Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
8778/21.1T8PRT-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JUDITE PIRES
Descritores: SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO
RECEBIMENTO DOS EMBARGOS
PRESTAÇÃO DE CAUÇÃO
Nº do Documento: RP202203108778/21.1T8PRT-B.P1
Data do Acordão: 03/10/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O recebimento de embargos deduzidos pelo executado só suspende a execução quando ocorra alguma das circunstâncias tipificadas no n.º 1 do artigo 733.º do Código de Processo Civil.
II - A acção executiva pode ser suspensa na sequência do recebimento dos embargos quando “tiver sido impugnada, no âmbito da oposição deduzida, a exigibilidade ou a liquidação da obrigação exequenda e o juiz considerar, ouvido o embargado, que se justifica a suspensão sem prestação de caução”.
III - Do executado que nos embargos impugne a exigibilidade ou a liquidação da obrigação exequenda, exige-se, para que se justifique a suspensão da execução sem prestação de caução, que suporte essa alegação numa versão factual consistente, verosímil, conforme às regras da experiência e do comportamento humano e apresente logo meios de prova com forte valor probatório que se anteveja difícil de superar em sede de audiência de julgamento.
IV - O poder do juiz, nestas circunstâncias, de considerar ou não justificada a suspensão da execução sem a prestação de caução é um verdadeiro poder-dever, o que implica que sempre que houver elementos em função dos quais se justifique suspender a execução sem a prestação de caução o juiz não apenas pode como deve mesmo fazê-lo.
V - Nestas circunstâncias a realização de diligências com vista à penhora de bens de executado deve aguardar que previamente se profira decisão sobre a suspensão da execução na sequência do recebimento de embargos de executado quando ocorra a circunstância prevista na alínea c), do n.º 1 do artigo 733.º do Código de Processo Civil.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 8778/21.1T8PRT-B.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo de Execução do Porto – Juiz 5

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I.RELATÓRIO
1. Por apenso aos autos de execução instaurados pelos exequentes AA e BB, os executados CC e “G..., L.da deduziram oposição à penhora relativamente aos saldos bancários no montante de € 21.337,43, pelos factos alegados no seu requerimento inicial, o qual findam assim:
“Porque inadmissível a penhora, enquanto não for decidido o pedido de suspensão da execução, ou, em alternativa, a caução, que subsidiariamente os executados requererão aos autos, deve proceder a presente oposição à penhora e, em consequência, ser ordenado o levantamento das penhoras de saldos de contas bancárias e a suspensão da execução e todas as diligências de penhora até que seja proferido despacho sobre o requerimento de suspensão de execução solicitado nos autos apensos de embargos de executado.
Entretanto, e caso o Tribunal venha a considerar que não se verificam os requisitos previstos à alínea c) do n.º 1 do artigo 733.º do CPC, desde já os executados manifestam a pretensão de prestarem caução, através de meio idóneo a oferecer aos autos, logo que para tal notificados, requerendo que o senhor agente de execução seja notificado que apenas poderá prosseguir com as diligências de penhora após decorrido o prazo concedido aos executados/embargantes para tal efeito (o que não precludirá, pois que os executados prestarão oportunamente caução).
Tudo por forma a que seja alcançada a verdade material nos autos de embargos, com o mínimo de prejuízos causados aos seus intervenientes”.
Sobre tal pretensão recaiu o seguinte despacho:
Compulsado o requerimento inicial verificamos que por ele o opoente pretende se determine o levantamento de penhora de saldo de conta bancária por ilegalidade, com fundamento em ter sido requerida a suspensão da instância e caso a mesma venha a ser indeferida, sempre poderá prestar caução.
Dispõe o artº 784º, nº1, que são fundamentos de oposição à penhora:
1 - Sendo penhorados bens pertencentes ao executado, pode este opor-se à penhora com algum dos seguintes fundamentos:
a) Inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos ou da extensão com que ela foi realizada;
b) Imediata penhora de bens que só subsidiariamente respondam pela dívida exequenda;
c) Incidência da penhora sobre bens que, não respondendo, nos termos do direito substantivo, pela dívida exequenda, não deviam ter sido atingidos pela diligência.”
O pedido de sustação, em sede de processo executivo que prossegue a execução sobre a forma ordinária não é fundamento de sustação da execução enquanto o tribunal não se pronunciar, em sede própria sobre a mesma, o mesmo sucedendo com a eventual prestação de caução, que apenas produzem efeitos a partir do momento em que são decidias e/ou prestadas.
Tais fundamentos, repete-se, não se enquadram em qualquer das als do nº1, do preceito citado.
Assim, por falta de fundamento legal, indefiro liminarmente a oposição à execução- artº 476º e 784º, nº1, à contrario.
Custas do incidente pelo opoente, fixando a taxa de justiça no mínimo legal.
D.N.
2. Inconformados com tal decisão, dela interpuseram os executados/oponentes recurso de apelação para esta Relação, formulando com as suas alegações as seguintes conclusões:
1.- Afigura-se aos Recorrentes que a decisão recorrida está em desconformidade com uma boa decisão de Direito.
2.- Os Recorrentes requereram a suspensão da execução, já que a quantia exequenda não é exigível por se encontrar integralmente liquidada, o que fizeram ao abrigo do art. 733.º, n.º1, alínea c), CPC.
3.- Paralelamente, e após terem sido admitidos os embargos de executado, os Recorrentes apresentaram um requerimento aos autos executivos, com caráter de urgência, expondo que, em sede de embargos, demonstraram cabalmente, e ainda através da prova documental oferecida, que nada devem aos Exequentes, requerendo que o Sr. Agente de Execução suspendesse as diligências de penhora, até à prolação de decisão judicial sobre a requerida suspensão da instância, atendendo aos prejuízos irreparáveis que tais diligências estão a causar à solvência dos Executados.
4.-Posteriormente, os Recorrentes ofereceram oposição à penhora, alegando que as penhoras levadas a cabo pelo Sr. Agente de Execução eram inadmissíveis por ilegais, já que os mesmos haviam requerido a suspensão da instância, por a obrigação exequenda ser inexigível por força do pagamento integral, como bem atesta a declaração de quitação emitida pela Exequente mulher junta aos autos.
5.-Ora, atendendo a tais elementos, afigura-se aos Recorrentes que o Sr. Agente de Execução sempre teria que aguardar pela decisão judicial sobre a suspensão da instância para prosseguir com os autos e respetivas diligências de penhora, sob pena de causar prejuízos sérios e dificilmente irreparáveis.
Isto dito,
6.- A citação prévia visa acautelar o interesse dos Executados a não verem o seu património perseguido injustificadamente, sem que lhes seja permitido o contraditório e sem que, em caso disso, e numa primeira apreciação liminar do Tribunal, seja analisada a exigibilidade e liquidação da quantia que os Exequentes se arrogam. Ou, então, sem que lhes seja permitido oferecer caução que evite as nefastas consequências das diligências de penhora.
7.- Tanto assim o é que, se os Exequentes pretenderem que as penhoras sejam realizadas sem a citação prévia dos Executados, sobre os mesmos impende o ónus de alegação de factualidade que alicerce o seu justo receio de perda da garantia patrimonial do seu crédito e ofereça meios de prova.
8.- Em boa verdade, os Recorrentes deduziram embargos, alegando e demonstrando cabalmente que nada deviam, suportado a sua argumentação numa declaração emitida pela Exequente mulher, a qual dava total quitação ao Executados, por tal dívida se achar integralmente liquidada. Sem nunca olvidar o facto de que a assinatura ínsita em tal declaração se acha reconhecida e, por isso, goza de uma força probatória plena (cfr.376.º, n.º1, CC) e que a mesma tampouco foi impugnada em sede de contestação aos embargos.
9.- Ora, tendo os aqui Recorrentes deduzido embargos de executado, alegando a inexigibilidade da quantia exequenda, juntando, para o efeito, um documento que goza de força probatória plena, o qual tampouco se acha impugnado, e, por tais motivos, requerido a suspensão da instância (cfr. art. 733.º, n.º1, alínea c), CPC), mais tendo os Recorrentes deduzido oposição à penhora, requerendo o seu levantamento por as penhoras realizadas originar um maior prejuízo do que, efetivamente, um benefício, levando à ruína dos Executados, manifestando o propósito de prestar caução, sempre a decisão da Mmª Juiz a quo deveria ter sido num outro sentido.
Com efeito,
10.- A previsão de tal normativo (art. 733.º/1/c), CPC) pressupõe a demonstração de dois requisitos: a impugnação da exigibilidade e/ou liquidação da quantia exequenda; e justificar-se a suspensão da instância sem a necessidade de deduzir incidente de prestação de caução. O primeiro requisito é de elementar prova, porquanto depende tão só da configuração que os Executados deram à oposição à execução por si oferecida.
11.- Já quanto ao segundo pressuposto é de exigir que, dos termos da impugnação da exigibilidade da quantia exequenda, confrontados com os elementos de apreciação, máxime o título executivo, se revele algo importante e manifesto, que dispense o imperativo de colocar o exequente a coberto dos riscos da demora no prosseguimento da ação executiva ou do empreendimento de manobras delapidatórias por parte do executado.
12.- O critério para aferir a necessidade de suspender os autos executivos, sem prestação de caução, não se trata de um critério individual do juiz do processo, caso em que tal decisão seria discricionária, mas configura verdadeiramente um critério normativo, ou seja, depende estritamente da interação entre os fundamentos e as finalidades da ação executiva e a realidade factual apresentada pelo Executado, pressupondo que se possa concluir que os autos contêm uma situação de vida que justifica a atenuação da pressão exercida sobre o executado pelas diligências coercivas do processo e a colocação em risco do princípio da efetividade, o qual norteio o processo executivo, que naturalmente decorre de se prescindir da caução.
13.- A conclusão de que se justifica a suspensão sem prestação de caução há-se exigir que o Embargante suporte essa alegação numa versão factual consistente, verosímil, conforme as regras da experiência e do comportamento humano, apresentando logo meios de prova com forte valor probatório, que se anteveja difícil de contrapor, em sede de audiência de julgamento.
14.- Neste ensejo, e conforme melhor alegado em sede de embargos de executado e, bem assim, em oposição à penhora, a penhora dos saldos existentes nas contas bancárias dos Executados revelam um maior prejuízo sério e grave da sua subsistência, do que propriamente o benefício que poderão trazer ao Exequente.
15.- Em boa verdade, um dos Executados configura uma sociedade, que se trata das clínicas dentistas detidas pelo Executado DD. O saldo existente nas contas bancárias da Executada Sociedade, destinam-se, além do mais, ao pagamento de todas as obrigações diárias e mensais de tal sociedade, designadamente, ao pagamento de fornecedores, vencimento dos seus funcionários, segurança social, impostos, rendas de leasing, e outras despesas relacionadas com a sua atividade.
16.- Se o Senhor Agente de Execução prosseguir com as suas diligências de penhora até que o Tribunal a quo impenda decisão judicial sobre o pedido de suspensão da execução, decidindo, porventura, pela penhora de computadores, equipamentos dentários, cadeiras de dentista, equipamentos ortopantográficos, entre outros instrumentos necessários à prossecução da atividade dos Executados, estará definitivamente comprometida a atividade dos mesmos, conduzindo-os à ruína e a que se apresentem à insolvência
17.- Revela-se absolutamente oneroso que os Executados, aqui Recorrentes, tenham que suportar penhoras, referentes a mútuos que já se acham liquidados, vendo a sua solvência ser totalmente asfixiada, enquanto desesperam por uma decisão judicial.
18.- Atendendo aos prejuízos graves e irreparáveis que as penhoras estão a causar na prossecução na atividade dos Executados, sempre a Mma. Juiz a quo deveria ter admitido a oposição à penhora e pronunciando-se sobre os elementos levados à sua douta apreciação, mormente, o pedido de suspensão da execução e, subsidiariamente, o propósito de prestar caução, caso o seu pedido principal não vencesse.
19.- Não tendo, dessa forma, decidido, a Mma. Juiz a quo violou na sua interpretação e aplicação as normas estatuídas aos arts. 733.º, n.º1, alínea c), e art. 784.º, ambos do CPC; e ainda art. 376.º, n.º1, CC.
TERMOS EM QUE deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado e, por consequência, ser revogada a douta sentença da 1ª. Instância e substituída por outra que admita a oposição à penhora deduzida, decretando-se a suspensão das diligências de penhora, atendendo aos prejuízos graves e dificilmente irreparáveis que tais diligências estão a causar à solvência dos Executados.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar.

II.OBJECTO DO RECURSO
A. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelos recorrentes e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importando destacar, todavia, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito.
B. Considerando, deste modo, a delimitação que decorre das conclusões formuladas pelos recorrentes, no caso dos autos cumprirá apreciar se deve ser admitida a oposição à penhora.

III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Mostram-se relevantes ao conhecimento do objecto do recurso, além do descrito no relatório que antecede, os seguintes factos/incidências processuais, documentalmente comprovados:
1. Na sequência da execução contra eles instaurada, os executados CC e “G..., L.da deduziram embargos de executado, em 6.07.2021, no âmbito dos quais, convocando o disposto no artigo 733.º, n.º, c) do Código de Processo Civil, requereram a suspensão da acção executiva, alegando não ser exigível a quantia exequenda por se achar integralmente paga.
2. Os embargos foram recebidos por despacho de 9.07.2021, tendo sido contestados pelos embargados, ora recorridos, em 17.09.2021, sem que tenham posteriormente sido tramitados.
3. Em 6.09.2021 os executados apresentaram no processo executivo requerimento, a que atribuíram carácter urgente, alegando que, em sede de embargos, demonstraram, designadamente através de prova documental oferecida, que nada devem aos exequentes, requerendo que a execução fosse suspensa, ao abrigo da alínea c) do n.º1do artigo 733.º, do CPC, e ainda que fosse o Sr. Agente de Execução notificado para suspender as diligências de penhora até que fosse proferido despacho sobre a suspensão da execução, atendendo aos sérios e graves prejuízos que tais diligências lhes estão a causar.
Subsidiariamente, para o caso do Tribunal não decretar a suspensão da execução ao abrigo do referido normativo, os executados manifestaram a pretensão de prestar caução.
4. Em 23.09.2021, os executados, ora recorrentes deduziram oposição à penhora, alegando que as penhoras efectuadas pelo Sr. Agente de Execução eram inadmissíveis, por ilegais, já que os mesmos haviam pugnado pela inexigibilidade da quantia exequenda, por a mesma se encontrar integralmente liquidada, facto suportado pela declaração de 23.09.2019, assinada pela exequente mulher, a qual atestava que tal dívida se encontrava extinta pelo pagamento.

IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
Em causa está a oposição à penhora deduzida pelos executados relativamente aos saldos bancários que, no âmbito da execução contra eles instaurada, foi concretizada e que a decisão que agora impugnam por meio do presente recurso indeferiu liminarmente por considerar que não se mostrava, em concreto, preenchida nenhuma das condições previstas no n.º 1 do artigo 784.º do Código do Processo Civil.
Dispõe o normativo em causa, que tem como epígrafe Fundamentos da Oposição:
1 - Sendo penhorados bens pertencentes ao executado, pode este opor-se à penhora com algum dos seguintes fundamentos:
a) Inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos ou da extensão com que ela foi realizada;
b) Imediata penhora de bens que só subsidiariamente respondam pela dívida exequenda;
c) Incidência da penhora sobre bens que, não respondendo, nos termos do direito substantivo, pela dívida exequenda, não deviam ter sido atingidos pela diligência.
Não se comprova, no caso em apreço, a existência de algum dos fundamentos aí previstos, cuja verificação, de resto, os executados/oponentes não invocaram.
Argumentam antes os executados, ora recorrentes, que deduziram embargos de executado, no âmbito dos quais, nos termos do artigo 733.º, n.º 1, c) do Código de Processo Civil, impugnaram a exigibilidade da obrigação exequenda, alegando nada deverem aos exequentes, por a dívida se encontrar integralmente liquidada, juntando prova desse facto alegado, nomeadamente declaração emitida a 23.09.2019 pela exequente mulher, implicando o recebimento dos embargos a suspensão da execução, sem necessidade de prestação de caução.
O artigo 733.º do Código de Processo Civil regula os efeitos do recebimento dos embargos de executado.
Tal recebimento apenas suspende o prosseguimento da execução quando ocorra alguma das circunstâncias expressamente prevista no n.º 1 do mencionado normativo:
a) O embargante prestar caução;
b) Tratando-se de execução fundada em documento particular, o embargante tiver impugnado a genuinidade da respetiva assinatura, apresentando documento que constitua princípio de prova, e o juiz entender, ouvido o embargado, que se justifica a suspensão sem prestação de caução;
c) Tiver sido impugnada, no âmbito da oposição deduzida, a exigibilidade ou a liquidação da obrigação exequenda e o juiz considerar, ouvido o embargado, que se justifica a suspensão sem prestação de caução.
d) A oposição tiver por fundamento qualquer das situações previstas na alínea e) do artigo 696.º
O recebimento dos embargos, por regra, não suspende os termos da execução de que são dependentes, ocorrendo esse efeito suspensivo apenas nos casos taxativamente fixados no n.º 1 do artigo 733.º.
Sobre a circunstância prevista na alínea c), esclarece o acórdão da Relação do Porto de 2.07.2015[1], de que foi relator o Ex.mo Desembargador Aristides de Almeida, aqui adjunto: “A previsão dessa norma pressupõe a reunião de dois elementos: estar impugnada, nos embargos, a exigibilidade ou a liquidação da obrigação exequenda; justificar-se a suspensão sem prestação de caução.
O primeiro desses elementos da previsão normativa é puramente factual e depende apenas da configuração que a executada deu à sua oposição à execução [...].
A suspensão da execução pedida pelo executado na sequência da dedução dos embargos não pode [...] ser recusada com o argumento de que à face do título executivo a obrigação está vencida e é exigível, se o executado tiver nos embargos alegado factos destinados a demonstrar que a obrigação exequenda não é mesmo exigível.
Como vimos, a suspensão da execução depende da reunião de dois elementos. Se para determinar a suspensão da execução fosse suficiente o facto de o executado ter impugnado nos embargos a exigibilidade ou a liquidação da obrigação exequenda (ou, sendo o título executivo um documento particular, ter impugnado a genuinidade da sua assinatura e apresentado documento que constitua princípio de prova), a norma não exigiria ainda, como exige, que além disso, o juiz entenda que se justifique a suspensão sem prestação de caução [...].
Parece claro que o poder do juiz de considerar ou não justificada a suspensão da execução sem a prestação de caução é um verdadeiro poder-dever, ou seja, sempre que houver elementos em função dos quais se justifique suspender a execução sem a prestação de caução o juiz não apenas pode como deve mesmo fazê-lo.
Por outro lado, o critério da justificação não é o critério individual do juiz do processo, caso em que a decisão seria discricionária, mas é verdadeiramente um critério normativo, ou seja, depende estritamente da interacção entre os fundamentos e finalidades da acção executiva e a realidade factual apresentada pelo executado, pressupondo que se possa concluir que os autos contêm uma situação de vida que justifica a atenuação da pressão exercida sobre o executado pelas diligências coercivas do processo e a colocação em risco do princípio da efectividade que norteia o processo executivo (obter o cumprimento do direito) que naturalmente decorre de se prescindir da caução.
[...] quando nos embargos o executado impugna a exigibilidade ou a liquidação da obrigação exequenda (...) a conclusão de que se justifica a suspensão sem prestação de caução há-se exigir que o embargante suporte essa alegação numa versão factual consistente, verosímil, conforme às regras da experiência e do comportamento humano e apresente logo meios de prova com forte valor probatório que se anteveja difícil de superar em sede de audiência de julgamento. Serão situações excepcionais, por certo, mas quando assim não for o executado terá à sua disposição o outro mecanismo de obter a suspensão da execução: a prestação de caução”.
E, no mesmo sentido, refere o acórdão da Relação de Coimbra de 13.11.2018[2]: “1. A situação da alínea c) do n.º 1 do art.º 733º do CPC pressupõe a reunião de dois elementos: estar impugnada, nos embargos, a exigibilidade e/ou a liquidação da obrigação exequenda (art.ºs 713º e 729º, alínea e) do CPC), justificativa da suspensão da execução sem prestação de caução e, ainda, que o juiz entenda que se justifica tal suspensão.
2. Quando o executado/embargante impugna a exigibilidade ou a liquidação da obrigação exequenda, nos termos do art.º 733º, n.º 1, alínea c) do CPC, a conclusão de que se justifica a suspensão da execução sem prestação de caução há-se exigir que o embargante suporte essa alegação numa versão factual consistente, verosímil, conforme às regras da experiência e do comportamento humano e apresente logo meios de prova com forte valor probatório que se anteveja difícil de superar em sede de audiência de julgamento, sob pena de não se poder afastar a regra de que para obter a suspensão da execução se deverá prestar caução (art.º 733º, n.º 1, alínea a), do CPC)”.
No caso que aqui nos ocupa, CC e “G..., L.da, na sequência da execução contra eles instaurada deduziram embargos de executado, nos quais impugnaram a exigibilidade da obrigação exequenda, com o fundamento de que a respectiva dívida se acha integralmente paga, indicando prova do alegado, nomeadamente, declaração escrita alegadamente subscrita pela exequente mulher, requerendo, com esse fundamento, suspensão da acção executiva, nos termos do artigo 733.º, n.º 1, c) do Código de Processo Civil.
Tendo os embargos sido recebidos a 9.07.2021 e nada tendo sido decidido quanto ao prosseguimento da execução, os executados/embargantes apresentaram, a 6.09.2021, requerimento no processo executivo, alegando que, em sede de embargos, demonstraram, designadamente através de prova documental oferecida, que nada devem aos exequentes, requerendo que a execução fosse suspensa, ao abrigo da alínea c) do n.º 1 do artigo 733.º, do CPC, e ainda que fosse o Sr. Agente de Execução notificado para suspender as diligências de penhora até que fosse proferido despacho sobre a suspensão da execução, atendendo aos sérios e graves prejuízos que tais diligências lhes estão a causar.
Subsidiariamente, para o caso do tribunal não decretar a suspensão da execução ao abrigo do referido normativo, os executados manifestaram a pretensão de prestar caução.
Alegando os embargantes, de forma consistente e verosímil, factologia que aponta no sentido da invocada inexigibilidade da obrigação exequenda, e juntando prova documental para comprovação do alegado, requerendo a suspensão da acção executiva ao abrigo do artigo 733.º, n.º 1, c) do Código de Processo Civil, mas manifestando a sua disposição de prestarem caução para obterem tal suspensão, agora nos termos da alínea a) do mencionado dispositivo, no caso de o tribunal considerar que não se justifica a suspensão sem prestação de caução, invocando ainda os mesmos os prejuízos que as diligências de penhora lhes acarretam, e considerando o critério normativo acolhido pelo referido normativo, que pondera os fins da acção executiva – satisfação coerciva do direito do exequente – e “a realidade factual apresentada pelo executado, pressupondo que se possa concluir que os autos contêm uma situação de vida que justifica a atenuação da pressão exercida sobre o executado pelas diligências coercivas do processo e a colocação em risco do princípio da efectividade que norteia o processo executivo (obter o cumprimento do direito) que naturalmente decorre de se prescindir da caução”, tal como refere o citado acórdão da Relação do Porto de 2.07.2015, a diligência da penhora sobre bens dos executados não devia ter sido concretizada antes de ter sido proferida decisão sobre a requerida suspensão da acção executiva, com ou sem prestação de caução, sob pena de se mostrarem esvaziados os efeitos que o n.º 1 do artigo 733.º do Código de Processo Civil visa acautelar.
Com efeito, concluindo o tribunal não haver justificação para a dispensa de prestação de caução para ser suspensa a acção executiva, nos termos do artigo 733.º, n.º 1 c) do Código de Processo Civil, prestando os executados caução[3] idónea ficariam salvaguardados “os riscos de dissipação ou extravio do património do executado enquanto perdurar a suspensão da execução motivada pela pendência dos embargos[4]”.
Prevendo o n.º 7 do artigo 751.º do Código de Processo que “o executado que se oponha à execução pode, no ato da oposição requerer a substituição da penhora por caução idónea que igualmente garanta os fins da execução”, sendo que “enquanto estiverem pendentes os embargos de executado, o executado pode requerer a substituição da penhora por caução idónea, sendo que o objectivo do legislador quando passou a permitir essa possibilidade, foi admitir que as penhoras efectuadas fossem substituídas por caução e levantar-se com a sua prestação”[5], afigura-se precipitada a realização de penhora, com os constrangimentos que esta possa causar ao executado, sem prévia decisão sobre a suspensão da acção executiva decorrente do recebimento de embargos de executado, podendo a mesma ser posteriormente levantada nos termos que se deixam expostos.
Deve, assim, proceder o recurso, com a consequente revogação da decisão impugnada, suspendendo-se as diligências de penhora, conforme reclamam recursivamente os apelantes, até ser proferida decisão sobre a requerida suspensão da execução.
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Síntese conclusiva:
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Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação, em julgar procedente o recurso, revogando a decisão recorrida, que deverá ser substituída por outra que determine a suspensão de diligências de penhora sobre bens dos recorrentes enquanto não for proferida decisão sobre a suspensão da execução por eles requerida.
As custas do recurso serão suportadas pelos recorrentes, por tirarem proveito da decisão, não havendo lugar à sua condenação em custas de parte ou procuradoria por não ter sido apresentada resposta às suas alegações.

Acórdão processado informaticamente e revisto pela primeira signatária.

Porto, 10.03.2022
Judite Pires
Aristides Rodrigues de Almeida
Francisca Mota Vieira
_______________
[1] Proc.º 602/14.8TBSTS-B.P1, www.dgsi.pt.
[2] Proc.º 35664/15.1T8LSB-C.C1, www.dgsi.pt; no mesmo sentido, cfr. ainda acórdão da Relação de Guimarães de 14.102021, proc.º 6423/19.4T8VNF-B.G1, www.dgsi.pt.
[3] Podendo esta ser prestada enquanto estiverem pendentes os embargos de executado
[4] Acórdão da Relação de Guimarães de 7.01.2016, proc.º 88/14.7TBPCR-B.G1, www.dgsi.pt.
[5] Acórdão da Relação do Porto de 19.03.2015, proc.º 5150/10.2TBVNG-C.P1, www.dgsi.pt.