Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP00030962 | ||
Relator: | PIRES CONDESSO | ||
Descritores: | SERVIDÃO DE ESTILICÍDIO REQUISITOS EFEITOS | ||
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Nº do Documento: | RP200012210031207 | ||
Data do Acordão: | 12/21/2000 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recorrido: | T J PAREDES 1J | ||
Processo no Tribunal Recorrido: | 10/93-2S | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
Decisão: | REVOGADA PARCIALMENTE. | ||
Área Temática: | DIR CIV - DIR REAIS. | ||
Legislação Nacional: | CCIV66 ART1365. | ||
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Sumário: | I - A servidão de estilicídio apenas pode resultar de queda de água da cobertura do prédio vizinho e não já da existência de uma caleira que faça a recolha das águas dessa cobertura. II - A existência de tal servidão apenas confere ao dono do prédio dominante o direito de exigir o cumprimento do disposto no artigo 1365 n.2 do Código Civil, não conferindo o direito de pedir a destruição de toda a obra levantada no prédio serviente. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM NO TRIBIUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO Manuel ............. e mulher Maria Celeste .................... instauraram acção Sumária contra Sofia ....... pedindo a sua condenação a ver declarada e a reconhecer a propriedade sobre o prédio que identificam, a demolir a parede-norte da parede que erigiram a sul da sua casa e a repor o beiral e caleira na situação anteriormente encontrada. Alegam, em resumo, que são donos do imóvel, casa e quintal, que identificam e que adquiriram por escritura de 10/4/79 a Joaquim ......... e mulher, invocando depois factos para a aquisição por usucapião. Do lado sul do seu prédio o terreno onde foi implantada a casa possuía uma sapata em pedra morro que em parte servia de alicerce à respectiva parede. O prédio dos autores tinha duas janelas na parede sul que dão directamente para o prédio da ré e que distam pelo menos 1 ,5M da parede construída pela ré. Os AA são, além do mais, donos de uma servidão de estilicídio já que o seu beiral gotejava e possuía uma caldeira que se estendia cerca de 60cm para fora da sua parede, beiral e caldeira. A ré, proprietária de um terreno contíguo ao dos AA, procedeu a obras de ampliação do seu imóvel não respeitando a estrema do seu terreno e cortando uma parte daquele morro, fazendo subir a sua parede em terreno pertença dos AA. Contestou a ré aceitando a propriedade dos autores sobre o imóvel tal como está descrito mas não aceitando os limites por eles indicados, alegando factos destinados a provar que foram os AA que com as inovações introduzidas na sua casa invadiram o seu terreno. Deduzem reconvenção pedindo que os AA sejam condenados a reconhecer a propriedade do seu terreno e a fecharem as janelas que abriram na parede sul do seu prédio bem como a destruírem a beirada e a retirarem a caleira da parte sul da beirada nascente que se encontra a ocupar parte do seu prédio. Responderam os AA mantendo a sua posição inicial. Prosseguiram os autos com o saneador, especificação e questionário e depois o para julgamento após o que veio a ser proferida a sentença final recorrida na qual foi julgada a acção procedente e a reconvenção apenas na medida do reconhecimento da propriedade e no demais improcedente. Inconformada interpôs recurso de APELAÇÃO a Ré que apresentou as suas alegações, concluindo nos aspectos que resumimos, e que se podem como que dividir em duas ordens de questões: 1ª-- no que essencialmente se refere à parte da decisão recorrida que determinou a procedência da acção do AA invoca obscuridades, incorrecções e contradições da matéria de facto, mas tudo com o escopo fundamental de que a propriedade dos autores não tem o limite que ele pretende, impondo-se a improcedência da acção; 2ª--quanto à improcedência do seu pedido reconvencional nada alega ou conclui em concreto para além do pedido de que os factos apurados justificam a sua procedência. ........................................................................................................ ....................................................................................................... Resta-nos apreciar a pretensão de estilicídio ainda invocada e também de forma subsidiária à aquisição de propriedade. A este propósito diz-nos o actual art 1365° CC no seu N° 1 que «o proprietário deve edificar de modo que a beira do telhado ou outra cobertura não goteje sobre o prédio vizinho, deixando um intervalo de 5 decímetros entre o prédio e a beira, se de outro modo não puder evitá-lo.» Acrescenta o N° 2 que constituída por qualquer título a servidão de estilicídio, o proprietário do prédio serviente não pode levantar edifício ou construção que impeça o escoamento das águas, devendo realizar as obras necessárias para que o escoamento se faça sobre o seu prédio, sem prejuízo para o prédio dominante. Ora a pretensão dos AA----demolição da parede levantada pela ré e reconstrução do beirado e caleira na arte destruída-----assenta, segundo a sua óptica, na existência de uma servidão de estilicídio e seria a sua verificação que lhes fundamentaria o direito que invoca. Pressuposto necessário desta tese será sempre a verificação da citada servidão de estilicidio. E para que esta ocorra é necessário, desde logo, que a beira do telhado ou outra cobertura GOTEJE sobre o prédio vizinho. (N° 1 do artº 13658 CC) Se bem atentarmos nos ensinamentos de António Carvalho Martins in «Construções e Edificações» a pag 138 e segs e P. Lima e A. Varela no seu CC Anotado-art 1365°- o que se consagra no N° 1 é a orientação de que o proprietário tem obrigação de construir de modo que as águas pluviais caídas do seu prédio urbano não vão, através da sua infiltração, prejudicar o prédio vizinho, e daí que o que esteja em causa seja, por conseguinte, uma limitação ao direito de propriedade do prédio que goteja e não uma servidão sobre o outro prédio, o que recebe as aguas. Segundo aquele 1 ° autor esta limitação deriva das proibições de emissões impostas no art 1346° CC e do princípio segundo o qual os prédios inferiores estão sujeitos a receber as águas que, naturalmente e sem obra do homem, decorrem dos prédios superiores, imposto pelo art 1351 ° CC. Surge claro que a beira ou outra cobertura do telhado não pode gotejar sobre o prédio vizinho porquanto isso traduzir-se-ia numa emissão não permitida. Já assim não será quando se deixar um intervalo de 5 decímetros perante o terreno vizinho, pois então é de presumir que as águas que assim caiem no terreno superior infiltrar-se-ão nesse terreno, espalhando-se por ele de modo a já não causarem prejuízo ao prédio vizinho. Claro que esta obrigação legal de suportar o escoamento das águas fluviais só existe quando elas caiam naturalmente no prédio superior e não já quando caiam por terem sido reunidas por acção do homem (caleira, por exemplo ). Convém referir, a este propósito, que a expressão «gotejar» usada pela lei é meramente exemplificativa pois o que se quis dizer é que a água corra naturalmente da cobertura do prédio superior, não sendo necessário que pingue gota a gota. Atentos estes princípios afigura-se-nos que o intervalo de 5 decímetros só é exigível quando as águas corram, assim, naturalmente, pois se o dono do prédio superior arranjar maneira de as recolher, por exemplo através de algerozes ou caleiras, e as conduzir de modo a que caiam noutra área do seu terreno, já não está obrigado a respeitar aquela distância de 5 dcm. Portanto, tendo em conta estes ensinamentos, a servidão de estilicídio de que nos fala o artº 1365 N° 2 CC apenas pode resultar de uma queda de água da cobertura do prédio vizinho e não já quando o dono deste prédio superior faça a o recolha de água através de caleira assim evitando que ela caia nos termos apontados no chão. Voltando-nos para o nosso caso nós vemos que desde há cerca de 15 anos que os autores têm caleiras e não vem alegado (e por isso não se podia provar) que destas goteje água para o solo. É certo que se provou, de acordo com o alegado, que desde há cerca de 30 anos existe o beirado e que ele gotejava para o espaço de 60 cm a Sul da parede dos AA mas isso tem de entender-se como apenas ocorrendo até ao momento em que há cerca de 15 anos os AA colocaram uma caleira. Pensamos até que esta circunstância nos permite presumir ( de facto) que se havendo um gotejar do beirado durante cerca de 15 anos e acabou por se colocar uma caleira é porque se reconheceu que não havia direito àquela primeira situação. Não estando então alegado nem provado que nos últimos cerca de 15 anos ocorra o gotejar de água imposto por lei como pressuposto necessário do estilicídio, havendo, pelo contrário, indícios de que os AA não tinham direito a tal gotejar , temos de concluir que se não pode ter por verificada a pretendida servidão de estilicídio. Mesmo que ocorresse tal servidão impõem-se-nos duas ordens de considerações: Uma delas prende-se com a circunstância de que, mesmo que provada a sua verificação, a consequência não é a da aquisição da propriedade em relação ao terreno sobre que se estende a servidão, que sempre terá de ser provada pelos meios normais, não nos podendo esquecer que a servidão é incompatível com a propriedade sobre o mesmo terreno, como se sabe - ou há servidão ou propriedade. Prende-se a outra consideração com as limitações resultantes da verificação da servidão de estilicídio pelo N° 2 do art 1365° CC. Na verdade, voltando aos ensinamentos colhidos nas obras citadas, perante a verificação de uma tal servidão perfilavam-se perante o legislador três soluções para o titular do prédio serviente: ----não poder este construir sem guardar a distância de 5 decímetros ( ou a abrangida pela servidão ); ----poder ele levantar o seu edifício encostado ao telhado vizinho, embora isso obstasse a que as água caíssem no seu prédio; ----poder construir desde que a construção seja acompanhada das obras necessárias para que se mantenha o escoamento das águas sobre o seu prédio. Ora, segundo o disposto no citado N° 2 e os referidos ensinamentos, esta última foi a solução eleita e daí que o proprietário de prédio onerado com a servidão possa construir no espaço por ela abrangido desde que, claro, não crie obstáculos ao escoamento das águas, o que só caso a caso se pode aferir, não se podendo sequer esquecer a faculdade concedida de obter a mudança de servidão, construindo uma caleira ou um cano através do seu próprio edifício e que conduza as águas para terreno seu. Pretendemos com isto dizer que mesmo a existir servidão de estilicídio essa circunstância não permite o pedido de destruição de toda a obra levantada nem a reposição da beirada e caleira no estado anterior . Até onde se poderá ir, com os únicos factos alegados e provados------e partindo do princípio que está verificada a servidão de estilicídio, o que já vimos não ocorrer-----é a utlilização da faculdade concedida pelo N° 2 art 1365° CC--- que a obra levantada não impeça o escoamento das águas, devendo realizar as necessárias para que o escoamento se faça sobre o seu prédio, sem prejuízo do prédio dominante-dos AA. Não foi, porém, nada disto que pediram os AA e compreende-se que assim tenha sido pois no fundo o que os move é um conflito de limites de propriedade e não qualquer problema de escoamento de águas. Concluindo nesta parte diremos que os AA não lograram provar a existência de servidão de estilicídio-----não alegaram nem provaram o gotejamento de água nos últimos 15 anos----e mesmo que ela ocorresse não tinham direito aos pedidos que formularam mas apenas ao permitido no art 1365° N° 2 CC. Pensamos ter abordado todas a questões que contendiam com o objecto do cerne da acção----os limites da propriedade-----e daí a sua improcedência quanto ao N°1 o -A) B), mantendo-se, claro, a procedência decidida quanto à questão da afirmação GENÉRICA da propriedade do autor sobre o terreno registado, isto é, quanto ao decidido no ponto -N° 1-A) da sentença, até porque nem sequer foi posto em causa. Voltando-nos, agora, para a segunda questão verifica-se que ela se prende com o vencimento do pedido reconvencional no que respeita aos aspectos em que improcedeu. Tem aqui inteiro cabimento tudo quanto começamos por dizer na 1ª parte quanto à necessidade de se alegarem os pressupostos factuais da usucapião em relação a certa área do terreno quando essa área é decisiva para que se determinem os limites de certo prédio. Para o pedido reconvencional proceder era precisamente necessário que a ré alegasse, para depois poder provar (tal como dissemos em relação ao autor para a sua pretensão) a «usucapião», digamos assim, até ao limite que pretendia para o seu terreno de modo a que as suas pretensões----condenação do AA a demolirem a parede que levantaram em terreno seu e a fecharem as janelas abertas sobre tal terreno e a demolirem o beiral e caleira----pudessem vingar . Não o tendo feito, como claramente resulta dos factos provados, e sendo certo que nem os havia alegado, tem de decair (tal como aconteceu aos AA. em idêntica mas oposta pretensão) no que respeita ao pedido reconvencional. Improcede, pois, neste aspecto, a apelação. TENTEMOS RESUMIR: ............................................................................................... -----A servidão de estilicídio (1365º CC) tem como pressuposto necessário o gotejar, o escoamento de água provindo da cobertura do prédio dominante, e assim, não se provando esse cair de água, antes pelo contrário, a existência de uma caleira em relação à qual nada se alega sobre o referido gotejamento e sendo de presumir, precisamente, que essa caleira reúne as águas do beirado, não se pode ter por verificada tal servidão; ----De qualquer modo, mesmo que se verificasse essa servidão, o dono do prédio dominante não podia, só por isso, pedir a demolição da obra levantada em violação do espaço abrangido por ela; ----Na verdade, a existência de uma servidão de estilicídio e a sua violação, só conferem ao dono do edifício dominante o direito de exigir do dono do prédio serviente o cumprimento do artº 1365° N° 2 CC; ----diga-se, por fim, que a ocorrência da mesma servidão não confere ao seu titular a propriedade sobre o terreno por ela abrangido. CONCLUINDO: FACE AO EXPOSTO, ACORDAM EM JULGAR A APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE E NESSA MEDIDA ALTERAM A DECISAO RECORRIDA QUANTO AO DECIDIDO NAS ALINEAS b) E c) DO Nº1 NO SENTIDO DE QUE QUANTO A TAIS ASPECTOS IMPROCEDE A ACÇÃO; QUANTO AO MAIS IMPROCEDE A APELAÇÃO MANTENDO-SE A SENTENÇA. Custas pelas AA e Ré na proporção de metade para cada uma. Porto, 21 de Dezembro de 2000 António José Pires Condesso Gonçalo Xavier Silvano Fernando Manuel Pinto de Almeida |