito activo, cultivando amizades ao longo da vida e era também um dos sustentos da casa, vivendo com a sua irmã e aqui lesada D....... e ajudando avó, mantinha uma relação com uma mulher que teve um filho que em princípio seria seu, estando a decorrer o processo de estabelecimento da paternidade. A mãe do menor era casada no momento do nascimento desse filho, tendo a paternidade sido presumida como sendo do marido. Tendo sido impugnada, esta só foi lavrada no assento de nascimento do menor em 6 de Setembro de 2010, ficando assim caminho aberto para a perfilhação. Sucede que o pai, a aqui vítima, foi assassinado no dia 9 de Setembro de 2010, razão pela qual não o pode fazer, ficando assim por concretizar aquilo que qualquer pai ansiava, tendo a sua morte, também este lado trágico; s) O dano da própria morte neste caso concreto, foi fixado em 45 000,00€ e portanto corresponde aquilo que é normal e corrente na jurisprudência; t) Os lesados, sentiram-se chocados e em pânico, tristes, choraram. Sentiram-se impotentes perante o sucedido. Os seus danos não patrimoniais são particularmente importante o valor arbitrado pelo Tribunal, apresenta-se completamente de acordo com o que é normal na jurisprudência em casos semelhantes. * Na 1ª instância, o Ministério Público respondeu às motivações de recurso concluindo pela respectiva improcedência, alegando em síntese que: A. A decisão ora recorrida contém um relato sucinto das declarações prestadas em audiência pelo recorrente. B. A decisão ora recorrida explicita a razão de ciência do depoimento da testemunha C......., ao referir que este estava no local dos factos quando estes ocorreram. C. A decisão ora recorrida expõe expressamente o motivo de o Tribunal «a quo» não ter dado credibilidade à afirmação de José Sanches de que não viu tudo o que se passou no local dos factos. D. Nenhuma utilidade teria a reinquirição da testemunha G....... para ser confrontado com os depoimentos das testemunhas D....... e E....... em que reproduziram o que aquele lhes teria dito logo após a ocorrência dos factos, visto que já anteriormente tinha afirmado perante o Tribunal «a quo» que não tinha visto o que estas duas testemunhas diziam que ele lhes contara. E. Tanto mais que as referidas testemunhas afirmaram sempre, peremptoriamente, não terem presenciado a prática do crime e sobre ela saberem apenas o que lhes foi contado por C........ F. Não tem qualquer base de apoio a alegação do recorrente da falta de fundamentação dos motivos de facto e exame critico das provas que serviram para fundamentar de facto a decisão e a convicção do Tribunal. G. Nem ocorre a nulidade que invoca. H. Os depoimentos das testemunhas D....... e E....... são depoimentos indirectos quanto à prática do crime, que sempre afirmaram com toda a clareza não terem presenciado. I. A norma do artigo 129.º do Código de Processo Penal, sendo excepcional, deverá ser aplicada nos seus precisos termos e interpretada restritivamente. J. Face à norma do citado artigo 219.º, os depoimentos das testemunhas D....... e E....... são já directos e inteiramente relevantes na parte em que referem a actuação da testemunha C....... nos momentos posteriores à prática do crime e o que viram no local dos factos quando aí se deslocaram com este. K. Confrontando o teor dos depoimentos das testemunhas C......., D....... e E......., não pode deixar de concluir-se, como faz a decisão ora recorrida, que a testemunha C....... omitiu em audiência de julgamento parte do que presenciou na ocasião da prática do crime e que o relatou àquelas outras duas testemunhas. L. Não existe contradição entre o depoimento da testemunha C....... e os das testemunhas D....... e E......., posto que tudo o que o primeiro relatou sobre a prática do crime coincide com o que estas últimas dizem que ele lhes contou quando foi procurar ajuda. M. Este C......., ao depor em audiência, não relatou o sucedido de forma contrária ou sequer diversa da que referem aquelas duas testemunhas, limitando-se a omitir parte do que relatara a estas, afirmando em audiência que não tinha visto essa parte do sucedido. N. Assim sendo, não há contradição entre os depoimentos prestados por C......., D....... e E....... quando aos factos que o primeiro afirmou em audiência ter visto. O. Não é, pois, aplicável a norma do artigo 219.º do Código de Processo Penal. P. Pelo que há fundamento bastante para afirmar, como afirma a decisão ora recorrida, que a testemunha C....... não relatou em audiência todos os factos que presenciou (não obstante não ser possível, dada a natureza indirecta do depoimento das duas referidas testemunhas quanto aos factos presenciados por C......., dar como provados com base neles os factos omitidos no depoimento deste, mas relatados por elas). Q. O Tribunal «a quo» não valorou prova proibida, nem incorreu no erro notório alegado pelo recorrente. R. O afirmado no ponto 4 da decisão sobre a matéria de facto tem como fundamento bastante as declarações do próprio arguido (que afirmou em audiência que tirou do seu bolso uma navalha e a abriu) e o depoimento de C....... (que disse ter visto na mão do arguido um objecto que lhe pareceu uma navalha). S. Do mesmo modo, o decidido no ponto 5 tem por fundamento as declarações do próprio arguido (que nunca negou ter sido ele quem feriu a vítima com a navalha que empunhava), o testemunho de C....... (que afirma ter separado o arguido e a vítima e, num momento posterior, os ter visto novamente juntos) e ainda o relatório de autópsia junto a folhas 283 a 294 dos autos (em que o perito afirma que o golpe sofrido pela vítima foi desferido de cima para baixo, da frente para trás e da esquerda para a direita). T. O decidido no ponto 8 tem por fundamento evidente a actuação do arguido descrita nos anteriores pontos da matéria de facto dada por provada, associada à constatação de que o golpe que matou a vítima não podia ter sido desferido por mero acidente e do modo descrito pelo arguido e à circunstância de o golpe ter sido desferido numa zona e de uma forma comummente usada para causar a morte a homens e animais. U. Quanto ao decidido no ponto 9, nenhuma prova existe de que a actuação do recorrente tenha condicionada por qualquer modo que afectasse a sua liberdade de acção, a sua consciência ou a sua vontade e o determinasse a actuar como actuou, não sendo admissível que não soubesse perfeitamente que era legalmente proibido um comportamento como o que lhe é imputado nos autos. V. A afirmação de que a testemunha C....... depôs com toda a isenção porque não tinha «nenhuma relação de amizade ou parentesco, quer com o arguido, quer com o falecido, é contrariada pelo facto de ter passado toda a noite, até ao nascer do sol, em casa da vítima, comendo e bebendo na companhia do arguido. W. A afirmação da parcialidade e falta de isenção dos depoimentos das testemunhas D....... e E....... e do seu alegado notório interesse na condenação do arguido não as impediu de reconhecer que a vítima era agressiva, quando bebia (quando bebia, era «torto», disse até a avó do seu neto falecido). X. Não existe prova de que o recorrente estivesse a ser agredido, ou em perigo de ser agredido, pela vítima na ocasião dos factos. Y. Não tem qualquer fundamento a alegação do recorrente de ter agido em legítima defesa ou em excesso de legítima defesa. Z. O Tribunal «a quo» apreciou e valorou correctamente a prova produzida quanto aos pontos indicados pelo recorrente. AA. A pretensão do recorrente de ver atenuada especialmente a pena e suspensa a sua execução assenta em factos que se não provaram em audiência. BB. Desde logo a afirmação inverosímil de que foi a vítima que se espetou na navalha empunhada pelo recorrente... CC. Mas também as de que a vítima tenha tentando sufocá-lo com a sua própria camisola, que o recorrente tenha empunhado e aberto a navalha com a única intenção de cortar a sua camisola para se libertar, que, depois de dar um golpe na camisola, o recorrente se tenha conseguido voltar para a vítima e esta o agredisse com murros na cara. DD. Nenhuma prova produzida legitima qualquer destas afirmações. EE. Nenhuma prova produzida permite concluir que o recorrente agiu dominado por medo ou perturbação, de que possa resultar uma atenuação da sua responsabilidade. FF. A pena em que o recorrente foi condenado, estando já próxima do limite mínimo da moldura penal abstracta aplicável, teve já em conta a sua conduta anterior e posterior aos factos, sendo adequada e justa face à gravidade do crime cometido pelo recorrente. GG. Não se justificando qualquer redução da medida da pena aplicada e, muito menos, qualquer atenuação especial desta. HH. A decisão ora recorrida não violou qualquer disposição legal e não merece censura. * Neste Tribunal da Relação, o Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer em sentido concordante com a resposta do Mº Público na 1ª instância, concluindo pela improcedência do recurso.* Cumprido o disposto no artº 417º nº 2 do C.P.P., não foi apresentada qualquer resposta.* Efectuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.* II – FUNDAMENTAÇÃO* O acórdão recorrido considerou provados os seguintes factos: (transcrição) 1- No dia 09 de Setembro de 2010, pelas 07h30m, na Rua da ….., …., Freguesia de ….., Boticas, o arguido envolveu-se numa discussão com F......., na sequência de um desentendimento quanto a um negócio relativo à venda de uma cabra. 2- No seguimento de tal discussão, o arguido e F....... travaram-se de razões, passando a agarrar-se e empurrar-se mutuamente. 3- Tal refrega viria a cessar com a intervenção de C......., indivíduo que ali se encontrava e que se colocou entre os dois, logo tratando de os separar e afastar um do outro. 4- No entanto, já após terem sido separados, o arguido deitou a mão ao bolso das calças e muniu-se de uma navalha que consigo trazia, mas cujas dimensões e características não foi possível apurar porquanto não foi apreendida ou examinada, a qual logo tratou de abrir ficando a lâmina à vista. 5- Acto contínuo, abeirou-se de F....... e, manejando a navalha de que se munira, cravou-lhe a lâmina da mesma no lado esquerdo do pescoço, num movimento de cima para baixo, da frente para trás e da esquerda para a direita. 6- Praticados os factos, o arguido abandonou o local, aí deixando F......., entregue à sua sorte, incapaz de por si só buscar auxílio e tratamento, nomeadamente médicos. 7- Com a sua conduta, o arguido provocou em F......., de forma directa e necessária, solução de continuidade de forma irregular com uma área de 4X2,5 cm., localizada na face antero-lateral esquerda do pescoço, laceração quase completa, transversal, da artéria carótida interna esquerda e choque hipovolémico, lesões essas que lhe determinaram, como consequência directa e necessária, a morte. 8- Ao praticar os factos supra descritos, agiu o arguido com o propósito concretizado de tirar a vida a F......., bem sabendo que a sua conduta - ao cravar-lhe a navalha - era susceptível de atingir tal desiderato. 9- Agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que o seu comportamento era legalmente proibido. 10- Os demandantes civis são os únicos herdeiros legais do falecido F........ 11- Sofreram com a morte do irmão, sobretudo pela forma como aconteceu. 12- A lesada D......., por viver na aldeia, foi alertada logo após o sucedido, tendo chegado pouco tempo depois de o seu irmão ter sido assassinado, deparando-se com este caído no chão, ensanguentado. 13- Entrou em pânico, impotente perante o que se havia passado. 14- Chorou. 15- Também o lesado H….., logo que avisado, entrou em estado de choque. 16- O falecido era uma pessoa jovem, solteiro, cheio de alegria de viver, muito activo, cultivando amizades ao longo da vida. 17- Mantinha uma relação amorosa com uma namorada de quem se suspeita ter nascido um filho, cuja filiação se encontra em investigação, e que o falecido sempre reputou como filho, sendo sua intenção proceder à perfilhação do menor, o que não pode fazer por lhe ter sido tirada a vida. 18- O falecido, após a facada, esvaiu-se em sangue. 19- Foi violenta a dor que sofreu e teve consciência de que estaria eminente a sua morte. 20- Os irmãos sentiram-se chocados e em pânico, tristes, choraram, sentiram-se impotentes perante o sucedido. 21- O falecido, por vezes, ajudava a irmã e a avó nas lides agrícolas. 22- O arguido vive com o pai e um irmão de 17 anos de idade. 23- Frequentou a escola até ao 6º ano. 24- Desde o início da adolescência que se ocupa com a actividade pastorícia, pastoreando 200 cabeças de animais caprinos, e a agricultura. 25- É considerado, no meio local onde vive, um jovem cordial e trabalhador, tendo a situação em julgamento gerado surpresa. 26- Não tem antecedentes criminais, para além de uma condenação em admoestação no ano de 2006, pela prática de crime de condução sem habilitação legal. * Foram considerados não provados os seguintes factos: (transcrição) - que a vítima era o principal sustentáculo da casa da irmã e avó e que vivia com estas, bem como o demais alegado no pedido de indemnização civil e não mencionado supra, por se tratar de conclusões. * A matéria de facto provada e não provada encontra-se motivada nos seguintes termos: (transcrição) A convicção sobre os factos descritos como provados e não provados foi formada com base nos seguintes meios de prova produzidos em audiência de julgamento e constantes dos autos: Antes de mais, e em relação às lesões sofridas pela vítima, foi tido em conta o relatório de autópsia constante de fls. 283 a 294 dos autos, do qual consta a causa da morte, provocada por violento traumatismo, de natureza corto-perfurante, bem como o certificado de óbito de fls. 9 dos autos. Relativamente à forma como os factos se passaram, foram tidos em conta as declarações do próprio arguido e os depoimentos das testemunhas ouvidas, designadamente de C......., D......., irmã da vítima, e E......., avó da vítima. A testemunha C......., única que referiu estar no local quando os factos ocorreram, o que foi confirmado pelo arguido, prestou um depoimento que não se mostrou totalmente consistente, nem verosímil, ao referir que estava no local dos factos, que o arguido e a vítima se envolveram numa discussão com agressões físicas, tendo-os separado, e que logo de seguida viu a vítima a sangrar e o arguido com uma navalha na mão, sem que tenha presenciado como essa agressão ocorreu. Este depoimento, como referido, não se mostrou verosímil, não sendo credível que a testemunha, estando no local, sabendo que os dois intervenientes acabavam de se envolver em luta, não tivesse visto o que ocorreu, que, certamente, não aconteceu em silêncio. Por outro lado, o dito depoimento foi contrariado pelos depoimentos das testemunhas D....... e E......., as quais referiram que a dita testemunha bateu à porta de sua casa, a pedir ajuda, tendo sido acompanhado pela D....... que, chagada ao local, verificou que se tratava de seu irmão. Aí, logo a testemunha C....... contou o que tinha acontecido, dizendo, nomeadamente, que presenciou como o arguido, munido de uma navalha, espetou a vítima e o ameaçou a ele próprio para não se aproximar, ausentando-se, de seguida, do local, sem prestar qualquer auxílio à vítima. Na audiência de julgamento, a dita testemunha omitiu esta parte dos factos, referindo apenas que viu a vítima a sangrar e o arguido com a arma na mão, depoimento que, nessa parte, como referido, não mereceu credibilidade, por ter sido contrariado pelo depoimento da D......., bem como da testemunha E......., avó da vítima, a quem o C....... referiu o mesmo que havia referido à irmã, sendo certo que estes dois depoimentos foram prestados de forma clara, séria e convincente, reflectindo o que lhes foi dado a conhecer pela testemunha C......., logo após os factos. Esta versão relatada pelas duas testemunhas é a que se mostra mais verosímil, de acordo com as circunstâncias, e em confronto quer com o depoimento da testemunha C....... quer com as declarações do próprio arguido. Efectivamente, o arguido admite que empunhou a navalha que veio a atingir a vítima de forma a provocar-lhe as lesões que determinaram a sua morte, como admite igualmente que a dita navalha sempre esteve na sua mão. Por outro lado, não dá, o arguido, qualquer justificação plausível para a vítima vir a ser atingida nos termos em que o foi, por mero acidente. De facto, não colhe minimamente a sua versão no sentido de que tinha a navalha na mão e a vítima foi atingida com a mesma quando puxou a mão do arguido. É que, a lesão provocada com um corte nos termos em que se mostra descrito no relatório de autópsia já mencionado, não é compatível com um gesto como o referido pelo arguido, mas apenas com uma acção deliberada de o realizar. Por sua vez, a já mencionada testemunha C......., não tendo querido, em audiência de julgamento, contar tudo que presenciou, acabou por admitir que viu o arguido com uma arma branca na mão e a vítima a sangrar. Ora, isto, aliado aos depoimentos das testemunhas D....... e E......., bem como ao teor dos documentos dos autos, designadamente, auto de apreensão das peças de vestuário usadas pelo arguido (fls. 38), auto de colheita de amostras ao arguido (fls. 39), e relatório pericial de criminalística biológica (fls. 334 a 338), não deixou dúvidas sobre como os factos se passaram. Dúvidas não restaram, também, de que houve um desentendimento prévio entre o arguido e a vítima, interrompido por intervenção da testemunha C......., o que este confirmou. Relativamente aos factos alegados no pedido de indemnização civil foram considerados os depoimentos da ofendida D......., de sua avó E......., bem como das testemunhas I……, agente da GNR que se deslocou ao local dos factos e presenciou o estado psicológico em que a ofendida D....... se encontrava, e J……. que também confirmou essa situação, quando se deslocou ao local dos factos. Sobre a situação pessoal, económica e social do arguido foram ouvidas as testemunhas K......., L......., M....... e N......., as quais conhecem o arguido há muitos anos ou mesmo desde criança. Foram também consideradas as declarações do próprio arguido, bem como o relatório social junto a fls. 453 a 455 dos autos. Finalmente, foi tido em conta o CRC de fls. 161 a 162 quanto a antecedentes criminais do arguido. * III – O DIREITO* O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar[1], sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente os vícios indicados no art. 410º nº 2 do C.P.P.[2]. Das conclusões de recurso é possível extrair a ilação de que o recorrente delimita o respectivo objecto às seguintes questões: - nulidade da decisão por falta de fundamentação e de exame crítico da prova; - utilização indevida, por valoração de prova proibida, de depoimentos indirectos de duas testemunhas; - se a decisão recorrida padece do vício de erro notório na apreciação da prova; - se o arguido agiu em legítima defesa; - se a medida concreta da pena se mostra desadequada e desproporcionada; - se é devida indemnização por perda do direito à vida. Vejamos: Da nulidade do acórdão recorrido: Alega o recorrente que a decisão recorrida é nula por falta de fundamentação e exame crítico das provas, uma vez que não relata, de forma sucinta e concisa, as declarações prestadas pelo arguido que serviram de fundamento à sua convicção, nem indica a razão de ciência da testemunha C....... ou porque entendeu não dar credibilidade ao facto de esta testemunha não ter visto toda a dinâmica dos factos. O princípio da fundamentação das decisões judiciais tem consagração constitucional. Com efeito, estabelece o art. 205º nº 1 da Lei Fundamental que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei. O princípio geral da fundamentação das decisões judiciais é uma exigência do próprio Estado de direito democrático. Como ensina o Prof. Germano Marques da Silva, “um sistema de processo penal inspirado nos valores democráticos não se compadece com decisões que hajam de impor-se apenas em razão da autoridade de quem as profere, mas antes pela razão que lhes subjaz”[3]. E é através da fundamentação que a razão da bondade da decisão deve emergir, como forma de se impor, quer dentro do processo, quer fora dele. Na lei ordinária, este princípio está previsto, de uma forma geral, no art. 97º, nº 5, do C. Processo Penal, nos termos do qual, os actos decisórios são sempre fundamentados, com a especificação dos motivos de facto e de direito da decisão. E, como é sabido, a sentença é o acto jurisdicional decisório por excelência (art. 97º nº 1 a) do C. Processo Penal). Mas, no que especificamente respeita à sentença penal, rege o art. 374º do C.P.P., que estabelece os seus requisitos, de natureza formal e de natureza substancial. O art. 374º do C. Processo Penal – com a epígrafe, «Requisitos da sentença» – distingue na sentença três partes: o relatório, a fundamentação e o dispositivo ou decisão. Dispõe o seu nº 2: “Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com a indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”. A enumeração dos factos provados e dos factos não provados, que mais não é do que a narração de forma metódica, mas não necessariamente subordinada a números, ainda que tal seja conveniente, dos factos que resultaram provados e dos factos que não resultaram provados, constantes da acusação ou pronúncia, da contestação, do pedido de indemnização, e ainda dos que, com relevo para a decisão, resultaram provados da discussão da causa, tem por objectivo permitir concluir que o tribunal conheceu e apreciou todas as questões de facto que constituíam o objecto do processo. A exposição dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão deve ser completa e tem que ser concisa, contendo as provas que serviram para fundar a sua convicção – o que não significa a realização de assentadas tendo por objecto a prova por declarações e a prova testemunhal produzida –, bem como a respectiva análise crítica. A análise crítica da prova mais não é do que a explicitação do processo de formação da convicção do julgador que se concretiza na indicação das razões e em que medida, determinado meio de prova ou determinados meios de prova, foram valorados num certo sentido e outros não o foram ou seja, a explicação dos motivos que levaram o tribunal a considerar certos meios de prova como idóneos e/ou credíveis e a considerar outros meios de prova como inidóneos e/ou não credíveis, e ainda na exposição e explicação dos critérios, lógicos e racionais, utilizados na apreciação efectuada. Esta explicitação não exige a referência a todos os elementos e passos dados pelo julgador até chegar à decisão mas antes e apenas que permita concluir, quer aos sujeitos, quer ao tribunal de recurso o processo lógico racional seguido. É que só com a demonstração de que a concreta opção tomada não é ilógica, arbitrária ou violadora das regras da experiência, a decisão se torna transparente e permite a sua total e desejada compreensão, dentro do processo, pelos respectivos sujeitos processuais e pelo tribunal de recurso, e extraprocessualmente, pela própria sociedade[4]. Como se escreveu no Ac. nº 680/98 de 02/12/1998 do Tribunal Constitucional[5], “a fundamentação das sentenças penais – especialmente das sentenças condenatórias, pela repercussão que podem ter na esfera dos direitos, liberdades e garantias das pessoas – deve ser susceptível de revelar os motivos que levaram a dar como provados certos factos e não outros, sobretudo tendo em conta que o princípio geral em matéria de avaliação das provas é o da sua livre apreciação pelo julgador (…)”. Porém e como vem sendo entendido pela jurisprudência, a lei não vai ao ponto de exigir que, numa fastidiosa explanação, transformando o processo oral em escrito, se descreva todo o caminho tomado pelo juiz para decidir, todo o raciocínio lógico seguido. O que a Lei diz é que não se pode abdicar de uma enunciação, ainda que sucinta mas suficiente, para persuadir os destinatários e garantir a transparência da decisão[6]. Como se refere no acórdão do STJ de 26.03.2008, com o apoio da jurisprudência do Tribunal Constitucional que aí se cita: “(…) Por outro lado, a fundamentação não tem de ser uma espécie de assentada em que o tribunal reproduza os depoimentos das testemunhas ouvidas, ainda que de forma sintética, não sendo necessária uma referência discriminada a cada facto provado e não provado e nem sequer a cada arguido, havendo vários. O que tem de deixar claro, de modo a que seja possível a sua reconstituição, é o porquê da decisão tomada relativamente a cada facto – cf. Ac. do STJ de 11-10-2000, Proc. n.º 2253/00 - 3.ª, e Acs. do TC n.ºs 102/99, DR, II, de 01-04-1999, e 59/2006, DR, II, de 13-04-2006 –, por forma a permitir ao tribunal superior uma avaliação segura e cabal do porquê da decisão e do processo lógico-mental que serviu de suporte ao respectivo conteúdo. Actualmente não basta uma declaração genérica e tabelar que lesaria as garantias de defesa do arguido, por não assegurar a apreciação pelo tribunal de toda a matéria de acusação e de defesa, proporcionando julgamentos implícitos, subtraídos a qualquer tipo de fiscalização, afrontando as exigências de fundamentação das decisões judiciais – citado acórdão TC 288/99. Passou a ser imprescindível que a fundamentação, como base do juízo decisório, seja exteriorizada em termos de permitir desvelar o iter «cognoscitivo» e «valorativo» justificante da concreta decisão jurisdicional - acórdão TC nº 281/05, DR, II, de 06-07-2005”[7]. Ora, através da leitura do acórdão recorrido, designadamente da matéria de facto provada e não provada e da respectiva fundamentação, podemos afirmar que esta última permite observar os elementos probatórios e o percurso seguido pelo tribunal colectivo para formar a sua convicção. Percebe-se, com suficiente clareza a razão por que o tribunal não conferiu integral credibilidade ao depoimento da testemunha C......., após ter ouvido as testemunhas D....... e E......., cujos depoimentos foram considerados “prestados de forma clara, séria e convincente, reflectindo o que lhes foi dado a conhecer pela testemunha C......., logo após os factos”. Por outro lado, o tribunal justifica de forma perfeitamente perceptível as razões que levaram a considerar provada a matéria de facto, nos termos em que o foi: conjugando as declarações prestadas pelo arguido e os depoimentos das testemunhas C......., D....... e E......., de forma lógica, coerente e de acordo com as regras da experiência comum: “Por outro lado, o dito depoimento foi contrariado pelos depoimentos das testemunhas D....... e E......., as quais referiram que a dita testemunha bateu à porta de sua casa, a pedir ajuda, tendo sido acompanhado pela D....... que, chagada ao local, verificou que se tratava de seu irmão. Aí, logo a testemunha C....... contou o que tinha acontecido, dizendo, nomeadamente, que presenciou como o arguido, munido de uma navalha, espetou a vítima e o ameaçou a ele próprio para não se aproximar, ausentando-se, de seguida, do local, sem prestar qualquer auxílio à vítima. Na audiência de julgamento, a dita testemunha omitiu esta parte dos factos, referindo apenas que viu a vítima a sangrar e o arguido com a arma na mão, depoimento que, nessa parte, como referido, não mereceu credibilidade, por ter sido contrariado pelo depoimento da D......., bem como da testemunha E......., avó da vítima, a quem o C....... referiu o mesmo que havia referido à irmã, sendo certo que estes dois depoimentos foram prestados de forma clara, séria e convincente, reflectindo o que lhes foi dado a conhecer pela testemunha C......., logo após os factos. Esta versão relatada pelas duas testemunhas é a que se mostra mais verosímil, de acordo com as circunstâncias, e em confronto quer com o depoimento da testemunha C....... quer com as declarações do próprio arguido. Efectivamente, o arguido admite que empunhou a navalha que veio a atingir a vítima de forma a provocar-lhe as lesões que determinaram a sua morte, como admite igualmente que a dita navalha sempre esteve na sua mão. Por outro lado, não dá, o arguido, qualquer justificação plausível para a vítima vir a ser atingida nos termos em que o foi, por mero acidente. De facto, não colhe minimamente a sua versão no sentido de que tinha a navalha na mão e a vítima foi atingida com a mesma quando puxou a mão do arguido. É que, a lesão provocada com um corte nos termos em que se mostra descrito no relatório de autópsia já mencionado, não é compatível com um gesto como o referido pelo arguido, mas apenas com uma acção deliberada de o realizar. Por sua vez, a já mencionada testemunha C......., não tendo querido, em audiência de julgamento, contar tudo que presenciou, acabou por admitir que viu o arguido com uma arma branca na mão e a vítima a sangrar”. Do exposto se conclui que a fundamentação da decisão da matéria de facto é suficientemente esclarecedora do percurso lógico-dedutivo seguido pelo tribunal recorrido para considerar provada a factualidade descrita, após ter efectuado uma avaliação e valoração de toda a prova produzida, tudo permitindo concluir que as provas a que o tribunal recorrido atendeu são todas permitidas por lei de acordo com o preceituado no art. 355º do C.P.P.[8], e que os julgadores seguiram um processo lógico e racional na formação da sua convicção, desta não resultando uma decisão ilógica, arbitrária, contraditória ou claramente violadora das regras da experiência comum na apreciação da prova. Não padece, por isso, a decisão da nulidade que o recorrente lhe aponta. * Da alegada valoração de depoimentos indirectos:Alega o recorrente que as testemunhas D….. e E....... são testemunhas de ouvir-dizer, tendo por isso prestado depoimentos indirectos que não foram confirmados ou negados pela testemunha fonte. Ao valorar tais depoimentos, o tribunal recorrido terá valorado prova proibida, incorrendo, por isso, em erro manifesto na apreciação da prova. O objecto da prova é constituído por todos os factos juridicamente relevantes para a existência ou inexistência do crime, a punibilidade ou não punibilidade do agente e a determinação da pena ou da medida de segurança aplicáveis (art. 124º, do C. Processo Penal). Fixado um determinado objecto, através das alegações de facto da acusação e da defesa, as provas são os instrumentos utilizados para demonstrá-lo, segundo as regras do processo[9]. No campo das provas também vigora o princípio da legalidade, enformador de todo o nosso processo penal (art. 2º, do C. Processo Penal). Assim, estabelece o art. 125º do C. Processo Penal que são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei. A legalidade dos meios de prova, as regras da sua produção e as «proibições de prova», são condições de validade processual da prova e por isso, critérios da verdade material[10]. O Cód. Processo Penal consagra no seu art. 340º, nº 1, o princípio da investigação, também designado por princípio da verdade material, segundo o qual compete ao juiz investigar e esclarecer oficiosamente o facto sujeito a julgamento, por forma a atingir a descoberta da verdade. Mas a verdade processual de que falamos não é uma verdade absoluta ou ontológica mas uma verdade judicial, prática e, sobretudo, não uma verdade obtida a todo o preço mas processualmente válida[11]. Ou seja, a busca da verdade não é nem pode ser um valor absoluto, que atropele tudo o que lhe surja como obstáculo, antes tem que ser procurada e obtida através dos meios legalmente admissíveis. E um dos meios de que a lei se serve para, protegendo os cidadãos, impedir as práticas abusivas na produção de prova é através do estabelecimento de proibições de prova. A este propósito escreveu o Prof. Costa Andrade[12] “Como Gossel acentua, as proibições de prova são «barreiras colocadas à determinação dos factos que constituem objecto do processo». Mais do que a modalidade do seu enunciado, o que define a proibição de prova é a prescrição de um limite à descoberta da verdade. Normalmente formulada como proibição, a proibição de prova pode igualmente ser ditada através de uma imposição e, mesmo, de uma permissão. É que, e como Gossel pertinentemente assinala, «toda a regra relativa à investigação dos factos proíbe ao mesmo tempo as vias não permitidas de averiguação». Assim e por exemplo, ao prever e regulamentar as formas admissíveis de depoimento indirecto, o artigo 129º do CPP aponta e prescreve eo ipso as formas proibidas de hearsay evidence”. E mais adiante (fls. 188) escreve o mesmo Mestre, “Mais do que garantias processuais face à agressão e devassa das instâncias da perseguição penal, os direitos e interesses que emprestam sentido axiológico e racionalidade teleológica às proibições de prova, emergem como direitos fundamentais erigidos em autênticos bens jurídicos”. Vejamos agora como trata a lei o depoimento indirecto. Dispõe o art. 128º nº 1 do C. Processo Penal que a testemunha é inquirida sobre factos de que possua conhecimento directo e que constituam objecto da prova. Já atrás vimos quais os factos que constituem o objecto da prova. Quanto ao mais, a testemunha tem conhecimento directo dos factos, quando os percepcionou de forma imediata e não intermediada, através dos seus próprios sentidos. Mas no depoimento indirecto, “a testemunha refere meios de prova, aquilo de que se apercebeu foi de outros meios de prova relativos aos factos, mas não imediatamente dos próprios factos”[13]. A este respeito, dispõe o art. 129º nº 1 do C. Processo Penal: “Se o depoimento resultar do que se ouviu dizer a pessoas determinadas, o juiz pode chamar estas a depor. Se o não fizer, o depoimento produzido não pode, naquela parte, servir como meio de prova, salvo se a inquirição das pessoas indicadas não for possível por morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade de serem encontradas”. Daqui resulta, em primeiro lugar, que a regra é a do testemunho directo. Mas, por outro lado, a lei não proíbe de forma absoluta a produção de depoimentos indirectos. O que o código proíbe é a valoração de tais depoimentos, se o juiz não chamar a depor a pessoa indicada pela testemunha como fonte do conhecimento que transmitiu ao tribunal. No entanto, o depoimento indirecto pode ser valorado sempre que a inquirição da fonte não seja possível, por morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade de ser encontrada. Assim, chamando o juiz a fonte a depor, o depoimento indirecto pode ser valorado, mesmo nos casos em que a aquela se recusa, lícita ou ilicitamente, a prestar depoimento ou, por exemplo, diz de nada se recordar já[14]. É que nesta situação é possível o exercício do contraditório na audiência de julgamento, através do interrogatório e do contra-interrogatório, quer da testemunha de ouvir dizer, quer da testemunha fonte, assim se assegurando o respeito pela estrutura acusatória do processo criminal, imposto pelo art. 32º nº 5 da CRP. E a conformidade do art. 129º nº 1 do C.P.P., ao admitir, nas circunstâncias aí previstas, a valoração do hearsay evidence, com a Lei Fundamental tem vindo a ser afirmada pelo Tribunal Constitucional, nos seguintes termos: “Ora, entende-se que a regulamentação consagrada na norma do nº 1 do artigo 129º do Código de Processo Penal se revela como proporcionada, nela se precipitando uma adequada ponderação dos interesses do arguido em poder confrontar os depoimentos das testemunhas de acusação, os da repressão penal, prosseguidos pelo acusador público, e, por último, os do tribunal preocupado com a descoberta da verdade através de um processo regular e justo (due process of law). Tão-pouco se pode afirmar que a estrutura acusatória do processo criminal, que impõe que a audiência de julgamento e mesmo os actos instrutórios determinados por lei estejam subordinados ao princípio do contraditório, ponha em causa a regulamentação do segmento da norma em causa. A lei processual penal veda, em princípio, a admissibilidade do testemunho de ouvir dizer, impondo que seja chamada a depor a pessoa determinada invocada no testemunho prestado, assegurando-se a imediação, relativamente ao tribunal criminal e aos sujeitos processuais. Só nos casos de total impossibilidade – em virtude de morte, anomalia psíquica superveniente ou de impossibilidade de ser encontrada – pode ser admitido e valorado o depoimento indirecto. E como já Bentham sustentou no início do século XIX, na falta de prova de superior qualidade, o testemunho de ouvir dizer pode revelar-se um modo válido de descoberta da verdade, sujeito sempre à apreciação do tribunal segundo as regras da experiência, tendo em conta o princípio legal da livre convicção do tribunal. No que toca à alegada violação do princípio do contraditório – princípio complexo que comporta, na vertente respeitante ao arguido, o direito de «intervir no processo e de se pronunciar e contradizer todos os testemunhos, depoimentos ou outros elementos de prova ou argumentos jurídicos trazidos ao processo» (G. Canotilho e Vital Moreira, ob. cit., pág. 206) – sempre se dirá que o arguido pode inquirir a testemunha que refere o depoimento de outra pessoa e requerer que seja convocada a depor esta última. A lei processual não veda, porém, a admissão e valoração do depoimento indirecto, no caso de impossibilidade de localização da pessoa determinada a quem imputa a afirmação reproduzida. Trata-se de uma solução excepcional, de evidente base racional, que só por si, e nos contados casos em que ocorre, não pode afectar intolerável ou desproporcionadamente os direitos do arguido, como atrás houve ocasião de referir.”[15] A lei não fixa as regras de valoração do depoimento indirecto, quando tal valoração é admissível, devendo entender-se, face ao princípio geral da livre apreciação da prova estabelecido no art. 127º, do C. Processo Penal, que o depoimento deve ser avaliado conjuntamente com a demais prova produzida, incluindo o correspondente depoimento directo, quando tenha sido prestado, tudo conforme a livre apreciação e as regras da experiência comum portanto, sem qualquer hierarquia de valoração entre um e outro[16]. No caso em apreço, os depoimentos cuja valoração o recorrente questiona, foram prestados pelas testemunhas D....... e E........ Como se pode ler na motivação de facto da decisão recorrida: “as testemunhas D....... e E......., as quais referiram que a dita testemunha (referindo-se à testemunha C……) bateu à porta de sua casa, a pedir ajuda, tendo sido acompanhado pela D....... que, chagada ao local, verificou que se tratava de seu irmão. Aí, logo a testemunha C....... contou o que tinha acontecido, dizendo, nomeadamente, que presenciou como o arguido, munido de uma navalha, espetou a vítima e o ameaçou a ele próprio para não se aproximar, ausentando-se, de seguida, do local, sem prestar qualquer auxílio à vítima. Na audiência de julgamento, a dita testemunha omitiu esta parte dos factos, referindo apenas que viu a vítima a sangrar e o arguido com a arma na mão, depoimento que, nessa parte, como referido, não mereceu credibilidade, por ter sido contrariado pelo depoimento da D......., bem como da testemunha E......., avó da vítima, a quem o C....... referiu o mesmo que havia referido à irmã, sendo certo que estes dois depoimentos foram prestados de forma clara, séria e convincente, reflectindo o que lhes foi dado a conhecer pela testemunha C......., logo após os factos.” Conclui-se, assim, que as testemunhas em causa, no que respeita à prática dos factos pelo arguido, prestaram efectivamente um depoimento por ouvir-dizer – já que não presenciaram tais factos, limitando-se a relatar o que lhes fora transmitido pela testemunha C…… – e que o tribunal recorrido valorou positivamente os referidos depoimentos. Contudo, importa também ter presente que a pessoa a quem aquelas testemunhas “ouviram dizer” foi igualmente inquirida na audiência de julgamento, na qualidade de testemunha. Ora, como vem sendo defendido pelo nosso mais alto Tribunal “de acordo com o disposto no art. 129.° n.º 1 do CPP, quando o depoimento indirecto resulta do que se ouviu dizer a pessoas determinadas, dever-se-á considerar válido e, portanto, valorável, quando depõe perante o tribunal aquele a quem a testemunha ouviu dizer”[17]. Assim, nada impedia o tribunal de valorar o depoimento da testemunha D....... e E......., de acordo com o princípio da livre valoração da prova e apreciando todos os elementos que contribuem para a sua credibilidade ou incredibilidade. Da motivação de facto da decisão recorrida, resulta que foi a avaliação conjunta da prova produzida que permitiu ao Tribunal concluir da forma que o fez e com respeito pelo princípio da livre apreciação da prova, não merecendo qualquer censura. Aliás, como enfatiza Enrico Altavilla, “o interrogatório como qualquer testemunho, está sujeito à crítica do juiz, que poderá considerá-lo todo verdadeiro ou todo falso, mas poderá também aceitar como verdadeiras certas partes e negar crédito a outras”[18]. Não existindo norma ou princípio que imponha a aceitação do depoimento das testemunhas em bloco ou em todas as afirmações que profiram, mormente na parte em que constituem puro subjectivismo e são infirmadas por outros meios de prova. Ao invés, como resulta do critério da apreciação livre e motivada, deverá ser-lhes atribuída credibilidade quando o mereçam, o mesmo é dizer quando corroboradas por outros meios de prova, pelas regras da experiência comum e da lógica. Sendo certo que a decisão proferida sobre a matéria de facto envolveu a apreciação de todo o conjunto da prova carreada para os autos e produzida, discutida e analisada durante a audiência de julgamento com base na oralidade e imediação, obrigando não só à apreciação de todos e cada um dos vários depoimentos produzidos em audiência e avaliação da respectiva credibilidade, como ainda da prova documental incorporada nos autos discutida em audiência, com a intervenção do arguido e do seu defensor, que sobre ela pode exercer amplamente o contraditório, é patente que a fundamentação da matéria de facto deixa claramente explicitado o iter da decisão e as razões da valoração efectuada, estruturada nos elementos de prova que referencia e analisa de forma racional, lógica e crítica, bem como nas regras da experiência que indica e não são questionadas. Não se verifica, desta forma e com as restrições supra apontadas, a valoração de prova inadmissível, a merecer a censura do tribunal de recurso. * Do erro notório na apreciação da prova:Alega o recorrente que “o Tribunal incorreu em erro manifesto na apreciação da prova, o que se invoca nos termos da al. c) do nº 2 do artº 410º do CPP”. O art. 410º nº2 do C.P.P. respeita aos vícios da decisão, passíveis de serem detectados através do mero exame do próprio texto da mesma, sem recurso a quaisquer outros elementos constantes do processo, por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum. Entre esses vícios está elencado o erro notório na apreciação da prova, que terá de ser uma falha clamorosa na valoração da prova, um erro (ignorância ou falsa representação da realidade) insusceptível de escapar à observação de um homem com uma formação média. Este vício verifica-se “quando se retira de um facto dado como provado uma consequência logicamente inaceitável, quando se dá como provado algo que notoriamente está errado, que não podia ter acontecido, ou quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um facto provado uma consequência ilógica, arbitrária e contraditória, ou notoriamente violadora das regras da experiência comum, ou ainda quando determinado facto provado é incompatível ou irremediavelmente contraditório com outro dado de facto (positivo ou negativo) contido no texto da decisão recorrida”[19]. Desdobra-se, pois, em erro na apreciação dos factos e em erro na valoração da prova produzida. Verifica-se, igualmente, quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou as legis artis. A notoriedade do erro exigida pela lei traduz-se numa incongruência que “há-de ser de tal modo evidente que não passe despercebida ao comum dos observadores, ao homem médio (...), ao observador na qualidade de magistrado, dotado de formação e experiência adequadas a um tribunal de recurso. Esse erro há-de ser evidente aos olhos dos que apreciam a decisão e seus destinatários, sem necessidade de argúcia excepcional (...)” Ora, nenhum erro desta natureza se detecta no texto da decisão recorrida, por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum. Aliás, se atendermos ao que ficou provado e ao que ficou relatado na correspondente motivação, não encontramos aí qualquer erro notório na apreciação da prova, pois esta, examinada na sua globalidade, assenta em premissas que se harmonizam entre si, mediante um raciocínio lógico e coerente, mostrando-se ainda conforme com as regras da experiência comum. E nem mesmo o recorrente aponta ao tribunal “a quo” qualquer conclusão ilógica, arbitrária, contraditória ou notoriamente violadora das regras de experiência comum, que, no contexto da sentença impugnada, seja detectável por qualquer pessoa, ou então que o mesmo, na fixação da factualidade, não tenha valorado qualquer documento que faça prova plena do aí declarado. O que se constata, sim, é a sua discordância, face aos meios de prova apreciados, entre aquilo que o tribunal recorrido deu como provado e aquilo que o recorrente entende não ter resultado da prova produzida, pretendendo, ao fim e ao cabo, que seja substituída pela sua, a convicção que aquele alcançou. E aí já estamos a sair do campo do erro notório da prova e a entrar no da sua livre apreciação. Em conclusão, dir-se-á que não se verifica nem o vício invocado, nem nenhum dos demais vícios aludidos no nº 2 do art. 410º do C.P.P. e que são de conhecimento oficioso, sendo manifesta a improcedência do recurso, nesta parte. * Da actuação em legítima defesa:Alega o recorrente que na sua actuação se verificam os pressupostos da legítima defesa previsto no artº 32º do CP e, quando assim se não entenda, sempre estão preenchidos os pressupostos do excesso de legítima defesa previsto no artº 33º do C.P. De acordo aom o artº 32º do C.Penal, “constitui legítima defesa o facto praticado como meio necessário para repelir a agressão actual e ilícita de interesses juridicamente protegidos do agente ou de terceiro”. Unanimemente se reconhece que são requisitos da legítima defesa: 1. A existência de uma agressão a interesses pessoais ou patrimoniais - do defendente ou de terceiro - protegidos ou tutelados pela ordem jurídica; 2. Que essa agressão seja actual, entendida esta como estando em execução ou iminente, porque já se iniciou ou ainda persiste; 3. Que seja ilícita (aferindo-se a ilicitude à luz da ordem jurídica, na sua totalidade); 4. Que a defesa se circunscreva ao uso dos meios necessários para fazer cessar a agressão, i.e., a defesa não pode ir além do razoável para que a agressão seja eficazmente repelida; 5. Que o agente actue com animus defendendi, ou seja, que o agente tenha apenas em vista a defesa. Como decorre claramente do texto legal, constituem requisitos da legítima defesa, a ocorrência de uma agressão (sendo ela toda a lesão ou perigo de lesão de um interesse próprio ou de outra pessoa protegido pelo ordenamento jurídico[20], levada a cabo por um comportamento humano voluntário e consciente, devendo esta ser actual, isto é, estar a realizar-se, em desenvolvimento ou iminente (a iminência da agressão afere-se, habitualmente, pela ocorrência de situação perigosa, a qual se caracteriza pela prática de actos que, segundo a experiência comum e salvo circunstâncias imprevisíveis, forem de natureza a fazer esperar que se lhes siga o acto agressivo, isto é, a agressão; uma defesa será, à partida, legítima até ao momento em que a mesma se revele imperiosa ou fundamental para travar definitivamente a respectiva agressão), ilícita, ou seja, não ter o agressor direito a infligir ou a praticar a agressão, independentemente do facto de aquele se comportar dolosamente, com mera culpa ou se tratar de um inimputável[21], só evitável ou neutralizável através de uma acção ou acto de defesa, acto que, atenta a sua função, qual seja a de impedir ou repelir a agressão, deve limitar-se à utilização do meio ou meios, suficientes para evitá-la ou neutralizá-la, consabido que em consequência desse acto ir-se-ão atingir bens ou interesses do agressor. A legítima defesa não é nem pode redundar numa acção punitiva, a ela se encontrando subjacente o princípio do maior respeito pelo agressor[22]. Desta forma, «meios adequados» para impedir ou repelir a agressão, mas mais danosos (para o agressor) do que aqueles que, sem deixarem de ser adequados (suficientes, eficazes), causariam menores lesões ou prejuízos ao agressor, serão considerados desnecessários e, como tal, excluirão a justificação do facto praticado pelo agredido. Qualquer meio que transponha a barreira da estrita necessidade – necessidade do meio mas também necessidade da própria defesa - entrará num excesso de legítima defesa. Igualmente, devem ser considerados inadequados os meios que, apesar de pouco danosos para o agressor, não dispõem de quaisquer possibilidades de impedir a agressão ou de dissuadir o agressor. Por isso, tem-se decidido que o juízo sobre a adequação do meio de defesa não pode deixar de ter em consideração as circunstâncias concretas de cada caso: o bem ou interesse agredidos, o tipo e a intensidade da agressão, a perigosidade do agressor e o seu modo de actuar, a capacidade físico-atlética do agressor e do agredido, bem como os meios de defesa disponíveis e as demais circunstâncias relevantes ocorrentes[23]. No fundo, trata-se de um juízo objectivo e ex ante, pelo que o julgador se terá de colocar na posição que assumiria uma pessoa prudente perante as circunstâncias concretas ocorrentes, sem esquecer que a exigência de utilização do meio menos gravoso para o agressor não pode levar a fazer recair sobre o agredido riscos para a sua vida ou integridade física, a significar que o defendente não está obrigado a recorrer a meios ou medidas cuja eficácia para a sua defesa é duvidosa ou incerta. A defesa só é legítima se surgir como indispensável para a salvaguarda de um interesse jurídico do agredido ou de terceiro - o meio menos gravoso para o agressor. A necessidade da defesa tem de ajuizar-se segundo o conjunto de circunstâncias em que se verifica a agressão e, em particular, na base da necessidade desta, da perigosidade do agressor e da sua forma de actuar, bem como dos meios de que se dispõe para a defesa, e deve aferir-se objectivamente, ou seja, segundo o exame das circunstâncias feito por um homem médio colocado na situação do agredido. Relativamente ao elemento subjectivo, como defende Fernanda Palma[24] «A legítima defesa exige uma efectiva consciência pelo defendente da situação defensiva. Não se configura como defesa nem uma protecção inconsciente e causal do agente relativamente a uma agressão nem a provocação pré-ordenada pelo defendente de uma situação de legítima defesa. Não será, exigível, propriamente, um animus defendendi, no sentido de a defesa ser a exclusiva motivação do defendente, mas é necessário que a conduta que se opõe à agressão ilícita seja explicável como defesa na linguagem social – o que impõe uma acção conscientemente dirigida à defesa, em que a agressão seja motivo determinante do agir». Ora, compulsada a matéria de facto provada, necessário se torna concluir que inexistem quaisquer elementos que permitam configurar uma actuação de legítima defesa por parte do arguido. Alega este que, não tendo a testemunha C….. presenciado integralmente os factos, por ter voltado as costas ao arguido e à vítima, dirigindo-se na direcção da sua viatura, na percepção da dinâmica dos factos apenas se poderá atender às declarações prestadas pelo próprio arguido em audiência. Ora, pese embora se entenda que o recorrente não procedeu à impugnação da matéria de facto com observância do formalismo prescrito no artº 412º nºs 3 e 4 do C.P.P., o certo é que, tendo-se procedido à audição da gravação áudio das declarações prestadas pelo arguido, não se vislumbra que o mesmo tenha agido em legítima defesa, não resultando a prática de qualquer acto por parte do mesmo com vista a repelir a agressão de que estivesse a ser alvo. Com efeito, reproduzindo o que, a esse respeito, o arguido declarou em audiência: “Consegui que ele me largasse, ele largou-me e eu viro costas, o outro senhor também vai para o jipe e ele manda uma corrida, caça-me por trás, pela t-shirt, começou a retorcer a t-shirt, com a outra mão caça-me pelo pescoço e pronto … para me esganar “vou-te esganar, vou-te matar” e eu … comecei a ficar com falta de ar, já não conseguia falar nem nada, e foi aí que levei a mão ao bolso, peguei na navalha e comecei a cortar a t-shirt. Ele começa-me aos murros. Eu, conforme me viro para ele, ele manda-me dois murros e continuava-me a dar. Eu meto as mãos para ele não me dar na cara e foi aí que, conforme ele veio para cima de mim, que se espetou na navalha. … Quando me viro para ele, ele começou-me aos murros na cara e eu meti as mãos para ele não me dar na cara. Ao tempo que eu meto as mãos … ele conforme dá nos braços, … pronto, deve ter sido aí que ele se espetou … que eu nem dei conta por ele se espetar. Eu meto as mãos p’ra frente, para ele não me dar. Não sei como é que ele se espetou no pescoço.” Ou seja, na versão do arguido, a vítima “espeta-se” na navalha que o arguido tinha na mão. A lesão ocorreu, por isso (na versão do arguido), acidentalmente, e não como efeito directo e imediato de qualquer acto praticado pelo arguido para repelir a agressão de que estava a ser alvo. Da própria versão apresentada pelo arguido não resulta que o mesmo tenha agido em legítima defesa, tendo antes os factos ocorrido por mero acidente – “ele espetou-se na navalha … nem sei como é que ele se espetou no pescoço”. Tudo isto equivale a dizer que não se verificam os requisitos susceptíveis de fazer funcionar a invocada causa de exclusão da ilicitude - legítima defesa -, razão mais do que suficiente para justificar a sua condenação criminal e civil. E essa foi também a convicção segura do tribunal de 1ª instância, tendo este, com base na prova produzida, observado as regras da experiência comum que balizam o princípio da livre apreciação da prova e, perante as declarações do arguido, bem andou o tribunal recorrido ao não considerar a possibilidade de o mesmo ter agido em legítima defesa, mostrando-se correcta a apreciação de tais declarações constante da motivação de facto – “Efectivamente, o arguido admite que empunhou a navalha que veio a atingir a vítima de forma a provocar-lhe as lesões que determinaram a sua morte, como admite igualmente que a dita navalha sempre esteve na sua mão. Por outro lado, não dá, o arguido, qualquer justificação plausível para a vítima vir a ser atingida nos termos em que o foi, por mero acidente. De facto, não colhe minimamente a sua versão no sentido de que tinha a navalha na mão e a vítima foi atingida com a mesma quando puxou a mão do arguido. É que, a lesão provocada com um corte nos termos em que se mostra descrito no relatório de autópsia já mencionado, não é compatível com um gesto como o referido pelo arguido, mas apenas com uma acção deliberada de o realizar”. Improcede, deste modo, mais este fundamento do recurso. * Quanto à medida concreta da pena:Alega o recorrente que a pena de prisão deve ser substancialmente reduzida por desadequada e desproporcionada. Vejamos: A decisão recorrida aplicou ao arguido a pena de dez anos e seis meses de prisão pela prática de um crime de homicídio p. e p. no artº 131º do Cód. Penal. Como dispõe o artº 40º nº 1 do Cód. Penal, “a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”. Por seu turno, o artigo 71.º estabelece o critério da determinação da medida concreta da pena, dispondo que “A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.” Como ensina Figueiredo Dias[25], “1) Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial. 2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa. 3) Dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico. 4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais.” Aduz o mesmo Ilustre Professor[26] que “Só finalidades relativas de prevenção geral e especial, e não finalidades absolutas de retribuição e expiação, podem justificar a intervenção do sistema penal e conferir fundamento e sentido às suas reacções específicas. A prevenção geral assume, com isto, o primeiro lugar como finalidade da pena. Prevenção geral, porém, não como prevenção geral negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva ou de integração, isto é, de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida: em suma, como estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade e vigência da norma «infringida».” Todavia em caso algum pode haver pena sem culpa ou acima da culpa (ultrapassar a medida da culpa), pois que o princípio da culpa, como salienta o mesmo Professor[27], “não vai buscar o seu fundamento axiológico a uma qualquer concepção retributiva da pena, antes sim ao princípio da inviolabilidade da dignidade pessoal. A culpa é condição necessária, mas não suficiente, da aplicação da pena; e é precisamente esta circunstância que permite uma correcta incidência da ideia de prevenção especial positiva ou de socialização.” A função da culpa encontra-se consagrada no n.º 2 do citado artigo 40.º, o qual estabelece que “Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.” É nesta orientação que o STJ vem interpretando sobre as finalidades e limites da pena de harmonia com a actual dogmática legal. Como resulta, v. g., do seu Acórdão datado de 15 de Novembro de 2006[28], o modelo de prevenção acolhido pelo Código Penal - porque de protecção de bens jurídicos - determina que a pena deva ser encontrada numa moldura de prevenção geral positiva e que seja definida e concretamente estabelecida também em função das exigências de prevenção especial ou de socialização, não podendo, porém, na feição utilitarista preventiva, ultrapassar em caso algum a medida da culpa. Dentro desta medida de prevenção (protecção óptima e protecção mínima - limite superior e limite inferior da moldura penal), o juiz, face à ponderação do caso concreto e em função das necessidades que se lhe apresentem, fixará o quantum concretamente adequado de protecção, conjugando-o a partir daí com as exigências de prevenção especial em relação ao agente (prevenção da reincidência), sem poder ultrapassar a medida da culpa. O n.º 2 do mencionado artigo 71.º estabelece: “Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou, contra ele, considerando nomeadamente: a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; b) A intensidade do dolo ou da negligência; c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica; e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.” As circunstâncias e critérios do artigo 71.º devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente. As imposições de prevenção geral devem, pois, ser determinantes na fixação da medida das penas, em função de reafirmação da validade das normas e dos valores que protegem, para fortalecer as bases da coesão comunitária e para aquietação dos sentimentos afectados na perturbação difusa dos pressupostos em que assenta a normalidade da vivência do quotidiano. Porém tais valores determinantes têm de ser coordenados, em concordância prática, com outras exigências, quer de prevenção especial de reincidência, quer para confrontar alguma responsabilidade comunitária no reencaminhamento para o direito, do agente do facto, reintroduzindo o sentimento de pertença na vivência social e no respeito pela essencialidade dos valores afectados. Atenta a factualidade provada, valorando-se nos termos do artigo 71.º, n.ºs 1 e 2, justificou a decisão recorrida a pena concreta aplicada nas seguintes circunstâncias: - que esta agressão com arma branca surgiu na sequência de um desentendimento prévio, relacionado com um negócio de compra de uma cabra, o qual não constitui, no entanto, qualquer causa que se possa considerar por qualquer forma, justificativa da actuação do arguido; - que, apesar do desentendimento prévio, a dita agressão ocorreu de forma inesperada e repentina, retirando à vítima qualquer possibilidade de defesa, uma vez que o arguido, já depois de separados, puxou da dita arma; - que a agressão praticada pelo arguido na vítima foi realizada com arma branca, com a qual foi atingido o pescoço, onde se situam artérias vitais; - que as lesões produzidas no interior do corpo provocaram a morte da vítima. - Poder-se-á, pois, dizer que a gravidade do resultado desta acção ilícita do arguido, foi provocada apenas por este, sem qualquer actuação ilícita por parte da vítima que justificasse uma actuação como a praticada pelo arguido, pelo que o grau de culpa deste é ainda muito elevado, apesar da circunstância de ter havido um desentendimento prévio e que pode, de certa forma, fazer diminuir esse grau de culpa. - Para além disso, contra o arguido militam outras circunstâncias de vária ordem, como sejam: - o arguido desferiu o golpe na vítima sem que tivesse havido qualquer sinal de que o ia fazer, apanhando a vítima, necessariamente, desprevenida; - o arguido não se importou com as consequências do seu acto, ausentando-se do local, sem se preocupar com o estado da vítima; - o arguido utilizou um meio que, pelas suas características, é perigoso, sabendo que era susceptível de mais facilmente causar a morte a alguém; - o arguido não quis assumir a sua culpa, não demonstrando qualquer tipo de arrependimento, tentando alegar uma legítima defesa, sem qualquer fundamento. - Militam a favor do arguido apenas as circunstâncias relativas à sua personalidade, relativas à sua integração na sociedade, na família e no trabalho e o facto de não lhe serem conhecidos antecedentes criminais relevantes. Atento o conjunto de circunstâncias apontado e a moldura abstracta do crime de homicídio simples (8 a 16 anos de prisão), entende-se que não se justifica proceder a qualquer alteração da pena aplicada, que se situa no respectivo terço inferior. * Quanto à indemnização pela perda do direito à vida:Sustenta o recorrente que não há fundamento legal para a atribuição de indemnização pelos danos morais correspondentes à perda da vida quando a morte tenha sido consequência imediata da lesão. O bem “vida” é assumido amplamente, pela ordem jurídica como um bem, um valor supremo a tutelar e a preservar e que possui óbvias conotações patrimoniais e não patrimoniais. Contudo, a doutrina e a jurisprudência chegaram a dividir-se relativamente ao dano consistente na perda do direito à vida, mais vulgarmente designado como dano-morte. Efectivamente, relativamente a este dano alguma doutrina, onde se integram os nomes de Antunes Varela, Oliveira Ascensão, Ribeiro de Faria e Pamplona Corte-Real, chegou a contestar a possibilidade de atribuição de indemnização pela perda da vida, com o argumento de que, face ao artº 68º nº 1 do Cód. Civil, a personalidade jurídica cessa pela morte, pelo que a morte não permitiria a aquisição de qualquer direito, não podendo consequentemente o direito de indemnização ser transmitido aos herdeiros por via sucessória uma vez que não tinha sido sequer adquirido pelo falecido. Para além disso, a atribuição dessa indemnização apenas desempenharia uma função punitiva, afastando-se da função ressarcitória correspondente à responsabilidade civil. Assim, ao fazer referência à morte da vítima no artº. 496º nºs. 2 e 3, a lei limitar-se-ia a considerar os danos não patrimoniais sofridos reflexamente pelos familiares, em consequência da morte da vítima, e não ao próprio dano morte, que não seria assim indemnizável[29]. Por outro lado, outros autores, onde se incluem os nomes de Galvão Teles, Almeida Costa e Menezes Cordeiro propugnam que, independentemente do artº 68º nº 1, a vida constitui um bem jurídico cuja lesão faz surgir na esfera da vítima o direito a uma indemnização que, naturalmente, se transmitirá aos seus herdeiros, por força do artº 2024º. Neste enquadramento, o dano morte é transmissível por via sucessória e não seria abrangido pelo artº 496º nºs 2 e 3, que se refeririam aos danos naõ patrimoniais sofridos pelos familiares da vítima[30]. Já Leite Campos vem, numa posição original, sustentar a hereditabilidade do dano morte, considerando que com a lesão o lesado já suporta um dano que conduzirá potencialmente à morte, o qual é indemnizável nos termos do artº 564º nº 2. Entende, porém, que o artº 496º nº 2 não resolve a questão da hereditabilidade do dano morte, na medida em que a expressão “por morte da vítima” aparece como uma mera referência ao momento temporal da abertura da sucessão. O dano morte encontrar-se-ia antes previsto no artº 496º nº 3, tendo o legislador esclarecido através da expressão “no caso de morte” que o dano morte era autonomamente indemnizável no meio dos restantes danos não patrimoniais[31]. Por outro lado, o Prof. Heinrich Ewald Hörster[32] defende que “é inadmissível reconhecer o nascimento do direito com o facto jurídico de que deriva, para o pretenso titular, a incapacidade para o adquirir, visto a morte que causa esta incapacidade fazer cessar a personalidade por completo. O direito à indemnização apenas pode ter nascido quando verificada a morte. A morte é o pressuposto para o próprio dano. Sem a morte, o dano não existe. Deste modo, é impossível que o dano da morte faça parte da herança. (…) Contudo, o dano da morte é perfeitamente susceptível de ser indemnizado, uma vez que esta solução decorre sem mais da conjugação dos artºs. 495º nº 1 e 496º. (…) A lei não nega o direito à indemnização do dano da morte. Mas esta indemnização não cabe a quaisquer herdeiros na qualidade de herdeiros, mas pertence aos familiares por direito próprio, na medida em que este lhes foi atribuído pelo disposto no artº 496º nº 2”. A indemnizabilidade da lesão do direito à vida, como dano autónomo, mau grado a manutenção de algumas divergências na doutrina, é, hoje, solução pacificamente aceite pela jurisprudência, no culminar do caminho percorrido na interpretação do art. 496º C. Civil, desde a sua entrada em vigor, em que avulta, como decisivo marco no sentido da uniformização, o acórdão do STJ de 17 de Março de 1971[33], tirado em reunião conjunta de secções e com tal objectivo, nos termos do art. 728º-3 CPC (redacção então em vigor). Sendo hoje inquestionável que a lesão de perda da vida constitui um dano indemnizável, a jurisprudência vem igualmente entendendo que enquanto não houver dano não existe obrigação de indemnizar, pelo que no caso de lesão de perda da vida do lesado, o dano de morte já não se pode constituir na sua esfera jurídica. E, não sendo titular desse direito no momento da morte, não pode transmiti-lo, por inexistente, para os seus sucessores. Assim, a indemnização pela perda do direito à vida cabe, não aos herdeiros da vítima por via sucessória, mas aos familiares referidos e segundo a ordem estabelecida no nº 2 do art. 496º C.Civil, por direito próprio[34]. Não assiste, também neste ponto, qualquer razão ao recorrente. * IV – DECISÃO* Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido B….., confirmando integralmente o acórdão recorrido. Custas pelo recorrente, fixando a taxa de justiça em 5 UC’s – artº 8º nº 5 do RCP e tabela III anexa. * Porto, 09 de Novembro de 2011(Elaborado e revisto pela 1ª signatária) Eduarda Maria de Pinho e Lobo António José Alves Duarte __________________ [1] Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal" III, 3ª ed., pág. 347 e jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada). [2] Ac. STJ para fixação de jurisprudência nº 7/95, de 19/10/95, publicado no DR, série I-A de 28/12/95. [3] In ob. cit., III, pág. 287. [4] Cfr., Germano Marques da Silva, ob cit., pág. 288; Acs. do STJ de 15.03.2000, in CJ, S, VIII, I, 226 e de 09.01.1997 in CJ, S, V, I, 178; Acs. R. de Coimbra de 15.10.2000 in CJ, XXV, IV, 53 e de 17.05.2000, processo nº 893/2000, www.dgsi.pt. [5] Proc. nº 456/95, 2ª Secção, em http://www.tribunalconstitucional.pt. [6] Cfr. Ac. do STJ de 29.01.2007, Cons. Armindo Monteiro, in Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Jusitça. [7] Cons. Raul Borges, Processo 07P4833, disponível em www.dgsi.pt. [8] Nelas se incluindo, naturalmente, o depoimento (que o recorrente denomina de indirecto) das testemunhas D....... e Jesulinda e cuja valoração iremos analisar de seguida. [9] Cfr. Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, Vol. II, 4ª edª., pág. 118. [10] V. Prof. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 1ª Ed., 1974, Reimpressão, pág. 197. [11] Prof. Figueiredo Dias, ob. cit., pág. 194. [12] In “Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal”, pág. 83. [13] Germano Marques da Silva, ob. cit., pág. 180. [14] Cfr. Ac. desta Relação do Porto de 07.11.2007, disponível em www.dgsi.pt [15] Ac. do TC nº 213/94 de 02.03.1994; cfr. no mesmo sentido, Ac. nº 440/99 de 08.07.1999, ambos disponíveis em http://www.tribunalconstitucional.pt [16] Cfr., neste sentido, Acs. do STJ de 20.11.2002, in CJ, X, III, 232; Ac. R. do Porto de 07.11.2007, já citado, e Ac. R. de Évora de 30.01.2007, proc. nº 2457/06-1 in http://www.dgsi.pt. [17] Cfr., neste sentido, Ac. do STJ de 12.09.2007, Processo nº 07P2596 e de 25.01.2006, Proc. nº 184/86, ambos disponíveis em www.dgsi.pt [18] In “Psicologia Judiciária”, Vol. II, 3ª edª, pág. 12. [19] Cfr. Simas Santos e Leal Henriques, CPP, 2ª ed. V. II, pág. 740 [20] Cfr. H. Jescheck, Tratado de Derecho Penal Parte General - 4ª edição - 1993, p. 303. [21] Cfr. Maia Gonçalves, Código Penal Anotado e Comentado - 8ª edição/1995, p. 277, entre outros. [22] H. Jescheck, ob. cit., pág. 308. [23] Cfr. A. Taipa de Carvalho, in Direito Penal, Questões Fundamentais – Teoria Geral do Crime, 2ª edª. 2008, pág. 371 e H. Jescheck, ob. e loc. Citados. [24] In “Casos e Materiais de Direito Penal” - Coordenação de F. Palma/José Manuel Vilalonga e Carlota Pizarro de Almeida, Almedina, 2000, pág. 167-168. [25] In Direito Penal – Questões fundamentais – A doutrina geral do crime – Universidade de Coimbra – Faculdade de Direito, 1996, pág. 121. [26] In As Consequências Jurídicas do Crime, § 55. [27] In ob. cit. § 56. [28] In Proc. n.º 3.135/06 - 3.ª Secção [29] Cfr. Antunes Varela, Obrigações, I, págs. 615 e ss; Oliveira Ascensão, Direito Civil, Sucessões, 5ª edª., pág. 243; Ribeiro de Faria, Obrigações, I, págs. 493-494; Pamplona Corte-Real, Direito de Família e das Sucessões, II, págs. 45 e ss. [30] Cfr. Galvão Teles, Direito das Sucessões, Noções Fundamentais, 6ª edª., pág. 96 e ss.; Almeida Costa, Obrigações, pág. 602; Menezes Cordeiro, Obrigações, 2º, págs. 289 e ss. [31] Cfr. Diogo Leite de Campos, “A indemnização do dano da norte”, RFD, 1974, págs. 247-297. [32] In “A parte Geral no Código Civil Português – Teoria Geral do Direito Civil”, 5ª reimpressão da edição de 1992, pág. 303. [33] In BMJ 205/150. [34] Neste sentido pode ver-se, entre outros, o ac. S.T.J., de 16.03.1999, in B.M.J 485/386 e Ac.R.Évora de 03.07.2008, in CJ, 2008, Tomo 3, págs. 255-258. É esta também a posição defendida por R. Capelo de Sousa, Lições de Direito das Sucessões, I, 3ª edª., pág. 290 e Delfim Maya de Lucena, Danos Não Patrimoniais, Liv. Almedina, pág. 47 e ss. |