Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0354714
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PELAYO GONÇALVES
Descritores: RECLAMAÇÃO
Nº do Documento: RP
Data do Acordão: 08/20/2003
Votação: 1
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECLAMAÇÃO.
Decisão: INDEFERIDA.
Área Temática: .
Sumário:
Reclamações: Rec. 216
Pº. 4714/03-5

Nas Varas de Competência Mista e Comarca de Vila Nova de Gaia, ….º Juízo Cível, B…….., Ldª., com sede na Rua ….., nº …., em Arcozelo, dessa Comarca, intentou, nos termos do artº 54º, nº 2 do Código das Expropriações, procedimento judicial contra IEP – Instituto de Estradas de Portugal, pedindo a avocação judicial do processo administrativo de expropriação pública da parcela de terreno e onde se encontra edificado um posto de abastecimento Galp do qual é concessionária.
Entende que nessa qualidade é titular de direito de indemnização por via dessa expropriação, o que não é aceite pela entidade expropriante, conforme ofício que junta, não dando seguimento ao devido processo administrativo.
Apesar de imediato ter apresentado na expropriante a arguição da irregularidade, por a não ter considerado no processo expropriativo, nada lhe foi dito, razão do uso do exercício da faculdade concedida no citado preceito, para avocação judicial do processo e tramitação processual posterior em Tribunal.
O Meritíssimo Juiz ordenou a avocação imediata do processo no despacho certificado a fls. 39.
Não se conformou a expropriante com tal decisão pelo que dela interpôs recurso, que não foi recebido por o Meritíssimo Juiz entender de se tratar de despacho de mero expediente – ver fls.40.
Também não se conformou a expropriante com este despacho de rejeição do recurso e dele reclamou para o Presidente do Tribunal da Relação da área, ao abrigo do disposto no artº 688º do CPC.
Na alegação que nos dirige a expor as razões que justificam o recebimento do recurso são do seguinte teor:
“A presente reclamação baseia-se exclusivamente numa única razão de ser: a não admissão por parte do Tribunal a quo do recurso de agravo interposto pelo ora reclamante, consubstanciado no facto de considerar que o despacho judicial proferido relativamente à avocação imediata do presente processo de expropriação é simples despacho de mero expediente, logo não susceptível de recurso.
Porém, e considerando o exposto no nº 2 do artº 54º do Código das Expropriações, devemos considerar que o despacho de avocação proferido no presente processo expropriativo não se traduz numa questão de mero expediente, mas sim numa questão processual e material relevante para as partes.

De acordo com Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil anotado, Volume V, pgs.259, os despachos de mero expediente, “são os que o juiz profere para assegurar o andamento regular do processo”, não sendo susceptíveis de ofender os direitos processuais das partes ou de terceiros.

Considerando a definição legal prevista no nº 4 do artº 156º do Código de Processo Civil, devemos considerar que aí se encontra totalmente acolhida a doutrina proferida pelo Professor Alberto dos Reis, não sendo possível de forma alguma concordar com o raciocínio que considera o despacho de avocação proferido no presente processo de expropriação, como um despacho de mero expediente, senão analisemos o texto da lei: “Os despachos de mero expediente destinam-se a prover ao andamento regular do processo, sem interferir no conflito de interesses entre as partes”.

De acordo com o previsto no artigo 54º do Código das expropriações de 1999, existem fundamentos e requisitos que se devem verificar para que seja proferido um despacho de avocação.

O despacho de avocação proferido pressupõe, desde logo, que a requerente tem legitimidade para reclamar de qualquer irregularidade cometida no procedimento administrativo de expropriação, como igualmente determina e qualifica a reclamante como parte interessada.

Assim sendo, é totalmente legítimo e admissível que a expropriante tenha interesse em controlar e sindicar tal decisão, uma vez que tal qualificação irá conflituar com os interesses da ora reclamante.

Considerando que o despacho de avocação proferido tem subjacente desde logo um juízo valorativo, ao considerar como parte interessada e legítima a requerida B……., Ldª., não nos parece que o despacho ora reclamado, tenha as características legalmente previstas para ser qualificado como despacho de mero expediente, uma vez que, tal consideração, resulta, desde logo, uma questão de legitimidade processual.

Nestes termos, deverá a presente reclamação ser julgada procedente, revogando-se o despacho reclamado e substituindo-o por outro que determine a admissão do recurso interposto”.

O Meritíssimo Juiz manteve o seu despacho e não houve resposta da parte contrária.

DECIDINDO:
A questão que nos é posta reduz-se ao conceito de despacho de mero expediente, assim delimitada nas alegações da Reclamante.
Nos termos do disposto no artº 156º do CPC “os despachos de mero expediente destinam-se a prover ao andamento regular do processo, sem interferir no conflito de interesses entre as partes; consideram-se proferidos no uso legal de um poder discricionário os despachos que decidam matérias confiadas ao prudente arbítrio do julgador.”.

Apenas nos interessa o primeiro conceito de despacho de mero expediente, já que foi com base nele que o Meritíssimo Juiz não admitiu recurso.
Na decisão do Sr: Presidente da Relação de Lisboa, publicada na C.J. Ano IV, Tomo 2, pg. 585, entendeu-se que “são despachos de mero expediente os que, não decidindo de qualquer questão de forma ou de fundo, se destinem fundamentalmente a regular o andamento do processo.”.
Para o Professor Alberto dos Reis se do acto do juiz “causar a uma das partes prejuízo decisivo, é evidente que o despacho recorrido não entra na classe de mero expediente – Coment. Ao Cód. Proc. Civil, Vol. II, pg.152.
No caso dos autos a Reclamada arroga-se ao direito de ser indemnizada na expropriação por utilidade pública mencionada nos autos, por ser concessionária do posto Galp que vai ser destruído. Mas a Expropriante nega-lhe tal indemnização, como expressou no citado ofício e não deu início ao processo administrativo.
Nos termos do nº 1 do artº 54º do C.E. – DL. nº 168/99, de 18 de Setembro – concede ao expropriado, expropriante ou demais interessados a faculdade de reclamar, no prazo de 10 dias, a contar do seu conhecimento, contra qualquer irregularidade cometida no procedimento administrativo. E nos termos do nº 2 do mesmo preceito, prestada a informação pela Expropriante, o processo deve ser remetido ao Juiz de Direito da Comarca da situação dos bens, no prazo de dez dias, sob pena de avocação imediata do procedimento pelo Tribunal com os elementos nela expressos.

E o Juiz, nos termos do nº 3 do mesmo preceito, decide da reclamação com os elementos do processo e com outros que entenda solicitar.

“Desta decisão cabe recurso com efeito meramente devolutivo, que sobe com o recurso da decisão final” – nº 6 idem.

Do exposto se concluiu que tal faculdade respeita a qualquer cidadão que se arrogue ao direito de expropriação, cabendo ao juiz decidir do uso de tal faculdade, se merece, ou não, a tutela legal.
O facto de ordenar a avocação do processo não significa ter o cidadão que reclamou para ele a legitimidade processual para o processo de expropriação litigiosa.
Tal será decidido no posterior despacho com os elementos prestados pelas partes ou que tenha recolhido.
Por isso, o despacho em causa não dá nem retira direito a qualquer das partes, nada decidindo de questões de forma ou de fundo da questão.
Apenas avoca o processo administrativo para verificar da sua legalidade e do seu regular andamento, como o permite o citado artº 54º, nº 1.
Deste modo o Meritíssimo Juiz limita-se a regular o andamento do processo com o fim de proferir decisão devidamente habilitada como vem requerido.
Só, posteriormente, é admissível de recurso nos termos atrás expostos.

Nestes termos, sem necessidade de maior fundamentação, por escusada, INDEFIRO a presente reclamação.

Sem custas, por delas estar o reclamante isento.

Porto, 20 de Agosto de 2003

O Vice-Presidente da Relação
Rui Fernando da Silva Pelayo Gonçalves
Decisão Texto Integral: