Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
449/10.0TMMTS-E.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JUDITE PIRES
Descritores: RESPONSABILIDADES PARENTAIS
INTERESSES DOS FILHOS
LEI DE PROMOÇÃO E PROTECÇÃO
SITUAÇÃO DE PERIGO
Nº do Documento: RP20210527449/10.0TMMTS-E.P1
Data do Acordão: 05/27/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - As responsabilidades parentais devem ser exercidas na prossecução do “interesse dos filhos”, e nos casos em que é demandada a intervenção do poder judicial, este deve decidir assegurando igualmente o interesse do menor, ainda que o faça em prejuízo dos pais ou de terceiros.
II - O n.º 2 do artigo 3.º da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo enumera, a título exemplificativo, algumas das situações de perigo com as quais a criança ou o jovem se possa deparar, que podem justificar a adopção de alguma ou algumas das medidas previstas no artigo 35.º do mesmo diploma, tendo em conta as finalidades visadas pelo artigo 34.º do mesmo diploma legal.
III - O conceito de perigo previsto nas indicadas disposições deve ser entendido como o risco actual ou iminente para a segurança, saúde, formação moral, educação e desenvolvimento do menor.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 449/10.0TMMTS-E.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo de Família e Menores de Matosinhos – Juiz 1

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I.RELATÓRIO
A. O presente processo de promoção e proteção respeita ao menor B…, nascido a 24 de Março de 2008, filho de C… e D…
O processo teve o seu início na CPCJ, por sinalização da PSP, na sequência de episódio de violência entre os progenitores e posterior sinalização por parte do pai de negligência da mãe nos cuidados que prestava ao filho.
Os autos foram remetidos Juízo de Família e Menores de Matosinhos, ao abrigo do disposto no artigo 11.º n.º 1 do RGPTC, para apensação ao processo de alteração da regulação das responsabilidades parentais proposto pelo progenitor para que fosse fixada na sua a residência do menor.
Em sede judicial, aberta a instrução solicitou-se a elaboração de inquérito social e procedeu-se à inquirição dos progenitores, menor, técnica do ISS e avó paterna, tendo sido aplicada medida provisória e cautelar de apoio junto de outro familiar na pessoa da avó paterna, nos termos que constam da decisão proferida a 12.02.2020.
Solicitou-se ao INML a elaboração de perícias de avaliação psicológica aos progenitores e menor com vista a avaliar das caraterísticas de personalidade, capacidades e competências parentais, bem como do impacto que o conflito parental acarreta ao menor e melhor forma de intervenção na situação.
A medida provisória foi sendo acompanhada pelo ISS, revista e mantida
Após recepção dos relatórios das perícias foi realizada conferência com a presença de todos os intervenientes, não tendo sido possível elaborar acordo de promoção e proteção, pelo que se determinou a prossecução dos autos para realização de debate judicial
Foi nomeado defensor ao menor e ordenado o cumprimento do artigo 114.º da LPCJP.
Ambos os progenitores e o Ministério Público apresentaram alegações escritas, pugnando a progenitora e o Ministério Público pela aplicação da medida de apoio junto dos pais a executar junto da mãe e defendendo o progenitor que a medida seja executada junto de si.
Foi designado e realizado debate judicial com intervenção do tribunal coletivo misto.
Após, foi proferido acórdão com o seguinte dispositivo:
“Pelo exposto e ao abrigo do disposto nos arts. 3º nº 1 e nº 2 al. f) 4º, 34º, 35º nº 1 al. a) e c) da Lei nº 147/99 de 01-09, acordam os juízes que constituem este tribunal coletivo em aplicar ao menor B… a medida de promoção e proteção de apoio junto dos pais (a executar junto da mãe) nos seguintes termos:
A) O B… deverá voltar a reintegrar o agregado da mãe e irmãos uterinos com carater de permanência
B) Caso a mãe deixe de residir com os filhos mais velhos, não lhe deverá ser permitido levar o B…, devendo tal situação ser de imediato informada ao tribunal para que a medida seja revista
C) A mãe deverá beneficiar de acompanhamento psicológico clinico sistemático
D) O ISS deverá diligenciar para que mãe e filho passem a beneficiar de sessões de terapia familiar, o mais urgentemente possível
E) Caberá à mãe a função de encarregada de educação junto do estabelecimento de ensino, assim como lhe caberá a gestão das rotinas do B… quanto à sua saúde, educação, vigilância e segurança, não sendo permitida qualquer interferência do pai
F) Os irmãos uterinos do B… devem interferir sempre que se aperceberem de que a mãe está utilizar com o menor um tom verbal ou expressões desadequados
G) O pai apenas poderá estar com o B… aos sábados ou domingos, sem pernoita, e sendo as conduções do menor efetuadas e acordadas com os irmãos mais velhos do B….
H) O pai poderá contactar com o filho telefonicamente uma única vez por dia
I) Ambos os progenitores devem abster-se de, na presença do filho, efetuar qualquer comentário depreciativo da imagem do outro ou criticar qualquer comportamento do outro
J) Caso o B… contacte o pai, por qualquer forma, queixando-se de ter sido vitima de qualquer comportamento da mãe, o pai deve tentar apurar o que de facto se passou obtendo informações junto dos irmãos mais velhos do menor
K) A medida é aplicada pelo prazo de um ano, sendo revista em seis meses e acompanhada pela EMAT
Sem custas
Registe e notifique
DN ao pagamento dos honorários devidos aos Sr Juizes Sociais”.
2. Por não se conformar com tal decisão, dela interpôs C…, progenitor do menor, recurso de apelação para este Tribunal da Relação, formulando com as suas alegações as seguintes conclusões:
I- O recorrente não se conforma com o douto acórdão em crise, por via do qual foi aplicado medidas de promoção e proteção de apoio junto dos pais (a executar junto da mãe), as quais são bastantes restritivas no convívio do menor com o progenitor, e do progenitor com o menor.
II- O acórdão em crise sobrevalorizou os interesses da progenitora, pondo de lado, o superior interesse do menor B….
III- As medidas aplicadas afiguram-se agressivas para a criança.
IV- As medidas aplicadas põem em causa a segurança, o bem-estar e o normal crescimento do menor.
V- Das medidas aplicadas e das quais não se concordam de todo como adiante se escalpelizará.
A)O B… deverá voltar a reintegrar o agregado da mãe e irmãos uterinos com carácter de permanência.
E)A de permitir apenas à mãe a função de encarregada de educação junto do estabelecimento de ensino, assim como a gestão das rotinas do menor quanto à saúde, educação, vigilância e segurança, não sendo permitido qualquer interferência do pai.
G)Mais, o pai apenas poderá estar com o menor aos sábados ou domingos, sem pernoita.
H)Por fim, o pai apenas poderá contactar com filho telefonicamente uma única vez por dia.
VI- Medidas que se revelam desajustadas, nomeadamente, dado que o menor já faltou a consultas de fisioterapia, e o progenitor nada pode fazer.
VII- O mesmo se aplica ao seu percurso escolar.
VIII-Como é que o menor pode manter uma relação de proximidade com pai se apenas lhe é permitido estar com o mesmo um dia por semana?
IX- Por fim, o pai apenas poderá contactar com filho telefonicamente uma única vez por dia.
X- Nada destas medidas favorecem o menor.
XI- Até porque, a mãe tem de receber apoio psicológico, e desde logo, por esse motivo, revela uma enorme fragilidade em ter o menor a seu cargo.
XII- O Recorrente tem de estar presente no quotidiano do menor, até porque é uma mais valia para a progenitora,
XIII-Isto é, se tiver presente, não recai sobre a mesma todas as funções de mãe.
XIV- Devendo as mesmas serem partilhadas em conjunto com o pai.
XV- A decisão proferida pelo Tribunal a quo ignorou, completamente, num arrepiante desprezo, as declarações prestadas pelo menor.
XVI- Não teve qualquer consideração pelo menor.
XVII- O menor viveu e vive em constante conflito interior, isso é notório, e evidente, aliás sempre com receio que, as suas rotinas e a sua estabilidade possa a vir a ser quebrada.
XVIII- E futuramente, se o menor se vier a queixar de qualquer comportamento da mãe, acha-se ajustado o recorrente ter que recorrer a terceiros para averiguar os factos?
XIX- O agregado familiar do recorrente tem toda a estrutura e organização para criar as condições para reintegrar o menor, onde a criança possa crescer em harmonia e proteção.
XX- Pelo que não fará sentido, o direito de o menor à convivência com o progenitor ser restrito.
XXI- Existe, sim, portanto, no seio familiar do recorrente, família nuclear capaz de garantir um projeto de vida para a criança.
XXII- Face, ao exposto, deve o Tribunal ad quem rever todas a medidas de promoção e proteção aplicadas a ser executadas pela progenitora, e alterá-las e aplicar outras que permitam uma intervenção maior do recorrente na vida no menor, uma vez que, afigura-se essencial para o normal desenvolvimento do menor.
XXIII- O acórdão recorrido violou, entre outros que Vossas Excelências doutamente suprirão, os vários direitos supra enunciados.
Termos em que, Deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se o acórdão recorrido, alterando-se as medidas de promoção e proteção aplicadas para outras que permitam uma maior participação do progenitor na vida do menor, assim se fazendo JUSTIÇA!
O Ministério Público e a recorrida contra-alegaram, defendendo a manutenção do decidido.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar.

II.OBJECTO DO RECURSO
A. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelo recorrente e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importando destacar, todavia, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito.
B. Considerando, deste modo, a delimitação que decorre das conclusões formuladas pelo recorrente, no caso dos autos cumprirá apreciar se devem ser alteradas as medidas de promoção e proteção aplicadas, a ser executadas pela progenitora, aplicando outras que permitam uma intervenção maior do recorrente na vida no menor.

III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Em primeira instância foram dados como provados os seguintes factos:
- B… nasceu a 24 de Março de 2008 e encontra-se registado como filho de C… e D… – cf. assento de nascimento a fls. 17 do processo principal (Regulação das responsabilidades parentais)
- O exercício das responsabilidades parentais referentes ao menor encontra-se judicialmente regulado, por decisão de 06 de Maio de 2015, que homologou o acordo dos progenitores, estando fixada a residência junto da mãe e previstos convívios com o pai em fins de semana alternados de 6.ª a 2.ª feira (sendo as recolhas e entregas efetuadas pelo pai no estabelecimento de ensino) e semanalmente de 4.ª para 5.ª feira (sendo as recolhas e entregas efectuadas pelo pai no estabelecimento de ensino), além das datas festivas especiais e férias – cf fls. 80-81 do processo principal (Regulação das responsabilidades parentais).
- Desde sempre o relacionamento dos progenitores foi pautado por fortes, graves e constantes conflitos, com períodos de separações/reconciliações.
- Correram já termos no tribunal (encontrando-se apensos) dois outros processos de promoção e proteção relativamente ao menor B…, ambos iniciados por denúncias do progenitor dando conta de que o filho não seria bem tratado pela mãe, situações que nunca se confirmaram (cf. apenso A e apenso C).
- Em 2018 a progenitora foi trabalhar para o estrangeiro, durante alguns meses, deixando o B… entregue aos irmãos mais velhos (já maiores).
- No entanto, o pai foi busca-lo e o B… passou de facto a residir com este no período em que a mãe esteve no estrangeiro
- Após o regresso da progenitora (já em 2019) houve um período de alguns meses em que o casal se voltou a reconciliar, acabando por se separar novamente.
- A partir de então o B… ficou maioritariamente com o pai e o conflito entre os progenitores agudizou-se de forma grave.
- A partir de finais de Outubro de 2019 há inúmeras participações policiais dando conta de conflitos na porta da escola e de recusas expressas do B… em acompanhar a mãe, sendo que o pai comparecia quase diariamente e levava o filho consigo (não obstante não fossem os seus dias de convívio).
- Nessa altura o comportamento do B… em contexto escolar era caraterizado por falta de assiduidade e pontualidade (embora se encontrasse no recinto escolar), recusa em frequentar as aulas de apoio, recusa em cumprir as orientações de professores e funcionários, comportamentos agressivos, provocadores e perturbadores.
- No dia 11 de Dezembro de 2019 o progenitor foi sujeito a interrogatório judicial no âmbito de processo por violência doméstica tendo-lhe sido aplicadas como medidas de coação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância:
a) Proibição de entrada e permanência na residência onde habite ou venha a habitar a vítima D…
b) Proibição de contactar com a vítima D…, por qualquer meio, designadamente por contacto telefónico/sms/e-mail, mantendo afastamento da mesma de, pelo menos, quinhentos metros;
c) Proibição de se aproximar da Escola … (...) fora dos dias e condições estabelecidas na acta de regulação do exercício das responsabilidades parentais (..) ou outra decisão que venha a ser proferida nesse âmbito, ou nos casos em que seja expressamente convocado pelos órgãos directivos dessa escola
- A 12 de Fevereiro de 2020 no âmbito destes autos foi aplicada medida provisória, entregando o menor aos cuidados da avó paterna (residente com o pai do menor) tendo em conta a recusa expressa do menor em residir com a mãe e alguma indisponibilidade de horários que a mãe então revelava.
- Apesar de a decisão provisória expressamente prever que deveria ser a avó paterna a única responsável pela gestão de todas as rotinas do neto, na prática sempre foi o pai quem continuou a gerir o dia-a-dia do B….
- Das conclusões da perícia de avaliação psicológica realizada ao menor resulta que:
“(...) apresenta sinais e sintomas sugestivos de desajustamento e sofrimento psicológico. A sintomatologia apresentada parece ser reativa à situação familiar, mais concretamente ao elevado litigio interparental instalado, com envolvimento direto do examinado nestas dinâmicas. O B… revela instabilidade psicoafectiva; imaturidade; baixa tolerância à frustração; autocentração; baixa empatia; elevação dos níveis de ansiedade; dificuldades na interação social com registo de reações de grande stress emocional; confusão e angústia
(...)
A nível psicoafectivo, o B… revela sentimentos positivos relativamente ao progenitor, revelando preferência pela permanência no seu agregado. Relativamente à progenitora, o examinado começa por a rejeitar, contudo, à medida que o processo avaliativo se vai desenrolando, revela sentimentos ambivalentes face à mesma” “(...) parece ter criado uma aliança com o progenitor avaliando as situações familiares do ponto de vista daquele, adotando o mesmo discurso e atitudes do pai. (...) sentindo que tem de se comportar como aliado do pai, reproduzindo argumentos e posturas que, quando questionado de forma mais pormenorizada, não consegue justificar nem compreender (...)
“(...) o menor é um confidente do pai, tendo acesso a conversações e partilha de informações que só aos adultos envolvidos deveriam dizer respeito. O seu relato revela claramente que lhe são confidenciados assuntos, sobretudo por parte do progenitor, (...) lhe geram angustia e sofrimento (não sendo nada protetores nem securizantes...)
“(...) Estar exposto a um nível de conflito familiar semelhante ao que sucede com o B… é, por si só, comprometedor do seu bem estar global, constituindo um abuso emocional que pode ter repercussões muito sérias a curto, médio e longo prazo”
“ (...) não faz menção a episódios que, no nosso entender, configurem uma situação de abuso e/ou negligência por parte da progenitora. Quando analisamos pormenorizadamente o relato do B… sobre os alegados episódios abusivos concluímos que existe um certo exagero e deturpação da informação (...). Mais uma vez e sempre que entra em conflito com as regras e imposições da mãe, o menor procura reforço e proteção no pai, onde sabe que vai encontrar uma postura mais acusatória e de clara anulação da autoridade e da imagem da mãe (...)
“(...) tanto o discurso do B… como o discurso da progenitora apontam para práticas educativas assertivas e adequadas (...) ainda que também seja de apontar situações em que o nível de entoação verbal usado pela progenitora não seja o mais adequado, assim como a necessidade de alertar para a substituição do uso da palmada por outras práticas educativas (enunciadas e praticadas pela progenitora em outras situações). Tal parece suceder quando o nível de tolerância e autocontrolo da progenitora são severamente desafiados pelos comportamentos de oposição e desafio do B…, escalando ambos numa postura de maior agressividade. A progenitora entre num registo de desespero associado à incapacidade de reverter os comportamentos inadequados do B…. Este último por sua vez, sabe que acabará por facilmente se justificar junto do progenitor e que será apoiado pelo mesmo em tudo o que coloque em causa a imagem da mãe. A reprodução continuada deste modelo, conduz ao seu enraizamento e, consequentemente à urgência de romper rapidamente com o mesmo e reforçar o vínculo materno-filial”
- Das conclusões da perícia de avaliação psicológica realizada ao progenitor resulta que:
“(...) apresenta uma organização imatura da personalidade e um funcionamento psicológico marcado por diversos fatores de vulnerabilidade. O examinado tende a oscilar rapidamente em termos de humor, com predomínio da irritabilidade fácil e dificuldade em tolerar a frustração. É uma pessoa autocentrada; com baixa ressonância emocional; pobre autocritica; baixa empatia e locus de controlo externo (tende a remeter a responsabilidade das suas ações para terceiros e/ou circunstâncias. De apontar também as suas dificuldades em tolerar a frustração e em lidar adaptativamente com situações de stress ou tensão, tendendo a agir de forma impulsiva e com grande reatividade. No que toca à paternidade é inegável que revela uma afetividade muito positiva face ao descendente (e que é correspondida por este último) (...) Contudo não podemos deixar de apontar algumas fragilidades na forma como tem vindo a desempenhar as responsabilidades parentais. (...) revela manifesta incapacidade de dissociar a sua relação com a mãe do B… do papel parental. (...) expõe o menor a informações e situações altamente prejudiciais para o seu bem-estar e equilíbrio psicoafectivo; tende a adotar uma postura de relacionamento com o filho como se de um adulto se tratasse, confidenciando-lhe angústias, frustrações e preocupações pessoais que só geram confusão e instabilidade. (..) não só não revela critica quanto à inadequabilidade deste comportamento, como não tem noção das potenciais consequências nefastas que o mesmo pode ter na personalidade e equilíbrio psicoemocional do descendente
“O modelo educativo adotado pauta-se pela permissividade e autogestão da criança (...)”
- Das conclusões da perícia de avaliação psicológica realizada à progenitora resulta que:
“A integração e análise dos dados clínicos obtidos não revelaram a presença de patologias mentais e/ou perturbações de personalidade sugestivas de incapacidade de a examinada exercer as responsabilidades parentais de forma ajustada e adaptada. Contudo não podemos deixar de assinalar a existência de algumas vulnerabilidades no funcionamento psicológico da examinada como sendo a sua tendência para experienciar sentimentos negativos e as dificuldades em lidar com situações de levado stress e/ou exigência emocional. A examinada revela ainda estar sobre grande tensão, acusando elevado desgaste psicológico. Tende a ser impulsiva e a reagir emocionalmente às situações. É uma pessoa ansiosa, tensa, preocupada.
No que toca à maternidade revelou afetos muito positivos face ao descendente, dando mostras de estar emocionalmente ligada ao B…; de estar motivada, interessada e disponível para o exercício das responsabilidades parentais
Relativamente às capacidades e competências parentais (...) identifica de forma informada e responsável as principais necessidades do B… (...). Revela também conhecimentos importantes acerca do desenvolvimento infantil/juvenil e que são fundamentais para promover o adequado desenvolvimento do filho (...) Revela também competências de gestão e organização da vida familiar e quotidiana compatíveis com as necessidades do descendente (...)
Como aspetos menos positivos e que poderão repercutir-se negativamente no desempenho das responsabilidades parentais está o facto de a examinada considerar que o B… não reconhece a sua autoridade. (..) revela sentimentos de impotência perante manifestações menos adequadas do B… (...)
Relativamente ao estado emocional e funcionamento psicológico, os dados clínicos obtidos sugerem a presença de sinais e sintomas de desajustamento e sofrimento psicológico.
(...)
Sugere-se que beneficie de acompanhamento especializado em termos clínicos, e que possa ser devidamente orientada pelos serviços sociais locais
- Em início de 2020 em contexto escolar o comportamento do menor é caracterizado por: fraca assiduidade e pontualidade; falta de cumprimento de regras; comportamento incorrecto nas aulas; desrespeito; conflituoso; desobediente, irreverente, chegando a ser mal educado e agressivo, mesmo na presença do pai (“o pai não o repreende mesmo quando o aluno está a ser irreverente para com a diretora de turma e professoras em reunião com o pai).
Relativamente aos progenitores, nessa altura, a escola dá conta que ambos são interessados no acompanhamento do filho sendo a mãe assertiva na educação. Quanto ao pai refere que “...desculpa todas as atitudes do B… e não o repreende mesmo quando lhe estão a ser relatados comportamentos incorrectos do aluno, argumentando que os culpados são os outros e que o filho é vitima de bulling (o que faz na presença da criança) - Cf. informação escolar a fls. 103-104 dos autos
- Ao longo do período de acompanhamento da execução da medida provisória de apoio junto de outro familiar (avó paterna) foi-se verificando que a avó paterna não revelava autonomia e assertividade nas decisões referentes ao neto, ficando sujeita à influência do progenitor do menor (que com ela coabita), sendo que o progenitor exercia sobre o B… e avó estratégias de manipulação tendentes a obstaculizar os contactos do menor com a mãe e também e distorcer e influenciar negativamente a imagem da figura materna.
- Ambos os progenitores possuem adequadas condições habitacionais, embora a situação da progenitora seja precária em termos habitacionais e corra o risco de ter de deixar a casa.
- A progenitora tem a possibilidade de passar a residir em Guimarães em habitação facultada pelo IRU, sendo que, caso tal aconteça, os filhos mais velhos se recusam a acompanhá-la.
- A progenitora encontra-se actualmente desempregada e reside com os dois filhos mais velhos (fruto de relação anterior), já maiores, ambos trabalhadores, e ainda com o namorado da filha (que também trabalha)
- A progenitora recebe uma pensão de viuvez de cerca de 180€ mensais
- A irmã uterina do menor tem 20 anos de idade, é estudante no E…, no 2.º ano e trabalha na F…, por turnos.
- O namorado da irmã integra o agregado familiar e trabalha na G….
- O irmãos uterino do menor tem 24 anos de idade, trabalha a tempo inteiro, auferindo mensalmente 1200€.
- A relação afetciva entre os irmãos uterinos e o B… é excelente, funcionando os irmãos como um importante suporte afectivo.
- Os irmãos participam activamente na gestão das rotinas do B… quando este está com a mãe e são importantes no acompanhamento escolar do menor.
- Em fase final de debate judicial o pai denunciou à EMAT e PSP que a mãe teria agredido o filho, tendo-se apurado que, dia 08-02-2021, o menor esteve em casa da mãe no primeiro dia de aulas online e terá estado o dia todo a jogar no computador em vez de estar atento às aulas, sendo que posteriormente mentiu à mãe dizendo que não tinha trabalhos para fazer (quando a mãe sabia que tinha).
Neste circunstancialismo a progenitora excedeu-se no tom verbal quando ralhou com o filho, contando com a intervenção da filha mais velha que a acalmou.
- A progenitora revela consciência de que muitas vezes “perde a cabeça” e se excede na forma como se dirige ao B… quando tem de o repreender, reconhecendo ainda que se encontra em grande desgaste emocional.
- O progenitor não revela qualquer capacidade de reconhecer minimamente qualquer fragilidade na forma como se relaciona e educa o filho.
- O progenitor trabalha como condutor da H… e reside com a sua mãe.
- No 1.º período deste ano lectivo 2020/2021 o B… melhorou o seu comportamento em contexto escolar, mas teve 6 negativas, sendo que não fez alguns testes porque ligava ao pai dizendo que estava mal disposto e este vinha-o buscar à escola de imediato.

IV- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Segundo o n.º 1 do artigo 1878.º do Código Civil, “compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros, e administrar os seus bens”.
Deste preceito decorre que as responsabilidades parentais devem ser exercidas na prossecução do “interesse dos filhos”, e nos casos em que é demandada a intervenção do poder judicial, este deve decidir assegurando igualmente o interesse do menor, ainda que o faça em prejuízo dos pais ou de terceiros[1].
Tal entendimento ancora-se ainda no que dispõe o artigo 3.º, n.º 1 da Convenção Sobre o Direito da Criança, de 1989, quando determina: “todas as decisões relativas a crianças, adoptadas por instituições públicas ou privadas de protecção social, por tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança”.
Esta é reconhecida, sem dúvida, como um verdadeiro sujeito de direitos, pelo que todas as decisões que a envolvam devem sempre ser norteadas em ordem à satisfação do seu interesse.
E de tal forma é assim que conceitos e expressões como “poder paternal”[2] foram banidos com a Lei n.º 61/2008, que introduziu importantes alterações ao Código Civil, para serem substituídos pela expressão “responsabilidade parentais”[3], que melhor se adequa ao ordenamento jurídico que encara a criança como verdadeiro sujeito de direitos e destaca a natureza funcional deste instituto, concebido como conjunto de poderes-deveres, de exercício vinculado no interesse do filho.
Outros países europeus substituíram nas respectivas ordens jurídicas internas expressões equivalentes ao “poder paternal” por expressões próximas da terminologia adoptada pela ordem jurídica portuguesa, fazendo notar Jean Carbonnier[4] que não se tratou de uma simples mudança de palavras, passando a autoridade a ser exercida para protecção dos interesses da criança, sendo igualmente exercida pelo pai e pela mãe.
As responsabilidades parentais constituem uma resposta, a dar por quem está mais próximo da criança e por isso também melhor habilitado a conhecer as suas necessidades, a uma situação de imaturidade (física, emocional, psíquica) decorrente da menoridade.
Cabe, assim, aos pais, em primeira linha, desempenhar esse papel protectivo, exercendo os poderes funcionais que integram as responsabilidades parentais, zelando pelo desenvolvimento integral da criança, proporcionando-lhe alimentação, afecto, condições de saúde, de educação, de segurança, promovendo a sua autonomia e independência.
Quando as responsabilidades parentais não são exercidas no interesse dos filhos, porque os pais não querem, ou são incapazes de fazê-lo, deve o poder judicial intervir de forma activa, tomando as medidas adequadas à tutela do interesse da criança. Como se escreveu no Acórdão da Relação de Coimbra 03.05.2006[5], “quando os pais não cumprem com tais deveres fundamentais, a ordem jurídica confere às crianças, enquanto sujeitas de direito, mecanismos de protecção, podendo os filhos deles serem separados, como determina o n.º 6 do art.36 da CRP”.
Segundo Filipa Daniela Ramos de Carvalho[6], “o interesse do menor, embora se consubstancie numa dificuldade prática acrescida, resultante da indeterminação do critério, absorve ou deve absorver todas as orientações vertidas no Código Civil, nomeadamente os artigos 1878º (segurança, saúde, sustento e autonomia do menor), 1885º, nº1 (desenvolvimento físico, intelectual e moral dos filhos), 1878º, nº2 (opinião dos filhos). Outrossim, a natureza dos processos de regulação das responsabilidades parentais como processos de jurisdição voluntária atribuem ao juiz um papel fundamental na adequação, in casu, das orientações legais sobre o conteúdo do exercício das responsabilidades parentais e o critério do interesse do menor”, que, assim, conclui: “Deste modo, é da intercepção entre as orientações legais e das orientações jurisprudenciais que se alcança, paulatinamente, um conteúdo do conceito indeterminado em questão”.
Refere o Acórdão da Relação do Porto, de 06.03.2012,[7] que “o interesse da criança ou jovem deve ser realizado na medida do possível no seio do seu grupo familiar. Porém, em caso de colisão, sempre sobrelevará o interesse em se alcançar a plena maturidade física e intelectual da criança/jovem, ainda que, o interesse de manter a criança/jovem no agregado familiar seja postergado (…).
O tribunal deve assumir a defesa do interesse superior da criança e do jovem, tal como lho confia o artigo 4º, a), LPCJP, fazendo-o prevalecer sobre quaisquer outros interesses envolvidos, atendendo “prioritariamente aos interesses da criança e do jovem, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto”.
Dispõe o nº 1 do artigo 3.º da LPCJP que “a intervenção para promoção dos direitos de protecção da criança e do jovem em perigo tem lugar quando os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto ponham em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento, ou quando esse perigo resulte de acção ou omissão de terceiros ou da própria criança ou do jovem a que aqueles não se oponham de modo adequado a removê-lo”.
O n.º 2 do mesmo normativo descreve, a título exemplificativo, algumas das situações de perigo com as quais a criança ou o jovem se possa deparar, integrando-se nesse conceito normativo a situação em que “está sujeita, de forma directa ou indirecta, a comportamentos que afectem gravemente a sua segurança ou o seu equilíbrio emocional” – alínea e).
Como sublinha o acórdão da Relação de Coimbra de 22.05.2007[8], o conceito de perigo deve ser entendido como o risco actual ou iminente para a segurança, saúde, formação moral, educação e desenvolvimento do menor.
E para Tomé d´Almeida Ramião[9], “O perigo a que se reporta este normativo traduz a existência de uma situação de facto que ameace a segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento da criança ou do jovem, não se exigindo a verificação da efectiva lesão da segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento. Basta, por isso, a criação de um real ou muito provável perigo, ainda longe do dano sério.
E tem de ser actual, como decorre do art.º 111.º, onde se refere que se não subsistir a situação de perigo, o processo será arquivado”.
O artigo 34.º da LPCJR define deste modo as finalidades das medidas de promoção dos direitos e de protecção das crianças e dos jovens em perigo:
“a) Afastar o perigo em que estes se encontram;
b) Proporcionar-lhes as condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral;
c) Garantir a recuperação física e psicológica das crianças e jovens vítimas de qualquer forma de exploração ou abuso”.
O B… completou recentemente 13 anos de idade.
E como lembra o acórdão recorrido, “Decorre claramente da análise dos autos e seus apensos que toda a sua vida viveu no meio do conflito exacerbado entre os seus progenitores, no meio de separações/reconciliações; das acusações mútuas; situações de violência...
O primeiro processo de promoção e proteção iniciou em 2010 (apenso A) quando o menor tinha dois anos de idade e, num período de separação dos progenitores, o pai denunciou um suposto abuso sexual do irmão I… ao B…, situação que não se comprovou minimamente. Esse primeiro processo esteve pendente cerca de cinco anos devido aos constantes desentendimentos entre os progenitores e acabou por ser arquivado quando foram reguladas judicialmente as responsabilidades parentais num período de alguma estabilização do relacionamento entre os pais.
Há notícia nos autos que, em sede de CPCJ, ao longo dos anos foram constantes as sinalizações por parte do pai referindo negligência e maus tratos da mãe em relação ao B….
Em sede judicial, em início de 2016 é instaurado novo processo de promoção e proteção (apenso C) por denúncia do pai, alegando que a mãe do B… era agressiva para com o filho, situação que pouco depois o próprio veio a negar expressamente nos autos (cf. fls. 31 do apenso C).
A partir de outubro de 2019 o conflito exacerbado instala-se novamente, o pai reclama a guarda do filho alegando, novamente, negligência da mãe nos cuidados e acompanhamento que lhe presta e o próprio B… passa a recusar estar com a mãe”.
Como esclarece Filipa Daniela Ramos de Carvalho[10], “Os menores, outrora alheados do mundo adulto, começam muitas vezes, consciente ou inconscientemente, a ser nele envolvidos, sem pedirem ou desejarem e sem o entenderem, servindo de fundamento para agressões verbais e chantagem entre os seus progenitores. Assim, o incumprimento sucessivo dos regimes de regulação das responsabilidades parentais (outrora denominados de regulação do poder paternal) e a alegação de factos falsos ou a distorção da verdade, para obstar ao cumprimento da convivência entre o progenitor não guardião e o menor, associam-se na maioria das vezes aos casos de manipulação e pressão psicológica sobre os menores: a alienação parental”.
A síndrome de alienação parental está frequentemente associada a frustrações fundadas no sentimento de rejeição pelo outro progenitor (não guardião) e na incapacidade de superar a dor daí resultante sem envolver os filhos que, na maioria das vezes, são utilizados como instrumentos de vingança.
E essa frustração, não dominada, e até, muitas vezes, descontrolada, motivada pela incapacidade de lidar com o sentimento de rejeição ou da perda de domínio sobre o outro, cônjuge ou companheiro (a), a quem se trata com a autoridade de tê-lo como seu pertence, desemboca, não raras vezes, em manifestações de violência doméstica, muitas vezes de consequências extremas, e na utilização dos filhos como “arma de arremesso”, contra o par que se quer agredir e castigar.
A utilização ou manipulação da criança ou jovem neste contexto, criando dependência daquela ou deste em relação ao progenitor guardião e promoção do seu afastamento em relação ao outro progenitor, quer através da distorção da realidade passada ou actual, quer por meio de coacção ou chantagem, física ou psicológica, quer ainda através da adopção de comportamentos totalmente permissivos para com o filho, satisfazendo-lhe todos os desejos e caprichos, atribuindo-lhe o papel de amigo e confidente, assim o cativando, levando-o, em contrapartida, a criar e desenvolver sentimentos de hostilidade em relação o outro progenitor, são comportamentos que conduzem a um processo destrutivo no desenvolvimento emocional e psico-afectivo da criança ou jovem, comprometendo, em muitos casos, a construção da sua personalidade.
Como dá conta o acórdão aqui em sindicância recursiva, “O pequeno B… está, sem sombra de dúvida entre estas crianças para quem o ambiente familiar não tem sido protetor.
Analisando os factos demonstrados claramente chegamos à conclusão de que o B… está em situação de gravíssimo perigo para o seu desenvolvimento saudável, harmonioso e integral, estando claramente exposto a situações e comportamentos que afetam gravemente o seu equilíbrio emocional.
No meio da guerra constante entre os pais ao iniciar a adolescência o B… tomou partido. E tomou partido, naturalmente, por quem tudo lhe permite, por quem acriticamente o “defende” contra o mundo envolvente (a mãe, a escola, os colegas...), por quem nada lhe exige, por quem o trata como confidente e amigo, por quem o vai buscar à escola logo que ele telefona a dizer que não se está a sentir bem, por quem permite que seja irreverente perante figuras que devia identificar como de autoridade (como a diretora de turma), por quem não o repreende porque acha que o filho tem sempre razão sem sequer se preocupar em saber junto dos adultos o que sucedeu... De facto, que mais poderia querer uma criança no inicio da adolescência?
Do outro lado “da barricada” está uma mãe que impõe regras e rotinas com assertividade, que “identifica de forma informada e responsável as principais necessidades do B…”, que “revela conhecimentos importantes acerca do desenvolvimento infantil/juvenil e que são fundamentais para promover o adequado desenvolvimento do filho (...) Revela também competências de gestão e organização da vida familiar e quotidiana compatíveis com as necessidades do descendente (...).
Acontece que esta mãe está absolutamente desgastada, emocionalmente instável e “perde a cabeça” e a razão quando o filho a desafia (o que ele sabe fazer), desobedece, responde e critica. E, há-que reconhecê-lo.. perde a cabeça de forma muito desadequada em termos verbais, não só quanto ao tom, como quanto às verbalizações que utiliza (basta ouvir o áudio junto aos autos)”.
Compreende-se que o B… manifeste a sua preferência em permanecer junto do progenitor, que tudo lhe consente, que branqueia os seus comportamentos inadequados, e dá incentivo à sua reiteração, que lhe satisfaz os caprichos e que consente que viva sem regras nem limites, que se demite dos deveres de pai, confundido o papel de pai com o do amigo e confidente.
E compreende-se também que, perante este quadro, o B… hostilize e desafie a sua progenitora, que, conforme as circunstâncias lho consentem, tem procurado exercer os seus deveres parentais, impondo ao filho regras de conduta, dizendo-lhe os “nãos” que o pai tem sido incapaz de manifestar, sempre tão necessários ao desenvolvimento da criança e do jovem, que no seu processo de crescimento e amadurecimento deve ser confrontado com limites, com barreiras cuja ultrapassagem lhe deve ser negada, para que se possa tornar um adulto responsável, com noção da realidade e de forma a não converter em frustração os “nãos” com que a vida o venha a confrontar, e a enveredar por caminhos sombrios e tortuosos para acalmar esse sentimento de frustração.
É certo que a mãe do B… nem sempre tem exercido adequadamente as sua funções parentais, nomeadamente a competência da autoridade, e, algumas vezes, emocionalmente desgastada pelo comportamento hostil e confrontador do filho, “perde a cabeça” com a alguma frequência, excedendo-se em algumas manifestações verbais.
Esses excessos têm sido, porém, travados, de forma sensata e pedagógica, pelos outro filhos da progenitora, com ela também conviventes, e com os quais o menor mantém um relacionamento saudável.
É assim de primordial importância para o desenvolvimento harmonioso do menor, sobretudo nesta etapa tão marcante para a formação e consolidação da sua personalidade, que a este seja permitido crescer num ambiente seguro e responsável, que só a transmissão e acatamento de regras básicas de vida em sociedade poderá assegurar.
A demissão do exercício das funções parentais por parte do progenitor e o seu comportamento, alienante e de violência, que tem vindo a exercer sobre a mãe do menor fazem perigar, de forma incontestável, o seu equilíbrio emocional, com repercussões extremamente nefastas no desenvolvimento da sua personalidade.
Aos invés, a progenitora tem revelado preocupação em exercer tais funções. Se em algumas circunstâncias não tem sabido ou conseguido fazê-lo da forma mais adequada, para o que tem contribuído o desgaste emocional que os comportamentos do menor lhe têm causado, tem contado com a colaboração dos outros filhos com ela conviventes, que têm gerido de forma sensata e responsável as situações de conflito que têm ocorrido entre o B… e a mãe, corrigindo pedagogicamente os excessos verbais desta, e que poderão constituir a ponte necessária para um reforço dos laços afectivos entre ambos e para incutir no irmão sentido de responsabilidade e de respeito, pelos outros e pelas regras da vida em sociedade.
Estando em causa a salvaguarda do superior interesse do jovem B…[11], entende-se que as medidas acolhidas no acórdão impugnado se revelam adequadas e ajustadas a promover a sua segurança e equilíbrio emocional, que os comportamentos do recorrente, seu progenitor, tinha colocado em perigo, garantido tais medidas as condições indispensáveis a possibilitar o desenvolvimento são e harmonioso do B… nos seus aspectos intelectual, social e moral.
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Síntese conclusiva:
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Nestes termos, acordam os juízes desta Relação, na improcedência da apelação, em confirmar a decisão recorrida.
As custas da apelação são da responsabilidade do recorrente.

Porto, 27.05.2021
[Acórdão elaborado pela primeira signatária com recurso a meios informáticos]
Judite Pires
Aristides Rodrigues de Almeida
Francisca Mota Vieira
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[1] Cfr. Acórdão da Relação de Coimbra, 19.04.88, C.J., tomo II, pág. 68.
[2] Que, desde há muito, vinha suscitando várias críticas por lhe estar associada uma ideia de posse, de sujeição, de ascendência dos pais em relação aos filhos, tendo já em 1977 se discutido a possibilidade de alteração dessa designação.
[3] Com o que Portugal passou a estar em conformidade com a Recomendação nº R (84) 4, e com a Convenção Europeia sobre o Exercício dos Direitos da Criança (1996).
[4] “Droit Civil, La Famille, L´Enfant Le Couple”, 20ª ed., Presses Universitaires de France, 1999, pág. 93.
[5] Processo nº 681/06, www.dgsi.pt.
[6] “A (Síndrome de) Alienação Parental e o Exercício das Responsabilidades Parentais: Algumas Considerações”, Coimbra Editora, págs.
[7] Processo nº 43/09.9TBCPV-A.P1, www.dgsi.pt.
[8] Processo nº 289/07.4TBVNO.C1, www.dgsi.pt.
[9] Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, 6,ª ed. actualizada e aumentada, “Quid Juris – Sociedade Editora”, pág. 27, 28.
[10] Obra citada, págs. 51 e seguintes.
[11] E não os interesses dos progenitores por muita relevância que os mesmos possam assumir para cada um deles.