Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
720/11.4TYVNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MÁRCIA PORTELA
Descritores: PROCEDIMENTO CAUTELAR
SUSPENSÃO DE DELIBERAÇÃO SOCIAL
LEGITIMIDADE DO CABEÇA DE CASAL
Nº do Documento: RP20120515720/11.4TYVNG.P1
Data do Acordão: 05/15/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: REVOGADA.
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO.
Área Temática: .
Sumário: I- O cabeça de casal tem legitimidade para instaurar procedimento cautelar de suspensão de deliberação social de sociedade cujas acções integram herança indivisa.
II- A designação de representante comum pelos co-titulares da quota apenas é possível se a lei não designar representante (artigo 223.°, n.° l, CSC).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação 720/11.4TYVNG.P1

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

1. Relatório

B……., por si e na qualidade de cabeça-de-casal da herança aberta por óbito de C……, instaurou procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais contra a sociedade D….., S.A., pedindo que seja decretada a suspensão das deliberações sociais tomadas pela assembleia geral da sociedade realizada em 201107.25, constante da acta n.º 47.

A requerida deduziu oposição, excepcionando, no que ao recurso importa, a ilegitimidade activa do requerente, alegando que, o requerente é parte ilegítima, uma vez que não tem legitimidade para sozinho ou na qualidade de cabeça-de-casal, propor procedimento cautelar de suspensão de deliberação, uma vez que é contitular de uma quota indivisa, cujo exercício dos direitos sociais devem ser praticados através de representante comum pelos contitulares nomeado.

Foi proferida sentença, absolvendo a requerida da instância por ilegitimidade do requerente.

Inconformado, apelou o requerente, apresentando as seguintes conclusões:

«1. O recorrente foi nomeado e ajuramentado nos termos do art. 1340º do CC como cabeça de casal da herança aberta por óbito de C….., falecido em 28.01.2011, fazendo parte da sua herança 6.000 acções ao portador no valor individual de € 5,00 cada, conforme foi relacionado na respectiva relação de bens apresentada no processo de inventário em curso.

2. Na primeira assembleia geral da Ré após a morte de C….., ocorrida em 29.03.2010 o recorrente foi admitido pelo Senhor Presidente da Mesa a intervir e votar na qualidade de cabeça de casal e por isso em representação da accionista – herança de C........

3. A qualidade de sócio de uma sociedade ocorre ipso jure para os herdeiros pela abertura da sucessão, pelo que o recorrente é accionista da Ré.

4. A condição de representante comum das acções da herança do pai, decorre da nomeação por lei, do recorrente como do pai, decorre da nomeação por lei, do recorrente como cabeça de casal da herança, sendo esta forma de designar o representante comum a primeira das 4 estabelecidas no nº 1 do art. 223º do C.S.C., aplicável por força do art. 303º do C.SC.

5. A intervenção nas assembleias gerais, o exercício do direito de votar e bem assim o de solicitar informação na sociedade, são direitos atribuíveis ao representante comum como o é o
direito de impugnar as deliberações sociais ou pedir a suspensão da sua eficácia, como é o caso.

6. A função de cabeça de casal do recorrente confere-lhe a qualidade de representante comum da participação social pertencente à herança sendo parte legitima nos presentes autos cm que a pretensão não excede qualquer limite aos poderes de administração estabelecidos nos arts. 2074. e seg. do CC.

7. Nos procedimentos cautelares há lugar ao recurso ao disposto no art. 265º/2 do CPC, e o recorrente tendo no decurso dos autos e perante a posição assumida pelo Ré na contestação, requerido a intervenção provocada das irmãs à cautela, requerimento que não mereceu resposta do Mmº Sr Juiz enferma a sentença da nulidade prevista na d) do art. 668.º C.P.C.

Termos em que, revogando-se a decisão do Tribunal recorrido que considerou o recorrente parte ilegítima no presente processo e ainda assim não admitiu o recurso ao estabelecido no n.º 2 do art. 265° do CPC, nem tão pouco se pronunciou sobre o requerimento de intervenção principal apresentado pelo Recorrente, se fará JUSTIÇA»

Contra-alegou a requerida, assim concluindo:

«1. Vem o Recorrente através da interposição deste recurso de Apelação, censurar o entendimento do Mmo. Juiz a quo relativamente à procedência da invocada excepção dilatória de ilegitimidade activa suscitada pela Recorrida no seu articulado de Oposição, designadamente, ao ter considerado que o aqui Recorrente, ao agir como agiu, protagonizando sozinho a iniciativa cautelar social que nos ocupa nestes autos, violou os poderes de administração da herança conferidos pelo artigo 2079.º do Código Civil;

2. Verifica-se, no entanto, que a douta e bem elaborada sentença, objecto do presente recurso, tem, salvo melhor opinião, necessariamente de se manter, pois consubstancia a única solução que consagra a justa e rigorosa aplicação ao caso "sub judice" das normas legais e dos princípios jurídicos competentes concernentes ao seu objecto.

Uma questão prévia necessária:

3. Crê o Recorrente verificar-se a existência de uma razão legal não referenciada na decisão recorrida, mas que seguidamente se exporá e cuja consequência redundará, outrossim, no mesmo efeito jurídico adjectivo sufragado na decisão sob análise, isto é, na ilegitimidade activa do Recorrente;

4. Na verdade, verifica-se, na modesta opinião do Recorrente, a violação do regime da contitularidade de acções previsto nos artigos 223.º e 224.º do Código das Sociedades Comerciais, aplicável por via do n.º 4, do artigo 303.º do mesmo diploma legal;

5. Está em discussão nos presentes autos o exercício de um direito social decorrente da titularidade de acções da Recorrida que, por força do óbito do seu titular, ingressaram, em comum e sem determinação de parte, na esfera de todos os seus herdeiros;

6. Estipula o n.º 1 do art.º 303.º do Código das Sociedades Comerciais que os titulares de uma acção devem exercer os direitos a ela inerentes, por meio de um representante comum; A tal contitularidade aplica-se, de acordo com o n.º 4 do referido preceito legal, os artigos 223.º e 224.º do citado diploma legal;

7. Assim, o contitular de quota indivisa não tem legitimidade para propor acções de anulação de
deliberações sociais, cfr. Acórdão da Relação de Lisboa, de 22.02.1994, JTRL00013793/ITIJ/NET;

8. Na realidade, estando em causa a titularidade de uma participação social, inserta em herança indivisa, sem prejuízo da existência dos direitos e obrigações próprias dos sócios, a lei vigente estabelece um regime específico para o exercício dos direitos que não sejam exclusivamente individuais;

9. Significa isto que a lei preconiza que o exercício dos direitos sociais contitulares deve ser praticado através de representante comum, por eles nomeado;

10. Equivale o exposto à conclusão de que vigora um regime especial em relação à contitularidade de acções, sendo o Código das Sociedades Comerciais que regula a sua representação, aplicando-se, a contrario, o teor do art.º 7.º, n.º 3, do Código Civil;

11. Não se crê, assim, admissível o recurso às normas relativas à administração da herança, motivo por que a condição de cabeça-de-casal utilizada pelo Recorrente para desencadear os presentes autos sairá prejudicada pela circunstância de ter sido nomeado um representante comum da participação social da Requerida, nos termos do n.º 1 do art.º 223.º do Código das Sociedades Comerciais;

12. A referida nomeação é do conhecimento do Recorrente, conforme ele próprio reconhece nos artigos 16.º, 70.º, 71.º e 72.º do requerimento inicial de providência cautelar;

13. De resto, tal nomeação não é pelo Recorrente posta minimamente em causa, sendo certo que a razão da sua discordância se situa apenas no facto de não aceitar que a consequência dessa nomeação significa, nos termos do mecanismo legal aplicável previsto no Código das Sociedades Comerciais – especial, para este efeito – que o seu estatuto de cabeça-de-casal não lhe confere o direito de representar a participação social da Recorrida, uma vez que, por via dessa nomeação, foi substituído pela contitular E…..;

14. Tal nomeação derroga, como na opinião da Recorrida e como explicado, o estatuto de cabeça-de-casal apresentado nestes autos pelo Recorrente, facto que produz a falta de legitimidade processual activa para a sua propositura;

15. Em face do exposto, e também por este legal motivo não exarado na decisão recorrida, carecerá o Recorrente de legitimidade processual para a instauração dos presentes autos de natureza cautelar, o que importará a necessária absolvição da instância da Recorrida;

Porém,

16. Sem prescindir e alinhando, agora, pelos fundamentos legais que estruturam a decisão recorrida, forçosa se torna concluir pelo exacto posicionamento da questão objecto de recurso, tendo em conta as várias soluções plausíveis de direito e o entendimento que veio a ser acolhido, o qual corresponde, sem dúvida, àquilo que a nossa doutrina e jurisprudência mais autorizada tem vindo a entender;

Senão vejamos:

17. Ao despoletar os presentes autos, o Recorrente faz uso do seu estatuto de Cabeça-de-Casal da herança aberta por óbito de seu Pai, C………, enquanto representante do património autónomo correspondente à herança indivisa, na qual está integrada a participação accionista de que o seu falecido Pai era titular no capital social da Recorrida;

18. Não está, assim, aqui em causa, o exercício pelo Recorrente de qualquer direito social relativo à contitularidade de acções da Recorrida;

19. Com efeito, enquanto a partilha, no contexto dos autos de inventário referenciados no requerimento inicial apresentado nestes autos não for realizada, o Recorrente não é accionista da Recorrida;

20. Dizendo tudo de uma só vez, é a herança aberta por óbito de C......., por se encontrar indivisa, a actual titular da participação social da Recorrida de que o falecido era detentor;

21. De resto, tanto assim é que, o Recorrente desencadeou a presente iniciativa cautelar,
enquanto herdeiro e enquanto Cabeça-de-Casal da herança aberta por óbito de seu Pai;

Ora,

22. Enquanto Cabeça-de-Casal da herança aberta por óbito de seu Pai, o Recorrente invoca ser o representante comum designado por lei, a quem compete o exercício dos direitos inerentes à participação social indivisa de que a herança é detentora no capital da Recorrida, nomeadamente o exercício do direito de intentar a presente providência cautelar e a futura acção de anulação de deliberações sociais;

Contudo:

23. É entendimento jurisprudencial e doutrinal dominante que numa situação de contitularidade, proveniente de sucessão numa participação social de sociedade anónima, o cabeça-de-casal, também herdeiro, é parte ilegítima para a instauração de procedimento cautelar para suspensão de deliberações sociais, se desacompanhado dos demais herdeiros;

Detalhando:

24. Nos termos do art.º 396.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, a instauração do procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais exige a qualidade de sócio do Recorrente;

25. No que respeita às sociedades anónimas, rege o art.º 303.º do Código das Sociedades Comerciais que: “Os contitulares de uma acção devem exercer os direitos a ela inerentes por meio de um representante comum”;

26. Ao mecanismo de contitularidade de acções consagrado no enunciado dispositivo legal, aplica-se, por via da previsão remissiva do n.º 4 do mesmo artigo, o regime legal de contitularidade estatuído para as sociedades por quotas e que resulta dos artigos 223.º e 224.º do Código das Sociedades Comerciais;

Ora,

27. À luz das disposições legais acima referidas, temos que, no caso de uma herança indivisa, o cabeça-de-casal, também herdeiro, não pode, a não ser que acompanhado dos demais herdeiros, requerer a suspensão de deliberações sociais tomadas em assembleia geral de uma sociedade anónima, da qual o de cujos era accionista;

28. A questão central situa-se em saber se o direito em requerer a suspensão da execução de deliberações dos sócios, nos termos do art.º 396.º do Código de Processo Civil, se insere no âmbito dos poderes de administração do cabeça-de-casal, na hipótese de participação social integrada em herança indivisa;

29. A referida apreciação remete-nos para as disposições do Código Civil sobre a “Administração da herança”, que o art.º 2079.º do Código Civil atribui até à sua liquidação e partilha ao cabeça-de-casal;

30. Certo é que a lei não define o conteúdo funcional da administração do cabeça-de-casal, isto é os poderes e deveres que recaem sobre a pessoa que é legalmente instituída nesse cargo;

31. Não obstante e como se refere em “Partilhas Judiciais” de João António Lopes Cardoso e Augusto Lopes Cardoso, volume I, 5.ª Edição, pág. 351, “A doutrina se tivesse encarregado de formulá-lo em atenção à finalidade que se propõe, ao confronto com actos de alienação ou oneração; assim também a jurisprudência.”;

32. No mesmo sentido escreve Capelo de Sousa, in “Lições de Direito das Sucessões”, volume II, 3.ª Edição, pág. 54, o seguinte: “Parece-nos que os poderes de administração do cabeça de casal se balizam entre os poderes do curador de herança jacente (art. 2048), no limite inferior e os poderes do administrador dos bens comuns do casal (arts. 1678 a 1682), no limite superior”;

33. Na mesma obra citada, remata, ainda, o mesmo Autor, nos seguintes graus de exigência com que a lei regula o exercício da administração do cabeça de casal, apontam no sentido de que ao cabeça de casal competem, para além dos definidos especialmente, poderes de administração ordinária, ou seja, de acordo com os ensinamentos de MANUEL DE ANDRADE poderes para a pratica de actos e negócios jurídicos, de conservação e frutificação normal dos bens administrados;

34. Por sua vez, lê-se no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 22.02.1980, CJ V-1-56, o seguinte: “Por actos de administração se entendem aqueles cujo fim é a conservação e a frutificação normal dos bens sem alteração da integridade do património.”;

35. Fundamental é, ainda, a regra formulada no art.º 2091.º, n.º 1, do Código Civil, o qual dispõe o seguinte: “Fora dos casos declarados nos artigos anteriores, e sem prejuízo do disposto no art. 2078.º, os direitos relativos à herança só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros ou contra todos os herdeiros.”;

36. De resto, em anotação ao dispositivo legal referido no precedente artigo, escreve-se no Código Civil Anotado, de Pires de Lima e Antunes Varela, volume VI, pág. 152, o seguinte: “A grande regra subjacente a todos os artigos anteriores e que não prejudica de modo nenhum a solução dada à questão da legitimidade processual posta no art. 2078.º, é a de que os direitos relativos à herança – e não aos fenómenos periféricos da sucessão – só podem ser exercidos (conjuntamente) por todos os herdeiros ou (do lado passivo) contra todos os herdeiros. Trata-se, por conseguinte, de casos de litisconsórcio necessário, para os quais o cabeça de casal já não tem legitimidade, e em que a falta de qualquer dos herdeiros interessados na acção é fundamento de ilegitimidade de qualquer dos intervenientes.”;

37. Precisamente no mesmo sentido, a propósito da necessidade de exercício conjunto por todos os herdeiros ou contra todos os herdeiros, dos direitos da herança ou sobre a herança, alinha, também, Inocêncio Galvão Telles, in “Sucessões, parte geral”, Coimbra Editora, pág. 100;

Em suma:

38. Do exposto se conclui que o pedido de anulação de deliberações sociais e, consequentemente, do procedimento preparatório de tal acção – procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais– não cabe no âmbito da administração do cabeça de casal de herança indivisa integrada por acções sociais;

39. Para além das acima aduzidas ordens de razão, duas outras suplementares se acrescentam, que propendem pelo sufragado entendimento e que se encontram alinhadas em Aresto do STJ, de 08.02.1996, de que foi Relator o Ex.mo Juiz Conselheiro Miranda Gusmão, pág. 62, publicado na íntegra em www.dgsi.pt;

40. Dito isto, apodíctico se crê ser que o pedido de suspensão de eficácia da execução das deliberações sociais tomadas na Assembleia Geral, de 25.07.2011, formulado nos presentes autos, pelo Requerente, na condição de herdeiro não único e enquanto Cabeça-de-Casal da herança aberta por óbito de C......., não cabe no âmbito de administração ordinária das competências funcionais de tal cargo;

41. Assim é, porque o direito que o Requerente pretende fazer prevalecer nos presentes autos, não é um direito único, mas sim um feixe de direitos vários;

42. Trata-se de direitos do accionista em face da sociedade e não de direitos sobre os bens sociais, conforme Ferrer Correia, Sociedades Comerciais, 1968, pág. 349;

43. Neste sentido podem ver-se Acórdãos da Relação de Lisboa, 12.02.1987 e 19.02.1987, CJ Ano XII, Tomo I, pág. 122 e 138, respectivamente; Acórdão da Relação de Lisboa, de 13.10.1987, Sum. BMJ 370 – 607 (referido por João António Lopes Cardoso e Augusto Lopes Cardoso, Obra citada, pág. 365); Acórdão da Relação do Porto, de 20.10.1988, CJ Ano XIII, Tomo IV, pág. 197; Acórdão da Relação de Lisboa, de 26.10.2000, de que foi Relator o Ex.mo Senhor Juiz Desembargador Dr. Ilídio Sacarrão Martins, sumariado em www.dgsi.pt; Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 11.12.2006, processo n.º 0653666, Relator Ex.mo Senhor Juiz Desembargador Marques Pereira, disponível em www.trp.pt.;

44. Temos, assim, em face de tudo quanto se expos, que, numa situação de contitularidade derivada da sucessão numa participação social de sociedade anónima, o cabeça-de-casal, também herdeiro, é parte ilegítima para a instauração de procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais, quando desacompanhado dos demais herdeiros;

45. É justamente esta a situação dos presentes autos, razão por que foi o Recorrente – e bem - considerado na decisão recorrida parte ilegítima, por preterição de litisconsórcio necessário activo e, consequentemente, a Recorrida absolvida da instância;

46. Incontroverso é que, atenta a especialidade do procedimento em causa, não há lugar ao recurso à previsão normativa do disposto no artigo 265.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, tal como vem arvorado na decisão recorrida. O princípio da adequação formal do processo aí enunciado não é aplicável à situação vertente, tal como defende o Ac. RP, de 21.3.2000: JTRP00028148/ITIJ/Net; e

47. Foi este o iter seguido pela decisão recorrida, a qual se limitou a aplicar a boa doutrina e jurisprudência entre nós prevalecente sobre a questão objecto de recurso, motivo por que deverá ser mantida e negado provimento ao recurso interposto.

Termos em que o presente recurso não deve merecer provimento, mantendo-se integralmente a douta sentença recorrida, com todas as consequências legais, assim se fazendo inteira
JUSTIÇA!»
Foi proferido despacho de sustentação.

2. Factualidade relevante

Com interesse para a apreciação da excepção de ilegitimidade invocada, a 1.ª instância considerou indiciariamente assentes os seguintes factos:

2.1. Em 01.08.11, o requerente B….., por si e invocando a qualidade de cabeça-de-casal na herança aberta por óbito do accionista da requerida, seu pai, C….., requereu a providência cautelar de suspensão das deliberações sociais contra a sociedade D….., S.A., tendo por objecto as deliberações sociais tomadas na assembleia geral ordinária da requerida, realizada em 25 de Julho de 2011.

2.2. O requerente é contitular numa herança de que fazem parte acções que se encontram devidamente relacionadas sob as verbas n.ºs. 18 e 19 da relação de bens no inventário aberto por óbito de seu pai C….., que segue termos no 1º Juízo de Competência Cível da Maia, proc. n.º 964/11.0, no qual se encontra ajuramentado para o exercício das funções de cabeça-de-casal.

2.2. A sociedade R. é uma sociedade anónima com o capital social de 5.000€ e tem por objecto a realização e administração de empreendimentos imobiliários; a compra, gestão e administração, venda e exploração de quaisquer imóveis ou terrenos, quer urbanos quer rústicos, a compra e venda de propriedades e a sua revenda; a indústria de construção civil; serviços de máquinas industriais.

2.3. F……, G……, H….., com a sua mãe I….., foram herdeiras de J….., falecido em 09.11.04 e o requerente e as irmãs K…. e L….., são os herdeiros de C….. falecido em 28.01.10.
*
Nos termos do artigo 659.º, n.º 3, ex vi 713.º, n.º 2, CPC, considera-se ainda indiciariamente assente que:

2.4. Em reunião que teve lugar em 2011.06.07 E….. e L…., interessadas na herança aberta por óbito de C….., nomearam K….. representante dos co-titulares das acções da sociedade D….., S.A., conforme acta de que existe cópia a fls. 87 e ss..

2.5. O apelante não esteve presente, tendo levantado, nos serviços postais, a convocatória que lhe foi dirigida em momento posterior à realização da referida reunião.

3. Do mérito do recurso

O objecto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações (artigo 684.º, n.º 3, e 685.º A, n.º 1 CPC), salvo questões do conhecimento oficioso não transitadas (artigo 660.º, n.º 2, in fine, e 684.º, n.º 4, CPC ), consubstancia-se nas seguintes questões:

— nulidade da sentença por omissão de pronúncia;

— saber se a representação da herança indivisa num procedimento cautelar de suspensão de deliberação social cabe ao cabeça de casal ou a todos os herdeiros, e se os co-titulares da herança podem nomear um representante comum.

— na eventualidade de caber à totalidade dos herdeiros, determinar se o incidente de intervenção principal provocado é admissível.

3.1. Da nulidade da sentença recorrida

Invocou o apelante a nulidade da sentença recorrida, nos termos da alínea d), do artigo 668.º, CPC, pois considerou o recorrente parte ilegítima por violação de litisconsórcio necessário, e não admitiu o recurso ao estabelecido no n.º 2 do artigo 265.° do CPC, nem tão pouco se pronunciou sobre o requerimento de intervenção principal apresentado pelo apelante.

A nulidade por omissão de pronúncia, prevista na alínea d) do nº 1, do artigo 668º CPC, ocorre quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questão que devesse conhecer. Este normativo tem de ser equacionado com o disposto no artigo 660º, nº 2, 1ª parte, CPC, que impõe que o juiz resolva todas as questões que as partes tenham posto à sua apreciação exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

Por «questões» entende-se «os pedidos deduzidos, toda as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe cumpre [ao juiz] conhecer (art.660-2)» (Lebre de Freitas, Montalvão Machado, e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, vol. II, 2ª edição, pg. 704).

Ora, contrariamente ao afirmado pelo apelante, a Mm.ª Juiz a quo não deixou de se pronunciar sobre a questão da sanação da alegada ilegitimidade, ainda que de forma sucinta, de que a especificidade do procedimento em causa, não há lugar ao recurso ao disposto no artigo 265.º, n.º 2, CPC.

Com efeito, é discutido na doutrina e na jurisprudência se a natureza urgente do procedimento cautelar é compatível com incidentes de intervenção de terceiros (cfr., por todos, Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, Almedina, III vol., 3.ª edição, pg. 133).

A Mm.ªJuiz a quo pronunciou-se negativamente sobre esta questão, não tendo, pois, incorrido em omissão de pronúncia.

3.3. Da representação da herança indivisa num procedimento cautelar de suspensão de deliberação social

A sentença recorrida entendeu, com o aplauso da apelada, que a legitimidade activa nos procedimentos cautelares de suspensão de deliberação social cabe a todos os co--titulares da quota, por não caber na competência do cabeça de casal de herança indivisa que integra acções (ou quotas) de sociedades comerciais.

Lê-se na sentença recorrida, após a enunciação das disposições pertinentes do Código das Sociedades Comerciais:

«Esta questão da legitimidade activa é controversa na doutrina e na jurisprudência.
Quanto a nós, entendemos que, no caso de uma herança indivisa, o cabeça- de--casal, também herdeiro, não pode, a não ser que acompanhado dos demais herdeiros, requerer a suspensão de deliberação social tomadas em assembleia geral de uma sociedade anónima, de que o de cujus era accionista.
Isto leva-nos a saber se o direito de requerer a suspensão da execução de deliberação dos sócios nos termos dos artºs 396º e 397º do CPC, cabe no âmbito dos poderes de administração do cabeça-de-casal, na hipótese de participação integrada em herança indivisa, cfr. artº 2079º do CCivil.
A lei não definiu o conteúdo da administração do cabeça-de-casal, isto é, os poderes e deveres que estes detêm, daí que a doutrina (vd. Lopes Cardoso, in Partilhas Judiciais) e a Jurisprudência (vd. Ac. RP de 22.02.80, in CJ, 1, 56), se tivessem encarregue disso, sendo que neste Acórdão julgou-se que “por actos de administração se entendem aqueles cujo fim é a conservação e frutificação normal dos bens, sem alteração da integridade do património”.
É fundamental a regra formulada no art. 2091, n.º 1 do Cód. Civil: “Fora dos casos declarados nos artigos anteriores, e sem prejuízo do disposto no artigo 2078, os direitos relativos á herança só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros ou contra todos os herdeiros”.
Parafraseando Manuel de Andrade, dir-se-á que não pertencem à mera administração – sendo actos de disposição –os negócios que alterem a própria substância do património administrado, que importem a substituição de uns bens por outros, que afectem, numa palavra, o capital administrado, pondo-o em risco, por importarem um novo e diverso investimento desse capital – cfr. obra citada, pg. 62.
Ora, o pedido de anulação de deliberações sociais e, consequentemente, do procedimento preparatório para tal acção, não cabe no âmbito de administração ordinária, consequentemente, não cabe na competência do cabeça-de-casal de herança indivisa integrada em acções (ou quotas), na medida em que as deliberações sociais podem ser contrárias á lei ou ao pacto social de sorte a afectar o direito do sócio, que não é um direito único, mas antes um feixe de direitos vários, de vária natureza e conteúdo. É esse conteúdo que exprime a sua posição ou participação na sociedade – a sua quota. Trata-se de direitos do sócio em face da sociedade e não de direitos sobre os bens sociais – cfr. Ferrer Correia, in Sociedades Comerciais, 1968, pg. 349.
Assim sendo, uma vez que a lei exige a intervenção dos vários interessados na relação controvertida, a falta de qualquer deles é motivo de ilegitimidade – cfr. artº 28º, n.º 1 do CPC e termos “conjuntamente”, do artº 2091º do CCivil ; neste sentido, Acs. Do STJ de 08.02.1996, in BMJ, n.º 454, ano 1996, pg. 607; de 08.11.98, in BMJ, 381, pg. 701, bem como Acs. Da RLx de 02.02.87, in CJ, 1º, 122; da Rel. De Coimbra 01.03.1972, in BMJ 215º, 298 e da R.Porto de 20.10.1988, 4º, 197.
Acresce que, atenta a especificidade do procedimento em causa, não há lugar ao recurso ao disposto no artº 265º, n.º 2 do CPC.»
É contra este entendimento que se insurge o apelante.

Apreciando:

Dispõe o artigo 396.º, n.º 1, CPC, que se alguma associação ou sociedade tomar deliberações contrárias à lei, aos estatutos ou ao contrato, qualquer sócio pode requerer, no prazo de 10 dias, que a execução dessas deliberações seja suspensa, justificando a qualidade de sócio e mostrando que essa execução pode causar dano apreciável.

Até à partilha os herdeiro não são titulares de bens concretos nem comproprietários, mas apenas titulares de uma quota ideal da herança.

Não se trata de compropriedade pois, como se nota no acórdão do STJ, de 1982.03.23, Rui Corte Real, BMJ 315.º/275:

«A compropriedade pressupõe um direito de propriedade comum sobre uma coisa ou bem concreto e individualizado, e não, como na herança, sobre uma universalidade de bens, ignorando-se sobre qual ou quais esse direito hereditário se concretizará».

O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1999.01.26, Silva Paixão, BMJ 483º/211, aborda com particular clareza a natureza dos direitos do herdeiro antes de efectivada a partilha:

«A comunhão hereditária, geralmente entendida como universalidade jurídica, não se confunde com a compropriedade, (cfr.nº 1, do art. 1403), uma vez que os herdeiros não são simultaneamente titulares do direito de propriedade sobre a mesma coisa.
Da aceitação sucessória apenas decorre directamente para cada um dos chamados o direito a uma quota hereditária.
Os herdeiros são titulares apenas de um direito à herança, universalidade de bens, ignorando-se sobre qual ou quais esse direito ficará a pertencer, se só a alguns ou a um, sendo os demais compensados em tornas.
Enquanto a herança se mantiver no estado de indivisão, nenhum dos herdeiros tem “direitos sobre bens certos e determinados”, nem “um direito real sobre os bens em concreto da herança, nem sequer sobre uma quota parte em cada um deles “.
Quer dizer, aos herdeiros, individualmente considerados, não pertencem direitos específicos (designadamente uma quota) sobre cada um dos bens que integram o património hereditário.
Até à partilha, os herdeiros são titulares, tão somente, do direito “a uma fracção ideal do conjunto, não podendo exigir que essa fracção seja integrada por determinados bens ou por uma quota em cada um dos elementos a partilhar (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Cód. Civil Anotado, Vol. III, 2ª ed, pág. 347-348, e Vol VI, pág. 160, Capelo de Sousa, Lições de Direito das Sucessões, Vol. II, 2ª ed, pág. 90-92, 99 e 126; Revista dos Tribunais, nº 84, pág. 196, nº 87, pág. 126 e nº 88, pág. 95)».

Daqui resulta aparentemente que os herdeiros do sócio falecido não assumem a qualidade de sócios. E que a solução da questão que nos ocupa deve ser encontrada no âmbito do direito sucessório, como entendeu a sentença recorrida, ao apelar aos 2078.º e 2091.º, n.º 1, CC.

Não se afigura, porém, ser este o melhor entendimento, devendo a solução da questão que nos ocupa ser equacionada em função do regime especial estabelecido para a contitularidade da quota no Código das Sociedades Comerciais, designadamente nos artigos 223.º e 224.º, aplicáveis ex vi artigo 303.º CSC.

Isto porque do regime da transmissão da quota por morte prevista nos artigos 225.º e ss. CSC, em especial do artigo 226.º, decorre que os sucessores do falecido, não ocorrendo a amortização ou aquisição da quota (ou acções) pela sociedade, assumem a qualidade de sócios, passando a aplicar-se-lhes o regime da contitularidade das acções.

O Código das Sociedades Comerciais estabelece no artigo 303.º o regime da contitularidade da acção nos termos seguintes:

1 - Os contitulares de uma acção devem exercer os direitos a ela inerentes por meio de um representante comum.
2 - As comunicações e declarações da sociedade devem ser dirigidos ao representante comum e, na falta deste, a um dos contitulares.
3 - Os contitulares respondem solidariamente para com a sociedade pelas obrigações legais ou contratuais inerentes à acção.
4 - A esta contitularidade aplicam-se os artigos 223.º e 224.º

O teor destes artigos, reportados às sociedades por quotas, é o seguinte:

Artigo 222.º Direitos e obrigações inerentes a quota indivisa

1 - Os contitulares de quota devem exercer os direitos a ela inerentes através de representante comum.
2 - As comunicações e declarações da sociedade que interessem aos contitulares devem ser dirigidas ao representante comum e, na falta deste, a um dos contitulares.
3 - Os contitulares respondem solidariamente pelas obrigações legais ou contratuais inerentes à quota.
4 - Nos impedimentos do representante comum ou se este puder ser nomeado pelo tribunal, nos termos do artigo 223.º, n.º 3, mas ainda o não tiver sido, quando se apresenta mais de um titular para exercer o direito de voto e não haja acordo entre eles sobre o sentido de voto, prevalecerá a opinião da maioria dos contitulares presentes, desde que representem, pelo menos, metade do valor total da quota e para o caso não seja necessário o consentimento de todos os contitulares, nos termos do n.º 1 do artigo 224.º

Artigo 223.º Representante comum

1 - O representante comum, quando não for designado por lei ou disposição testamentária, é nomeado e pode ser destituído pelos contitulares. A respectiva deliberação é tomada por maioria, nos termos do artigo 1407.º, n.º 1, do Código Civil, salvo se outra regra se convencionar e for comunicada à sociedade.
2 - Os contitulares podem designar um de entre eles ou o cônjuge de um deles como representante comum; a designação só pode recair sobre um estranho se o contrato de sociedade o autorizar expressamente ou permitir que os sócios se façam representar por estranho nas deliberações sociais.
3 - Não podendo obter-se, em conformidade com o disposto nos números anteriores, a nomeação do representante comum, é lícito a qualquer dos contitulares pedi-la ao tribunal da comarca da sede da sociedade; ao mesmo tribunal pode qualquer contitular pedir a destituição, com fundamento em justa causa, do representante comum que não seja directamente designado pela lei.
4 - A nomeação e a destituição devem ser comunicados por escrito à sociedade, a qual pode, mesmo tacitamente, dispensar a comunicação.

5 - O representante comum pode exercer perante a sociedade todos os poderes inerentes à quota indivisa, salvo o disposto no número seguinte; qualquer redução desses poderes só é oponível à sociedade se lhe for comunicada por escrito.
6 - Excepto quando a lei, o testamento, todos os contitulares ou o tribunal atribuírem ao representante comum poderes de disposição, não lhe é lícito praticar actos que importem extinção, alienação ou oneração da quota, aumento de obrigações e renúncia ou redução dos direitos dos sócios. A atribuição de tais poderes pelos contitulares deve ser comunicada por escrito à sociedade.

Artigo 224.º Deliberação dos contitulares

1 - A deliberação dos contitulares sobre o exercício dos seus direitos pode ser tomada por maioria, nos termos do artigo 1407.º, n.º 1, do Código Civil, salvo se tiver por objecto a extinção, alienação ou oneração da quota, aumento de obrigações, renúncia ou redução dos direitos dos sócios; nestes casos, é exigido o consentimento de todos os contitulares.
2 - A deliberação prevista na primeira parte do número anterior não produz efeitos em relação à sociedade, apenas vinculando os contitulares entre si e, para com estes, o representante comum.

A problemática que nos ocupa foi abordada por Pinto Furtado, Deliberações de Sociedades Comerciais, Almedina, pg. 790-2. Assim, segundo este autor,

«Especificamente a propósito da suspensão cautelar, a jurisprudência anterior sustentava frequentemente que, no caso de falecimento do sócio, os seus herdeiros só podiam recorrer ao procedimento de suspensão cautelar de deliberações sociais, conjuntamente, em litisconsórcio necessário — recusando repetidamente ao cabeça de casal da herança indivisa legitimidade para requerer a providência, desacompanhado dos restantes herdeiros. Assim se julgou, mais recentemente, nos acs. da Relação de Lisboa, de 19-2-1987, da mesma Relação, de 31-5-1987, e do e do Supremo de 8-11-1988.
Invocava-se geralmente, em abono desta conclusão, que não têm os herdeiros a qualidade de sócios e, como simples comproprietários quota, estavam atidos ao disposto no artigo 1405-1 CC, segundo o qual “os comproprietários exercem, em conjunto, todos os direitos que pertencem ao proprietário singular”.
Não vamos esmiuçar o valor da argumentação aduzida, em favor deste entendimento, mas queremos referir que, segundo nos parece, a questão deverá pôr-se, hoje em dia, nos termos seguintes.
De acordo com o Direito societário, como é sabido, o falecimento de um sócio pode, em tese, dar origem à chamada triple option: ou a sociedade se dissolve; ou amortiza ou adquire a quota do falecido aos herdeiros; ou continua a sua existência integrando como seus sócios os herdeiros do falecido.
(…)
No segundo, isto é, no caso de a sociedade ter, pelos seus estatutos, o direito de amortizar a quota do falecido ou de adquiri-la aos herdeiros, proclama o artigo 227-2 CSC que, nas suas palavras, “os direitos e obrigações inerentes à quota ficam suspensos enquanto não se efectivar a amortização ou aquisição”— mas imediatamente acrescenta o n.º 3 do mesmo artigo que, durante a suspensão, o sucessores poderão exercer os direitos inerentes à tutela da sua posição jurídica, “nomeadamente votar em deliberações sobre alteração do contrato ou dissolução da sociedade”.
Um desses direitos exercíveis durante o período de suspensão será, decerto, o de impugnar as deliberações da sociedade, e, consequentemente, ocorrido o condicionalismo, respectivo, o de requerer a suspensão cautelar da sua execução.
A hipótese equipara-se neste aspecto, pois, à última figurada: a opção de a sociedade continuar com os herdeiros do sócio falecido. Em ambas, com o falecimento do sócio, os seus herdeiros ficam ipso iure encabeçados na sua quota ou nas respectivas acções — naquela hipótese até que sejam efectivamente amortizadas ou adquiridas; nesta, em definitivo.
Ora havendo pluralidade de herdeiros e enquanto a herança permanecer indivisa, passa naturalmente a verificar-se a contitularidade da participação social, expressamente contemplada e regulada nos arts. 222-224 e 303 CSC. Do acervo destas disposições prontamente se retira que se privilegia na lei o exercício dos direitos dos contitulares, não em conjunto, como a jurisprudência anterior tendia a consagrar, mas através de um representante comum.
“Os contitulares da quota — afirma o artigo 222-1 CSC — devem exercer os direitos a ela inerentes através de representante comum”. Para a contitularidade de acções, reproduz o artigo 303-1 CSC idêntico princípio.
A regra é, portanto, nas relações com a sociedade, a do exercício dos direitos, através de representante comum, e não em conjunto — e compreende-se bem que seja assim, pois a intervenção plural dos contitulares terá tendência a revelar-se embaraçosa para a actividade societária.
O nosso Direito positivo leva este seu interesse tão longe que chega ao extremo de, no artigo 223-1 CSC, admitir expressamente quatro modos distintos de designação para o representante comum: por lei, por testamento, por nomeação dos contitulares, e por nomeação judicial.
Ora, não especificando o Código das Sociedades Comerciais nenhum concreto representante comum, entre os diversos contitulares, só restará, decerto, preencher a hipótese de designação legal pelos casos em que, no Direito geral, interesses colectivos possam ser prosseguidos por um representante comum — e o caso que saltará logo à lembrança será do cabeça de casal, a quem, nos termos do artigo 2079 CC, incumbe a administração da herança até à sua liquidação e partilha.
Requerer que se suspenda a execução de uma deliberação, como impugnar a sua existência jurídica, validade ou eficácia, integrará, pelo menos na generalidade dos casos, um puro acto de administração, enquadrável na competência do cabeça de casal.
Não nos parece aceitável, pois, no domínio do Código das Sociedades Comerciais, como já nos não parecia antes, aliás, a jurisprudência que rejeitava ao cabeça de casal, não havendo representante comum nomeado, pelos contitulares, legitimidade para requerer procedimento cautelar de suspensão de deliberações de sociedades comerciais.
Mesmo na falta ou impedimento do representante comum, não parece de exigir, em litisconsórcio necessário, a intervenção de todos os herdeiros do sócio falecido. O n.º 4 do artigo 222 CSC revela claramente ser reconhecido, sendo o caso, ao único titular presente à assembleia geral, o exercício do direito de voto — e, portanto, o da própria impugnação ou suspensão da execução da deliberação.
Isto demonstra, seguramente, que, salvo se um dos contitulares tiver votado em favor da deliberação, poderá qualquer contitular não representado (como, aliás, o próprio contitular presente solitariamente, desde que tenha sido abstinente ou dissidente) requerer, sozinho, a suspensão da sua execução».

Afigura-se efectivamente mais curial a solução de representação dos co-titulares por um representante comum, desde logo por razões de eficácia: a vida das sociedades não se compadece com a necessidade de fazer intervir todos os herdeiros, que podem ser em número elevado, ausentes, etc.

E se a lei comercial estabelece uma forma específica de representação dos co-titulares das acções — representação através de um representante comum (artigo 303.º, n.º 1, CSC), aplicando-se o disposto nos artigos 223.º e 224.º (ex vi artigo 303.º, n.º 4, CSC), fica derrogado o regime geral estabelecido no artigo 2091.º, n. 1, CC.
Assim, o artigo 223.º, n.º 1, CSC, estabelece que o representante comum, quando não for designado por lei ou disposição testamentária, é nomeado e pode ser destituído pelos contitulares.

O representante comum designado por lei é o cabeça de casal, a quem pretende a administração da herança até à partilha (artigo 2079.º CC). A lei estabelece os critérios de deferimento do cargo (artigo 2080.º CC), podendo o mesmo ser designado pelo tribunal em caso de escusa ou remoção daqueles a quem compete legalmente o cargo (artigo 2083.º CC), sem prejuízo de, em qualquer caso, os interessados acordarem na pessoa que exercerá essas funções (artigo 2084.º CC).

A representação dos co-titulares das acções cabe, pois, ao cabeça de casal.

Nem se esgrima com a designação feita pelas co-titulares a que se alude no ponto 2.4 da matéria de facto.

Tal designação apenas seria válida se a lei não designasse representante comum, o que não é o caso.

Por outro lado, admitir que os co-titulares pudessem escolher um representante comum, à margem da designação legal, teria como efeito a remoção do cabeça de casal fora dos casos em que a lei o admite (artigo 2086.º CC). E teria como consequência um cabeçalato bicéfalo: a administração das acções da sociedade caberia ao representante comum designado por acordo, e a administração dos demais bens ao cabeça de casal, o que não faria grande sentido.

Ainda que se enveredasse pela lógica da limitação dos poderes do cabeça de casal (cfr. conclusões 32.ª a 36.ª), sempre seria necessário demonstrar que, no caso concreto, o objecto da deliberação extravasava o âmbito dos poderes do cabeça de casal (designadamente extinção, oneração ou alienação das acções, aumento de obrigações, renúncia ou redução de direitos — cfr. artigo 223.º n.º 6, CSC) , o que não foi feito.

Importa, pois, concluir que o cabeça de casal tem legitimidade para instaurar procedimento cautelar de suspensão de deliberação social de sociedade cujas acções integram herança indivisa. Neste sentido, vejam-se os acórdãos do STJ, de 2009.10.06, Nuno Cameira, wwww.dgsi.pt.jstj, proc. 398/09.5YFLSB, e da Relação do Porto, de 2006.12.21, José Ferraz, www.dgsi.pr.jtrp, proc. 0636729.

Fica prejudicada a questão da sanabilidade da ilegitimidade por violação de litisconsórcio necessário passivo.

4. Decisão

Termos em que, julgando a apelação procedente, revoga-se a decisão recorrida, determinando o prosseguimento dos autos.

Custas pela apelada.

Porto, 15 de Maio de 2012
Márcia Portela
Manuel Pinto dos Santos
Ondina Carmo Alves