Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
7067/15.5T9VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RAÚL CORDEIRO
Descritores: ELECTRICIDADE
CONSUMO APÓS CESSAÇÃO DO CONTRATO
CRIME DE APROPRIAÇÃO DE COISA ACHADA
ELEMENTOS DO TIPO
Nº do Documento: RP202204277067/15.5T9VNG.P1
Data do Acordão: 04/27/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFERÊNCIA
Decisão: PROVIDO O RECURSO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – Comete o crime de apropriação ilegítima em caso de acessão ou de coisa ou animal achados, previsto no artigo 209.º do C. Penal, “Quem se apropriar ilegitimamente de coisa ou animal alheios que tenham entrado na sua posse ou detenção por efeito de força natural, erro, caso fortuito ou por qualquer maneira independente da sua vontade”.
II – Trata-se de ilícito residual relativamente aos crimes de furto e de abuso de confiança.
III – São elementos objectivos do tipo em causa: a apropriação ilegítima; que se trate de coisa alheia (ou animal); que a mesma tenha entrado na posse ou detenção do agente por efeito de força natural, de erro, de caso fortuito ou por qualquer maneira independente da sua vontade.
IV - O bem jurídico protegido pela incriminação é a propriedade da coisa (ou animal), incluindo o poder de facto sobre ela e a fruição das suas utilidades, sendo um crime de dano (quanto ao grau de lesão do bem jurídico) e de resultado (quanto à forma de consumação do ataque ao objeto da acção).
V - A coisa deve entrar na posse ou detenção do agente sem que ele tenha para isso contribuído (“por qualquer maneira independente da sua vontade”), exemplificando a norma situações dessa entrada involuntária, como sejam: devido às forças da natureza; devido a erro (não provocado pelo agente); devido a caso fortuito ou, ainda, por perda (esta quanto ao n.º 2 da norma).
VI - “Força natural” significa que a coisa entrou na esfera do agente em resultado das forças da natureza (vg. tempestades, ventos, inundações…); o “erro” tem a ver com engano (não sendo o mesmo provocado pelo agente); o “caso fortuito” tem a ver com a imprevisibilidade do acontecimento, não controlado pela acção humana (vg. animais acossados por enxame de abelhas que vão para o terreno de outrem).
V - Quanto ao tipo subjectivo, a norma admite qualquer modalidade de dolo (art. 14.º), não estando, contudo, prevista a punição a título de negligência (art. 13.º, ambos do C. Penal).
VI - Pese embora as especificidades da eletricidade, pois que esta não é corpórea ou palpável, a mesma tem vindo a ser considerada como “coisa” suscetível de apropriação, para efeitos penais, tal como o sinal de televisão.
VII – Pode cometer o crime de apropriação ilegítima em caso de acessão ou de coisa ou animal achados, previsto no artigo 209.º, o arguido que consumiu eletricidade a partir da data em que cessou o contrato, sem que a tenha pago à queixosa/fornecedora, desde que verificados toso os elementos do tipo legal.
VIII – Todavia, se não resulta dos factos apurados, nem dos elementos trazidos aos autos, que o arguido tenha contribuído, por qualquer modo ou meio, para que o corte de electricidade não tenha sido efetuado quando deveria ter tido lugar, é de deduzir que tal ocorreu por facto imputável à fornecedora, eventualmente por lapso, incúria ou desleixo dos seus responsáveis desse setor.
IX – Ao não proceder ao corte da energia, a fornecedora continuou a permitir que a mesma chegasse até ao quadro / contador, sendo que a “passagem” para as instalações do arguido ocorreu por efeito da sua própria acção e vontade e não por “qualquer maneira independente da sua vontade” (como estabelece o preceito incriminador).
X - Cessado o contrato e mantendo-se a ligação e o fornecimento da energia, é perfeitamente natural, à luz da normalidade das coisas e das regras da experiência, que o homem médio, colocado perante tal situação, esteja na expetativa e no convencimento de que o corte virá a ocorrer, mais cedo ou mais tarde, ou que, mantendo-se a ligação, o fornecedor virá a efetuar a facturação para obter o pagamento da energia consumida.
XI – Neste contexto, não estão preenchidos os elementos do referido ilícito-típico.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 7067/15.5T9VNG.P1

CONFERÊNCIA DE 27-04-2022. (Consumo de energia eléctrica após a cessação do contrato, não tendo a E... efectuado o corte do abastecimento - convolação de furto simples em apropriação de coisa achada – insuficiência da matéria de facto para a decisão de condenação - erro de julgamento quanto aos factos do elemento subjetivo – erro notório da apreciação da prova / procedência).
I
Acordam, em conferência, os Juízes da 2.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:
Nos presentes autos de Processo Comum Singular n.º 7067/15.5T9VNG, do Juízo Local Criminal de Vila Nova de Gaia – Juiz 1, foi, em 17-12-2021, proferida sentença com o seguinte dispositivo:
Pelo exposto, tudo visto e ponderado:
A) No que concerne á parte criminal:
1. Absolver o arguido AA da prática de um crime de furto simples, previsto e punido pelo artigo 203.º, n.º 1, do Código Penal;
2. Condenar o arguido AA pela prática de um crime de apropriação ilegítima em caso de acessão ou de coisa ou animal achados, previsto e punido pelo artigo 209.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 60 dias de multa, à razão diária e cinco euros;
3. Condenar o arguido no pagamento das custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC.
B) No que concerne á parte civil:
1. Julgo o pedido de indemnização cível formulado pela demandante procedente, por parcialmente provado e, em consequência, condeno o demandado / arguido a pagar à demandante onze mil seiscentos e vinte e um euros e setenta cêntimos;
2. As custas deste pedido de indemnização civil são da responsabilidade do demandado e da demandante, na proporção do decaimento, seja 87% para o primeiro e 13% para a segunda.” (ref.ª 431566808, de 17-12-2021).
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Descontente com tal decisão, dela interpôs recurso o arguido AA, tendo apresentado a respetiva motivação e formulado as seguintes conclusões: (…)
*
Admitido e recurso, respondeu a Digna Magistrada do Ministério Público, concluindo do seguinte modo: (…)
*
Remetidos os autos a este Tribunal, o Exm.º Procurador-Geral Adjunto, dizendo não acolher os argumentos vertidos na sentença e na resposta ao recurso, emitiu, fundamentadamente, parecer no sentido de que o mesmo merece provimento, na parte em que é alegada insuficiência da matéria de facto para a decisão (art. 410.º do CPP), pelo que deverão enviar-se os autos à primeira instância para suprimento do aludido vício (ref.ª 15558877, de 18-03-2022).
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Foi proferido despacho liminar e colhidos os vistos, nada obstando à apreciação do mérito do recurso em conferência.
II
As aludidas conclusões, resultado da motivação apresentada, delimitam o objeto do recurso (art. 412.º, n.º 1, do CPP), sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso que possam suscitar-se, como é o caso dos vícios indicados no n.º 2 do artigo 410.º do mesmo Código, mesmo quando o recurso verse apenas sobre a matéria de direito (cfr. Acórdão do STJ de Uniformização de Jurisprudência n.º 7/95, de 19-10-1995, in DR I, de 28-12-1995). Assim, passa a apreciar-se o recurso interposto, concretamente as seguintes questões:
- Insuficiência [para a decisão] da matéria de facto provada, nos termos do artigo 410.º, n.º 2, alínea a), do CPP (conclusões 1 a 16).
- Contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, nos termos do artigo 410.º, n.º 2, alínea b), do CPP (conclusões 17 a 19).
- Erro na apreciação da prova, nos termos do artigo 412.º, n.ºs 3, alíneas a) e b), e 4, do CPP, ao dar-se na sentença como provados os factos dos pontos 4 e 5 (que deveriam ser dados como não provados), sem respeito pelo princípio estabelecido no artigo 127.º do mesmo Código, não resultando dos pontos 1, 2 e 3 dados como provados os elementos objectivos tipificados no artigo 209.º, n.º 1, do Código Penal (conclusões 20 a 46).
Para melhor perceção e análise das questões colocadas pelo recorrente, importa reproduzir os factos dados como provados e não provados pelo Tribunal recorrido, que se transcrevem (na íntegra). Assim,
A. Factos provados
Em sede de audiência de julgamento, provaram-se os seguintes factos:
A) Da acusação:
1. No dia 10 de setembro de 2009 foi celebrado contrato de fornecimento de eletricidade entre a sociedade E1..., SA, e o arguido, para o local sito na Rua ..., ..., Vila Nova de Gaia.
2. Sucede que o contrato cessou em 13 de dezembro de 2013.
3. Desde a data referida em 2. até ao dia 11 de dezembro de 2015 o arguido consumiu energia elétrica no valor de 11.621,70€.
4. Ao agir do modo descrito, o arguido fez sua aquela energia elétrica, apesar de saber que não lhe pertencia e que estava a agir contra a vontade da sociedade comercial ofendida, sua legítima dona.
5. O arguido agiu de modo consciente e voluntário bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.
B) Do pedido de indemnização civil
6. Até à presente data não foi pago o preço da eletricidade consumida.
C) Da contestação
7. A demandante não procedeu ao corte da energia na data referida em 2.
D) Mais se provou
8. O arguido reside com a esposa e dois filhos, com 13 e 2 anos; trabalha como comercial, auferindo mensalmente a quantia de 1.200,00€
9. Paga mensalmente a quantia de 800,00€ relativa a dívida à Segurança Social.
10. É licenciado em Ciências do Desporto.
11. Do seu certificado de registo criminal nada consta.
B) Factos não provados
Resultou não provado:
a) O arguido, ou outra pessoa, mas a mando do arguido, em dia não apurado, mas posterior àquele 13 de dezembro de 2013, efetuou uma ligação direta entre a instalação elétrica da sua residência e a caixa de coluna da rede pública de distribuição de energia.
b) O Local era uma residência.
c) Em dezembro de 2013 foi o arguido informado que iria passar a ser o fornecimento de energia elétrica efetuada não pela E1..., mas sim pela E2....
d) Para o efeito foi remetida fatura final pela dita E1... que liquidava todos os consumos efetuados até dezembro de 2013, fatura essa que também foi paga.
e) Tal fatura e tanto quanto se recorda o arguido era no montante de cerca de 250,00€ ou 270€, que foi imediatamente liquidada integralmente.
f) A conduta do arguido fez a demandante incorrer em encargos de potência no valor de 1.536,16€ e em encargos administrativos no valor de € 70,70€.”
*
E o Tribunal recorrido fundamentou a sua convicção do seguinte modo (…):
Apreciando.
- Contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, nos termos do artigo 410.º, n.º 2, alínea b), do CPP (conclusões 17 a 19): (…)
*
Procede-se, agora, à apreciação das restantes questões suscitadas, o que se faz de forma conjunta, atenta a interligação das mesmas no caso concreto (insuficiência [para a decisão] da matéria de facto provada e erro na apreciação da prova relativamente aos pontos 4 e 5 (elemento subjetivo) e verificação dos elementos típicos do artigo 209.º, n.º 1, do Código Penal):
Como é sabido, o Tribunal da Relação conhece de facto e de direito (art. 428.º do CPP).
E a decisão do Tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada nos termos previstos no artigo 431.º do CPP, o qual estabelece que “Sem prejuízo do disposto no artigo 410.º, a decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto pode ser modificada:
a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base;
b) Se a prova tiver sido impugnada nos termos do n.º 3 do artigo 412.º; (…)”.
No termos do citado artigo 410.º, n.º 2, alínea a), o recurso “pode ter como fundamento, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum (…) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;”.
Por outro lado, nos termos do artigo 412.º, n.º 3, do CPP, quando o recorrente impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve especificar:
“a) Os concretos pontos de factos que considera incorrectamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; (…)”.
Neste caso, “o tribunal procede à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e boa decisão da causa” (n.º 6 do art. 412.º).
Assim, a matéria de facto pode ser questionada por duas vias, a saber:
a) no âmbito restrito, mediante a arguição dos vícios decisórios previstos no acima citado artigo 410.º, n.º 2, do CPP, cuja indagação tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo, por isso, admissível o recurso a elementos àquela estranhos para a fundamentar, ainda que se trate de elementos existentes nos autos e até mesmo provenientes do próprio julgamento;
b) na impugnação ampla a que se reporta o agora citado artigo 412.º, n.ºs 3, 4 e 6, do mesmo Código, caso em que a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova documentada, produzida em audiência.
Mas quanto a esta última modalidade de impugnação - a ampla - o legislador impõe ao recorrente o dever de especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e as concretas provas que impõem decisão diversa, ónus que tem que ser observado para cada um dos factos impugnados, devendo ser indicadas em relação a cada facto as provas concretas que impõem decisão diversa e, bem assim, referido qual o sentido em que devia ter sido produzida a decisão.
O reexame da matéria de facto pelo tribunal de recurso constitui, salvo os casos de renovação da prova (art. 430.º do CPP), uma atividade de fiscalização e de controlo da decisão proferida sobre a matéria de facto rigorosamente delimitada pela lei aos pontos de facto que o recorrente entende erradamente julgados e ao reexame das provas que sustentam esse entendimento. Isto é, o tribunal de recurso não realiza um segundo julgamento da matéria de facto, incumbindo-lhe apenas emitir juízos de censura crítica a propósito dos pontos concretos que sejam especificados e indicados como não corretamente julgados (sem prejuízo da audição da totalidade da prova para contextualização do alegado – citado n.º 6 do art. 412.º).
Na verdade, o Tribunal de recurso só deve intervir em termos de modificação da matéria de facto, quando validamente impugnada pelo recorrente, se as provas por este indicadas impuserem decisão diversa da recorrida, devendo, se assim não for, prevalecer a avaliação probatória efetuada na 1.ª instância, tendo presente que aí o julgador usufruiu dos benefícios da oralidade e imediação, o que escapa ao Tribunal da Relação.
Efetivamente, como é salientado nos Acórdãos do STJ de 14-03-2007 e 03-07-2008, o recurso que impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não pressupõe, por conseguinte, a reapreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos “concretos pontos de facto” que o recorrente especifique como incorretamente julgados. Para tanto, deve o tribunal de recurso verificar se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova indicados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa. (ambos disponíveis em www.dgsi.pt).
Voltando ao caso sub judice, constata-se que o recorrente insurge-se contra o facto de ter sido dada como provada a matéria constante dos pontos 4. e 5., censurando o Tribunal a quo pela forma como fundamentou a sua convicção para os dar como assentes, sendo que direciona especialmente a alegação para a sua absolvição, por não estarem verificados os elementos objetivos tipificados no artigo 209.º, n.º 1, do Código Penal.
Resulta da motivação do recorrente e constata-se pela análise dos autos que, na sequência de participação criminal apresentada pela E..., por alegado “furto de energia e dano em instalações e perturbação de serviços” (cfr. fls. 3),[1] foi deduzida acusação[2] contra o arguido AA pela prática de um crime de furto, previsto e punido pelo artigo 203.º, n.º 1, do Código Penal, imputando-lhe o Ministério Público nesse despacho os factos seguintes:
No dia 10 de setembro de 2009 foi celebrado contrato de fornecimento de eletricidade entre a sociedade E1..., SA, e o arguido, para o local sito na Rua ..., ..., Vila Nova de Gaia.
Sucede que o contrato cessou em 13 de dezembro de 2013.
Ora, o arguido ou outra pessoa, mas a mando do arguido, em dia não apurado, mas posterior àquele 13 de dezembro de 2013, efectuou uma ligação direta entre a instalação elétrica da sua residência e a caixa de coluna da rede pública de distribuição de energia.
Desde a data em que o fornecimento de energia eléctrica foi interrompido até ao dia 11 de dezembro de 2015 o arguido consumiu energia elétrica naquela residência no valor de 13.303,41€.
Ao agir do modo descrito, o arguido colocou aquela energia eléctrica no seu poder e fê-la sua, apesar de saber que não lhe pertencia e que estava a agir contra a vontade da sociedade comercial ofendida, sua legítima dona.
O arguido agiu de modo consciente e voluntário bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.” (ref.ª 414711665, de 09-06-2020).
Contudo, realizada a produção da prova em audiência, a Exm.ª Juíza, em 17-12-2021, previamente à leitura da sentença, comunicou ao arguido uma alteração não substancial de factos, nos termos seguintes:
Consta da acusação: 4.[3] Ao agir do modo descrito, o arguido colocou aquela energia eléctrica no seu poder e fê-la sua, apesar de saber que não lhe pertencia e que estava a agir contra a vontade da sociedade comercial ofendida, sua legítima dona.
Decorre da prova produzida: 4. Ao agir do modo descrito, o arguido fez sua aquela energia elétrica, apesar de saber que não lhe pertencia e que estava a agir contra a vontade da sociedade comercial ofendida, sua legítima dona.”
Além disso, considerou que os factos integram a prática de “um crime de Apropriação ilegítima em caso de acessão de coisa ou animal achados, p. e p. pelo artigo 209.º do Código Penal” (ref.ª 431551096, de 17-12-2021).
Como se verifica pelo elenco dos factos constantes da sentença (acima transcritos), o facto do § 3.º da acusação foi dado como não provado (vide al. a) dos factos não provados da sentença).
Ou seja, não se provou (pois que ninguém o referiu em audiência) que tenha sido efetuada, pelo arguido ou por alguém a seu mando, “uma ligação direta entre a instalação elétrica da sua residência e a caixa de coluna da rede pública de distribuição de energia”, caindo, naturalmente, o crime de furto, por falta do elemento típico “subtração” (n.º 1 do art. 203.º do C. Penal).
Pese embora a forma como o recorrente expôs sequencialmente os seus argumentos recursivos, importa atentar nos factos objetivos que foram dados como provados e que levaram à condenação pelo aludido crime previsto e punido pelo artigo 209.º, n.º 1, o Código Penal, sendo eles os factos 1., 2., 3., 6. e 7. (sendo os pontos 4. e 5. relativos aos “elementos subjectivos”, cuja demonstração é questionada pelo recorrente).
Independentemente do modo como o Tribunal a quo fundamentou a sua convicção quanto à prova desses pontos 4. e 5., a questão coloca-se, desse logo, em saber se aqueles factos objetivos apurados preenchem a tipicidade do referido n.º 1 do artigo 209.º do Código Penal (o que o arguido contesta, dizendo ser tal matéria de facto insuficiente para a decisão).
Dispõe tal artigo 209.º (com a epígrafe “Apropriação ilegítima em caso de acessão ou de coisa ou animal achados”), no seu n.º 1, que “Quem se apropriar ilegitimamente de coisa ou animal alheios que tenham entrado na sua posse ou detenção por efeito de força natural, erro, caso fortuito ou por qualquer maneira independente da sua vontade é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias.”[4]
Trata-se de um preceito incriminador com inclusão nas pretéritas codificações penais nacionais, ainda que com diferentes contornos típicos, correspondendo ao artigo 305.º do Código Penal de 1982.
Sendo um ilícito residual relativamente aos tradicionais crimes de furto (que tem como elemento a “subtração” – art. 203.º) e de abuso de confiança (que tem como pressuposto a “quebra da relação de fidúcia” – art. 205.º), foram já colocadas fundadas reservas quanto à dignidade criminal da conduta nele tipificada.[5]
Os elementos objectivos da norma em análise consistem no seguinte: uma apropriação ilegítima; que se trate de coisa alheia (ou animal); que a mesma tenha entrado na posse ou detenção do agente por efeito de força natural, de erro, de caso fortuito ou por qualquer maneira independente da sua vontade.
O bem jurídico protegido pela incriminação é a propriedade da coisa (ou animal), incluindo o poder de facto sobre ela e a fruição das suas utilidades, sendo um crime de dano (quanto ao grau de lesão do bem jurídico) e de resultado (quanto à forma de consumação do ataque ao objeto da acção).[6]
De todo o modo, a coisa deve entrar na posse ou detenção do agente sem que ele tenha para isso contribuído (“por qualquer maneira independente da sua vontade”), exemplificando a norma situações dessa entrada involuntária, como sejam: devido às forças da natureza; devido a erro (não provocado pelo agente); devido a caso fortuito ou, ainda, por perda (esta quanto ao n.º 2 da norma).
Ou seja, impõem-se que a coisa alheia tenha entrado na posse ou detenção do agente por qualquer maneira, seja natural ou com ação humana, independente da vontade daquele. Este elemento (independente da vontade) é comum a todas aquelas formas específicas de deslocação da coisa, sendo elas meros exemplos não taxativos.
E atente-se que “independente” tem, como é evidente, diferente sentido de “independentemente”.
Tendo presentes aqueles exemplos, “força natural” significa que a coisa entrou na esfera do agente em resultado das forças da natureza (vg. tempestades, ventos, inundações…); o “erro” tem a ver com engano (não sendo o mesmo provocado pelo agente); o “caso fortuito” tem a ver com a imprevisibilidade do acontecimento, não controlado pela acção humana (vg. animais acossados por enxame de abelhas que vão para o terreno de outrem).
A respeito da necessidade de tutela penal dessas condutas, refere Figueiredo Dias que “pode duvidar-se que os critérios estritos daquela necessidade - que só estarão preenchidos, já se sabe, em situações de extrema ratio, nomeadamente quando se considere que as condutas a incriminar não podem ser contidas em limites comunitariamente suportáveis por outros meios menos onerosos de política jurídica, no caso, em especial, pelos meios jurídico-civis – se encontrem presentes em casos nos quais a coisa chegou à esfera (fáctica) de posse ou detenção do agente por meios em princípio independentes da sua vontade e, de todo o modo, sem qualquer proatividade da sua parte.”
Por isso, diz o mesmo autor, “a incriminação só pode ser suportada se baseada num autêntico e autónomo ato de apropriação” e, por outro lado, “não deverão ser considerados em princípio como atos concludentes de apropriação, no sentido do preenchimento do tipo, aqueles que se traduzem em meras omissões e, por esta via, em pôr a cargo do agente quaisquer deveres de atuar.” [7]
Quanto ao tipo subjectivo, a norma admite qualquer modalidade de dolo (art. 14.º), não estando, contudo, prevista a punição a título de negligência (art. 13.º, ambos do C. Penal).
Assim, somente com a prova de conduta dolosa poderá ter suporte a aplicação de uma pena, pois que o direito penal é regido pelo princípio da culpa, o qual constitui pedra basilar - nulla poena sine culpa.
Tratando-se de um crime doloso, importa ter presente que o dolo do tipo se reconduz ao “conhecimento e vontade de realização do tipo objectivo de ilícito”, traduzindo-se aquele no elemento inteletual (necessidade que o agente conheça, saiba, represente correctamente ou tenha consciência das circunstâncias do facto que preenche um tipo de ilícito objetivo) e esta no elemento volitivo (exigência que a prática do facto seja presidida por uma vontade dirigida à sua realização).[8]
E o mesmo se diga quanto à consciência da ilicitude e punibilidade criminal da conduta, pois que tal materialidade sustenta a responsabilização criminal do agente (art. 20.º do C. Penal).
É, pois, exigível que esse substrato factual seja imputado na acusação, constituindo tais factos também objeto de prova em audiência, por serem “juridicamente relevantes para a existência ou inexistência do crime, a punibilidade ou não punibilidade do arguido e a determinação da pena” (n.º 1 do art. 124.º do CPP), sabendo-se, por outro lado, que a medida da culpa constitui o limite inultrapassável da própria pena (n.º 2 do art. 40.º do C. Penal).
No caso sub judice, não está em causa a apropriação de uma “coisa”, no sentido material e corpóreo, mas sim, em termos fáticos, o consumo de energia eléctrica, após a cessação do respetivo contrato de fornecimento. Com efeito, resulta dos factos objetivos apurados que ocorreu o seguinte (o que não é especificamente contestado):
- Entre a E... e o arguido foi celebrado, em 10-09-2009, um contrato de fornecimento de electricidade;
- Esse contrato cessou em 13-12-2013;
- A E... não procedeu ao corte da energia;
- O arguido continuou a consumir energia após aquela data da cessação do contrato.
Pese embora as especificidades da eletricidade, pois que esta não é corpórea ou palpável, a mesma tem vindo a ser considerada como “coisa” suscetível de apropriação, para efeitos penais, tal como o sinal de televisão, designadamente para o preenchimento do crime de furto, conforme dá conta a jurisprudência dos Tribunais Superiores (cfr. Acs. da RL de 10-10-2001, CJ IV, pág. 141, e da RP de 25-03-2010, CJ II, págs. 217 e 217).
Porém, tais especificidades não deixam de relevar para a apreciação do caso concreto.
Aqui temos que o arguido consumiu eletricidade a partir de 13-12-2013, data em que cessou o contrato, sem que a tenha pago à queixosa E.... Naturalmente que tal consumo pressupõe a entrada na esfera do arguido da corrente elétrica, a qual se manteve com ligação ao respectivo quadro / contador, por a fornecedora E... não a ter cortado, sendo que tal corte, como alega o recorrente, apenas competia a esta entidade, sendo somente ela que o poderia levar a cabo (arts. 1.º, n.º 2, alínea b), e 5.º da Lei n.º 23/96, de 26-07; art. 42.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 29/2006, de 15-02, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 215-A/2012, de 08-10, e arts. 75.º, n.ºs 1, alínea i), 2 e 5, do Regulamento das Relações Comerciais do Setor Elétrico – Regulamento n.º 561/2014, DR II, de 22-12-2014).
Por outro lado, tendo em conta o acima exposto, pode ter-se como seguro, em face dos factos provados, que a energia não entrou na “posse ou detenção” do arguido por efeito de força natural ou caso fortuito.
Mas também os factos provados não permitem concluir que entrou “por erro” da E..., como se escreveu na fundamentação da sentença, na parte de direito (pág. 12, final), pois que não há factos provados que assim permitam concluir.
A matéria que foi imputada ao arguido na acusação (com incriminação por furto) e que, em parte (pois que o § 3.º foi dado como não provado), veio a ser dada como provada na sentença, é sintética e não clarifica em que se traduziu esse invocado “erro” da queixosa / demandante, pelo que não pode considerar-se que o mesmo tenha existido.
Por outro lado, não resulta dos factos apurados, nem dos elementos trazidos aos autos, que o arguido tenha contribuído, por qualquer modo ou meio, para que esse corte não tenha sido efetuado quando deveria ter tido lugar, pelo que é de deduzir que tal ocorreu por facto imputável à queixosa E..., eventualmente por lapso, incúria ou desleixo dos seus responsáveis desse setor.[9]
Mas nem sequer pode afastar-se a hipótese, porque para tal não há elementos, de a falta de corte ter resultado de um ato voluntário e mesmo intencional, como alega o recorrente (pág. 25 da motivação).
Em todo o caso, ao não proceder ao corte da energia, a E... continuou a permitir que a mesma chegasse até ao quadro / contador, sendo que a “passagem” para as instalações do arguido pressupunha, necessariamente, que ocorresse a ligação de equipamentos a tomadas elétricas ou a ligação de interruptores, assim consumindo a energia. Ou seja, a entrada da energia eléctrica na esfera do arguido, que veio a ser consumida, ocorreu por efeito da sua própria acção e vontade e não por “qualquer maneira independente da sua vontade” (como estabelece o preceito incriminador).
Por outro lado, não é relevante para se concluir pela ocorrência de crime a quantidade de energia consumida e/ou o tempo por que perdurou o consumo (no caso cerca de 2 anos – factos 2. e 3. provados), pois que tal não constitui elemento do tipo ou sua qualificativa.[10]
Neste contexto, cessado o contrato e mantendo-se a ligação e o fornecimento da energia, é perfeitamente natural, à luz da normalidade das coisas e das regras da experiência, que o homem médio, colocado perante tal situação, esteja na expetativa e no convencimento de que o corte virá a ocorrer, mais cedo ou mais tarde, ou que, mantendo-se a ligação, o fornecedor virá a efetuar a facturação para obter o pagamento da energia consumida.[11]
E tal poderá verificar-se durante uma semana, um mês ou mais, ainda que, naturalmente, com o decorrer do tempo a anormalidade da situação seja mais evidente. Mas não é o passar dos dias que faz transmudar uma situação vista como normal para um caso criminalmente ilícito, tanto mais que sempre ficaria a dificuldade em localizar no tempo o momento em que o agente passou a agir dolosamente e a incorrer em responsabilidade criminal.
Mas será de esperar que esse homem médio julgue estar a cometer um crime nesse circunstancialismo e que, se nele não quiser incorrer, deve deixar de consumir energia e/ou ir avisar o fornecedor desse bem essencial de que deverá cortar o fornecimento?
Atente-se, ainda, que o corte deverá ser precedido de aviso prévio, nos termos legais (acima citados).
É neste contexto que tem de analisar-se a pretensão do recorrente de ver dados como não provados os factos constantes dos pontos 4. e 5. da sentença.
É sabido que a lei adjectiva estabelece que a prova, salvo disposição legal em sentido diferente, “é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente” (art. 127.º do CPP).
Tal não significa, no entanto, que o julgador, aquando da apreciação e valoração probatória, possa decidir em livre arbítrio e de modo aleatório. Essa liberdade significa apenas que o mesmo (o julgador) não está vinculado a “critérios legais de valoração probatória pré-estabelecidos”. Ou seja, “não vigora o princípio da tipicidade dos meios de prova ou da prova tarifada, antes o princípio da liberdade de prova”, sendo a livre apreciação da prova “uma condictio para bem julgar”. [12]
E nesse exercício de apreciação da prova devem ser tidas em conta as ditas “regras da experiência”, além de critérios de lógica e de normalidade das coisas, tendo, necessariamente, por referência o padrão de conduta e de conhecimento do homem médio.
Tal como refere, a propósito, Germano Marques da Silva, “a livre valoração da prova não deve ser entendida como uma operação puramente subjetiva pela qual se chega a uma conclusão unicamente por meio de impressões ou conjeturas de difícil ou impossível objetivação, mas como uma valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita objetivar a apreciação, requisito necessário para uma efetiva motivação da decisão.”[13]
No que respeita especificamente aos elementos subjectivos do crime, incluindo a consciência da ilicitude da conduta, nem sempre os mesmos resultam apreensíveis de prova direta, nem tal se mostra exigível, pois que, se assim fosse, normalmente apenas com a confissão do arguido tais elementos poderiam resultar provados. Assim, concorrem para a formação, a esse nível, da convicção do Tribunal a prova realizada sobre os factos objectivos, bem como as suas circunstâncias e a atuação no agente nesse contexto, sem descurar as capacidades e conhecimentos deste, além de outros indícios que possam ser recolhidos, seguros e concordantes, que não sejam frontalmente contrariados por outros elementos trazidos aos autos e à discussão em audiência.
Neste caso, o Tribunal a quo, enunciou na motivação os elementos probatórios de que se serviu para formar a sua convicção, desde logo as declarações do arguido AA e os depoimentos das testemunhas BB, CC (ambos trabalhadores da E...), DD (trabalhou no ginásio onde foi fornecida / consumida a energia) e EE (técnico da E3...), sendo que as duas primeiras e a última nem sequer tiveram contactos com o arguido (vide fundamentação supra).
E no que respeita especificamente aos pontos 4. e 5. (que o arguido impugna), o Tribunal a quo partiu da demonstração dos factos constantes dos pontos 1. a 3. dados como provados, em conjugação com todos os meios de prova produzidos, analisados segundo as regras da normalidade e da experiência comum, assim concluindo pela prova de tais factos. Cremos, contudo, que esses elementos e as regras da experiência comum não permitem, atentas as circunstâncias do caso e o que se deixou dito, concluir nesse termos, mas somente:
4./5. O arguido sabia que o referido contrato de fornecimento de electricidade havia cessado e, mesmo assim, continuou a consumir energia eléctrica durante aquele período, sem que a mesma estivesse a ser faturada pela entidade fornecedora e paga, agindo de modo voluntário e consciente”.
Perante a factualidade objetiva que foi dada como provada, com a alteração agora introduzida quanto aos elementos subjectivos, não resultam integralmente verificados os elementos típicos do artigo 209.º, n.º 1, do Código Penal, não preenchendo os factos tal ilícito.
Na verdade, o aproveitamento / consumo de electricidade pelo arguido nos termos em que os escassos factos dados como assentes permitem demonstrar não integra a prática dos crimes imputados (seja na acusação, seja em julgamento).
Ademais, embora respeitando o entendimento sufragado no douto parecer do Exm.º Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal, propendemos para o entendimento de que os autos reúnem todos os elementos para o conhecimento do mérito, não se afigurando haver razão para reenviar os autos à 1.ª instância, com vista ao suprimento do invocado vício, nos termos dos artigos 426.º, n.º 1, e 426.º-A do CPP.
Com efeito, a acusação fixou o objeto do processo submetido a julgamento, não se vislumbrando, em face dos elementos facultados pelos autos e resultantes da discussão em audiência, que do reenvio para novo julgamento viesse possibilitar o colmatar das insuficiências apontadas, sem que tal redundasse na imputação de eventuais novos factos (com o já imputado crime diverso), o que representaria, necessariamente, a transmudação para diferente acusação e uma alteração substancial, nos termos dos artigos 1.º, alínea f), e 359.º do CPP.
No que respeita ao pedido cível, é sabido que a sua apreciação em processo penal pressupõe que o mesmo seja fundado na prática de um crime, cabendo a legitimidade para a sua dedução ao lesado pelo mesmo crime (arts. 71.º e 74.º, n.º 1, do CPP).[14]
A procedência do recurso na vertente criminal, com os invocados fundamentos, implica, assim, a procedência na parte cível, sendo que a obrigação de ressarcimento pela energia consumida persiste, a exigir com recurso dos meios jurídico-civis, porventura com fundamento no instituto do enriquecimento sem causa (art. 473.º e segs. do C. Civil).
Assim, por tudo o exposto, impõem-se a absolvição do arguido em termos criminais e cíveis, com a revogação da sentença recorrida.
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Apenas são devidas custas pelo arguido no caso de “decaimento total” no recurso, com taxa de justiça a fixar entre 3 e 6 UC, não havendo lugar às mesmas em caso de procedência, mesmo que somente parcial (arts. 513.º, n.º 1, do CPP e 8.º, n.º 9, do RCP e tabela III anexa). Assim, no presente recurso não há lugar a tributação.
III
Pelo exposto, decide-se julgar o recurso procedente, alterando-se a redação dos pontos 4. e 5. dos factos dados como provados, nos termos supra enunciados, e revogando-se a sentença recorrida, absolvendo-se o recorrente AA do crime e do pedido de indemnização em que foi condenado (sem prejuízo, quanto a este, do recurso aos meios civis).
Sem custas.
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Notifique.
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Porto, 27-04-2022.
Raul Cordeiro
Carla Oliveira
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[1] Também na exposição apresentada em complemento da queixa, na sequência de notificação do Ministério Público, a E... mencionou a ocorrência de furto de energia (fls. 60 a 68).
[2] Antes da mesma foi determinada a suspensão provisória do processo com a injunção de o arguido proceder ao pagamento à E... da quantia de 13.303,41€, a qual não cumpriu, vindo a ser determinada a revogação de tal suspensão e o prosseguimento dos autos, com dedução da acusação (cfr. ref.ª 414711665, de 09-06-2020).
[3] Não estando os factos da acusação numerados, tal facto seria o § 5.º.
[4] A atual redação desta norma foi introduzida pela Lei n.º 8/2017, de 03-03, em vigor desde 01-05-2017, sendo que a alteração teve a ver apenas com o acrescento da referência a “animal”, o que não releva para o caso presente.
[5] Cfr. Figueiredo Dias, in Atas e Projeto da Comissão de Revisão do Código Penal, edição do Ministério da Justiça, 1993, pág. 328, tendo, então, observado nos seguintes termos: “…se um cidadão toma conhecimento de que determinada pessoa tenciona assassinar outra, não tem sobre si qualquer penalização caso não proceda à denúncia”, mas “… tendo achado uma carteira tem a obrigação de o comunicar às autoridades, sob pena de cometer um crime.” Contudo, a Comissão Revisora, por maioria (com voto contrário do Presidente) favoravelmente à manutenção desta norma no Código Penal.
[6] Assim Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, 2.ª Edição, UCE, pág. 655.
[7] Vide Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo II, Coimbra Editora, pág. 150.
[8] Vide Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal – Parte Geral, Tomo I (Questões Fundamentais – A Doutrina Geral do Crime), 3.ª Edição, Gestlegal, págs. 407 a 410 e 427).
[9] Os documentos juntos aos autos, por ela emitidos e apresentados, apontam nesse sentido, pois que deles consta que tal fornecimento teria sido cortado (cfr. doc. 02 – fls. 71, onde consta “Corte BTn, Cortado ad”, com referência ao dia 04-12-2013, e “Revisão de Corte BTn, Continua cortado cx”, com referência do dia 12-12-2013”). Ou seja, teria havido corte até antes da indicada data de cessação do contrato (13-12-2013)!!!
[10] Sendo que o valor diminuto da “coisa” já poderá assumir relevo em termos de exigência de acusação particular (art. 207.º, ex vi n.º 3 do art. 209.º, do C. Penal).
[11] Tais situações não são assim tão invulgares, incluindo no fornecimento de sinal / serviço de televisão, ao nível dos canais pagos, em que, por vezes, o fornecimento do serviço se mantém para lá do cancelamento da subscrição.
[12] Veja-se Rosa Vieira Neves, A Livre Apreciação da Prova e a Obrigação de Fundamentação da Convicção (na decisão penal), Coimbra Editora, págs. 121, 122 e 125.
[13] In “Curso de Processo Penal”, Verbo, Vol. II, pág. 111.
[14] Neste sentido, entre muitos outros, decidiram os Acs. do STJ de 13-03-2014, CJ STJ I, pág. 219, e da RL de 12-04-2016, CJ II, pág. 146.