Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | CARLOS GIL | ||
Descritores: | PRESCRIÇÃO INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO RECONHECIMENTO DO DIREITO SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO MOTIVO DE FORÇA MAIOR DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | RP202206084909/94.0JAPRT-C.P1 | ||
Data do Acordão: | 06/08/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Indicações Eventuais: | 5ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | I - O cumprimento do dever de fundamentação de facto do ato decisório não tem uma extensão uniforme, variando em função da natureza da decisão a proferir, da fase em que é proferida e, especialmente, em função das soluções plausíveis das questões decidendas. II - Uma decisão proferida logo após os articulados, como é o caso dos autos, sem que tenha havido produção de prova pessoal, limita-se, em regra, à enunciação dos factos provados, pois que, nessa circunstância, alguns dos factos articulados pelas partes não se podem julgar provados ou não provados porque ainda não foi produzida prova sobre os mesmos. III - Na decisão antecipada do mérito da causa o que se afigura fundamental é que estejam provados os factos necessários à resolução das questões decidendas de acordo com as diversas soluções plausíveis de direito e de forma a evitar o risco de anulação dessa decisão. IV - O reconhecimento do direito enquanto causa interruptiva da prescrição é uma contra-exceção, cabendo ao arguente da mesma o ónus de alegar os factos essenciais que a integram, como decorre do nº 1 do artigo 5º do Código de Processo Civil. V - Quer pela epígrafe do artigo 323º, do Código Civil, quer pelo conteúdo do nº 1 do mesmo artigo, a citação ou notificação judicial avulsa geradora do efeito interruptivo da prescrição tem de exprimir a intenção de exercer o direito, pelo que esse efeito apenas se produzirá se aqueles atos resultarem de uma ação do titular do direito a que respeita o efeito interruptivo ou por alguém que possa fazer repercutir na esfera jurídica do titular do direito os atos praticados, como sucede, por exemplo, com o representante legal ou voluntário do credor. VI - Como consta do nº 1 do artigo 321º do Código Civil, a prescrição suspende-se durante o prazo em que o titular estiver impedido de fazer valer o seu direito, por motivo de força maior, no decurso dos últimos três meses do prazo. VII - Por isso, na prática, esta causa de suspensão do termo do prazo prescricional, traduz-se na extensão do prazo prescricional por mais três meses, reiniciando-se o decurso do referido prazo de três meses logo que se verifique a cessação do caso de força maior. | ||
Reclamações: | |||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | Processo nº 4909/94.0JAPRT-C.P1 Sumário do acórdão proferido no processo nº 4909/94.0JAPRT-C.P1 elaborado pelo seu relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil: ……………………………… ……………………………… ……………………………… *** Acordam os juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:* *** 1. Relatório Em 26 de janeiro de 1999, no processo comum com intervenção do Tribunal Singular nº 192/95, pendente no 1º Juízo Criminal da Comarca do Porto, a Sra. Dra. AA, identificada como mandatária da demandante, BB e CC outorgaram transação com o seguinte teor: “1º Os arguidos confessam-se devedores da quantia de 6 mil contos que irão pagar da seguinte forma, 2º Esta quantia será paga em sessenta prestações mensais e sucessivas no montante de 100.000$00 cada uma, vencendo-se a primeira hoje dia 26 de Janeiro de 1999 e as outras ao dia 10 de cada mês a enviar para o escritório da Advogada sito na Rua ..., Porto, sendo que a última, se vencerá em 10 de Janeiro de 2004. 3ª A falta de pagamento de uma das prestações, implica o vencimento das restantes. 4. Custas a cargo dos demandados, prescindindo a demandante de procuradoria na parte disponível.” A transacção que precede foi homologada por sentença proferida em 29 de janeiro de 1999 e já transitada em julgado. Em 13 de junho de 2014, U..., S.A. instaurou nos próprios autos[1] em que foi outorgada e homologada por sentença a transação antes referida ação executiva para pagamento de quantia certa contra BB e CC, alegando o seguinte: “Por termo de transacção datado de 26 de Janeiro de 1999 e homologado por sentença proferida no processo n.º 192/95 do 1.º Juízo Criminal da Comarca do Porto, agora para efeitos da instauração da presente acção executiva distribuída sob o n.º 4909/04.0JAPRT, já transitada em julgado, os arguidos, ora executados, acordaram com a demandante, ora exequente, no pagamento do montante peticionado a título de indemnização cível nesses autos criminais. (Cfr. Doc. 1) Nessa transacção, os ora executados confessaram-se devedores da quantia de 6000000 de escudos (o correspondente a 29.927,87 Euros). (Cfr. Doc. 1) Com vista ao ressarcimento da dívida, estabeleceu-se que os executados pagariam à exequente 60 prestações mensais e sucessivas, no montante de 100.000$00 (o correspondente a 498,80 Euros), sendo que a falta de pagamento de uma delas implicaria, nos termos legais, o vencimento das restantes. Sucede porém que, até à presente data, ao contrário do estipulado e em desrespeito por tal decisão judicial, os executados apenas procederam ao pagamento de 1.750,00 Euros – os quais foram pagos em 7 pagamentos parciais de 250,00 Euros. Pelo exposto, os executados permanecem em dívida para com a exequente no valor de 28.177,87 Euros, ao que acrescem os juros de mora respectivos, contabilizados desde 26 de Janeiro de 1999 até efectivo e integral pagamento.” Em 02 de outubro de 2019, nos apensos de embargos de executado deduzidos pelos executados BB e CC em 29 de setembro de 2014, foram proferidas sentenças, já transitadas em julgado, que julgaram a exequente parte ilegítima e com tal fundamento procedentes os embargos com a consequente extinção da ação executiva. Em 25 de setembro de 2020, DD instaurou nos próprios autos em que foi outorgada e homologada por sentença a transação acima referida ação executiva para pagamento de quantia certa contra BB e CC, alegando o seguinte: “1. Nos termos da sentença proferida (e transitada em julgado) nos autos do processo-crime nº 192/1995, hoje com o n.º 4909/94.0JAPRT, e que homologou o termo de transacção alcançado entre os aí arguidos, CC e BB, e o aí ofendido e demandante, DD, foi acordado o pagamento pelos arguidos, aqui Executados, ao demandante, aqui Exequente, do montante peticionado a título de indemnização cível nesses autos criminais, confessando-se aqueles devedores da quantia de 6.000.000$00 (Cfr. Documento n.º 1). 2. Conforme estipulado na transacção, esta quantia deveria ser liquidada através do pagamento de 60 (sessenta) prestações mensais e sucessivas, no valor de 100.000$00 cada, vencendo-se a primeira no dia 26 de Janeiro de 1999, as restantes no dia 10 de cada mês subsequente e a última no dia 10 de Janeiro de 2004. 3. Mais se acordou que a falta de pagamento de uma delas implicaria, nos termos legais, o vencimento das restantes. 4. Até à presente data, ao contrário do estipulado e em desrespeito pela douta decisão judicial, os Executados apenas liquidaram 13 prestações mensais de 50.000$00. 5. Concretamente, o Executado CC procedeu ao pagamento de 9 prestações de 50.000$00 e o Executado BB liquidou 4 prestações de 50.000$00, o que significa que, em conjunto, ambos pagaram a quantia de 650.000$00 (correspondente a 3.242,19 €) de um total de 6.000.000$00 (correspondente a 29.927,89 €). 6. Tendo em conta que, ainda que com mora, o Executado BB apenas liquidou 4 prestações de 50.000$00 (nomeadamente, a de 26 de Janeiro, a de 10 de Fevereiro, a de 10 de Março e a de 10 de Abril de 1999), a prestação de 100.000$00 que se venceu no dia 10 de Maio de 1999 não foi integralmente cumprida pelos Executados, pelo que se venceram as demais prestações nessa data. 7. Sucede que, não obstante o referido pagamento parcial de 650.000$00 (correspondente a 3.242,19 €), a verdade é que, apesar de vários contactos e insistências por parte do Exequente para procederem à liquidação do remanescente, os Executados não se dignaram a efectuar o pagamento total do seu débito para com o Exequente, permanecendo, assim, em dívida o montante de 5.350.000$00 (correspondente a 26.685,70 €), a título de capital. 8. Destarte, o valor do crédito da Exequente é de 26.685,70 €, referente a capital, ao qual acrescem os juros vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento, que se computam em 25.834,68 €, de acordo com o seguinte cálculo: Sentença judicial condenatória no valor de 26 685,70 € + juros entre 10/05/1999 e 22/07/2020 (7 431,05 € (1452 dias a 7,00%) + 18 403,63 € (6293 dias a 4,00%)) 9. Assim, move-se a presente acção executiva contra os Executados, para que a Exequente obtenha a satisfação do seu crédito, no valor total de 52.520,38 €, resultante da soma das seguintes quantias: i) 26.685,70 €, a título de capital; ii) 25.834,68 €, a título de juros de mora vencidos até à presente data; 10. Montante ao qual deverá ser acrescida a quantia devida a título de juros de mora vincendos até efectivo e integral pagamento. 11. Pela factualidade exposta, é de aferir a existência de interesse em agir por parte do Exequente, o que legitima “tout court” o recurso à via judicial. 12. O crédito do Exequente sobre os Executados é certo, líquido e exigível, sendo exequível o título que serve de fundamento à presente execução, conforme o disposto na al. a) do n.º 1 e no n.º 2 do art. 703.º do CPC.” Em 21 de abril de 2021, por apenso à ação executiva que antes se referiu, BB[2] e CC[3] deduziram singularmente embargos de executado invocando a ineptidão do requerimento executivo, a inexequibilidade do título por falta de identificação do credor, erro na declaração constante do título exequendo e a prescrição da obrigação exequenda em virtude de ter decorrido o prazo ordinário de prescrição desde o vencimento da obrigação exequenda e que o exequente situou em 10 de maio de 1999. Ambos os embargos de executado foram liminarmente admitidos, sendo o exequente notificado para, querendo, contestar. O exequente contestou os embargos de executado deduzidos por cada um dos executados pugnando pela sua total improcedência, com iguais fundamentos, invocando ainda na contestação aos embargos deduzidos pelo executado CC que após o incumprimento da prestação de maio de 1999, este foi contactado por diversas vezes pelo embargado, peticionando o pagamento das prestações em atraso, em datas que não pode precisar e que em resposta o embargante sempre assumiu a sua responsabilidade pelo cumprimento da transação e pagamento das prestações devidas, alegando que não conseguia cumprir as prestações naquele momento porque “a mãe se encontrava com um grave problema de saúde e necessitava da sua assistência”, o que, na perspetiva do embargado, configuraria um reconhecimento do direito determinante de interrupção da prescrição. Em 02 de julho de 2021 foi em cada um dos embargos de executado proferida decisão[4] que julgou procedente a exceção perentória de prescrição, referindo para o efeito, no essencial, o seguinte: “Da Prescrição Invoca o embargante executado que admitindo-se, desde já, o prazo ordinário de vinte anos – o mesmo já decorreu porquanto foi citado no âmbito dos presentes autos em 18.01.2021 - considerando a data invocada pelo exequente para o vencimento da obrigação – 10.05.1999. Cumprido o contraditório, veio o exequente, entre o demais, alegar que atenta redacção dada ao art. 323º nº1 do CC e, bem assim, ao facto do executado ter sido citado pelo exequente nestes autos – apenso A – em 13 de Junho de 2014 – conforme documento que junta como Doc 1- o prazo ordinário da prescrição de 20 anos ainda não decorreu. Cumpre apreciar e Decidir - Importa consideração o titulo executivo junto aos autos a fls. 155 e 156 – sentença homologatória de transacção – que fixa o vencimento da primeira prestação em 26 de janeiro de 1999, num universo de 60 prestações mensais, iguais e sucessivas a liquidar. - Aí encontra-se estipulada igualmente a regra geral de que a falta de pagamento de uma das prestações importa o vencimento das restantes. - Na esteira do pedido efetuado no respetivo requerimento executivo junto aos autos, o exequente alega que ambos os executados até à data do mesmo liquidaram apenas 13 prestações e que, em face do incumprimento, à data de 10 de Maio de 1999 se vencerão as demais (prestações). - Nos autos de execução a que os presentes embargos se reportam, figura como exequente DD e como executados, BB e CC. Ambos foram citados em 18.01.2021. - Nos autos de execução – Apenso A – Figuravam como executados CC e BB. Os ora executados foram aí citados em 2014 (CC em 4 de Agosto de 2014 e BB em 11 de Agosto de 2014). Contudo, nesses autos, figurava como exequente, U..., S A.. - Esses autos de execução – Apenso A foram declarados extintos atenta a ocorrência de excepção de ilegitimidade Activa – ilegitimidade da exequente U..., S A. Dar à execução setença homologatória de transação realizada no âmbito do processo nº 192/95 – hoje P. 4904/94.0TJAPRT – conforme resulta dos respetivos autos. Ora, dispõe o art. 309º do CC – que o prazo ordinário é de 20 anos. [transcrição dos artigos 309º e 321º do Código Civil] Ora, considerando-se a obrigação vencida em 10 de maio de 1999 e tendo os ora executados sido citados em 18.01.2021 – decorreu efetivamente o prazo de 20 anos – não se verificando qualquer outro acto de interrupção ou suspensão da prescrição. A citação ocorrida em agosto de 2014 nos autos extintos por ilegitimidade da exequente não interrompe a prescrição e não interrompe porquanto, nesses autos, não era exequente o mesmo sujeito que o nos presentes autos executivos. Como refere Ana Prata e outros, in CC Anotado, 2017 - “(…) O facto interruptivo provém do acto do credor, por meio de citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima intenção de exercício do direito, ainda que pratica por um representante (…)” – (sublinhado nosso). Assim sendo, forçoso será concluir pela procedência da excepção de prescrição ordinária. Em face desta procedência, fica prejudicado o demais invocado. E, em face de todo o supra exposto, declara-se extinta por prescrição a presente execução. Custas a cargo do exequente. Registe e Notifique.” Em 30 de setembro de 2020, inconformado com a decisão que precede, DD interpôs recurso de apelação, requerendo a apensação dos dois embargos de executado deduzidos singularmente, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões: “A. A sentença a quo encontra-se ferida de NULIDADE e não tomou em consideração elementos probatórios essenciais para a justa composição do litígio nem considerou, devidamente, as normas jurídicas aplicáveis. B. Da sentença não consta a identificação das partes; a identificação do objeto do litígio; a enunciação das questões que ao tribunal cumpre solucionar; a fundamentação de facto e de direito e a respectiva enunciação dos factos que se julgam provados e os não provados, para tanto, fazendo uma análise crítica da prova. C. Só com a enunciação dos factos (provados e/ou não provados), poderia o Tribunal, depois, fundamentar a alegada prescrição. D. O Recorrente, por não saber quais os factos em que o Tribunal a quo se baseou, nem sequer os pode impugnar, o que, obviamente, o reduz no seu direito de defesa e contraditório. E. O dever de fundamentação tem respaldo constitucional por dele depender o efectivo exercício do direito ao recurso e ao acesso ao Direito. F. Lida e relida a sentença, ficamos sem saber quais os factos que o Tribunal entendeu como provados que, por sua vez, possam ter dado origem à decisão proferida. G. O Tribunal recorrido, ao ter omitido da sentença o objecto do litígio, a identificação das partes e fundamentação de facto e de Direito, feriu de nulidade a Sentença proferida, nos termos previstos nos artigos 205.º da CRP, 607.º e 615.º n. º 1 alínea b), d) e n.º 4 do Código de Processo Civil, a qual aqui expressamente se invoca para todos os efeitos legais. H. A presente Apelação versa sobre a decisão de Direito proferida pelo Tribunal a quo, a qual, no entendimento do Recorrente, não pode manter-se. I. O Tribunal a quo decidiu seguinte: “Ora, considerando-se a obrigação vencida em 10 de maio de 1999 e tendo os ora executados sido citados em 18.01.2021 – decorreu efetivamente o prazo de 20 anos – não se verificando qualquer outro acto de interrupção ou suspensão da prescrição.” J. Decidiu o Tribunal a quo julgar verificada a excepção da prescrição, julgando a execução extinta. K. No entanto, como o título dado à execução trata-se de um acordo transaccional para pagamento em prestações, o início do curso do referido prazo de prescrição tem lugar “desde a exigibilidade da primeira prestação que não for paga”, nos termos do artigo 307.º, do CC. L. A primeira prestação incumprida pelo Embargante venceu no dia 10 de Maio de 1999 e venceram-se, nessa data, as demais prestações começando a correr o aludido prazo prescricional, M. No entanto, a 13 de Junho de 2014 foi apresentado contra os aqui Embargantes um Requerimento Executivo baseado nos mesmos factos e na mesma sentença homologatória que titula a presente execução. N. Aí, os ora Recorridos foram citados e também se opuseram à Execução, tendo o mesmo findado após o trânsito em julgado do Despacho Saneador que julgou a aí Exequente, da qual o ora Recorrente é sócio gerente, parte ilegítima, por entender que o Credor é o ora Recorrente. O. O Tribunal a quo entende que a citação ocorrida nesse primeiro processo, não interrompe a prescrição – conclusão de que discordamos. P. Nos termos do artigo 323.º, n.º 1, do CC, “A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, SEJA QUAL FOR O PROCESSO A QUE O ACTO PERTENCE e ainda que o tribunal seja incompetente.” Q. “É equiparado à citação ou notificação, para efeitos deste artigo, qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do acto àquele contra quem o direito pode ser exercido.” R. Ora, para que ESTE MESMO TRIBUNAL A QUO decidisse como decidiu nos apensos A e B dos presentes autos, teve que tomar conhecimento, da parte dos Executados, dos motivos pelos quais se entendia que a empresa “U..., S.A.” não era credora. S. E foram os Recorridos que aí afirmaram, em oposição à execução, que “o demandante cível seria uma pessoa singular identificada por DD, conforme se depreende, aliás, da certidão narrativa emitida pela Secretaria Geral das Varas de Juízos Criminais do Porto e junta aos presentes autos no requerimento executivo”, ou seja, o Recorrente. T. A oposição à execução foi apresentada pelos Recorridos em 29/09/2014. U. Nessa mesma data, os Recorridos confessaram-se devedores do ora Recorrente. V. Em 03/10/2019, o Tribunal a quo proferiu sentença onde afirma que “QUEM APRESENTOU A QUEIXA CRIME FOI DD” e que foi “DD A DEDUZIR PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL, A FLS. 34, PEDINDO A CONDENAÇÃO DOS DEMANDADOS ARGUIDOS A PAGAR-LHE DETERMINADA QUANTIA”. W. Com a citação dos Executados naquele outro processo executivo, em 2014 e com a dedução da oposição, interrompeu-se o curso do prazo de prescrição, sendo que, até essa data, apenas tinham decorrido cerca de 15 dos 20 anos do prazo prescricional. X. Assim não sendo, pelo menos em 29/09/2014, com o reconhecimento do direito feito pela via judicial, interrompeu o prazo de prescrição. Y. Tendo em conta que, na presente acção, os Recorridos foram citados em 18/01/2021 e que, desde pelo menos 29/09/2014, decorreram, apenas, 7 (sete) anos, não se encontrava decorrido o prazo prescricional. Z. Verifica-se, ainda, a existência de uma causa de suspensão da prescrição. AA. Nos termos do art. 321.º do CC, “A prescrição suspende-se durante o tempo em que o titular estiver impedido de fazer valer o seu direito, por motivo de força maior, no decurso dos últimos três meses do prazo.” BB. Atendendo à existência de uma execução anterior em que figurava como Exequente uma parte que veio a ser considerada ilegítima, entendemos que, tal processo, a sua instauração, pendência e, em concreto, a dedução de oposição à execução pelos ora Recorridos, constitui causa de força maior que suspendeu o prazo prescricional. CC. Ora, atendendo a que, nos termos da sentença recorrida, a obrigação venceu em 10/05/1999, que os Recorridos foram citados na acção intentada pela empresa “U..., S.A.” em 04/08/2014, e que, nessa acção, o Tribunal a quo proferiu sentença em 03/10/2019, notificada às partes nesse mesmo dia, então, de 04/08/2014 a 03/10/2019, o prazo prescricional esteve suspenso, reiniciando a sua contagem no dia seguinte – 04/10/2019. DD. Assim não se entendendo, pelo menos, desde o momento da dedução da oposição - 29/09/2014 - até à data da prolação da sentença - 03/10/2019 – o prazo esteve suspenso, retomando a sua contagem em 04/10/2019. EE. Pelo exposto, seja por força da interrupção seja por força da suspensão, a obrigação que se reclama não se encontra prescrita. FF. Foram violadas, entre outras, as normas ínsitas nos artigos 205.º da CRP, 607.º e 615.º n. º 1 alínea b), d) e n.º 4, do Código de Processo Civil, 321.º 325.º 326.º do Código Civil.” Os embargantes contra-alegaram pugnando pela total improcedência do recurso. Em 10 de janeiro de 2022, foi proferido o seguinte despacho: “A ter em conta que o recurso se reporta à decisão dos Apensos C e D. *** Por estar em tempo (art. 638º nº 1 do CPC), por a decisão ser recorrível (art. 629º, nº 1, do CPC), por ter legitimidade (art. 631º nº 1 do CPC), admito o presente recurso interposto, que é de apelação [art. 644º, nº1, al. a), do CPC], com subida imediata, nos próprios autos, e com efeito devolutivo [art. 645º, nº1, al. a), e 647º, nº 1, do CPC].Notifique e subam os autos ao Venerando Tribunal da Relação do Porto (art. 641º, nº1, do CPC).” Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, os mesmos foram distribuídos à 1ª secção criminal, tendo sido aberta vista à Digna Procuradora-Geral-Adjunta que apôs visto, declarando que o Ministério Público não era interessado no recurso nem representava qualquer dos sujeitos processuais. Em 24 de fevereiro de 2022 foi proferida decisão sumária, já transitada em julgado, a declarar a incompetência em razão da matéria da secção criminal para julgar o recurso de apelação. Distribuídos os autos a esta secção cumpre apreciar e decidir o recurso de apelação interposto por DD contra as decisões proferidas em 02 de julho de 2021, nos embargos de executado deduzidos por CC (apenso C) e BB (apenso D), já que o tribunal a quo, ainda que de forma implícita, deferiu a requerida apensação dos embargos de executado ao referir aquando da admissão do recurso que o mesmo se referia aos apensos C e D. Uma vez que as questões a decidir são de natureza estritamente jurídica, que se revestem de simplicidade, havendo um vasto lastro doutrinal e jurisprudencial sobre as mesmas, com o acordo dos restantes membros do coletivo, decide-se dispensar os vistos e apreciar e decidir de imediato. 2. Questões a decidir tendo em conta o objeto do recurso delimitado pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nºs 3 e 4 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil), por ordem lógica e sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil 2.1 Da nulidade da sentença recorrida por falta de fundamentação de facto e de direito; 2.2 Da interrupção da prescrição por efeito da propositura da ação executiva em 13 de junho de 2014 pela sociedade U..., S.A. e por força do reconhecimento do direito do exequente nas oposições por embargos deduzidas em 29 de setembro de 2014; 2.3 Da suspensão do prazo prescricional por força maior. 3. Fundamentos 3.1 Da nulidade da sentença recorrida por falta de fundamentação de facto e de direito O recorrente suscita a nulidade da decisão recorrida porque “o Tribunal recorrido, ao ter omitido da sentença o objecto do litígio, a identificação das partes e fundamentação de facto e de Direito, feriu de nulidade a Sentença proferida, nos termos previstos nos artigos 205.º da CRP, 607.º e 615.º n. º 1 alínea b), d) e n.º 4 do Código de Processo Civil”. Cumpre apreciar e decidir. De acordo com o previsto no artigo 615º, nº 1, alínea b) do Código de Processo Civil, é nula a sentença que não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. Tradicionalmente, invocando-se os ensinamentos do Professor Alberto Reis[5], é recorrente a afirmação de que o vício em análise apenas se verifica quando ocorre falta absoluta de especificação dos fundamentos de facto ou dos fundamentos de direito. No entanto, no atual quadro constitucional (artigo 205º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa), em que é imposto um dever geral de fundamentação das decisões judiciais, ainda que a densificar em concretas previsões legislativas, de forma a que os seus destinatários as possam apreciar e analisar criticamente, designadamente mediante a interposição de recurso, nos casos em que tal for admissível, parece que também a fundamentação de facto ou de direito insuficiente, em termos tais que não permitam ao destinatário da decisão judicial a perceção das razões de facto e de direito da decisão judicial, deve ser equiparada à falta absoluta de especificação dos fundamentos de facto e de direito e, consequentemente, determinar a nulidade do acto decisório[6]. As regras sobre a nulidade da sentença são aplicáveis aos despachos, ex vi artigo 613º, nº 3, do Código de Processo Civil. No caso em apreço, está em causa um despacho legalmente equiparado a uma sentença no que respeita ao seu valor (segunda parte do nº 3 do artigo 595º, do Código de Processo Civil). Porém, não existe norma que determine que a estrutura formal do despacho que conhece antecipadamente do mérito da causa tenha de obedecer ao figurino legal da sentença, apenas sendo inquestionável que deve obedecer à regra geral da fundamentação dos atos decisórios constante do artigo 154º do Código de Processo Civil. No entanto, do ponto de vista da clareza e auto-suficiência das peças processuais, a adoção da estrutura da sentença para os despachos que conheçam de exceções ou que conheçam antecipadamente do mérito da causa é vantajosa. O cumprimento do dever de fundamentação de facto do ato decisório não tem uma extensão uniforme, variando em função da natureza da decisão a proferir, da fase em que é proferida e, especialmente, em função das soluções plausíveis das questões decidendas. Assim, uma decisão proferida logo após os articulados, como é o caso dos autos, sem que tenha havido produção de prova pessoal, limita-se, em regra, à enunciação dos factos provados, pois que, nessa circunstância, alguns dos factos articulados pelas partes não se podem julgar provados ou não provados porque ainda não foi produzida prova sobre os mesmos. O que se afigura fundamental é que estejam provados os factos necessários à resolução das questões decidendas de acordo com as diversas soluções plausíveis de direito e de forma a evitar o risco de anulação de decisões antecipadas do pleito[7]. A violação das regras formais sobre a elaboração da sentença no que respeita à identificação das partes e do litígio (artigo 607º, nº 2, do Código de Processo Civil), não integra a nulidade da sentença de falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. No caso dos autos, embora o tribunal a quo não tenha estruturalmente separado os factos que julgou provados dos fundamentos de direito, é notório que teve o cuidado de indicar os factos provados que iam servir de base à sua decisão de direito, bastando para tanto atentar no seguinte segmento da decisão recorrida: “- Importa consideração o titulo executivo junto aos autos a fls. 155 e 156 – sentença homologatória de transacção – que fixa o vencimento da primeira prestação em 26 de janeiro de 1999, num universo de 60 prestações mensais, iguais e sucessivas a liquidar. - Aí encontra-se estipulada igualmente a regra geral de que a falta de pagamento de uma das prestações importa o vencimento das restantes. - Na esteira do pedido efetuado no respetivo requerimento executivo junto aos autos, o exequente alega que ambos os executados até à data do mesmo liquidaram apenas 13 prestações e que, em face do incumprimento, à data de 10 de Maio de 1999 se vencerão as demais (prestações). - Nos autos de execução a que os presentes embargos se reportam, figura como exequente DD e como executados, BB e CC. Ambos foram citados em 18.01.2021. - Nos autos de execução – Apenso A – Figuravam como executados CC e BB. Os ora executados foram aí citados em 2014 (CC em 4 de Agosto de 2014 e BB em 11 de Agosto de 2014). Contudo, nesses autos, figurava como exequente, U..., S A. . - Esses autos de execução – Apenso A foram declarados extintos atenta a ocorrência de excepção de ilegitimidade Activa – ilegitimidade da exequente U..., S A. Dar à execução sentença homologatória de transação realizada no âmbito do processo nº 192/95 – hoje P. 4904/94.0TJAPRT – conforme resulta dos respetivos autos.” Por outro lado, no que respeita aos fundamentos de direito, além da transcrição de duas normas jurídicas pertinentes, escreveu-se a este propósito o seguinte: “Ora, dispõe o art. 309º do CC – que o prazo ordinário é de 20 anos. [transcrição dos artigos 309º e 321º do Código Civil] Ora, considerando-se a obrigação vencida em 10 de maio de 1999 e tendo os ora executados sido citados em 18.01.2021 – decorreu efetivamente o prazo de 20 anos – não se verificando qualquer outro acto de interrupção ou suspensão da prescrição. A citação ocorrida em agosto de 2014 nos autos extintos por ilegitimidade da exequente não interrompe a prescrição e não interrompe porquanto, nesses autos, não era exequente o mesmo sujeito que o nos presentes autos executivos. Como refere Ana Prata e outros, in CC Anotado, 2017 - “(…) O facto interruptivo provém do acto do credor, por meio de citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima intenção de exercício do direito, ainda que pratica por um representante (…)” – (sublinhado nosso). Assim sendo, forçoso será concluir pela procedência da excepção de prescrição ordinária.” Assim, atentas as transcrições da decisão impugnada que antecedem, é manifesto que o tribunal a quo na decisão recorrida teve o cuidado de enunciar os factos provados e pertinentes para a solução jurídica que depois veio a tomar, enunciando também os preceitos jurídicos aplicáveis e subsumindo os factos aos normativos convocados. Por isso, a decisão recorrida enuncia suficientemente os factos que julgou provados e bem assim as regras de direito que conduziram à decisão a final tomada, não padecendo da nulidade que o recorrente lhe imputa e decorrente da falta de fundamentação de facto e de direito. Improcede deste modo esta questão recursória. 3.2 Fundamentos de facto enunciados na decisão recorrida e que não se mostram impugnados pelo recorrente, não se divisando fundamento legal para a sua alteração oficiosa 3.2.1 Factos provados 3.1.1 O título executivo junto aos autos a fls. 155 e 156 – sentença homologatória de transacção –fixa o vencimento da primeira prestação em 26 de janeiro de 1999, num universo de 60 prestações mensais, iguais e sucessivas a liquidar.3.1.2 Aí encontra-se estipulado que a falta de pagamento de uma das prestações importa o vencimento das restantes.3.1.3 Na esteira do pedido efetuado no respetivo requerimento executivo junto aos autos, o exequente alega que ambos os executados até à data do mesmo liquidaram apenas 13 prestações e que, em face do incumprimento, à data de 10 de maio de 1999 se venceram as demais (prestações).3.1.4 Nos autos de execução a que os presentes embargos se reportam, figura como exequente DD e como executados, BB e CC e ambos foram citados em 18.01.2021.3.1.5 Nos autos de execução – Apenso A – figuravam como executados CC e BB e os ora executados foram aí citados em 2014 (CC em 4 de agosto de 2014 e BB em 11 de agosto de 2014) e nesses autos, figurava como exequente, U..., S A. 3.1.6 Esses autos de execução – Apenso A – foram declarados extintos atenta a ocorrência de excepção de ilegitimidade ativa – ilegitimidade da exequente U..., S A. dar à execução sentença homologatória de transação realizada no âmbito do processo nº 192/95 – hoje processo nº 4904/94.0TJAPRT.4. Fundamentos de direito 4.1 Da interrupção da prescrição por efeito da propositura da ação executiva em 13 de junho de 2014 pela sociedade U..., S.A. e por força do reconhecimento do direito do exequente nas oposições por embargos deduzidas em 29 de setembro de 2014 A recorrente pugna pela revogação da decisão recorrida porque na sua perspetiva a lei substantiva é incisiva ao vincar que a interrupção da prescrição ocorre seja qual for o processo a que pertence o ato determinante da interrupção e mesmo que o tribunal seja incompetente e ainda porque na oposição à execução deduzida em 29 de setembro de 2014 na ação executiva instaurada contra os recorridos pela sociedade U..., S.A. estes reconheceram o direito do ora recorrente, razão pela qual também daqui decorre nessa data a interrupção da prescrição. Na decisão recorrida, a este propósito da interrupção da prescrição, relevantemente, escreveu-se o seguinte: “A citação ocorrida em agosto de 2014 nos autos extintos por ilegitimidade da exequente não interrompe a prescrição e não interrompe porquanto, nesses autos, não era exequente o mesmo sujeito que o nos presentes autos executivos. Como refere Ana Prata e outros, in CC Anotado, 2017 - “(…) O facto interruptivo provém do acto do credor, por meio de citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima intenção de exercício do direito, ainda que pratica por um representante (…)” – (sublinhado nosso). Assim sendo, forçoso será concluir pela procedência da excepção de prescrição ordinária.” Cumpre apreciar e decidir. Nas contestações aos embargos deduzidos pelos recorridos, o ora recorrente não invocou a causa interruptiva da prescrição de reconhecimento do direito, com os fundamentos que agora aduz, apenas tendo invocado o reconhecimento do direito, na contestação aos embargos deduzidos por CC alegando para tanto que após o incumprimento da prestação de maio de 1999, este foi contactado por diversas vezes pelo embargado, peticionando o pagamento das prestações em atraso, em datas que não pode precisar e que em resposta o embargante sempre assumiu a sua responsabilidade pelo cumprimento da transação e pagamento das prestações devidas, alegando que não conseguia cumprir as prestações naquele momento porque “a mãe se encontrava com um grave problema de saúde e necessitava da sua assistência”[8]. O reconhecimento do direito enquanto causa interruptiva da prescrição é uma contra-exceção, cabendo ao arguente da mesma o ónus de alegar os factos essenciais que a integram, como decorre do nº 1 do artigo 5º do Código de Processo Civil. Por isso, para poder eficazmente invocar a causa interruptiva de reconhecimento do direito que agora suscita no recurso de apelação, o ora recorrente tinha o ónus de alegar os factos integradores da mesma nas contestações dos embargos de executado. Ora, excetuando o caso da verificação de nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia (artigo 615º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil), da existência de questão de conhecimento oficioso (artigos 608º, nº 2, 2ª parte e 663º, nº 2, ambos do Código de Processo Civil), da alteração do pedido, em segunda instância, por acordo das partes (artigo 264º do Código de Processo Civil) ou da mera qualificação jurídica diversa da factualidade articulada (artigo 5º, nº 3, do Código de Processo Civil), os recursos destinam-se à reponderação de questões que hajam sido colocadas e apreciadas pelo tribunal recorrido, não se destinando ao conhecimento de questões novas[9]. Por isso, no que respeita este segmento das conclusões do recurso do recorrente, por constituir uma questão nova, este tribunal abstém-se de conhecer este fundamento do recurso[10]. Nos termos do disposto no nº 1 do artigo 323º do Código Civil, cuja epígrafe é “Interrupção promovida pelo titular”, a “prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.” Deste modo, quer pela epígrafe do artigo 323º, do Código Civil, quer pelo conteúdo do nº 1 do mesmo artigo, a citação ou notificação judicial avulsa geradora do efeito interruptivo da prescrição tem de exprimir a intenção de exercer o direito, pelo que esse efeito apenas se produzirá se aqueles atos resultarem de uma ação do titular do direito a que respeita o efeito interruptivo ou por alguém que possa fazer repercutir na esfera jurídica do titular do direito os atos praticados, como sucede, por exemplo, com o representante legal ou voluntário do credor. A citação doutrinal que a decisão recorrida transcreve de forma incompleta e sem cuidar de a localizar precisamente na obra citada[11] é mera reprodução, com outras palavras, de parte do que constava em sede de trabalhos preparatórios deste normativo[12]. Por isso, a ação executiva instaurada por uma pessoa coletiva que se veio a considerar destituída de legitimidade ativa e por isso sem a titularidade do direito cuja realização coerciva peticionou (veja-se o nº 1 do artigo 53º do Código de Processo Civil) e as citações efetuadas no âmbito dessa ação executiva cuja instância veio a ser julgada extinta por ilegitimidade ativa da exequente, não têm aptidão para desencadear a interrupção ficta prevista no nº 2 do artigo 323º do Código Civil nem exprimem a intenção de exercer o direito exequendo por banda da exequente porque se concluiu que de facto não era titular desse direito cuja realização coerciva peticionou. Pelo exposto, improcede esta questão recursória. 4.2 Da suspensão do prazo prescricional por força maior O recorrente pugna pela revogação da decisão recorrida porque, na sua perspetiva, houve uma suspensão do prazo prescricional por ocorrência de caso de força maior já que, “atendendo à existência de uma execução anterior em que figurava como Exequente uma parte que veio a ser considerada ilegítima, entendemos que, tal processo, a sua instauração, pendência e, em concreto, a dedução de oposição à execução pelos ora Recorridos, constitui causa de força maior que suspendeu o prazo prescricional. (…) Ora, atendendo a que, nos termos da sentença recorrida, a obrigação venceu em 10/05/1999, que os Recorridos foram citados na acção intentada pela empresa “U..., S.A.” em 04/08/2014, e que, nessa acção, o Tribunal a quo proferiu sentença em 03/10/2019, notificada às partes nesse mesmo dia, então, de 04/08/2014 a 03/10/2019, o prazo prescricional esteve suspenso, reiniciando a sua contagem no dia seguinte – 04/10/2019. (…) Assim não se entendendo, pelo menos, desde o momento da dedução da oposição - 29/09/2014 - até à data da prolação da sentença - 03/10/2019 – o prazo esteve suspenso, retomando a sua contagem em 04/10/2019. (artigo 321º, nº 1, do Código Civil).” Cumpre apreciar e decidir. À semelhança do que se afirmou relativamente ao reconhecimento do direito que o recorrente invocou no recurso de apelação como causa interruptiva do prazo prescricional, esta causa de suspensão do termo da prescrição não foi invocada pelo recorrente nas contestações aos embargos deduzidos pelos executados, razão pela qual constitui uma questão nova de que este tribunal de recurso não pode conhecer[13]. Ainda que assim não fosse, sempre esta causa de suspensão do prazo prescricional improcederia, e isso mesmo que se pudesse configurar a pendência da anterior ação executiva como caso de força maior obstativo do exercício do direito pelo ora recorrente[14], pois que, ao contrário do que entende o recorrente não se trata de uma suspensão do curso do prazo prescricional mas apenas de uma suspensão do termo do prazo prescricional e isso desde que a situação de força maior se verifique ou continue a verificar dentro dos últimos três meses do prazo prescricional Na realidade, como consta do nº 1 do artigo 321º do Código Civil, a prescrição suspende-se durante o prazo em que o titular estiver impedido de fazer valer o seu direito, por motivo de força maior, no decurso dos últimos três meses do prazo[15]. Por isso, na prática, esta causa de suspensão do termo do prazo prescricional, traduz-se na extensão do prazo prescricional por mais três meses, reiniciando-se o decurso desse prazo de três meses logo que se verifique a cessação do caso de força maior. Mesmo que se aderisse ao momento temporal que o recorrente identifica como o termo do impedimento ao exercício do seu direito e que situa em 04 de outubro de 2019, tendo em conta que o início do prazo prescricional se verificou em 10 de maio de 1999 e que o termo da prescrição ordinária de vinte anos ocorreria em 10 de maio de 2019, por força da agora invocada suspensão do termo, o prazo prescricional completar-se-ia em 04 de janeiro de 2020. Ora, a ação executiva de que os embargos de executado são dependência apenas foi instaurada em 25 de setembro de 2020, por isso muito para além do termo do prazo prescricional ordinário, mesmo relevando o invocado caso de força maior apenas agora suscitado pelo recorrente. Por isso, ainda que não se tratasse de questão nova, como se nos afigura ser, sempre esta causa de suspensão do termo do prazo prescricional improcederia. Por tudo quanto se expôs conclui-se pela total improcedência do recurso, sendo as custas do mesmo da responsabilidade do recorrente dada a total improcedência das suas pretensões recursórias (artigo 527º, nºs. 1 e 2 do Código de Processo Civil). 5. Dispositivo Pelo exposto, os juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto por DD e, em consequência, em confirmar a decisão recorrida proferida em 02 de julho de 2021, nos segmentos impugnados. Custas a cargo do recorrente, sendo aplicável a secção B, da tabela I, anexa ao Regulamento das Custas Processuais, à taxa de justiça do recurso. *** O presente acórdão compõe-se de dezoito páginas e foi elaborado em processador de texto pelo primeiro signatário.Porto, 08 de junho de 2022 Carlos Gil Mendes Coelho Joaquim Moura ______________ [1] Agora como o nº 4904/94.0JAPRT. [2] Este embargante comprovou beneficiar de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo. [3] No articulado dos embargos de executado este embargante vem identificado por evidente lapso como EE. [4] Notificada aos sujeitos processuais mediante expediente eletrónico elaborado em 08 de julho de 2021. [5] Veja-se o Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora 1984, reimpressão, Volume V, página 140. [6] Neste sentido veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02 de março de 2011, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Sérgio Poças, no processo nº 161/05.2TBPRD.P1.S1 e acessível no site da DGSI. [7] Admitindo uma margem de risco maior nesta matéria veja-se Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2ª Edição, António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, página 722, alínea d). Pela nossa parte, se subsistem factos controvertidos para uma solução plausível da questão de direito, essa plausibilidade obsta a que o julgador possa ter a necessária segurança para conhecer antecipadamente do mérito. [8] É evidente a insuficiência desta matéria de facto para integrar o reconhecimento do direito como causa de interrupção da prescrição do crédito exequendo, na medida em que o exequente “confessa” a impossibilidade de situar temporalmente tais condutas, insuficiência insuprível mediante um convite ao aperfeiçoamento dada a referida “confissão” do exequente. Se é verdade que na decisão recorrida nada se disse relativamente a este concreto reconhecimento do direito exequendo feito pelo recorrido CC, não é menos certo que o recorrente não suscitou a omissão de pronúncia da decisão recorrida sobre esta questão, vício que, como é sabido, não é de conhecimento oficioso. [9] Sobre esta matéria vejam-se, Recursos em Processo Civil, 7ª Edição Atualizada, Almedina 2022, António Santos Abrantes Geraldes, páginas 139 a 142, anotação 5 ao artigo 635º do Código de Processo Civil; Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª edição, Almedina 2009, Fernando Amâncio Ferreira, páginas 153 a 158. [10] Ainda assim, se acaso não se tratasse de questão nova, sempre este fundamento do recurso estaria votado ao insucesso pois que para poder operar o reconhecimento do direito tem de ser efetuado perante o titular do direito e por aquele contra quem pode ser exercido (artigo 325º, nº 1, do Código Civil), resultando dos factos que o recorrente alega que esse reconhecimento não foi feito perante o respetivo titular, mas sim perante a sociedade que foi julgada parte ilegítima por não ser titular ativa do crédito exequendo. [11] Na 2ª Edição Revista e Atualizada da obra citada, edição da Almedina de 2019, Volume I, a transcrição constante da decisão recorrida é da responsabilidade de Rita Canas da Silva e consta na anotação 3 ao artigo 323º do Código Civil, na página 428 da citada obra. [12] Veja-se o Estudo da autoria do Sr. Professor Adriano Paes da Silva Vaz Serra intitulado Prescrição Extintiva e Caducidade, publicado no Boletim do Ministério da Justiça nº 106, Maio – 1961, página 213, nº 75, onde se escreveu o seguinte: “O acto interruptivo da prescrição deve, em princípio provir do titular do direito, visto que se trata de acto de exercício do direito. Se porém, os efeitos do acto se produzirem legalmente em relação ao titular, embora praticados por outrem, pode tal acto interromper a prescrição. É o caso de o acto ser praticado por um representante, legal ou voluntário, do titular, pelos credores do titular mediante a acção sub-rogatória, pelo gestor de negócios (este, obrigado a continuar a gestão empreendida, deve poder realizar, no interesse do dono do negócio, pelo menos os actos interruptivos que não exigem uma acção judicial)”. [13] Não se olvida que o Sr. Professor Adriano Paes da Silva Vaz Serra, no estudo que temos vindo a citar, páginas 143 e 144, sustenta que as causas de suspensão da prescrição podem ser apreciadas oficiosamente, escrevendo a propósito o seguinte: “Estas causas decidiu-se já que não podem ser apreciadas oficiosamente pelo juiz (755) [o conteúdo desta nota de rodapé é o seguinte: Ver as decisões citadas por Azzariti e Scarpello, nº 1 da anotação ao art.º 2 941.º]. mas parece duvidoso que assim deva ser. A prescrição não pode ser apreciada oficiosamente pelo juiz (art.º 515.º do nosso Código), mas a suspensão da prescrição parece que deve poder ser oficiosamente apreciada. Se, por exemplo, o credor exige a prestação do devedor e este alega a prescrição, mas esta esteve suspensa em virtude de menoridade do credor, afigura-se dever o juiz conhecer oficiosamente da suspensão, a não ser que a falta de invocação desta pelo credor signifique renúncia ao seu crédito. Com efeito, a alegação da prescrição não tem base, desde que a prescrição esteve suspensa, e não pode, portanto, o juiz considerar provada a prescrição.” Como se vê da antecedente citação, esta posição do Sr. Professor Vaz Serra não deve ser desligada do concreto contexto que foi tomado como exemplo, situação de todo distinta da que é submetida à nossa cognição nestes autos. [14] Na realidade, se não custa admitir que a pendência dessa ação executiva obstava à instauração de outra ação executiva para realização coerciva do crédito e com base no mesmo título, nada impedia o recorrente, atenta essa situação, de interpelar judicialmente os ora recorridos de que iria oportunamente exercer judicialmente o seu direito contra ambos. [15] No Estudo da autoria do Sr. Professor Adriano Paes da Silva Vaz Serra intitulado Prescrição Extintiva e Caducidade, publicado no Boletim do Ministério da Justiça nº 106, Maio – 1961, página 178, propunha-se uma suspensão do termo do prazo de seis meses, com o seguinte articulado: “7. A prescrição suspende-se enquanto o titular, dentro dos últimos seis meses do prazo prescricional, estiver impedido, por força maior, de fazer valer o seu direito. Considera-se, para este efeito, como força maior o impedimento que não pode ser vencido com a diligência exigível segundo as circunstâncias do caso.” |