Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | FERNANDA SOARES | ||
Descritores: | CONTRATO DE TRABALHO PRESUNÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RP20110713133/09.8TTSTS.P1 | ||
Data do Acordão: | 07/13/2011 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
Decisão: | ANULADA A DECISÃO. | ||
Indicações Eventuais: | 4ª SECÇÃO (SOCIAL) | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I – O art. 12.º do CT/2010 não é uma norma interpretativa do art. 12.º do CT/2003. II – A redacção dada ao art. 12.º do CT/2003 pela Lei n.º 9/2006, de 20 de Março, não é uma presunção de laboridade, limitando-se, apenas, a indicar os elementos definidores da noção legal de contrato de trabalho enunciada no art. 10.º, do referido CT/2003. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo n.º 133/09.8TTSTS.P1 Relator: M. Fernanda Soares - 917 Adjuntos: Dr. Ferreira da Costa - 1405 Dr. Fernandes Isidoro - 1151 Acordam no Tribunal da Relação do Porto I B… instaurou no Tribunal do Trabalho de S. Tirso acção de impugnação de despedimento contra C… e D…, Lda., pedindo seja decretado a ilicitude do despedimento promovido pelos Réus, e em consequência condenados os mesmos a pagar à Autora a) a indemnização por antiguidade; b) as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento e até ao trânsito em julgado da decisão; c) a retribuição do mês de Outubro de 2008, no montante de € 666,67; d) as férias e subsídio de férias referente ao trabalho prestado no ano de 2008, no valor de € 2.000,00; e) a indemnização por violação do direito a férias, respeitante ao ano de 2008, no valor de € 3.000,00; f) o subsídio de natal do ano de 2008, que ascende ao montante de € 1.000,00; g) a indemnização por danos não patrimoniais, no valor de € 3.000,00; h) os juros vencidos sobre as quantias peticionadas bem como os vincendos até integral pagamento. Pede ainda a Autora a condenação dos Réus a liquidar a totalidade das contribuições devidas à Segurança Social.Alega a Autora, em síntese, que em 9.1.2008 foi admitida ao serviço do Réu C… para exercer as funções correspondentes à categoria profissional de directora de marketing nas instalações/sede dos Réus, sitas na cidade do Porto, mediante a remuneração mensal de € 1.000,00, acrescida de uma quantia variável referente ao reembolso de despesas realizadas em consequência das suas funções. A partir de Julho/Agosto de 2008 o Réu C… constituiu a aqui 2ªRé, passando a ser o seu principal sócio e gerente, e tendo como instalações as mesmas onde o Réu C… anteriormente exercia a sua actividade. Sucede que em meados de Setembro de 2008 o Réu C… comunicou à Autora e demais colegas que pretendia fechar a empresa, solicitando a emissão de recibos verdes relativamente às remunerações anteriormente pagas e a assinatura de um contrato de prestação de serviços, o que a Autora recusou. Mais tarde, em Outubro de 2008, o Réu C… propôs à Autora a assinatura de um contrato de trabalho a termo certo, o que ela também recusou, sendo certo que em 20.10.2008 a 2ªRé comunicou à Autora a cessação do contrato de trabalho “no contexto do encerramento da sociedade”, o que de facto aconteceu, já que no referido dia a Autora apresentou-se para trabalhar e encontrou as instalações/sede dos Réus encerradas. Tal situação consubstancia um despedimento ilícito por não precedido de processo disciplinar e por inexistência de justa causa. O Réu C… apresentou contestação onde alega a inexistência de qualquer contrato de trabalho entre a Autora e os Réus. Mais alega que, e para o caso de se defender a existência de um contrato de trabalho, então, o mesmo cessou por caducidade, nos termos dos números 3 e 4 do artigo 390º do CT, e sendo os Réus uma microempresa, encontram-se dispensados de dar cumprimento ao formalismo previsto nos artigos 419º e seguintes do CT. Acresce que tendo a 2ªRé sido extinta, verifica-se igualmente a caducidade do contrato de trabalho sem direito a qualquer indemnização (artigo 390º, nº2 do CT). Conclui, assim, pela improcedência da acção. O Réu C… veio juntar certidão comprovativa da extinção da 2ªRé. A Autora veio responder concluindo como na petição e requerer que a 2ªRé seja notificada, na pessoa do Réu C…, para identificar o liquidatário da sociedade e para juntar aos autos cópia da acta que determinou a extinção e liquidação da sociedade. Por despacho datado de 9.3.2010, proferido nos autos de habilitação apensos aos presentes, foram julgados habilitados a prosseguirem a causa, na posição da 2ªRé, os requeridos C… e E…. Procedeu-se a julgamento, consignou-se a matéria de facto dada como provada e não provada e foi proferida sentença a julgar a acção improcedente e a absolver os Réus dos pedidos. A Autora veio arguir no requerimento de interposição de recurso a nulidade da sentença, e recorrer da mesma, pedindo a sua revogação e substituição por acórdão que julgue a acção procedente, concluindo do seguinte modo: Quanto à impugnação da fixação da matéria de facto 1.A decisão sobre a matéria de facto não está de acordo com a prova produzida, designadamente a prova documental junta aos autos, nem a respectiva fundamentação assenta em critérios lógicos, objectivos e coerentes com a prova considerada provada. A) A Prestação de Trabalho efectuada com instrumentos de trabalho do Réu. 2.Não se pode concordar com a conclusão expedida na decisão sobre a matéria de facto de que “não se provaram quaisquer outros factos com interesse para a decisão da causa”. 3.Desde logo, resulta da própria sentença – folhas 298 e 299 – o reconhecimento que a actividade prestada pela Autora era efectuada com instrumentos de trabalho do Réu. 4.Assim, do quarto parágrafo de folhas 298 da sentença consta o seguinte: “No sentido da eventual existência de contrato de trabalho, poderia apontar-se apenas, por um lado, o facto de ser o trabalho prestado nas instalações, primeiro do 1ºRéu e depois nas da 2ªRé – sempre as mesmas – utilizando instrumentos a estes pertencentes”. 5.O mesmo facto é de novo referido no segundo parágrafo de folhas 299, conforme se transcreve: “A prestação da actividade contratada nas instalações do réu, com instrumentos de trabalho deste não é, pois, por si só, concludente ou suficiente no sentido de um contrato de trabalho”. 6.Assim sendo, à matéria de facto dada como assente deverá ser aditado um novo ponto com a seguinte resposta: A prestação da actividade desempenhada pela Autora era efectuada com instrumentos de trabalho dos Réus. B) O horário de trabalho. 7.A mesma decisão de facto entendeu não se ter provado o facto constante do artigo 4º da petição, cujo teor era o seguinte: “Com o seguinte horário de trabalho: das 9h30 às 13h00 e das 14h00 às 18h00 de 2ª a 6ªfeira”. 8.A fundamentação da resposta negativa ao facto indicado foi declarada na respectiva decisão a folhas 286, 4º e 5º parágrafos, mas levou apenas em consideração a parte dos emails de folhas 106 e 107 que é da exclusiva autoria do advogado do réu (email de 24.01.2008), esquecendo a parte daquele documento que diz respeito às declarações do réu. 9.O que importava era apurar qual terá sido a vontade das partes na celebração do contrato; por isso, interessava atentar nas declarações que o próprio réu produziu a respeito da questão do horário de trabalho, muito mais do que dar atenção e relevância aos «conselhos» do advogado do réu. 10.As declarações do réu a tal propósito, e que constam do seu email de 18.1.2008 (folhas 106 e 107) são as seguintes: “Horas: 35 horas semanais, segunda-sexta, no período entre as 9h30 – 18h00 no escritório na R. …, .., .º, Porto…PS: Se o F… puder ajustar e/ou adaptar correctamente nos termos previsto pelo Direito do Trabalho a todos estes itens, agradecia”. 11.Tais declarações escritas do réu afiguram-se inequívocas quer no sentido da estipulação de um horário de trabalho tal como definido no artigo 4º da petição inicial, quer no sentido da afirmação da intenção do próprio réu na celebração de um contrato «nos termos previstos no Direito do Trabalho». 12.Refere-se ainda na fundamentação da resposta negativa àquele artigo 4º que “esse aludido contrato acabou por não ser assinado pelas partes, reduzido a escrito, não sabendo nós as razões que a tal obstaram”, como se a validade do contrato de trabalho estivesse sujeita a qualquer forma especial e esquecendo que o valor principal daqueles emails era o de demonstrar que a intenção do Réu foi a de celebrar um contrato de trabalho, com horário de trabalho definido. 13.Assim, o teor dos referidos documentos de folhas 106 a 122, conjugado com o depoimento das testemunhas G…, H…, I…, J… e K… e ainda com as regras da experiência e juízos de normalidade, eram mais do que suficientes para afirmar a existência de um horário de trabalho nos termos alegados no artigo 4º da petição. 14.Sendo que a justificação para a desvalorização do depoimento das testemunhas G…, H… e I…, encontra-se em contradição com a realidade e os elementos que constam dos autos. 15.Não havia razão para desvalorizar tais depoimentos, uma vez que as referidas testemunhas vivem mo mesmo prédio das instalações do réu, e relativamente à irmã da autora, antes de prestar a sua actividade ao abrigo de um contrato de trabalho, já antes prestava trabalho para o réu ao abrigo de um contrato de formação em posto de trabalho, assim se explicando que podiam coincidir no período declarado pelas testemunhas. 16.Assim, pelas razões expostas, deve ser aditado novo quesito, para o qual se sugere a seguinte formulação: “Entre autora e réu foi estipulado e praticado pela autora um horário de trabalho de 35 horas semanais, das 9h30 às 13h00 e das 14h00 às 18h00, de 2ª a 6ªfeira”. C) O gozo de férias e o pagamento dos subsídios de férias e de natal. 17.A mesma fundamentação da decisão sobre a matéria de facto entendeu relevar criticamente, em desfavor da autora, o facto de esta não ter gozado férias, não lhe tendo sido pagos os subsídios de férias e de natal (pontos 16 e 18 da matéria considerada assente). 18.Mas aquela fundamentação esqueceu que o período de execução do contrato durou pouco mais de 9 meses, e que nos termos do disposto no artigo 239º, nº1 do CT “no ano da admissão, o trabalhador tem direito a dois dias úteis de férias por cada mês de duração do contrato, até 20 dias, cujo gozo pode ter lugar após seis meses completos de execução do contrato”. 19.Valorou também de forma indevida a ausência de pagamento do subsídio de natal que, conforme é sabido, é pago habitualmente com o vencimento do mês de Novembro. 20.Por outro lado, ao censurar, indevidamente, a suposta atitude passiva da autora (“ao longo do período de execução do contrato, ao que tudo indica, nada faz, reclama ou reage”), a fundamentação não levou em consideração os factos assentes nos pontos 13, 10 e 11 da matéria assente. 21.Revela-se, pois, aquela fundamentação da decisão de facto e a apreciação crítica subjacente das provas, como incorrecta e contraditória com a prova produzida, devendo ser revogada C) A não indicação da sequência temporal dos factos sob os nºs. 9, 10 e 11. 22.A decisão referente à matéria de facto não é precisa quando era possível relativamente aos postos 9, 10 e 11 da matéria assente uma vez que não concretiza a sequência temporal dos factos aí dados como provados. 23.Relativamente à data em que o réu comunicou à autora que pretendia encerrar a empresa (ponto 9), nada se esclarece, muito embora fosse possível concluir que, pelo menos, tal facto ocorreu após a constituição da sociedade ré. 24.Relativamente à data em que o réu solicitou a emissão de recibos verdes e a assinatura do contrato de prestação de serviços (ponto 10), nada se esclarece, sendo que era possível determinar, pelo menos, que tal se verificou após a comunicação da intenção de encerrar a empresa. 25.E relativamente à data em que o réu solicitou à autora a assinatura de um contrato a termo certo (ponto 11), nada se esclarece, sendo que era possível determinar que, pelo menos, tal se verificou após a solicitação anterior de assinatura de um contrato de prestação de serviços. 26.Ademais, a referida fundamentação não levou em consideração o facto de neste último contrato (documento nº16 do apenso da providência cautelar) figurar como outorgante, não já o 1ºréu, mas antes a empresa ré, ao contrário do que sucedeu com a anterior proposta de celebração de um contrato de prestação de serviços (documento nº15 do apenso da providência). 27.O que permitira concluir que a proposta de assinatura do contrato de prestação de serviços precedeu a proposta de assinatura do contrato de trabalho a termo certo, uma vez que a sociedade ré apenas foi constituída em 2.8.2008. 28.Assim, pelas razões indicadas, deverão ser alterados os pontos 9, 10 e 11 da matéria assente, no sentido da determinação da respectiva sequência temporal, nos termos indicados. 29.A mesma decisão sobre a matéria de facto considerou ainda não provado o teor do artigo 42º da resposta da autora, mas também de forma indevida, tendo em consideração os factos dados como assentes nos pontos 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 14, 15 e 20 da decisão de facto. 30.De facto, o reconhecimento da prova positiva desta matéria impunha-se, desde logo, pelo facto de o réu ter decidido constituir uma sociedade comercial em Agosto de 2008 para logo, em Outubro de 2008, a decidir encerrar, ou seja, cerca de 2 meses e meio após a respectiva constituição. 31.Esta circunstância, aliada aos factos dados como assentes nos pontos 9, 5, 10, 11, 14, 15 e 20, impunham que a matéria constante do referido artigo 42º da resposta tivesse sido dada como provada. 32.Deverá, pois, ser alterada a decisão de facto relativa ao referido no artigo 42º da resposta, considerando-a provada. Quanto à matéria de direito. 33.A sentença recorrida entendeu que para resolver a questão da qualificação da relação jurídica há que atender ao CT de 2003. 34.Tal conclusão é incorrecta uma vez que a norma do artigo 12º do CT de 2009 é uma norma interpretativa, e por isso de aplicação retroactiva, nos termos do artigo 13º do C. Civil. 35.Pelo confronto das duas versões da norma se afere que a versão actual veio apenas definir, de forma mais objectiva e concreta, os requisitos da verificação da presunção da existência de um contrato de trabalho. 36.De qualquer modo, a presunção legal estabelecida no artigo 12º do CT surge, na linha do recomendado pela OIT – Recomendação nº198, adoptada em 15.06.2006 – como um expediente anti-fraudulento, destinado a combater as «relações de trabalho encobertas» e a facilitar a determinação da existência de uma relação de trabalho subordinado. 37.Ora, estes propósitos do legislador resultariam frustrados se a nova redacção da presunção de laboralidade constante do artigo 12º apenas actuasse em relação aos contratos celebrados após o início de vigência do novo CT. 38.Assim, a sentença recorrida ao considerar a versão anterior do citado artigo 12º efectuou uma incorrecta interpretação das disposições legais aplicáveis, devendo, por isso, ser corrigida, nos termos sustentados. 39.Atenta a matéria de facto dada como provada, em consonância quer com a interpretação restritiva constante da sentença no sentido da aplicação do artigo 12º na versão anterior quer em consonância com o entendimento supra sustentado no sentido da aplicação da actual versão do mesmo preceito, atenta a matéria de facto dada como provada – pontos 3 a 11 e 13 – o Tribunal podia e deveria ter concluído pela existência de contrato de trabalho. 40.Tais factos demonstram a inserção da autora na estrutura orgânica do réu, a realização do trabalho na empresa beneficiária da actividade, e em local por esta controlado, a categoria profissional de directora de marketing da autora, a remuneração certa e a propriedade do réu dos instrumentos de trabalho. 41.Integrando a verificação das «características» enunciadas no artigo 12º do CT (versão anterior), designadamente as previstas nas alíneas a), b), d) e e) do seu nº1, pelo que também por aqui haveria que se reconhecer a existência de contrato de trabalho. 42.E por maioria de razão, à mesma conclusão se chegará no caso de se proceder à aplicação da nova versão do artigo 12º. 43.De facto, basta a verificação de dois dos requisitos enunciados nas alíneas do referido nº1 do artigo 12º do CT, para que se tenha por verificada a presunção da existência de contrato de trabalho. 44.E perante as dúvidas relativas à existência de contrato de trabalho, a sentença recorrida acabou por concluir em desfavor da autora. 45.Mas atentos os factos provados, por aplicação do disposto no artigo 12º do CT (na versão actual), e o disposto no nº1 do artigo 350º do C. Civil, impunha-se o reconhecimento da verificação dos requisitos da presunção da existência de contrato de trabalho e a consequente inversão do ónus da prova. 46.E ainda por maioria de razão, corrigida a decisão sobre a matéria de facto no sentido já sustentado, não poderá o Tribunal deixar de reconhecer a existência de um contrato de trabalho subordinado, pelas razões de facto e de direito expostas. 47.O reconhecimento da existência de subordinação jurídica resulta do facto da autora não agir no seio de uma organização própria, mas antes se integrar numa organização de meios produtivos alheia, dirigida à obtenção de fins igualmente alheios, conforme decorre dos pontos 1, 2 e 3 da factualidade assente. 48.A sentença recorrida considerou insuficientes tais factos, e outros, para concluir pelo reconhecimento da existência de trabalho, mas sem razão. 49.Desde logo, a sentença recorrida efectuou uma avaliação incorrecta da prova produzida ao considerar abalada “a existência da subordinação jurídica” e o reconhecimento da existência de um contrato de trabalho, pelo facto de a autora não ter gozado férias e não ter recebido os subsídios de férias e de natal. 50.É que, conforme resulta dos pontos 3, 14 e 15 dos factos assentes, o período de execução do contrato durou pouco mais de nove meses. 51.Ora, nos termos do disposto no artigo 239º, nº1 do CT, “no ano da admissão, o trabalhador tem direito a dois dias úteis de férias por cada mês de duração do contrato, até 20 dias, cujo gozo pode ter lugar após seis meses completos de execução do contrato”. 52.Valorou também de forma indevida a ausência de pagamento do subsídio de natal que é pago habitualmente com o vencimento do mês de Novembro, uma vez que a relação jurídica em causa terminou no dia 20.10. 53.Por outro lado, ao censurar a suposta atitude passiva da autora, a fundamentação não levou em conta os factos assentes nos pontos 13, 10 e 11. 54.Refere-se ainda, na fundamentação da resposta negativa ao artigo 4º da petição, que “esse aludido contrato acabou por não ser assinado pelas partes, reduzido a escrito, não sabendo nós as razões que a tal obstaram”, como se a validade do contrato de trabalho estivesse sujeita a qualquer forma especial e esquecendo que o valor principal dos emails de folhas 106 e 107 era o de demonstrar que a intenção do Réu foi a de celebrar um contrato de trabalho, com horário de trabalho definido. 55.Em suma, a decisão que consta da sentença recorrida enferma de erro de julgamento em consequência da incorrecta apreciação e valoração dos factos e dos documentos juntos aos autos, designadamente em face dos factos dados como assentes. 56.Foram violadas as disposições dos artigos 12º, 102º e 239º, nº1 do CT e ainda os artigos 13º e 350º do C. Civil. Os Réus contra alegaram pugnando pela manutenção da decisão recorrida e concluindo do seguinte modo: 1. Não se verifica qualquer nulidade da sentença por violação das alíneas c) e d) do artigo 688º do C. P. Civil. 2. Tendo em conta que a relação jurídica em causa teve início em Janeiro de 2008 e cessou em Outubro de 2008, temos que a redacção do artigo 12º do CT era a resultante da Lei nº9/2006 de 20.03. 3. Assim, a base da presunção mostra-se mais exigente que os requisitos da noção legal de contrato de trabalho, pelo que, face aos termos em que a mesma se mostra desenhada, não tem aplicação ao caso concreto a presunção prevista no artigo 12º do CT. 4. Sem conceder, seguramente em caso algum se pode afirmar que o artigo 12º do CT constitui uma norma interpretativa, pois, em cada momento, o legislador quis dar uma redacção específica e determinada ao referido preceito. 5. Sem conceder, a qualificação de uma norma como norma interpretativa terá sempre de se fazer de forma restritiva sob pena de se incorrer na violação dos princípios da não retroactividade e segurança jurídica. 6. Sendo que competia à recorrente alegar e provar a existência de um contrato de trabalho – artigo 342º, nº1 do C. Civil – e, na dúvida, a sua pretensão terá de ser julgada improcedente. 7. No caso concreto apenas está provado que a recorrente exercia funções nas instalações dos Réus e que lhe era paga uma quantia mensal de € 1.000,00. 8. No entanto, mesmo no que respeita a estes indícios, não se pode falar de indícios fortes sequer. 9. Desde logo, a recorrente não provou que apenas nessas instalações exercia tais funções, sendo que mesmo quanto a este ponto, o Tribunal a quo referiu não ter dado grande credibilidade às testemunhas arroladas pela recorrente que se pronunciaram sobre este aspecto. 10. Relativamente à quantia mensal, o recebimento de uma quantia certa mensal é perfeitamente compatível com outros contratos diferentes do contrato de trabalho. 11. Não havendo outros indícios que apontem no sentido da subordinação, torna-se evidente que o diminuto ou quase nulo valor dos referidos é manifestamente insuficiente para concluir pela verificação da subordinação. 12. A pretensão da recorrente, no que respeita à decisão sobre a matéria de facto, nunca poderia proceder ao abrigo do artigo 712º do CPC, na medida em que não se verifica nenhuma das situações aí previstas que permitam a modificação da decisão de facto. 13. Quanto à prestação de trabalho com instrumentos de trabalho do recorrido, não foi feita qualquer prova deste facto e, sem conceder, a recorrente faz extrapolações inadmissíveis do teor da decisão sobre a matéria de facto, pois quando na mesma faz menção aos instrumentos de trabalho faz-se em termos de exposição de direito e associada à prestação de actividade nas instalações do recorrido, sendo que, quanto a este ponto já foram expostas as reservas com que o Tribunal avaliou o depoimento das testemunhas arroladas pela recorrente. 14. Quanto ao horário de trabalho, não foi feita qualquer prova deste facto. 15. Quanto ao gozo de férias e pagamento de subsídios de férias e de natal não é credível que chegada a 20.10.2008 a recorrente não tivesse exigido os seus direitos relativos a férias. 16. Quanto ao que a recorrente refere a título de sequência temporal de alguns factos provados e factos que alegadamente denunciam a preparação de um despedimento ilícito, não foi feita qualquer prova. A Mma. Juíza a quo proferiu despacho no sentido da inexistência da arguida nulidade de sentença. O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto desta Relação emitiu parecer no sentido a) da inexistência das invocadas nulidades da sentença; b) da improcedência do pedido de alteração da decisão sobre a matéria de facto, por os depoimentos prestados em audiência não terem sido gravados; c) da improcedência do recurso quanto ao mérito da causa. A Autora veio responder, afirmando que as razões expostas no douto parecer não devem ser acolhidas. Admitido o recurso e corridos os vistos cumprir decidir. * * * Matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo.II 1. O 1ªRéu é um empresário em nome individual, de origem britânica, que se dedica à actividade de criação e gestão de marcas, assim como a sua divulgação, através dos vários meios de comunicação social. 2. A 2ºRé era uma sociedade comercial por quotas de responsabilidade limitada, da qual o 1ªRéu era o principal sócio e gerente, que se dedicava à mesma actividade de criação e gestão de marcas, assim como a sua divulgação, através dos vários meios de comunicação social. 3. Em 9 de Janeiro de 2008, o 1ªRéu contratou a Autora para que esta, nas instalações do 1ºRéu, sitas na Rua …, .. – .ºfrente, ….-… Porto, exercesse funções inerentes à categoria profissional de directora de marketing, mediante o pagamento de uma remuneração de € 1.000,00 (mil euros) mensais, acrescido de quantia variável referente ao reembolso de despesas realizadas por força da actividade desenvolvida. 4. As remunerações referentes aos meses de Janeiro, Fevereiro, Março, Abril, Maio e Junho de 2008 foram pagas através de transferência bancária por ordem do 1ºRéu. 5. E as referentes aos meses de Julho, Agosto e Setembro de 2008 foram pagas através de transferência bancária por ordem da 2ªRé. 6. No dia 2 de Agosto de 2008, o 1ºRéu constituiu uma sociedade comercial por quotas de responsabilidade limitada, a aqui 2ªRé, da qual passou a ser o principal sócio e gerente. 7. Esta sociedade passou a exercer a supra referida actividade comercial no mesmo local onde o 1ºRéu, anteriormente, em nome individual, exercia essa mesma actividade. 8. Para tanto, utilizando as mesmas instalações, equipamento e clientela, continuando a Autora a prestar a sua colaboração nos exactos termos em que antes o fazia. 9. O 1ºRéu comunicou à Autora que pretendia «fechar a empresa». 10. O 1ºRéu solicitou à Autora e emissão de recibos verdes relativos às remunerações anteriormente pagas, e a assinatura de um «contrato de prestação de serviços, nos termos do documento junto como documento nº15 no apenso da providência cautelar, aqui dado por reproduzido, proposta que a aqui Autora recusou. 11. O 1ºRéu propôs à Autora que assinasse um contrato de trabalho a termo certo, com efeitos a partir de 1 de Setembro de 2008, tendo, para tanto, apresentado à aqui Autora a minuta de contrato junta como documento nº16 no apenso da providência cautelar, aqui dado integralmente por reproduzido, tendo novamente a aqui Autora recusado assinar o dito contrato. 12. Nenhum dos aqui Réus havia procedido a qualquer pagamento de contribuições à Segurança Social. 13. A Autora efectuou uma participação junto da Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT), delegação do Porto, e junto da Segurança Social Portuguesa, conforme documentos números 18 e 19 juntos no apenso da providência cautelar e aqui dados por reproduzidos. 14. No dia 20 de Outubro de 2008, a 2ªRé comunicou à Autora que «no contexto do encerramento da sociedade, conforme anteriormente anunciado, comunicamos que a N/colaboração termina no dia 20-10-2008» - documento nº20 do apenso da providência cautelar aqui dado por reproduzido. 15. E de facto, naquele dia 20 de Outubro, a Autora deparou-se com o encerramento das instalações/sede dos Réus, conforme ilustram os documentos fotográficos números 21 e 22 do apenso da providência cautelar, aqui dado por reproduzido. 16. A Autora não gozou férias durante todo o período de vigência do contrato. 17. A Autora sempre foi uma excelente profissional, muito estimada na empresa e sempre se prestou a colaborar com os Réus em tudo o que estes lhe foram solicitando. 18. A Autora não auferiu, durante o período de execução do contrato, subsídio de férias ou natal. 19. Nunca foram efectuados quaisquer pagamentos a título de contribuições para a Segurança Social. 20. O encerramento total e definitivo da 2ªRé veio a concretizar-se com efeitos a partir de 20.10.2008, data em que deixou totalmente de exercer actividade e encerrou as suas instalações, tendo a 2ªRé acabado por se extinguir, por dissolução com liquidação, através de deliberação de 30.01.2009, registada em 04.02.2009, conforme resulta da certidão junta aos autos. A matéria de facto supra indicada merece-nos o seguinte reparo: nos pontos 10, 11, 13, 14, e 15 faz-se remessa para documentos. Os documentos não constituem matéria de facto mas destinam-se a fazer prova dos factos alegados pelas partes, sendo que nem tudo que consta do documento interessa à decisão da causa. Por isso, e ao abrigo do disposto no artigo 646º, nº4 do CPC declara-se não escrita a expressão assinalada a itálico “dado por reproduzido” contida nos pontos supra referidos. Por interessar à decisão da causa, e na sequência do referido no ponto 13, adita-se à matéria de facto o seguinte: 21. Com a data de 7.5.2008 a Autora remeteu à ACT queixa contra a sociedade D… – 2ªRé – alegando “ausência de descontos à Segurança Social desde Janeiro de 2008. Comunicação verbal do encerramento da empresa. Pressão para passar recibos verdes desde Janeiro de 2008, apesar de existir um contrato verbal sem termo aplicável a todos os trabalhadores”. (…). 22. Com a data de 8.10.2008 a Autora remeteu à Segurança Social queixa contra os Réus com fundamento na ausência de descontos como trabalhadora dependente desde o mês de Janeiro de 2008. * * * Questões a apreciar.III 1. Da nulidade da sentença nos termos das alíneas c) e d) do nº1 do artigo 668º do CPC. 2. Da alteração da decisão sobre a matéria de facto. 3. Da existência de um contrato de trabalho. * * * Da nulidade da sentença.IV A recorrente defende que existe contradição entre os factos dados como provados e a decisão final, na medida em que em face daqueles deveria o Tribunal a quo ter concluído pela existência de um contrato de trabalho. Mais refere a Autora que o Tribunal a quo não se pronunciou relativamente ao tipo de contrato que no seu entendimento caracterizou a relação jurídica estabelecida entre as partes. Vejamos então. Nos termos do artigo 668º, nº1 al. c) do CPC “é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão”. Como ensinam A. Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora “nos casos abrangidos pelo artº.668º, nº1, c), há um vício real no raciocínio do julgador (e não um simples lapsus calami do autor da sentença): a fundamentação aponta num sentido ou, pelo menos, direcção diferente” (Manual de Processo Civil, 1984, página 671). Também Jorge Augusto Pais do Amaral refere que “a contradição a que o preceito se refere é a que se verifica quando o juiz explana na sentença certos fundamentos que logicamente levariam a decidir num certo sentido, mas, em vez disso, a decisão enveredou pelo sentido oposto ou, pelo menos, diferente. Trata-se, portanto, de um vício de raciocínio” – Direito Processual Civil, 9ªedição, página 393/394. Ora, defendendo a Autora que a matéria de facto dada como provada conduz a conclusão diversa da constante da sentença, no entanto, apresenta a questão apenas e tão só em termos de erro de julgamento, ao afirmar que no caso se provou a existência de um contrato de trabalho, a qual mais adiante trataremos. Assim, não padece a sentença recorrida do vício previsto na al. c) do nº1 do artigo 668º do CPC. Resta averiguar se a sentença é nula por omissão de pronúncia. O artigo 668º, nº1, al. d) do CPC determina que “é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar”. Segundo o Professor Alberto dos Reis a palavra “questões” a que aludem os artigos 659º e 668º do CPC “designa não só o pedido, propriamente dito, mas também a causa de pedir” (CPC anotado, volume V, página 58). E é com tal sentido que a referida expressão tem de ser entendida. No caso dos autos a recorrente invocou, como fundamento dos seus pedidos, a existência de um contrato de trabalho e o consequente despedimento ilícito de que foi alvo. Os Réus contestaram dizendo que entre eles vigorou, antes, um contrato de prestação de serviços e concluem pela improcedência da acção. Em face do acabado de referir podemos afirmar que as questões a apreciar pelo Tribunal são: a) a existência de um contrato de trabalho, e b) o despedimento ilícito. Tal significa que a Mma. Juíza a quo não tinha que qualificar a relação jurídica existente entre as partes em sentido diverso do requerido pela Autora. Por outras palavras: ao Tribunal a quo não foi pedido que qualificasse a relação jurídica existente entre as partes, mas antes que averiguasse e decidisse se no caso existia um contrato de trabalho, o que, e salvo o devido respeito, é coisa bem diferente. Acresce que os Réus não vieram formular qualquer pretensão no sentido da condenação da Autora no reconhecimento da existência de um contrato de prestação de serviços. E se assim é, não tinha o Tribunal a quo que se pronunciar nesse sentido. Improcede, deste modo, a invocada nulidade. * * * Da alteração da decisão sobre a matéria de facto.V Pretende a apelante que seja dado como provado que “a prestação da actividade desempenhada pela Autora era efectuada com instrumentos de trabalho dos Réus”, com o fundamento de que tal resulta, de forma inequívoca, da leitura do relatório da própria sentença. Vejamos então. Cumpre aqui referir que não se procedeu à gravação da prova pessoal efectuada na audiência de discussão e julgamento. Percorrendo os articulados não encontrámos nos mesmos a matéria acima indicada. Por outro lado, tal matéria é apenas uma conclusão a retirar de factos, que não foram alegados, como por exemplo, que objectos/utensílios usava a Autora no exercício das suas funções e se os mesmos eram pertença dos Réus. É verdade que na sentença recorrida é referido o seguinte: (…) “No sentido da eventual existência de contrato de trabalho, poderia apontar-se apenas, por um lado, o facto de ser o trabalho prestado nas instalações, primeiro do 1ºréu e depois nas da 2ªré – sempre nas mesmas -, utilizando instrumentos a estes pertencentes” (…) e também “a prestação da actividade contratada nas instalações do réu, com instrumentos de trabalho deste, não é, pois, por si só, concludente” (…). No entanto, tal afirmação não encontra apoio na matéria de facto dada como provada, mas isso não significa que a pretensão da apelante mereça provimento. Na verdade, a alteração da decisão sobre a matéria de facto, pressupõe a existência de matéria alegada e dada como provada. E se a matéria em causa não se mostra alegada não se vê como é que se possa incluir a mesma na factualidade provada. Improcede, deste modo, a pretensão da apelante. Diz a Autora que a matéria alegada no artigo 4º da petição foi dada como não provada quando deveria ser dada como provada, tendo em conta o teor dos documentos de folhas 106 a 122 dos autos, conjugado com o depoimento das testemunhas G…, H…, I…, J… e K…, e ainda com as regras da experiência e juízos de normalidade. Já atrás referimos que a prova pessoal não foi gravada, pelo que este Tribunal está impedido de fazer uso do disposto no artigo 712º, nº1, al. b) do CPC. Acresce que os documentos indicados pela Autora/recorrente não têm força probatória insusceptível de ser destruída por qualquer outra prova, nomeadamente a testemunhal (artigo 712º, nº1, al. b) do CPC). Por isso, improcede a pretensão da apelante em ver dada como provada a matéria do artigo 4º da petição. Diz a apelante que a Mma. Juíza a quo valorou indevidamente os factos constantes dos pontos 16 e 18 da matéria de facto assente, existindo entre a fundamentação de facto e a prova produzida uma notória contradição. Cumpre dizer que a apelante não impugnou tal matéria mas apenas se insurge quanto ao teor da sua fundamentação, a significar que não nos encontrámos perante qualquer pedido de alteração da decisão sobre a matéria de facto. E também não parece ser o caso de fundamentação insuficiente a que alude o nº5 do artigo 712º do CPC. Deste modo, carece de fundamento legal a pretensão da recorrente no sentido da revogação do dito segmento da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto. Pretende a Autora a alteração dos pontos 9, 10 e 11 da matéria de facto dada como assente, de forma a constar dos mesmos a respectiva sequência temporal. Os pontos 9, 10 e 11 da referida matéria correspondem ao alegado pela Autora nos artigos 15, 16, 17, 18 e 19 da petição. Como já referimos atrás, este Tribunal não possui todos os elementos de facto para poder apreciar a decisão sobre a matéria de facto, na medida em que a convicção do Tribunal a quo se formou, também, pela análise crítica dos depoimentos prestados em audiência, os quais não foram gravados. Improcede, pois, a pretensão da Autora. A apelante defende que o que alegou no artigo 41º do articulado/resposta, e dado como não provado pelo Tribunal a quo, seja considerado provado, a saber: “Estes factos evidenciam que o propósito da constituição da 2ªRé, foi tão só o de preparar convenientemente o despedimento ilícito das suas trabalhadoras e evitar o pagamento das indemnizações devidas”. A Autora fundamenta tal pretensão no facto de isso mesmo resultar dos factos dados como assentes nos pontos 5 a 11, 14, 15 e 20 da matéria de facto provada. A pretensão da Autora não pode proceder porque o que consta do artigo 41º da resposta é apenas uma conclusão. Aliás, é a própria recorrente que reconhece estar-se perante uma conclusão, a retirar, segundo ela, dos pontos 5 a 11, 14, 15 e 20 da matéria assente. * * * Da existência de um contrato de trabalho.VI A Mma. Juíza a quo considerou que ao caso é aplicável o C. do Trabalho de 2003. A Autor defende que é aplicável o C. do Trabalho de 2009, mais concretamente o artigo 12º, já que de uma norma interpretativa se trata, e como tal de aplicação retroactiva (artigo 13º do C. Civil). A recorrente não tem razão. Expliquemos. A Lei nº7/2009 – que aprovou a revisão do C. do Trabalho – entrou em vigor em 17.02.2009. Nos termos do artigo 7º, nº1 da referida Lei “Sem prejuízo do disposto no presente artigo e nos seguintes, ficam sujeitos ao regime do Código do Trabalho aprovado pela presente lei os contratos de trabalho e os instrumentos de regulação colectiva de trabalho celebrados ou adoptados antes da entrada em vigor na referida lei, salvo quanto a condições de validade e a efeitos de factos ou situações totalmente passados anteriormente àquele momento”. A relação jurídica em discussão nos autos, quanto à sua qualificação como contrato de trabalho, iniciou-se em 9.1.2008 e terminou em 20.10.2008 (números 3 e 14 da matéria de facto provada). Assim, e tendo em conta o disposto no artigo 7º, nº1 da Lei nº7/2009, ao caso é aplicável o C. do Trabalho de 2003. Acresce que o artigo 12º do CT/2009 – onde se estabelece uma presunção de existência de um contrato de trabalho – não é uma norma interpretativa. Na verdade, o artigo 12º do CT/2009 não surge como necessidade de interpretar o artigo 12º do CT/2003, na redacção dada pela Lei nº9/2006 de 20.3, na medida em que não se suscitaram dúvidas sobre o sentido ou alcance daquele preceito legal. Aliás, à lei interpretativa compete fixar o sentido da lei anterior, e não é isso que o artigo 12º do CT/2009 fez. O que nos parece ter acontecido é que o legislador andou hesitante quanto ao modo como regular a presunção de laboralidade, o que, e salvo o devido respeito, para o caso pouco importa, na medida em que a relatora e os adjuntos têm defendido que a redacção dada ao artigo 12º do CT/2003 pela Lei nº9/2006 de 20.3 não é uma presunção de laboralidade mas antes se limita a indicar os elementos definidores da noção legal de contrato de trabalho enunciada no artigo 10º do C. do Trabalho (acórdão de 2.11.2009 proferido no processo 553/07.2TTMAI.P1). Posto isto avancemos. A apelante defende que a matéria dada como provada permite concluir pela existência de um contrato de trabalho. Será assim? Nos termos do artigo 10º do CT/2003 “contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, sob a autoridade e direcção destas”. E o artigo 12º do mesmo Código (na redacção dada pela Lei nº9/2006) prescreve que “Presume-se que existe um contrato de trabalho sempre que o prestador esteja na dependência e inserido na estrutura organizativa do beneficiário da actividade e realize a sua prestação sob as ordens, direcção e fiscalização deste, mediante retribuição”. Os elementos constitutivos do contrato de trabalho são, assim, a subordinação económica e a subordinação jurídica, traduzindo-se o primeiro no facto de o trabalhador receber certa retribuição do dador de trabalho e o segundo no facto de o mesmo se encontrar na sua actividade sob as ordens, direcção e fiscalização do empregador. É a subordinação jurídica o elemento fundamental para se reconhecer da existência de um contrato de trabalho, já que este elemento, a existir, determina que se conclua pela existência de relações de trabalho subordinado. A propósito da definição de subordinação jurídica diz-nos Monteiro Fernandes que esta “consiste numa relação de dependência necessária da conduta pessoal do trabalhador na execução do contrato face às ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites do mesmo contrato e das normas que o regem” – Direito do Trabalho, 13ªedição, página 136. Para se concluir se o trabalhador está, ou não, subordinado é necessário, algumas vezes, recorrer a determinados indícios que a doutrina tem consagrado e que são: a) local de trabalho; b) horário de trabalho; c) existência de pessoal assalariado dependente do trabalhador; d) fornecimento de matéria-prima, equipamentos ou outros elementos; e) exclusividade; f) direcção e controlo efectivo do trabalho; g) retribuição – Motta Veiga, Lições de Direito do Trabalho, 1995, página 356 e seguintes e Parecer da Procuradora da República 6/81 de 28.5.1981 no BMJ nº312, página 104. Também Maria do Rosário Palma Ramalho se refere a tais indícios, como sendo os seguintes: (…) “i) a titularidade dos meios de produção ou dos instrumentos de trabalho; ii) o local de trabalho; iii) o tempo de trabalho; iv) o modo de cálculo da remuneração; v) a assunção do risco da não produção dos resultados; vi) o facto de o trabalhador ter outros trabalhadores ao seu serviço; vii) a dependência económica do trabalhador; viii) o regime fiscal e o regime de segurança social a que o trabalhador se encontra adstrito; ix) a sujeição do trabalhador a ordens directas ou a simples instruções genéricas e o controlo directo da sua prestação pelo credor; x) a inserção do trabalhador na organização predisposta pelo credor e a sua sujeição às regras dessa organização” (…) – Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 3ª edição, paginas 43/44. Considerando tais elementos pode chegar-se, assim, a uma conclusão: existência, ou não, de subordinação típica do contrato de trabalho. Tendo em conta a matéria de facto dada como provada podemos concluir o seguinte: A. Provou-se que o local de trabalho da Autora era em local propriedade dos Réus – números 3, 7 e 8 da matéria de facto dada como provada. B. Provou-se que a Autora auferia mensalmente a quantia de € 1.000,00, acrescida de quantia variável referente a reembolso de despesas realizadas por força da actividade desenvolvida – nº3 da matéria de facto dada como provada. C. Provou-se que a Autora exercia as funções inerentes à categoria profissional de directora de marketing – nº3 da matéria de facto dada como provada. D. Provou-se que a Autora sempre se prestou a colaborar com os Réus em tudo o que estes lhe foram solicitando – nº17 da matéria de facto dada como provada. A matéria constante do nº17 (indicada em D e igualmente assinalada a itálico no § II do presente acórdão) corresponde ao alegado pela Autora no artigo 41º da petição em sede de fundamento do pedido de indemnização por danos não patrimoniais. Esta matéria poderá, de algum modo, indiciar a existência de subordinação jurídica. Na verdade, se os Réus solicitavam algo à Autora resta saber se esse algo se limitava a um simples pedido, e nada mais, ou se existiam indicações/orientações concretas quanto ao modo de executar as tarefas. Por outras palavras: a matéria constante do nº17 é ambígua, deficiente e obscura. É certo que a Autora assim alegou. Mas em face de tal insuficiente alegação competia ao Tribunal a quo, em sede de julgamento completar o sentido ambíguo dessa alegação, atento o disposto no artigo 72º do CPT/1999. E competia igualmente ao Tribunal a quo, em momento anterior ao julgamento, convidar a Autora a completar essa insuficiência, face ao preceituado no artigo 27º, al. b) do mesmo diploma legal. Em suma: a matéria de facto dada como provada é deficiente e obscura não permitindo a este Tribunal concluir pela existência de um contrato de trabalho. Por isso, se justifica que este Tribunal use dos poderes conferidos pelo artigo 712º, nº4 do CPC, com vista a apurar-se, em concreto, o que é que os Réus solicitavam à Autora para fazer. Aliás, a Autora alegou ter a categoria profissional de directora de marketing (nº3 da matéria provada), mas concretamente não se sabe em que consistiam tais funções. E é da máxima importância perceber quais as funções que a Autora executava com vista a concluir-se, ou não, pela existência de subordinação jurídica, característica do contrato de trabalho. * * * Termos em que, e ao abrigo do artigo 712º, nº4 do CPC, se anula o julgamento no que respeita aos pontos 3 e 17 da matéria de facto dada como provada, devendo a Mma. Juíza a quo proceder a novo julgamento, apenas e tão só quanto a esses pontos e no que respeita ao apuramento das concretas funções exercidas pela Autora e o que concretamente era solicitado pelos Réus à Autora, devendo, após o julgamento, responder aos pontos 3 e 17 nos termos que se deixaram expostos no presente acórdão e finalmente proferir decisão em conformidade.* * * Custas a final pela parte vencida.* * * Porto, 13.7.2011Maria Fernanda Pereira Soares Manuel Joaquim Ferreira da Costa António José Fernandes Isidoro |