Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3175/24.0T8STS-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RUI MOREIRA
Descritores: EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE
RENDIMENTO DO INSOLVENTE
SUBSÍDIOS DE FÉRIAS E DE NATAL
CONCEITO DE REMUNERAÇÃO MENSAL MÍNIMA GARANTIDA
Nº do Documento: RP202504293175/24.0T8STS-B.P1
Data do Acordão: 04/29/2025
Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 2. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – Nos termos do art. 239º, nº3, do CIRE cumpre ao julgador, no seu prudente arbítrio, definir casuisticamente o rendimento do insolvente excluído da cessão aos credores, o qual tem por limite mínimo aquele montante que seja razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar.
II – É pertinente a utilização, como referência, do valor do salário mínimo nacional, para a definição desse limite mínimo.
III - Se for fixado como rendimento indisponível o valor da remuneração mensal mínima garantida e o insolvente demonstrar a necessidade de dispor mensalmente da quantia correspondente, é adequado considerar que o rendimento indisponível deve salvaguardar também a disponibilidade dos valores dos subsídios de férias e de Natal, pois que estes valores se integram no conceito de remuneração mensal mínima garantida.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: PROC. N.º 3175/24.0T8STS-B.P1

Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo de Comércio de ...

REL. N.º 955
Relator: Juiz Desembargador Rui Moreira
1º Adjunto: Juíza Desembargadora Maria da Luz Teles Meneses de Seabra
2º Adjunto: Juiz Desembargador: Alberto Eduardo Monteiro de Paiva Taveira




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ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

1. RELATÓRIO

Nos presentes autos de insolvência relativos a AA, foi liminarmente admitido o seu pedido de exoneração do passivo restante, apesar da oposição do credor Banco 1..., S.A., embora sem fundamento fáctico para impedir o prosseguimento do incidente.
No dispositivo de tal decisão, quanto à fixação do rendimento do insolvente que haverá de ficar indisponível para a fidúcia, foi definido o seguinte: “… determina-se que durante os 3 (três) anos de período de cessão ali previsto, o rendimento disponível que a insolvente venha a auferir acima de um salário mínimo nacional se considere cedido ao Fiduciário, cabendo-lhe ainda cumprir as obrigações previstas no n.º 4 do art.º 239.º, sob pena de cessação antecipada do respectivo procedimento.
Tal valor deve ser reportado a 12 meses do ano civil e ser aferido mensalmente.
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A insolvente recorreu da referida decisão, concluindo nos seguintes termos:
I. O douto despacho Refª. CITIUS: 468111180, de 29/01/2025 deve ser parcialmente revogado;
II. O Tribunal a quo fez uma análise sábia e sensata relativamente ao requerimento de exoneração do passivo restante formulado pela insolvente, e decidiu bem ao considerar verificados os seus pressupostos admitindo liminarmente o mesmo;
III. No entanto, não pode o insolvente concordar com o valor que lhes foi atribuído para sustento mínimo do seu agregado familiar, e consequentemente com o rendimento a ceder ao fiduciário;
IV. Fixou o douto despacho em €870 (oitocentos e setenta euros) a quantia referida na alínea b), i) do n.º 3 do art.º 239 do CIRE;
V. Em virtude do alegado supra e sua consequência, é o de nos levar a concluir que atenta a prova carreada aos autos, nomeadamente o rendimento do agregado familiar, as despesas do agregado, a ajuda de terceiros, indica-nos que o rendimento disponível foi fixado incorretamente;
VI. No presente processo foi declarada a insolvência de uma pessoa singular, que tem como fonte de rendimento o seu vencimento no valor de €856 (oitocentos e cinquenta e seis euros);
VII. Tendo ainda que suportar as despesas mensais inevitáveis ao seu sustento, nomeadamente os serviços essenciais, a renda da casa, transportes, alimentação, água, vestuário, saúde, eletricidade, água, gás;
VIII. Como é que se afigura razoável a fixação do rendimento disponível do agregado em 1 S.M.N. x 12.
IX. Conclusão, a presente insolvência não é para a recorrente um “fresh start”, porquanto a própria insolvência exige da recorrente a falência técnica;
X. Tal cria uma subversão do próprio processo de insolvência, o que não nos parece de todo o modo razoável e justo.
XI. Assim, tal despacho deve ser revisto e alterado para um rendimento disponível dentro de 1 + 1/3 S.N.M X 14, ou em alternativa, que se mantenha o rendimento disponível de 1 S.M.N. multiplicado por 14 meses, ao invés dos atuais 12
XII. Pelo exposto a quantia de €870 (oitocentos e setenta euros) mensais, instituída pelo douto tribunal a quo, não é suscetível de garantir ao agregado familiar da insolvente uma vida minimamente digna, nos termos dos art.º 1 da constituição da república portuguesa, e 239 do cire, devendo o douto despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que imponha como rendimento indisponível a reter pela insolvente a quantia de 1+1/3 s.m.n x 14 meses, ou em alternativa, que se mantenha o rendimento disponível de 1 s.m.n. multiplicado por 14 meses, ao invés dos atuais 12.
Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exas. doutamente suprirão, apela-se que, deve ser dado provimento ao presente recurso, sendo aquela decisão revogada parcialmente e substituída por outra que determine que o rendimento indisponível da recorrente deve ser fixado em 1 + 1/3 s.m.n x 14 meses, ou em alternativa, que se mantenha o rendimento disponível de 1 s.m.n. mas multiplicado por 14 meses;
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O recurso foi admitido, como de apelação, com subida em separado e com efeito devolutivo.
Foi depois recebido nesta Relação.
Cumpre decidir.



2- FUNDAMENTAÇÃO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - arts. 639º e 635º nº 4, do C.P.Civil.
A questão a resolver, extraída de tais conclusões, consiste na determinação do valor do rendimento da insolvente que lhe deve ser garantido para satisfação das necessidades de sobrevivência segundo um padrão de vida digno, ficando assim indisponível para cessão à fidúcia.
Nessa tarefa, o tribunal considerou provados os factos seguintes:
1. O agregado familiar da insolvente é composto exclusivamente por si;
2. Trabalha como empregada de mesa, auferindo € 856,00 mensais;
3. Despende de renda de casa € 400,00, a que acrescem as normais despesas da normal vida quotidiana; tem 25 anos de idade;
4. Não tem bens de sua pertença;
5. Tem um passivo na ordem dos € 26.000,00.
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Na decisão recorrida, o tribunal considerou que será suficiente para assegurar ao insolvente condições dignas de vida, nesta fase da sua existência, o valor de “um salário mínimo nacional (…) reportado a 12 meses do ano civil e ser aferido mensalmente.”
Por sua vez, a ora apelante defende que esse montante deve ser o de uma vez e mais um terço o valor do salário mínimo nacional, por 14 meses, ou, a manter-se o valor de um salário mínimo, a sua atribuição por 14 meses, só o excedente havendo de ser entregue ao fiduciário.
Importa, então, sindicar o mérito da decisão em crise, quanto ao valor fixado como rendimento indisponível para a cessão, o que, simultaneamente, revela aquele que ficará disponível para a satisfação dos fins da insolvência, maxime o da limitada satisfação dos créditos verificados.
O que está agora em causa é, em suma, a concessão de um benefício significativo ao insolvente, que lhe facultará, no termo do período de cessão (que haverá de ser de 3 anos, atenta a actual redacção do art. 239º do CIRE), o fim da sua responsabilidade pela satisfação de obrigações contraídas perante os seus credores. E isso com o provável prejuízo para tais credores, que lhe confiaram o seu dinheiro na expectativa de que cumprisse, para com cada um deles, as correspondentes obrigações, expectativa essa que acabarão por ver gorada provavelmente na sua totalidade, face à ausência de património que possa ser liquidado e perante os reduzidos rendimentos laborais da insolvente.
É esse o princípio geral deste instituto, consagrado no art. 235º do CIRE.
A especificidade do problema a resolver dispensa uma análise descritiva do seu enquadramento jurídico e da justificação sociológica das soluções adoptadas pelo legislador a tal propósito, tendo-se por assente que a norma cuja aplicação está em causa é a constante do art. 239º do CIRE.
Aí se dispõe, no seu nº 3: “Integram o rendimento disponível todos os rendimentos que advenham a qualquer título ao devedor, com exclusão:
a) (…)
b) Do que seja razoavelmente necessário para:
i) O sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar, não devendo exceder, salvo decisão fundamentada do juiz em contrário, três vezes o salário mínimo nacional;
ii) O exercício pelo devedor da sua actividade profissional;
iii) Outras despesas ressalvadas pelo juiz no despacho inicial ou em momento posterior, a requerimento do devedor.”
Pressupõe este regime que sejam cedidos ao fiduciário nomeado, para os fins da insolvência, todos os rendimentos auferidos pelo insolvente no período de (agora) três anos, com as excepções enunciadas.
Entre estas excepções sobressai que, dos rendimentos auferidos pelo devedor e cedidos para satisfação dos efeitos da insolvência, deve ser retirada uma parte adequada a facultar “O sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar, não devendo exceder, salvo decisão fundamentada do juiz em contrário, três vezes o salário mínimo nacional” [al. b), § 1)]. Este rendimento excluído da cessão – designado geralmente como “rendimento indisponível” corresponde à parcela desses rendimentos suficiente e indispensável a suportar economicamente a existência do devedor e seu agregado familiar.
Deste preceito, como é recorrentemente assinalado pela jurisprudência, resulta um limite máximo para essa parcela: um valor equivalente ao triplo do salário mínimo; e um limite mínimo: aquele que for necessário para, nas circunstâncias concretas do caso, assegurar um “sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar”.
No que toca a tal limite mínimo, o legislador optou claramente pela consagração de um conceito aberto, por via de cujo preenchimento esse limite deve ser identificado, assim salvaguardando as idiossincrasias de cada situação, de cada devedor, de cada agregado familiar, e tudo sem que se perca de vista o fim do processo de insolvência em que este incidente se insere e que é, até onde for possível, o ressarcimento dos credores.
Passando à análise da factualidade apurada, constata-se a parcimónia das condições de vida da requerente, conformadas pelos seus rendimentos mensais equivalentes ao valor do salário mínimo, e pelas despesas naturalmente inerentes ao seu sustento e próprias da sua idade, de 25 anos ao tempo, sobressaindo que vive sozinha e suporta um custo de renda de casa de 400,00€. Nenhuma outra despesa ou necessidade extraordinária vem referida, sendo que, quanto aos elementos factuais que constituem a premissa da sentença, nada vem criticado no recurso. Assim, a esse respeito, a mera referência a algumas concretas despesas, em sede de recurso, é absolutamente inconsequente, porquanto inapta à alteração do elenco de factos provados, por incumprimento do regime do art. 640º do CPC.
Em todo o caso, face a esta factualidade, o que se constata é que o valor de um salário mínimo, que ascende actualmente (em 2025) a 870,00€ por mês, é suficiente para garantir a satisfação das despesas reconhecidas à requerente, pois que o valor sobrante depois de paga a renda se tem, segundo uma presunção de normalidade, apta a suportar despesas de água, electricidade e alimentação, bem como outras que ocasionalmente se possam revelar necessárias, tais como as de vestuário. Nesta sede, repete-se, cumpre atentar em que a própria apelante jamais actuou no sentido de proporcionar aos autos, de forma adequada e eficaz, qualquer outra matéria capaz de propiciar uma conclusão diversa.
Por outro lado, no contexto dos autos, perante os rendimentos percebidos pela apelante, a reserva de uma quantia de 1.160,00€ mensais para si (como pretendido no recurso), correspondentes a 1+1/3 do salário mínimo nacional em vigor, de entre os rendimentos que venha a auferir futuramente, prejudicaria por certo a entrega de qualquer valor ao fiduciário. E isso porquanto se constata que a apelante não aufere sequer esse valor, como rendimento mensal, donde parece decorrer que o presente recurso, com este fundamento, constitui um exercício quase exclusivamente teórico.
Com efeito, alega a apelante, no seu recurso, ser inevitável considerar que o seu rendimento haverá de crescer, pelo que haverá de lhe proporcionar esse excedente, acima do valor do salário mínimo. Porém, também quanto a esta matéria, nenhuma factualidade requereu que fosse aditada ao rol de factos provados, observando o regime do art. 640º do CPC, em ordem a proporcionar uma base factual que permita sustentar tal especulação. Por isso, nada permite considerar sequer que a apelante poderá vir a auferir, durante o período de cessão, um valor superior ao do salário mínimo.
O recurso ao valor do salário mínimo nacional como critério para a determinação do valor a reservar para o insolvente, ficando indisponível para a cessão, é o critério seguido normalmente pela jurisprudência e, no caso concreto, também pelo tribunal a quo, apresentando-se como a melhor solução para esse efeito. Com efeito, se um Estado compreende na sua ordem jurídica um tal instituto, assume por essa forma que tal valor, correspondendo à remuneração mínima de um trabalhador, há-de ser o minimamente necessário para a sua dignificação enquanto indivíduo, enquanto trabalhador, enquanto membro activo dessa comunidade.
Admite-se que uma solução estruturada por referência a este valor, na hipótese de o requerente conseguir obter uma entrada mensal superior, não deixará de constituir um factor de condicionamento das suas condições de vida, durante o período de três anos. Mas esse efeito não é imputável a qualquer dos seus credores que, mesmo nessas circunstâncias, não deixarão de ver frustradas totalmente as suas expectativas de recebimento dos seus créditos (que ascendem a 26.000,00€), tanto mais que nenhum bem foi apreendido para a insolvência, tendo o processo sido encerrado sem qualquer liquidação de património.
Entendemos, pois, na ponderação e compatibilização possível de todos os interesses em presença e em concordância com o tribunal recorrido, ser adequado fixar o rendimento indisponível para os credores, a reservar para o insolvente, num montante equivalente ao valor de uma vez o salário mínimo nacional (actualmente de 870€), que permitirá a sua vivência, durante o período de cessão, em condições de mínima dignidade humana. Esta solução atenta quer na circunstância de a ora apelante não suportar outras despesas que não as suas próprias, pois não tem responsabilidades perante outrem, quer no facto de tais despesas não poderem ser repartidas, tudo em termos já ponderados aquando da identificação dos custos de vivência que suporta.
Tal solução permitirá satisfazer apenas no limite todas as despesas que se verificou serem agora suportadas mensalmente pela insolvente. Haverá de ser ela a adaptar as suas condições de vida aos meios que lhe ficam disponíveis, tanto mais que, segundo se demonstrou, o referido valor do salário mínimo é, pelo menos na actualidade, aquele que vem auferindo.
Improcederá, quanto a esta questão, o presente recurso de apelação.
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Diferente questão é de saber se o montante a salvaguardar para a insolvente há-de ser aferido relativamente a 12 ou a 14 meses. Ou seja, se lhe devem ser salvaguardados 10.440,00€ ou 12.180,00 por ano, respectivamente.
A questão a resolver não coincide com aquela que diversa jurisprudência dos tribunais superiores foi chamada a resolver, perante a indefinição, na decisão de 1ª instância, sobre se a salvaguarda de determinado valor para o insolvente se referia a um valor mensal estrito, ou a um valor mensal que considerasse a circunstância de a remuneração mínima garantida dever ser paga 14 vezes por ano.
No caso, porém, essa indefinição não existe: o tribunal recorrido considerou que seria suficiente, para o sustento do devedor em condições de dignidade um valor de 870,00€ por mês, 12 vezes por ano, num total de 10.440,00€. Assim, no caso de a insolvente lograr auferir qualquer valor a mais, designadamente o correspondente aos subsídios de férias e de Natal, teria de o entregar ao fiduciário, pois que concluiu o tribunal bastarem-lhe aqueles 10.440,00€ € por ano, para assegurar o seu sustento em condições de dignidade.
Neste contexto, não cabe interpretar ou complementar a decisão recorrida, para decidir se a referenciação do rendimento indisponível ao salário mínimo nacional deve fazer-se a um valor mensal multiplicado por 12 ou por 14 vezes.
O que cabe é sindicar a solução concretamente definida, que considerou ser suficiente, para garantir a subsistência do insolvente em condições de dignidade, o valor de 10.440,00 por ano, isto é, o valor concreto de 870,00€ mensais multiplicado por 12 meses.
Acima, quando se discutiu se se justificava a fixação do rendimento indisponível para a cessão em um salário mínimo ou em um salário e mais um terço, um dos argumentos usados foi o de que o legislador considera que o montante do salário mínimo (ou remuneração mensal mínima garantida) correspondendo à remuneração mínima de um trabalhador, há-de ser o minimamente necessário para a sua dignificação enquanto indivíduo, enquanto trabalhador, enquanto membro activo dessa comunidade.
Todavia, essa ponderação tem por pressuposto que um tal valor é pago 14 vezes por ano. Ou seja, se tal argumento usa como referência o valor do salário mínimo, para o ter por suficiente, também tem de incluir o pressuposto de que o que é suficiente é o valor mensal pago por 14 vezes. E isso porquanto tal é a medida do salário mínimo, que um trabalhador há-de receber 14 vezes por ano.
Cumpre recordar a declaração de voto de vencido subscrita pelo Sr. Cons. João Cura Mariano, no Ac. do Tribunal Constitucional nº 770/2014 (https://www.tribunalconstitucional.pt /tc/acordaos /20140770.html) que, apreciando a mesma questão embora no âmbito da impenhorabilidade de rendimentos, enunciou com clareza este entendimento, a que não podemos deixar de aderir: “(…) Para superar as dificuldades da determinação do que é o mínimo necessário a uma subsistência condigna, o Tribunal Constitucional, relativamente aos rendimentos auferidos periodicamente, impôs a impenhorabilidade das prestações periódicas, pagas a título de regalia social ou de pensão, cujo valor global não seja superior ao salário mínimo nacional, quando o executado não é titular de outros bens penhoráveis suficientes para satisfazer a dívida exequenda (Acórdão n.º 177/02, acessível em www.tribunalconstitucional.pt) Aproveitou-se, assim, o facto do salário mínimo nacional conter em si a ideia de que é a remuneração básica estritamente indispensável para satisfazer as necessidades impostas pela sobrevivência digna do trabalhador e por ter sido concebido como o “mínimo dos mínimos”, para utilizar esse valor, sujeito a atualizações, como aquele, a partir do qual, qualquer afetação porá em risco a subsistência condigna de quem vive de uma qualquer prestação periódica.
No caso das pensões pagas mensalmente com direito a subsídio de férias e de Natal, a impenhorabilidade tem que salvaguardar qualquer uma das suas prestações, incluindo os subsídios, quando estas têm um valor inferior ao do salário mínimo nacional. E o facto de, nos meses em que são pagos aqueles subsídios, a soma do valor da pensão mensal com o valor do subsídio ultrapassar o valor do salário mínimo nacional, não permite que tais prestações passem a estar expostas à penhora para satisfação do direito dos credores, uma vez que elas, por serem pagas no mesmo momento, não deixam de ser necessárias à subsistência condigna do seu titular.
Não é o momento em que são pagas que as torna ou não indispensáveis à subsistência condigna do executado, mas sim o seu valor, uma vez que é este que lhe permite adquirir os meios necessários a essa subsistência.
Aliás, quando o Tribunal Constitucional escolheu o salário mínimo como o valor de referência para determinar o mínimo de subsistência condigna teve necessariamente presente que o mesmo era pago 14 vezes no ano, circunstância que tem influência na fixação do seu valor mensal, tendo entendido que o recebimento integral de todas essas prestações era imprescindível para o seu titular subsistir com dignidade. Foi o valor dessas prestações, pagas 14 vezes ao ano, que se entendeu ser estritamente indispensável para satisfazer as necessidades impostas pela sobrevivência digna do trabalhador.”
Nas concretas circunstâncias do caso, à insolvente foi fixado como rendimento indisponível o valor de um salário mínimo. Apurou-se ainda que as suas necessidades mensais consomem integralmente o valor que recebe nesse período de tempo. Não se teve por justificado que devesse manter valor superior, a fim de se lograr a realização, ainda que diminuta, de alguns dos interesses da insolvência.
Por isso, tal como acima se justificou, devemos admitir que um tal valor deve corresponder àquele que compreende também os montantes que a insolvente venha a receber a título de subsídios de férias e de Natal, pois que estes integram o que na citada declaração de voto se designa como o «…“mínimo dos mínimos” a partir do qual, qualquer afetação porá em risco a subsistência condigna de quem vive de uma qualquer prestação periódica». Em suma, se se lhe atribui o mínimo, deve entender-se que este mínimo corresponde ao que o próprio legislador pressupôs no conceito de mínimo: o valor que actualmente corresponde a 870,00€ por mês, mas percebido 14 vezes por ano.
Procederá, em conclusão, a apelação nesta parte, cumprindo alterar a decisão recorrida em conformidade, fixando-se como rendimento indisponível a quantia correspondente a uma remuneração mínima mensal garantida, calculada nos termos descritos, ou seja: valor mensal do salário mínimo multiplicado por 14 vezes.

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Sumariando, nos termos do art. 663º, nº7 do Código do Processo Civil
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3 – Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes que constituem este Tribunal em conceder parcial provimento à presente apelação, em razão do que a alteram fixando como rendimento indisponível à insolvente AA a quantia correspondente ao valor de uma remuneração mínima mensal garantida, multiplicada por catorze vezes.
No mais, se confirma a decisão recorrida.

Custas pelo apelante e pela massa insolvente, na proporção de metade.











Porto, 29 de Abril de 2025

Rui Moreira

Maria da Luz Teles Meneses de Seabra, vencida conforme declaração que segue - [Voto de vencido: - Voto vencida quanto ao 2º segmento decisório do Acórdão, por considerar que sendo os subsídios de férias e de natal prestações que acrescem à retribuição mínima mensal que foi por nós considerada como suficiente para o sustento minimamente condigno da insolvente, na medida em que ultrapassam o valor de um salário mínimo fixado a título de rendimento disponível mensal devem ser incluídos no rendimento a disponibilizar ao fiduciário.
Nestes termos, julgaria o presente recurso totalmente improcedente.]

Alberto Taveira