Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3529/24.1T8VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: TERESA FONSECA
Descritores: CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
FACTOS NOTÓRIOS
ALTERAÇÃO ANORMAL DAS CIRCUNSTÂNCIAS
Nº do Documento: RP202511103529/24.1T8VNG.P1
Data do Acordão: 11/10/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O aumento do custo para mais do dobro com colaboradores e despesas em estrutura residencial para idosos não corresponde a factos notórios que dispensem alegação.
II - A descrição desses factos nas alegações de recurso não pode ser tomada em consideração por corresponder a uma ampliação da causa de pedir.
III - A circunstância de o responsável pelo pagamento de contrapartida em estrutura residencial para pessoas idosas daí não retirar sua mãe não corresponde a aceitação tácita do aumento da mensalidade, ainda mais quando envia carta em que rejeita o acréscimo.
IV - O aumento do custo de vida com taxas de inflação na ordem de 7,8%, em 2022 e de 4,3% em 2023 não se subsume à figura jurídica da alteração anormal das circunstâncias.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo: 3529/24.1T8VNG.P1
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Sumário
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Relatora: Teresa Maria Fonseca
1.ª adjunta: Maria de Fátima Andrade
2.ª adjunta: Ana Olívia Loureiro

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I - Relatório
“A..., S.A.” intentou ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra AA.
Pede que o R. seja condenado a pagar-lhe € 17.465,54 de capital e juros vencidos, acrescidos de juros desde a data da propositura da ação até pagamento, à taxa legal.
Alega que a mãe do R. residia na estrutura residencial para pessoas idosas (ERPI) por si explorada, que comunicou ao R. que iria aumentar o valor da diária e que o R. se recusou a pagar tal aumento, apenas tendo dado acordo a um aumento inferior ao indicado.
O R. contestou dizendo que a A. cobrou adicionalmente serviços e materiais incluídos na diária e que lhe cobrou um valor acrescido de diária ao qual não deu o seu acordo.
Houve lugar a julgamento e foi proferida sentença que julgou a ação totalmente improcedente.
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Inconformada, a A. interpôs o presente recurso, que rematou com as conclusões que se seguem.
(…)
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O R. contra-alegou, finalizando nos moldes que em seguida se transcrevem.
(…)
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II - Questões a dirimir
a - da introdução de novos factos na matéria adquirida para a causa;
b - se ao não ter denunciado o contrato, o R. se constituiu na obrigação de pagar o novo preço que lhe fora comunicado pela A.;
c - se ocorreu uma alteração das circunstâncias que deveria ter sido conhecida e, em caso afirmativo, se esta constitui o R. na obrigação de pagar o aumento da contrapartida fixada pela A. enquanto retribuição.
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III - Fundamentação de facto constante da sentença
A - Factos provados
1. A Autora é uma sociedade que tem como atividade a exploração de uma ERPI (Estrutura Residencial para Pessoas Idosas) e de um estabelecimento integrado na RNCCI (Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados), sita na Rua .../...,... Vila Nova de Gaia.
2. A referida ERPI foi primeiramente explorada pela B..., S.A., em 11/08/2009, posteriormente, pelo Hospital ..., S.A., em 20/01/2016, e, atualmente, pela autora, desde 20/10/2020.
3. No dia 9 de março de 2022, em reunião nas instalações da Requerente, foi transmitido ao Réu que não era possível manter o valor da diária, face ao aumento dos custos de exploração, pelo que a mesma teria de atualizar o valor diário da estadia para € 75,00.
4. O Réu não concordou com a atualização proposta.
5. Face à falta de acordo, foi comunicada ao Réu a atualização da mensalidade.
6. A autora aplicou a atualização do valor diário/mensal a partir do dia 6/05/2022.
7. A autora comunicou ao réu, através de carta registada com aviso de receção, datada de 28/12/2022, o aumento, a partir de março de 2023, do valor diário da estadia para € 85,00/dia.
8. A mãe do Réu esteve nas instalações da Autora até ao seu decesso, a 31 de janeiro de 2024.
9. O Réu foi interpelado para o pagamento de € 16.884,09, quantia respeitante aos valores indicados nas seguintes faturas emitidas pela autora, deduzidos dos pagamentos efetuados pelo réu:
Data Nº Fatura Valor Pagamentos Saldo devedor Juros mora 4%
06/06/2022 ... 2 240,30 € 1 800,00 € 840,31 € 62,62 €
01/07/2022 ... 2 250,00 € 1 800,00 € 450,00 € 32,30 €
05/07/2022 ... 102,52 € 102,52 € 7,31 €
01/08/2022 ... 2 325,00 € 1 800,00 € 525,00 € 35,90 €
01/08/2022 ... 101,86 € 101,86 € 6,97 €
01/09/2022 ... 2 325,00 € 1 800,00 € 525,00 € 34,12 €
01/09/2022 ... 93,69 € 93,69 € 6,09 €
03/10/2022 ... 2 250,00 € 1 800,00 € 450,00 € 27,67€
06/10/2022 ... 57,78 € 57,78 € 3,53€
02/11/2022 ... 2 325,00 € 1 800,00 € 525,00 € 30,55 €
03/11/2022 ... 101,26 € 101,26 € 5,88 €
01/12/2022 ... 2 250,00 € 1 800,00 € 450,00 € 24,76 €
05/12/2022 ... 91,52 € 91,52 € 4,99 €
30/12/2022 ... 4,90 € 4,90 € 0,25 €
03/01/2023 ... 2 325,00 € 1 800,00 € 525,00 € 26,98 €
03/01/2023 ... 96,44 € 96,44 € 4,96 €
01/02/2023 ... 2 325,00 € 1 900,00 € 425,00 € 20,49 €
02/02/2023 ... 101,25 € 101,25 € 4,87 €
02/03/2023 ... 2 280,00 € 1 900,00 € 380,00 € 17,12 €
02/03/2023 ... 88,38 € 88,38 € 3,98 €
03/04/2023 ... 2 635,00 € 1 900,00 € 735,00 € 30,53 €
03/04/2023 ... 97,09 € 97,09 € 4,03 €
04/05/2023 ... 2 550,00 € 1 900,00 € 650,00 € 24,79 €
23/05/2023 ... 92,64 € 92,64 € 3,34 €
01/06/2023 ... 2 635,00 € 1 900,00 € 735,00 € 25,78 €
01/06/2023 ... 90,64 € 90,64 € 3,18 €
03/07/2023 ... 2 550,00 € 1 900,00 € 650,00 € 20,52 €
03/07/2023 ... 90,59 € 90,59 € 2,86 €
01/08/2023 ... 2 635,00 € 1 900,00 € 735,00 € 20,86 €
02/08/2023 ... 117,12 € 117,12 € 3,31 €
05/09/2023 ... 2 635,00 € 1 900,00 € 735,00 € 18,04 €
08/09/2023 ... 114,41 € 114,41 € 2,77 €
02/10/2023 ... 2 550,00 € 1 900,00 € 650,00 € 14,03 €
02/10/2023 ... 90,34 € 90,34 € 1,95 €
02/11/2023 ... 2 635,00 € 1 900,00 € 735,00 € 13,37 €
02/11/2023 ... 105,09 € 105,09 € 1,91 €
04/12/2023 ... 2 550,00 € 1 900,00 € 650,00 € 9,55 €
04/12/2023 ... 107,48 € 107,48 € 1,58 €
02/01/2024 ... 2 635,00 € 1 900,00 € 735,00 € 8,46 €
02/01/2024 ... 257,27 € 257,27 € 2,96 €
01/02/2024 ... 2 635,00 € 2 635,00 € 5,22 €
07/02/2024 ... 141,51 € 141,51 € 1,07 €
54.084,09 € 37.200,00 € 16.884,09 € 581,45 €
10. Em 2 de fevereiro de 2015, a mãe do R, BB, na altura com 85 de idade, foi internada na “B...”, sita na Rua .../...,... Vila Nova de Gaia.
11. Para esse efeito, o réu assinou, na mesma data, documento elaborado pela B..., designado “TERMO DE RESPONSABILIDADE /Internamento”, como representante da cliente, sua mãe.
12. Em tal documento, o réu responsabilizou-se, enquanto representante da mãe, por todos os atos, incluindo o pagamento em substituição do cliente.
13. De tal documento constam as seguintes condições: “- Aceita o internamento na Casa de Saúde de Guimarães/Clihotel de Gaia, situada na Rua ..., ...-Gaia, pelo período de internamento de 02/02/2015 a …/…/20..,tendo sido informado sobre os cuidados de saúde que lhe serão prestados.
-Compromete-se a pagar pelos encargos decorrentes o valor diário de 60 €.
Toma conhecimento que:
-Este valor é referente a serviços de internamento, os quais incluem cuidados e material de higiene e alimentação, cuidados e material de enfermagem e assistência clínica.
-O valor dos serviços de internamento deve ser pago em regime de pré- pagamento, até ao quinto dia útil do mês a que disser respeito;
-A fisioterapia encontra-se incluída, assim como os serviços de cabeleireiro e acompanhamento em caso de agudização;
-Estão excluídas todas as outras despesas não enquadradas nos serviços de internamento que sejam por si solicitados e se referem nomeadamente a consumo de gases medicinais, medicamentos, transporte em ambulância, cuidados médicos extra e análises clínicas.
-A todo o tempo, com aviso prévio de 30 dias e a seu pedido, pode dar por findo o internamento, sem prejuízo da responsabilidade pelo pagamento das quantias relativas ao período previsto de internamento, referentes ao valor mensal dos serviços de internamento e ao valor de outras despesas não enquadradas nos serviços de internamento.”
14. Por carta, datada de 21 de outubro de 2020, enviada pelo “Hospital ..., S.A.” à utente BB e ao seu representante, ora R, informa-se que a “A..., SA.”, mediante a cessão da posição contratual, assumiu a partir daquela data todos os direitos e obrigações resultantes do Contrato de alojamento e prestação de serviços, nos termos e condições do Termo de Responsabilidade de 6.2.2015, que lhe foi transmitido.
15. No dia 6 de abril de 2022, a A enviou ao R carta pela qual lhe comunicou que, a partir de 6 de maio de 2022, o valor da diária de internamento no Hospital A... seria de € 75,00.
16. O Réu respondeu a essa carta, por carta datada de 14 de abril de 2022, não aceitando tal aumento.
17. Em 28 de dezembro de 2022, a A comunicou ao réu, por carta que recebeu a 11 de Janeiro de 2023, que, a partir de 1 de fevereiro de 2023, o valor da diária de internamento no Hospital A... seria de € 85,00.
18. O réu comunicou à autora não aceitar tal aumento, por carta de 12 de janeiro de 2023.
19. Em 9 de fevereiro de 2023, o réu aceitou o aumento da prestação mensal para € 1.900,00, a qual passou a pagar a partir dessa data.
20. A A. debitou ao R., para além da diária, quantias relativas a fraldas, resguardos descartáveis, compressas e máscaras cirúrgicas.
B - Factos não provados
Não ficaram por provar outros factos com relevância para a decisão a proferir.
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IV - Fundamentação jurídica
a - Da introdução de novos factos na matéria adquirida para a causa
A recorrente sustenta que deve ser aditada à factualidade apurada a seguinte matéria:
a) A emergência de saúde pública ocasionada pelo coronavírus foi qualificada pela OMS em março de 2020 como uma pandemia internacional constituindo calamidade púbica fundamentadora da declaração de estado de emergência em Portugal e que esta circunstância perturbou o equilíbrio desejado pela Autora e o Réu aquando do momento da contratação.
b) A Autora sofreu um aumento exponencial dos custos salariais com médicos, enfermeiros, água, luz, gás, os quais passaram a custar mais do dobro.
Alega que a introdução deve ocorrer no que se refere à matéria da alínea a) por estarem em causa factos notórios e no que concerne à matéria da alínea b) por resultarem das declarações de parte e da testemunha CC.
Preceitua o art.º 412.º/1 do C.P.C. que não carecem de prova nem de alegação os factos notórios, devendo considerar-se como tais os factos que são do conhecimento geral.
Um facto é notório quando o juiz o conhece como tal, colocado na posição do cidadão comum, regularmente informado, sem necessitar de recorrer a operações lógicas e cognitivas, nem a juízos presuntivos (Alberto dos Reis, C.P.C. Anot., 3.º-259 e ss.; Castro Mendes, Do conceito de prova, pp. 711 e ss.; Vaz Serra, Provas, BMJ, 110.º- 61 e ss.).
Relativamente ao facto notório ocorrência de pandemia não pode oferecer dúvidas de que a generalidade das pessoas tomou conhecimento da mesma. A este propósito, dispensa-se, pois, qualquer prova e, inclusivamente, a alegação. Pode ser considerado pelo juiz para a sua decisão nos termos do citado art.º 412.º/1 do C.P.C..
Precisamente por estar em causa um facto notório, não carece de constar dos factos assentes.
A apelante não pretende, porém, e apenas, que o tribunal faça eco de que foi decretada pela OMS uma pandemia, com declaração de estado de emergência em Portugal. Visa, outrossim, que se faça constar que essa realidade perturbou o equilíbrio desejado pela A. e pelo R. aquando do momento da contratação. Neste segmento, encontramo-nos perante uma qualificação, um considerando de cariz conclusivo ou de índole jurídica. O equilíbrio desejado não corresponde a qualquer realidade vertível em factos. O aditamento de que a pandemia perturbou o equilíbrio desejado pela Autora e o Réu aquando do momento da contratação não consubstancia um facto. Mais não é do que o resultado de um raciocínio conclusivo, eventualmente a extrair de factos. Não tem cabimento em sede de matéria de facto.
Pelos fundamentos que se vem de expor indefere-se o primeiro dos aditamentos.
Quanto à introdução de um novo facto - na verdade vários factos novos - atinente a um aumento exponencial dos custos salariais com médicos, enfermeiros, água, luz, gás, os quais terão passado a custar mais do dobro, corresponde à alegação de um facto novo e não a um facto público e notório.
Não é do conhecimento da generalidade das pessoas que no período da pandemia os custos, assinaladamente com médicos, enfermeiros, água, luz, gás tenham subido para mais do dobro. A contratação de médicos e enfermeiros numa unidade privada há de ter sido acordada entre a unidade e os trabalhadores e prestadores de serviço. O aumento da água difere de município para município. Embora seja do conhecimento comum que os preços têm vindo a aumentar mais do que em período em que a inflação se manteve em níveis reduzidos, não consta que os preços de água, eletricidade e gás tenham aumentado para mais do dobro nos primeiros anos da década de 20 deste século.
Em todo o caso, esta alegação, sobre a qual competiria produzir prova, se invocada em devido tempo, isto é, no articulado da petição inicial, corresponde, na fase processual do recurso, a uma ampliação da causa de pedir.
Nos termos do art.º 552.º/1/d) do C.P.C., é na petição inicial que devem ser expostos os factos que constituem a causa de pedir que servem de fundamento à ação.
O art.º 260.º do Código de Processo Civil consagra o princípio da estabilidade da instância, o que significa que após a citação do réu a instância deverá manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e causa de pedir, ressalvando, as exceções legalmente previstas.
No que se refere ao pedido e à causa de pedir, as exceções estão previstas nos artigos 264.º e 265.º do C.P.C..
Nos termos do disposto no art.º 264.º do C.P.C., a lei admite a alteração ou ampliação do pedido e da causa de pedir, por acordo das partes em qualquer altura, em 1.ª ou 2.ª instância, salvo se tal perturbar inconvenientemente a instrução, discussão ou julgamento do pleito.
Consigna, por seu turno, o art.º 265.º/1 que, na falta de acordo, a causa de pedir só pode ser alterada ou ampliada em consequência de confissão feita pelo réu e aceite pelo autor.
Não se verifica nenhuma das previsões descritas.
Vai, por isso, também este aditamento indeferido.
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b - Se ao não ter denunciado o contrato, o R. se constituiu na obrigação de pagar os novos preços que lhe foram comunicados pela A.
A portaria n.º 67/2012, de 21 de março define as condições de organização, funcionamento e instalação a que devem obedecer as estruturas residenciais para pessoas idosas.
O art.º 10.º, sob a epígrafe contrato de prestação de serviços, prevê o seguinte:
1 - Devem ser celebrados por escrito contratos de alojamento e prestação de serviços com os residentes e ou seus familiares e, quando exista, com o representante legal, donde constem os direitos e obrigações das partes.
2 - Do contrato é entregue um exemplar ao residente e ou familiares e arquivado outro no respetivo processo individual.
3 - Qualquer alteração ao contrato é efetuada por mútuo consentimento e assinada pelas partes.
A A. explora, desde 20/10/2020, a ERPI onde a mãe do R. residiu a partir de 2-2-2015, onde se manteve até à sua morte, em 31-1-2024.
A A. pretende ver-se paga das quantias não suportadas pelo R., respeitantes a parte do serviço de internamento e a materiais e produtos por si utilizados no âmbito dos cuidados prestados à mãe do R..
O R. contrapõe não ter pago a totalidade do valor da diária do internamento por exceder o montante acordado inicialmente (€ 60,00 por dia) e o montante por si aceite a 9 de fevereiro de 2023 (€ 1 900,00 por mês). Mais alega que foram faturados produtos e materiais incluídos no valor da diária. Também no que concerne a estes produtos e materiais, a sentença julgou a ação improcedente. As conclusões das alegações não se pronunciam especificamente a este respeito. De acordo com as normas conjugadas dos arts. 635.º/4 e 639.º/1/2 do C.P.C. são as conclusões que delimitam o objeto do recurso. Resta, assim, apreciar o recurso por referência ao valor da diária que excede o admitido pelo R..
A propósito dos termos do acordo firmado no que concerne ao pagamento, o R. assinou um “TERMO DE RESPONSABILIDADE /Internamento”, como representante da cliente, sua mãe, em que se lê o seguinte:
- Aceita o internamento na Casa de Saúde de Guimarães/Clihotel de Gaia, situada na Rua ..., ...-Gaia, pelo período de internamento de 02/02/2015 a …/…/20..,tendo sido informado sobre os cuidados de saúde que lhe serão prestados.
-Compromete-se a pagar pelos encargos decorrentes o valor diário de 60 €.
Toma conhecimento que:
-Este valor é referente a serviços de internamento, os quais incluem cuidados e material de higiene e alimentação, cuidados e material de enfermagem e assistência clínica.
-O valor dos serviços de internamento deve ser pago em regime de pré-pagamento, até ao quinto dia útil do mês a que disser respeito;
-A fisioterapia encontra-se incluída, assim como os serviços de cabeleireiro e acompanhamento em caso de agudização;
-Estão excluídas todas as outras despesas não enquadradas nos serviços de internamento que sejam por si solicitados e se referem nomeadamente a consumo de gases medicinais, medicamentos, transporte em ambulância, cuidados médicos extra e análises clínicas.
-A todo o tempo, com aviso prévio de 30 dias e a seu pedido, pode dar por findo o internamento, sem prejuízo da responsabilidade pelo pagamento das quantias relativas ao período previsto de internamento, referentes ao valor mensal dos serviços de internamento e ao valor de outras despesas não enquadradas nos serviços de internamento.”
A A. sustenta que a permanência da mãe do R. na estrutura residencial após a comunicação dos aumentos equivale a aceitação tácita pelo R..
Nos termos do disposto no art.º 217.º/1 do C.C., a declaração negocial é tácita quando se deduz de factos que com toda a probabilidade a revelam.
O silêncio não tem valor declarativo, a menos que esse valor lhe seja atribuído por lei, uso ou convenção (art.º 218.º do C.C.).
Para além das hipóteses consignadas no art.º 218.º do C.C., o silêncio não vale como declaração tácita negocial, não tendo o valor de aceitação.
Preceitua, todavia, o art.º 234.º do C.C. que quando a proposta, a própria natureza ou circunstâncias do negócio, ou os usos, tornem dispensável a declaração de aceitação, tem-se o contrato por concluído logo que a conduta da outra parte mostre a intenção de aceitar a proposta.
Na verdade, a manifestação da vontade é um momento imprescindível de qualquer ato jurídico (Teles, Inocêncio Galvão, Manual dos Contratos em Geral, p. 125).
"Fora das hipóteses previstas no art.º 218.º, o silêncio não tem qualquer valor jurídico, não valendo como aceitação. Nomeadamente não são admissíveis neste domínio as presunções do julgador (presumptiones hominis)" (Teles, Inocêncio Galvão, Manual dos Contratos em Geral, p. 130) (…) em bom rigor não se pode falar de dispensa de aceitação porque a aceitação é sempre necessária, apresentando-se, então, como declaração tácita no contexto do art.º 217.º/1 in fine (Teles, Inocêncio Galvão, Manual dos Contratos em Geral, p. 250).
Não emerge dos factos provados a existência de declaração tácita que vincule o R. a aceitar o aumento do valor das contrapartidas.
Pelo contrário, está provado que no dia 6 de abril de 2022, a A. enviou ao R carta pela qual lhe comunicou que, a partir de 6 de maio de 2022, o valor da diária de internamento seria de € 75,00, que o R. respondeu a essa carta por carta datada de 14 de abril de 2022, não aceitando tal aumento, que em 28 de dezembro de 2022, a A. comunicou ao R., por carta que este recebeu a 11 de janeiro de 2023, que a partir de 1 de fevereiro de 2023, o valor da diária de internamento seria de € 85,00 e que o R. comunicou à A. não aceitar tal aumento, por carta de 12 de janeiro de 2023.
Não só não se evidencia aceitação tácita, como foi produzida prova de recusa explícita.
A ter a A. pretendido pôr cobro ao acordado poderia ter usado do direito de denúncia. A denúncia, enquanto forma de cessação contratual, traduz-se numa figura privativa dos contratos de execução duradoura (i.e., execução que se prolonga no tempo), que se renovam por vontade (real ou presumida) das partes ou por determinação da lei, ou que foram celebrados por tempo indeterminado, visando satisfazer necessidades não transitórias das partes. A denúncia consiste na declaração feita por uma das partes à outra, em regra com antecedência sobre o termo do período negocial em curso, de que não quer a renovação ou a continuação do contrato renovável ou fixado por tempo indeterminado. Permite fazer cessar unilateralmente um contrato de duração indeterminada, ou evitar a sua renovação automática. Extingue a relação obrigacional complexa derivada do contrato cuja renovação ou continuação impede (cf. ac. do S.T.J. de 30/11/2021, proc. 19/20.5YLPRT.L1.S1, Maria João Vaz Tomé).
A apelante não usou este direito, com o que pareceu conformar-se com o recebimento de quantias inferiores às por si por duas vezes comunicadas ao apelado. Sujeitou-se a perceber, a partir de 9 de fevereiro de 2023, € 1.900,00 que o apelado entendeu passar a pagar dessa data em diante.
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c - Se ocorreu uma alteração anormal das circunstâncias que constitua o R. na obrigação de pagar o aumento da contrapartida fixada pela A. enquanto retribuição independentemente do seu acordo.
A sentença proferida debruçou-se ainda sobre o regime jurídico da alteração anormal das circunstâncias. Invocou este instituto para sugerir que a A. a ele poderia ter recorrido como forma de, independentemente do acordo do R., lograr a modificação das condições contratuais. Concluiu, contudo, pela não verificação dos respetivos pressupostos.
Em sede de alegações de recurso, a apelante defende que a pandemia Covid 19 alterou por completo as circunstâncias em que foram, e são, prestados os cuidados nas ERPI`s, sendo que essa alteração das circunstâncias tem de dar origem a uma modificação dos termos do contrato, segundo juízos de equidade (437º/1 do CC).
Mais alega ter ocorrido uma alteração anormal nos custos de produção, que as despesas com a energia e água aumentaram significativamente e que a guerra na Ucrânia fez disparar os custos com a energia.
No que se refere ao aditamento aos factos assentes de que se verificou um aumento exponencial dos custos salariais com médicos, enfermeiros, água, luz, gás, os quais terão passado a custar mais do dobro, foi este indeferido nos termos sobreditos.
Prevê o n.º 1 do art.º 437.º do C.C. que se as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal, tem a parte lesada direito à resolução do contrato, ou à modificação dele segundo juízos de equidade, desde que a exigência das obrigações por ela assumidas afete gravemente os princípios da boa-fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato.
A alteração das circunstâncias consubstancia um erro relativamente a circunstâncias futuras. É um erro de previsão e só é relevante se e na medida em que se verifiquem os requisitos do art.º 437.º. Distingue-se do erro-vício, que se traduz numa ignorância ou falsa representação da realidade existente no momento da celebração do negócio. Reporta-se a circunstâncias presentes ou passadas.
Lê-se no ac. da Relação de Lisboa, de 3-7-2007 (proc. 648/2007-1, Rui Vouga): para que a alteração das circunstâncias pressupostas pelos contraentes conduza à resolução do contrato ou à modificação do respetivo conteúdo, o art.º 437.º do C.C. exige que se achem reunidos cumulativamente os seguintes requisitos:
a) que a alteração considerada relevante diga respeito a circunstâncias em que se alicerçou a decisão de contratar, isto é, a circunstâncias que, ainda que não determinantes para ambas as partes, se apresentem como evidentes, segundo o fim típico do contrato, ou seja, que se encontrem na base do negócio, com consciência de ambos os contraentes ou razoável notoriedade - «como representação mental ou psicológica comum patente nas negociações (base subjetiva), ou condicionalismo objetivo apenas implícito, porque essencial ao sentido e aos resultados do contrato celebrado (base objetiva);
b) que essas circunstâncias fundamentais hajam sofrido uma alteração anormal, isto é, imprevisível ou, ainda que previsível, afetando o equilíbrio do contrato;
c) que a estabilidade do contrato envolva lesão para uma das partes, quer porque se tenha tornado demasiado onerosa, numa perspetiva económica, a prestação de uma das partes (conquanto não se exija que a alteração das circunstâncias coloque a parte numa situação de ruína económica, a manter-se incólume o contrato), quer porque a alteração das circunstâncias envolva, para o lesado, grandes riscos pessoais ou excessivos sacrifícios de natureza não patrimonial;
d) que a manutenção do contrato ou dos seus termos afete gravemente os princípios da boa-fé negocial;
e) que a situação não se encontre abrangida pelos riscos próprios do contrato, isto é, que a alteração anómala das circunstâncias não esteja compreendida na alea própria do contrato, isto é, nas suas flutuações normais ou finalidade ou nos riscos concretamente contemplados pelas partes no acordo contratual celebrado.
Sumaria-se no ac. do S.T.J. de 9-3-2010 (proc. 445/07.5TBAGD.C1.S1, Moreira Alves) que a alteração anormal das circunstâncias em que as partes fundaram o contrato pode resultar da alteração da legislação existente à data do negócio, como pode resultar de acontecimentos políticos ou da modificação repentina do sistema económico vigente. Essas situações são aquelas sobre as quais as partes não construíram quaisquer representações mentais (não pensaram nelas, pura e simplesmente), mas que são imprescindíveis para que, através do contrato, se atinjam os fins visados pelas partes. O legislador pretendeu possibilitar a correção de situações que, a manterem-se, criariam relações flagrantemente injustas para uma das partes contratantes, dispensando-se a imprevisibilidade nos casos em que a boa fé obrigaria a outra parte a aceitar que o contrato ficasse dependente da manutenção da circunstância alterada.
A alteração das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar que foram, consciente ou subconscientemente, consideradas como continuando ou vindo a verificar-se no futuro, pode importar uma resolução ou modificação do negócio: a base do negócio é uma representação de uma das partes, conhecida pela outra e relativa a certas circunstâncias basilares atinentes ao próprio contrato e que foi essencial para a decisão de contratar.
Diferentemente do que se passa do domínio do erro, em que a base do negócio tem carácter subjetivo, a base do negócio no domínio da alteração das circunstâncias tem carácter objetivo. Não se reconduz a uma imaginária falsa representação psicológica da manutenção de tais circunstâncias.
E também diferentemente do erro, em que a base do negócio é unilateral, respeitando exclusivamente ao errante, na alteração das circunstâncias a mesma é bilateral, respeitando simultaneamente aos dois contraentes.
Por isso, a alteração anormal das circunstâncias corresponde a uma modificação da base negocial pouco habitual. Essa alteração deve ser significativa, assumir apreciável vulto ou proporções extraordinárias, de tal forma que subverta a economia do contrato, tornando-o lesivo para uma das partes. Necessário é ainda que a manutenção do contrato tal como foi celebrado, a verificar-se, afete gravemente os princípios da boa fé e que essa manutenção não estivesse coberta pelos riscos próprios do contrato (in ac. S.T.J., de 28-5-2009, proc. 197/06.6TCFUN.S1, Oliveira Vasconcelos).
A alteração anormal das circunstâncias há de dever-se a uma modificação insólita e significativa. As suas proporções são de tal ordem que tornam o contrato lesivo para uma das partes. É a própria economia do contrato que é subvertida. A modificação não fica abrangida pelos riscos próprios do contrato. A manutenção do acordado sem a modificação afeta gravemente os princípios da boa -fé.
A alteração anormal das circunstâncias invocada pela A. funda-se no aumento excecional dos preços. Conforma supra se explanou, não alegou a A. em devido tempo os aumentos de custos com pessoal médico, água, eletricidade e gás.
Consultados os índices do Instituto Nacional de Estatística, temos que no ano de 2022 a inflação se cifou em 7, 8%, no ano de 2023, em 4,3% e no ano de 2024 em 2,4%.
O aumento pretendido pela A. em abril de 2022 da diária de € 60,00 para € 75, 00 corresponde a um aumento de 15%.
Da factualidade apurada, é certo, emerge que desde a data da celebração do contrato, em 2025, que o preço não era aumentado. Mais se constata que o contrato não reflete um mecanismo anual de atualização do preço através da remissão para o índice de inflação, o que teria permitido obviar a esta questão. Não impende, todavia, sobre o tribunal o ónus de corrigir os termos da contratação com apelo a um instituto alheio à omissão negocial. Ora não é de considerar, atento o quadro da alteração das circunstâncias explanado, que uma taxa de inflação de 7,8% consubstancie factualidade que convoque a modificação do contrato segundo juízos de equidade. Menos ainda uma taxa de inflação de 4,3%. São estes dois aumentos do custo de vida que o tribunal pode levar em linha de conta, pelo que o invocado pela A. não é atendível.
Veja-se o ac. da Relação de Guimarães de 20-2-2020 (proc. 290/23.0T8VRL.G1, Anisabel Sousa), segundo o qual é inequívoco que a pandemia representa uma alteração das circunstâncias e que integra, em abstrato, o quadro legal do artigo 437.º do Código Civil. Todavia, a maior ou menor aplicabilidade do instituto da alteração das circunstâncias àquela crise pandémica/de saúde pública e com reflexos económico-financeiros e contratuais fortíssimos, resultará sempre da alegação levada a efeito, que não deve descurar a enunciação concreta e precisa de nenhum dos elementos, dependerá do risco próprio dos contratos, do seu conteúdo concreto e da legislação existente (de emergência ou não) que regule a matéria.
No caso concreto não dispomos de elementos factuais que permitam subsumir a situação à figura jurídica da alteração anormal das circunstâncias.
Improcede esta linha argumentativa.
A A. carreou para os autos um regulamento interno com tabela de preços anexa. Como se fez notar na sentença recorrida, trata-se de um regulamento posterior ao contrato celebrado entre as partes e mesmo às comunicações de aumentos de preços. Já o contrato que vincula o R. não alude a regulamento interno, tabela de preços ou a revisão periódica e unilateral dos mesmos. Não é, por conseguinte, de atender a esse regulamento.
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V - Dispositivo
Nos termos sobreditos, acorda-se em julgar o recurso improcedente, mantendo-se na íntegra a sentença recorrida.
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Custas pela apelante, por ter sucumbido na sua pretensão (art.º 527.º/1/2 do C.P.C.).
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Porto, 10-11-2025
Teresa Fonseca
Fátima Andrade
Ana Olívia Loureiro