Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
10/24.2SGPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULO COSTA
Descritores: CRIME DE FURTO
CONSUMAÇÃO
REGIME DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO
Nº do Documento: RP2024052210/24.2SGPRT.P1
Data do Acordão: 05/22/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Há consumação do crime de furto quando o agente passa a ter, direta ou indiretamente, a disponibilidade da coisa subtraída, sendo indiferente ou irrelevante que o recorrente tenha tido a sua disponibilidade por apenas 03 minutos.
II - Uma personalidade avessa às imposições jurídico-penais que não só revela indiferença face às condenações anteriormente sofridas, como compromete qualquer prognóstico de adesão à obrigação que caracteriza o regime de permanência na habitação, inviabiliza o juízo favorável no sentido de que esta forma de execução/cumprimento da pena de prisão satisfaz as necessidades de prevenção especial.
III - Permitir que a pena de prisão seja executada em regime de permanência na habitação depois do cumprimento de várias penas de prisão efetivas, mormente pela prática de crimes de furto qualificado, seria permitir ao arguido continuar a acreditar que existe sempre mais uma oportunidade, sendo que, até agora, as inúmeras concedidas não as soube aproveitar.

(Sumário da responsabilidade do Relator)
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 10/24.2SGPRT.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Local de Pequena Criminalidade - Juiz 2

Acordam, em conferência, na 1ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto.

I. Relatório
No Processo Sumário em epígrafe identificado do Tribunal Judicial da Comarca do Porto proferida decisão, com o seguinte dispositivo:
“Pelo exposto, e ao abrigo das referidas disposições legais, julgo procedente, por provada, a acusação pública deduzida e, consequentemente:
A) Condeno o arguido AA como autor material de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos arts. 203.º e 204.º, n.º1, alínea b), ambos do CP, na pena de um ano e seis meses de prisão;
B) Determino a perda da ponteira apreendida a favor do Estado – art. 109.º, n.º1, do CP.
C) Determino a perda dos resquícios dos vidros favor do Estado e, após trânsito, a sua destruição – art 109.º, n.ºs 1 a 3, do CP;
D) Condeno o arguido nas custas do processo cuja taxa de justiça face à confissão integral e sem reservas fixo em uma unidade de conta –arts 344.º, n.º2, alínea c), 513.º, n.ºs 1, do CPP, 8.º do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III.

Proceder-se-á ao depósito da presente decisão.”

Inconformado, veio o arguido AA interpor recurso, pugnando pelo seu provimento com os fundamentos que constam da motivação, e formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem:
“O presente recurso vem interposto da Sentença proferida, com a qual o Arguido não se conforma com o decidido quanto à forma do crime (consumada) e a medida da pena determinada.
Com os termos e fundamentos que infra se irão expor, considera que, face aos factos provados, resulta que a forma do crime foi apenas a tentada e que a medida da pena determinada é, in casu excessiva e desproporcional.
O Arguido foi intercetado imediatamente, concretamente nos três minutos seguintes à retirada das mochilas do veículo, pelo que só esteve na posse das duas mochilas esse período de tempo (facto C da factualidade provada da Sentença).
As mochilas foram recolhidas fechadas e com a totalidade do material que continham que era material informático e tecnológico diverso, que não chegou sequer a sair das mochilas e cuja configuração, ligação, carregamento nunca se compadeceria com os 3 minutos nos quais as mochilas estiveram na posse do Arguido.
Assim, o Arguido não fruiu e/ou dispôs de nenhuma forma dos bens e das suas utilidades, pelo que o Arguido teve apenas uma posse instantânea, e não plena ou total, dos bens que não é bastante para, a contrario do disposto no art. 22º, nº 1 e 2 do CP, se concluir que o furto foi consumado (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15/02/2007 (processo n.º 06P4802); o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16/10/2008 (processo n.º 08P221); o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 12/05/2010; o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 25/09/2017 (processo nº 727/16.5PBGMR.G1).
Por outro lado, resultou designadamente do Relatório Social elaborado e constante dos autos, várias circunstâncias atenuantes significativas nos termos e para os efeitos do art. 73º do CP, que devem ser atendidas e que não o foram na Sentença proferida e que, sendo ponderadas, imporiam a aplicação ao Arguido de uma outra pena, menos gravosa.
Desde logo, no que concerne aos contornos do ilícito, pois não se pode olvidar que, em todo o caso, os bens foram recuperados, pelo que as consequências da prática do ilícito não foram gravosas, e que o Arguido se mostrou sempre colaborante, tendo confessado os factos, estando ciente da ilicitude da sua conduta e mostrado arrependimento da mesma.
Além disso, também resultou do Relatório Social (nos autos sob a Referência citius 37982303) que o Arguido se inscreveu no centro de emprego, encontrando-se à procura de emprego, que vive exclusivamente com a sua companheira e de que irá ser pai em breve pela primeira vez (nascimento previsto para março).
O Arguido aguarda com expectativa e alegria esta nova fase da sua vida, que perspetiva como sendo o ponto de viragem para “endireitar a sua vida”, não se podendo olvidar os antecedentes pessoais que contribuíram e acabaram por conduzir o Arguido a uma vida marginal e que, agora, encontra, por fim, a iniciativa e a força de deixar (cfr. Relatório Social nos autos sob a Referência citius 37982303).
O facto de ir ser pai, de se encontrar à procura de emprego e beneficiar agora de apoio social (Rendimento Social de Inserção) são fatores preponderantes e essenciais para se admitir o Arguido finalmente integrado na vida, família e sociedade.
Tendo em conta estes factos, mostra-se adequada, idónea e suficiente/bastante a aplicação ao Arguido de uma pena menos gravosa que a decretada.
A este respeito, face aos pressupostos legais para o efeito que se entendem preenchidos e a todas aquelas circunstâncias, devidamente ponderadas, da qual é possível emitir um juízo de prognose favorável à conduta futura e reinserção do Arguido mostrar-se ia adequada, idónea e suficiente às necessidades de prevenção, que se mostram assim reduzidas:
- Substituição da pena de multa por prestação de trabalho, nos termos dos arts. 43.º, n.º 1 e 48.º, do CP e arts. 489.º e 490.º do CPP (a pena de multa encontra-se prevista para o crime de furto qualificado, mas a verdade é que, neste momento, o Arguido não tem condições socioeconómicas para arcar com o pagamento de uma só vez desse pagamento (por prestações já seria possível gerir os rendimentos tendo em conta as despesas do seu agregado familiar);
- Sem conceder, a pena de prisão suspensa na sua aplicação, nos termos dos arts. 50º e 70º do CP;
- Sem conceder, a pena de prisão em regime de permanência de habitação nos termos do art. 43º do CP;
- Ainda sem conceder, a redução da pena de 1 ano e 6 meses de prisão efetiva decretada.
Assim não tendo decidido, a Sentença violou as normas constantes dos arts. 22°, 23°, 71°, 72°, 43º, 50 e º73° todos do Código Penal.”

Admitido o recurso, o Ministério Público veio responder pugnando pelo seu não provimento e pela manutenção da decisão recorrida, concluindo:
“I - Tendo o arguido retirado os objetos, do domínio do anterior proprietário, levando-os consigo e, colocando-os debaixo de outro veículo, tem de se considerar que praticou o crime na forma consumada e, não tentada.
II- O Tribunal a quo, partindo da culpa em concreto do arguido e dos demais fins de prevenção geral e especial, atendendo ainda aos factores exemplificativamente enumerados no n.º 2 do art.º 71.º do C.P., entendeu como adequada a pena de 1 ano e 6 meses de prisão, a executar em regime prisional.
III - A suspensão da execução da pena de prisão não seria assim ajustada à situação não tendo a simples censura do facto e a ameaça da prisão das condenações anteriores (nas condenações em penas de prisão, suspensas na sua execução), impedido o arguido da prática de novo crime de idêntica natureza, não possibilitando assim ao Tribunal fazer um juízo de prognose positivo relativamente ao futuro comportamento do arguido.
IV- Face à pena aplicada nada impediria o seu cumprimento, em regime de permanência na habitação, sendo que em virtude de o fornecimento de energia não se encontrar regularizado não seria possível instalar os meios técnicos.
V- Independentemente dessa circunstância, sempre se dirá que o seu cumprimento nesses moldes não se mostra adequado e suficiente às finalidades da punição.
VI- São elevadas as necessidades de prevenção especial que se fazem sentir, conforme já referido, inviabilizando qualquer juízo de prognose favorável de que o cumprimento da pena em regime de permanência na habitação satisfaria as mesmas.
VII – E a substituição da pena pela prestação de trabalho também não se mostraria adequada e suficiente para satisfazer as necessidades da punição.
VIII - Não foram violados os artigos invocados.”

Nesta Relação, a Ex.ma Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso e pela manutenção da decisão recorrida.

Não houve resposta ao parecer.
Realizado o exame preliminar, e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.
Nada obsta ao conhecimento do mérito.

II. Fundamentação
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar (Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal" III, 2ª ed., pág. 335 e jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, nomeadamente os vícios indicados no art. 410º nº 2 do CPP.

In casu, o recurso, delimitado pelas conclusões da respetiva motivação, tem por objeto as questões seguintes:
-Qualificação jurídica dos factos- Tentativa/ consumação.
-Medida da pena concreta.

II. A decisão recorrida
Importa apreciar tais questões tendo presente o teor da decisão recorrida e os factos que dela constam, e respectiva motivação e que se transcrevem:

“De Facto:
Discutida a causa, mostram-se provados os seguintes factos:
A) No dia 14 de Janeiro de 2024, cerca das 21H00M, quando passava na Rua ..., no Porto, o arguido viu o veículo de marca Renault, de matrícula AV-..-CR, utilizado por BB, veículo que ali se encontrava aparcado, fechado, tendo decidido fazer seus os objectos que se encontrassem no interior do mesmo;
B) Sem autorização do BB, com uma ponteira, partiu o vidro ventilador da porta lateral traseira e o vidro da mala desse veículo e, através da abertura criada a quebra do vidro da mala, introduziu o braço, levantou a chapelaria retirou da mala três mochilas, de marca Mobili, azuis claras, mochilas que continham no seu interior um IPAD, de marca Apple, no valor de seiscentos euros, um computador portátil da marca HP, no valor de dois mil euros, dois computadores portáteis da marca Dell, no valor de dois mil euros cada, três telemóveis da marca Apple, no valor de mil euros cada, duas baterias/carregadores Belking, no valor de dez euros cada, um cabo de dados, no valor de cinco euros, três baterias/carregadores, duas da marca Dell e uma da marca HP, no valor de vinte euros cada e uns phones, no valor de dez euros, objectos pertença do BB, levando-os consigo, fazendo-os seus;
C) Volvidos cerca de três minutos após ter retirado os objectos do interior do veículo, o arguido veio a ser interceptado pela Polícia de Segurança Pública, tendo escondido os objectos debaixo de uma viatura, objectos que foram apreendidos pela entidade policial e restituídos pela mesma ao BB, que os recebeu;
D) O arguido agiu do modo descrito, com intenção de fazer seus os objectos que se encontrassem no interior do referido veículo, como fez, designadamente os que retirou e levou consigo, bem sabendo que não lhes pertenciam, que atuava contra a vontade do utilizador do veículo, do dono dos objectos, que não estava autorizado a aceder ao interior desse veículo;
E) O arguido agiu de forma livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal;
F) O arguido não entregou qualquer quantia ao BB para substituição dos vidros partidos;
G) O arguido nasceu no dia ../../1998, no Porto. O percurso do arguido decorreu no agregado monoparental. Frequentou e concluiu um curso de dupla certificado de operador de manutenção hoteleira, obtendo a equivalência ao 6.º ano de escolaridade. Em contexto prisional, frequentou o 3.º ciclo do ensino básico, mas acabou por privilegiar a integração laboral nesse contexto, adquirindo os primeiros hábitos de trabalho. Foi colocado em Liberdade Condicional em 20/11/2022, aos 2/3 da pena, tendo reintegrado o agregado materno. Em meados de 2022, encetou relacionamento afectivo. Vive com a companheira, de 27 anos de idade, desempregada, grávida de 8 meses, com parto previsto para o dia 03/03/2024, e um filho desta, de oito anos de idade, estudante, no ..., n.º..., casa ..., ... Porto. Desde o mês de Dezembro de 2023, está inscrito no Centro de Emprego. Mantem-se em situação de inatividade profissional. A subsistência do agregado familiar tem vindo a ser assegurada pela companheira que beneficia da prestação do rendimento social de inserção no montante mensal de duzentos e noventa e nove euros e cinquenta e oito cêntimos, da prestação pré-natal no montante mensal de duzentos e quarenta e sete euros e nove cêntimos, da prestação do abono de família para crianças e jovens relativo ao menor no valor mensal de cento e oitenta e cinco euros. Mensalmente, suportam, em renda, cento e nove euros e sessenta e três cêntimos, em água, em média, vinte e dois euros, em tv/net/voz cinquenta euros e quarenta e um cêntimos. O fornecimento de electricidade não está regularizado uma vez que o agregado não liquida qualquer valor. O arguido não tem alternativa habitacional. No seu quotidiano, o arguido refere permanecer no domicílio, dedicando-se a realizar pequenas obras no domicílio e no convívio com a companheira. Tem hábitos diários de consumo haxixe;
H) Por sentença proferida no processo sumário n.º98/14.4PDPRT que correu termos no extinto 1.º Juízo do Tribunal de Pequena Instância Criminal do Porto, transitada em julgado no dia 11/06/2014, o arguido foi condenado pela prática no dia 22/04/2014 de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punido pelo art. 3.º, n.ºs 1 e 2, do DL n.º2/98, de 3 de Janeiro, na pena de oitenta dias de multa, à taxa diária de seis euros. Por decisão, transitada em julgado no dia 05/09/2015, foi determinado o cumprimento pelo arguido de cinquenta e dos dias de prisão subsidiária. Por decisão, transitada em julgado no dia 13/01/2017, foi determinado a suspensão da prisão subsidiária pelo período de um ano, pena extinta no dia 13/01/2017;
I) Por Acórdão proferido no processo comum com intervenção do Tribunal Colectivo n.º112/14.3PDPRT que correu termos no Juízo Central Criminal do Porto, Juiz 11, transitado em julgado no dia 23/02/2015, o arguido foi condenado pela prática no dia 09/05/2014 de um crime de descaminho, previsto e punido pelo art. 355.º do CP, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punido pelo art. 3.º, n.º2, do DL n.º2/98, de 3 de Janeiro, em cúmulo jurídico, na pena única de um ano de prisão suspensa na sua execução com regime de prova, pena declarada extinta, nos termos do art. 57.º, n.º1, do CP, no dia 23/02/2016; J) Por sentença proferida no processo comum com intervenção do Tribunal Singular n.º60/14.7P6PRT que correu termos no Juízo Local Criminal do Porto, Juiz 4, transitada em julgado no dia 08/10/2015, o arguido foi condenado pela prática no dia 03/06/2014 de um crime de tráfico de estupefacientes e de menor gravidade, previsto e punido pelo art. 25.º, alínea a), do DL n.º15/93, de 22 de Janeiro, com referência às Tabelas I-A e I-B anexas àquele diploma, na pena de dezoito meses de prisão suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova. Por decisão, transitada em julgado no dia 09/07/2018, foi revogada a suspensão e determinado o cumprimento da pena de dezoito meses de prisão;
K) Por sentença proferida no processo comum com intervenção do Tribunal Singular n.º1/17.0PMPRT que correu termos no Juízo Local Criminal do Porto, Juiz 6, transitado em julgado no dia 11/02/2019, o arguido foi condenado pela prática no dia 06/03/2017 de dois crimes de condução de veículo sem habilitação legal, previstos e punidos pelos art.s 3.º, n.ºs 1 e 2, do DL n.º2/98, de 3 de Janeiro, em cúmulo jurídico, na pena única de nove meses de prisão;
L) Por sentença proferida no processo abreviado n.º8/17.7PDPRT que correu termos no Juízo Local de Pequena Criminalidade do Porto, Juiz 2, transitada em julgado no dia 02/10/2017, o arguido foi condenado pela prática, no dia 06/01/2017 de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelo arts 203.º, n.º1, 204.º, n.º1, alínea b), ambos do CP, na pena de duzentos dias de multa, à taxa diária de cinco euros. Por decisão, transitada em julgado no dia 20/06/2018, foi determinado o cumprimento de cento e trinta e três dias de prisão subsidiária, pena declarada extinta, após cumprimento da prisão subsidiária, no dia 05/12/2018;
M) Por sentença proferida no processo comum com intervenção do Tribunal Singular n.º342/17.6GAEPS que correu termos no Juízo de Competência Genérica de Esposende, Juiz 1, transitada em julgado no dia 21/03/2019, o arguido foi condenado pela prática no dia 28/05/2017 de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punido pelo art 3.º do DL n.º2/98, de 3 de Janeiro, na pena de seis meses de prisão;
N) Por sentença proferida no processo comum com intervenção do Tribunal Singular n.º464/15.8PIPRT que correu termos no Juízo Local Criminal do Porto, Juiz 4, transitada em julgado no dia 11/12/2017, o arguido foi condenado pela prática no ano de 2015 de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo art. 151.º, n.º1, alínea b), do CP, na pena de dois anos e quatro meses de prisão suspensa na sua execução sob condição de frequentar o programa para agressores de violência doméstica a ser dinamizado pela DGRSP;
O) Por sentença proferida no processo comum com intervenção do Tribunal Singular n.º386/16.5PDPRT que correu termos no Juízo Local Criminal do Porto, Juiz 6, transitada em julgado no dia 09/01/2018, o arguido foi condenado pela prática no dia 19/10/2016 de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punido pelo art. 3.º, n.ºs 1 e 2, do DL n.º2/98, de 3 de Janeiro, na pena de seis meses de prisão, pena declarada extinta, pelo cumprimento, no dia 26/07/2018;
P) Por sentença proferida no processo comum com intervenção do Tribunal Singular n.º902/16.2PPPRT que correu termos no Juízo Local Criminal do Porto, Juiz 8, transitada em julgado no dia 15/02/2018, o arguido foi condenado pela prática, no dia 14/11/2016, de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelo art. 204.º do CP, na pena de três anos de prisão;
Q) Por acórdão proferido no processo comum com intervenção do Tribunal Colectivo n.º259/17.4PDPRT que correu termos no Juízo Central Criminal do Porto, Juiz 1, transitada em julgado no dia 31/01/2019, o arguido foi condenado pela prática no dia 25/08/2018 de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelo art. 204.º do CP, e de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punido pelo art. 3.º do DL n.º2/98, de 3 de Janeiro, em ´cumulo jurídico, na pena única de um ano e dois meses de prisão;
R) Por sentença proferida no processo comum com intervenção do Tribunal Singular n.º178/17.4PFVNG que correu termos no Juízo Local Criminal de Vila Nova de Gaia, Juiz 2, transitada em julgado no dia 03/05/2019, o arguido foi condenado pela prática, no dia 12/05/2017, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punido pelo art. 3.º, n.º2, do DL n.º2/98 de 3 de Janeiro, na pena de sete meses de prisão;
S) Por sentença proferida no processo comum com intervenção do Tribunal Singular n.º453/17.8PRPRT que correu termos no Juízo Local Criminal do Porto, Juiz 2, transitada em julgado no dia 13/05/2019, o arguido foi condenado pela prática no dia 08/05/2017 de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelo art. 203.º, n.º1, 204.º, n.º1, alínea a), ambos do CP, na pena de dez meses de prisão;
T) Por sentença proferida no processo comum com intervenção do Tribunal Singular n.º320/16.2PDPRT que correu termos no Juízo Local Criminal do Porto, Juiz 5, transitada em julgado no dia 16/09/2019, o arguido foi condenado pela prática no dia 31/08/2016 de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, previsto e punido pelo art. 291.º, n.º1, alínea b), do CP e de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punido pelo art. 3.º, n.ºs 1 e 2, do DL n.º2/98, de 3 de Janeiro, em cúmulo jurídico, na pena única de um ano e quatro meses de prisão e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de nove meses;
U) Por sentença proferida no processo comum com intervenção do Tribunal Singular n.º8/18.0PDPRT que correu termos no Juízo Local Criminal do Porto, Juiz 1, transitada em julgado no dia 04/11/2019, o arguido foi condenado pela prática no dia 07/01/2018 de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, previsto e punido pelo art. 291.º, n.º1, alínea b), do CP, na pena de seis meses de prisão, e de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punido pelo art. 3.º, n.ºs 1 e 2, do DL n.º2/98, de 3 de Janeiro, em cúmulo jurídico, na pena de dois meses de prisão e, em cúmulo jurídico, na pena única de sete meses de prisão;
V) Por acórdão cumulatório proferido no processo n.º4642/20.0T8PRT que correu termos no Juízo Central Criminal do Porto, Juiz 11, transitado em julgado no dia 30/09/2020, procedeu-se ao cúmulo jurídico das penas sofridas nos processos n.ºs 320/16.2PDPRT, 453/17.8PRPRT, 178/17.4PFVNG, 259/17.4PDPRT, 902/16.2PPPRT, 464/15.8PIPRT, 342/17.6GAEPS, 8/17.7PMPRT e 1/17.0PNPRT, e o arguido foi condenado na pena única de cinco anos de prisão. Por despacho, transitado em julgado no dia 22/11/2023, nos termos do disposto da Lei n.º38-A/2023, foi declarado perdoado um ano de prisão. Procedeu-se ao cúmulo jurídico das penas sofridas nos processos n.ºs 8/18.0PDPRT e 386/16.5PDPR e o arguido foi condenado na pena única de nove meses de prisão. Por despacho, transitado em julgado no dia 22/11/2023, nos termos do disposto da Lei n.º38-A/2023, foi declarado perdoada a pena de nove meses de prisão, perdões concedidos sob a condição resolutiva de o arguido não praticar infracção dolosa no ano subsequente ao dia um de Setembro de dois mil e vinte e três;
W) Por decisão proferida no processo n.º117/18.5TXPRT-A que correu termos no Juízo de Execução de Penas de Coimbra, Juiz 1, transitada em julgado no dia 19/12/2022, relativamente à pena única sofrida no processo n.º4642/20.0T8PRT, foi concedida liberdade condicional a partir de Novembro de 2022 até ao dia 20 de Abril de 2025;
X) Por sentença proferida no processo n.º248/23.0PDPRT que correu termos no Juízo Local de Pequena Criminalidade do Porto, Juiz 3, transitada em julgado no dia 19/09/2023, o arguido foi condenado pela prática no dia 07/06/2023 de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo art. 86.º da Lei 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de sete meses de prisão a cumprir em regime de permanência na habitação com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância. Por despacho, transitado em julgado no dia 22/11/2023, nos termos do disposto da Lei n.º38-A/2023, foi declarado perdoada a pena de prisão, perdão concedido sob a condição resolutiva de o arguido não praticar infracção dolosa no ano subsequente ao dia um de Setembro de dois mil e vinte e três.
Com interesse não há factos dados como não provados.”

II. Do Recurso
Defende o recorrente nas suas alegações que os factos provados não autorizam a condenação pelo crime consumado de furto e face aos mesmos estaremos perante uma mera tentativa acabada que implica necessariamente a atenuação especial e obrigatória da penalidade abstrata aplicável com inevitáveis reflexos na medida concreta da pena, que foi fixada pelo tribunal a quo de forma excessiva, injusta e desproporcional.
A questão de saber, qual o momento em que se consuma o crime de furto.
A doutrina e a jurisprudência têm-se debruçado frequentemente sobre esta questão. Vide, entre outros, o Prof. JOSÉ ANTÓNIO BARREIROS – Crimes Contra o Património pág. 35 e segs e o Acórdão do S.T.J. – Supremo Tribunal de Justiça de 27-03-2003, proferido no processo 03P361, in www.dgsi.pt.

Como bem refere o Sr. PGA em trecho que aqui se transcreve,… a doutrina tem individualizado quatro momentos, quanto à consumação do crime de furto, que são os seguintes:
- a contrectatio, em que basta pegar ou tocar na coisa para o crime se consumar;
- a amotio (apprehensio), em que é necessário que a coisa seja colocada sob o controle exclusivo do novo detentor;
- a ablatio, em que é essencial tirar ou levar essa coisa da zona ou local de domínio do anterior detentor;
- a illatio, segundo a qual é necessário que a coisa seja transferida ou recolhida de modo pacífico na esfera de domínio do novo detentor.
Quer a contrectatio, quer a ilattio são conceitos inoperativos e inconclusivos, não constituindo, qualquer deles, um critério seguro de decisão, porquanto naquela nem sequer é pensável ou conjeturável uma verdadeira subtração e na última não se contempla certos casos da vida real que merecem tutela penal, designadamente e por exemplo, o caso do agente que no próprio lugar do crime consome a coisa subtraída.
Para o Prof. EDUARDO CORREIA para haver consumação do crime de furto, a coisa furtada tinha que estar nas mãos do agente em pleno sossego e estado de tranquilidade. Esta tese foi acolhida, entre outros, no Acórdão do S.T.J. – Supremo Tribunal de Justiça de 23 de Novembro de 1982, B.M.J. 321, pag. 316.
Já o Prof. FARIA DA COSTA optou por um critério menos exigente, o de que “o furto se consuma quando a coisa entra, de uma maneira minimamente estável, no domínio de facto do agente da infracção” e mais adiante refere para haver furto, o agente da infracção tem “ subtrair a coisa da esfera do domínio real de terceiro, passando, justamente, esse preciso domínio para o âmbito da sua esfera pessoal (em certo sentido ablatio). Isto é, para haver consumação formal - momento a partir do qual já não se pode desencadear o direito de legítima defesa - não basta que o sujeito passivo se veja privado do domínio de facto sobre a coisa, é ainda imprescindível que o agente da infracção tenha adquirido um pleno e autónomo domínio sobre a coisa” (vide, Comentário Conimbricense do Código Penal – Parte Especial – Tomo II, pág. 49 § 69 e § 70), sendo que este não é o instantâneo domínio do facto, já que exige um mínimo plausível de fruição das utilidades da coisa.
Ora, o Código Penal – C.P. prevê o tipo legal de crime de furto com o desenho legal que plasmou no artigo 203.º, n.º 1, onde se estatui:
“Quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair coisa móvel alheia é punido com pena de prisão até 03 anos ou com pena de multa”.
Assim face aos dizeres legais, podemos condensar a dimensão conceitual do crime de furto na seguinte definição: furtar é subtrair coisa móvel alheia.
Como brilhantemente se deixou escrito no Acórdão do T.R.P. - Tribunal da Relação do Porto de 08/05/2013 in www.dgsi.pt, que se seguirá de perto em jeito de plágio assumido mas confessado, por não se saber dizer melhor, neste ilícito o que está em causa é a tutela do direito de propriedade, consubstanciada no direito de gozo, fruição e de disposição sobre a generalidade das coisas móveis, ainda que exista uma situação de mera posse ou de detenção em nome de outrem por parte do visado, ou então e caso se prefira a disponibilidade de fruição das utilidades da coisa com um mínimo de representação.
A sua acção típica central ou numénica, a qual está descrita no seu tipo-base ou fundamental e nos dá a noção legal de furto, corresponde à subtracção de coisa móvel alheia.
Esta acção de subtracção deve ser entendida num duplo sentido, ou seja, enquanto privação da disponibilidade da coisa por parte do sujeito passivo (i), seguindo-se concomitantemente um novo “empossamento” por parte do sujeito activo (ii), passando este a ter agora um novo domínio de facto em relação ao bem subtraído.
E esse novo domínio terá que ser factual, muito embora tanto possa ter uma incidência mais próxima (brevi manus) ou então mais distante, mas ainda de disponibilidade (longa manus).
Daí que ocorra a consumação de um crime de furto quando a conduta do agente tipifica todos os elementos do respectivo tipo legal, independentemente daquele ter atingido ou não os seus propósitos com a realização de tal ilícito.
Basta, por isso, a sua mera consumação formal através da respectiva acção típica, em contraponto com a sua consumação material ou terminação.
Por sua vez e como resulta do artigo 22.º, n.º 1 do Código Penal “Há tentativa quando o agente praticar actos de execução de um crime que decidiu cometer, sem que este chegue a consumar-se”, precisando-se no seu n.º 2 o que são actos de execução.
Assim, já haverá crime tentado ou tentativa propriamente dita quando se está perante a realização parcial do correspondente crime, indo-se, no entanto, para além do respectivo acto preparatório.
A propósito deste crime de furto têm surgido várias conceitualizações ou teorias conceptuais para se precisar ou destrinçar a consumação da tentativa, que vão desde a “teoria da contretação” (contrectatio), em que basta pegar ou tocar na coisa, passando quer pela “teoria da apreensão”, onde é necessário que a coisa seja colocada sob o controle de facto e exclusivo do novo detentor, quer pela “teoria da ablação” (ablatio), em que é essencial tirar ou levar essa coisa da zona ou local do domínio do anterior detentor, até se chegar à “teoria da ilação” (illatio), segundo a qual é necessário que a coisa seja transferida ou recolhida de modo pacífico na esfera de domínio do novo detentor.
A jurisprudência tem, de um modo generalizado e persistente, excluído categoricamente aquela primeira posição, surgindo no entanto dividida entre os demais posicionamentos, o que dá para ver que a solução desta controvérsia está longe de ser pacífica.
A propósito chegou-se a sustentar que “Não é necessária à consumação do crime de furto que o agente tenha o objecto furtado em pleno sossego ou em estado de tranquilidade, pelo que o arguido que chegou a apropriar-se dos objectos subtraídos colocando-os dentro de um saco e que depois foi interpelado por agentes da autoridade, comete um crime de furto na forma consumada”, ainda que esteja no interior do estabelecimento, mas com os objectos já dentro de um saco (Acórdão do S.T.J. – Supremo Tribunal de Justiça de 1989/Jul./05, BMJ 389/298), mesmo que essa loja estivesse aberta ao público nessa ocasião (Acórdão do S.T.J. – Supremo Tribunal de Justiça de 1988/Jan./13, BMJ 373/279).
Mas também se seguiu uma posição mais exigente, ao decidir-se que “Não há consumação quando o objecto do furto não entra na esfera patrimonial do agente ou de terceiro, embora aquele tenha actuado com intenção de apropriação e chegue a deslocá-la do local onde se encontra”, assentando que só há consumação quando o objecto subtraído chega a estar na posse do agente em pleno sossego ou em estado de tranquilidade (Acórdão do S.T.J. – Supremo Tribunal de Justiça de 1982/Nov./23, BMJ 312/316).
A meio caminho entre um e outro destes posicionamentos temos aqueles segundo os quais “O crime de furto consuma-se quando o agente tira ou subtrai a coisa da posse do respectivo dono ou detentor, contra a vontade deste, e a coloca na sua própria posse, substituindo-se ao poder de facto sob o qual ela se encontrava” (Acórdão do S.T.J. – Supremo Tribunal de Justiça de 1990/Nov./21, BMJ 401/234), precisando-se “Comete um crime de furto, na forma tentada, o agente que entra numa ourivesaria, se apodera de vários objectos que retira de cima e do interior do balcão e os mete num saco que levava, mas, em virtude de se ter apercebido da presença de agentes da GNR, deixou ficar o saco junto ao balcão, dirigindo-se para a saída, onde foi detido” (Acórdão do T.R.C. - Tribunal da Relação de Coimbra de 1985/Nov./06, CJ V/48). A propósito cremos que esta última corrente jurisprudencial é aquela que mais se aproxima da caracterização da subtracção como um acto de desapossamento e em que, consequentemente, passa a existir um novo domínio factual, de modo que ocorrerá a consumação de um crime de furto, quando o agente passa a ter, directa ou indirectamente, a disponibilidade da coisa subtraída (Acórdão do T.R.P. - Tribunal da Relação do Porto de 2013/Fev./13, em www.dgsi.pt).
Assim, não basta tocar na coisa ou mesmo o seu apoderamento material sem disponibilidade, em virtude do agente ter sido surpreendido in fragante. E isto mesmo que o agente consiga fugir, desde que seja desde logo perseguido, mantendo-se essa perseguição ininterrupta e de modo que o mesmo não tenha a disponibilidade efectiva, ainda que momentânea, dos objectos de que se pretende apropriar. Para melhor precisar este entendimento, consideramos que se a perseguição tem lugar depois de descoberto o furto, ainda que passados alguns momentos, mas o agente sempre teve a possibilidade de dispor, ainda que hipoteticamente dispor, do que foi por si subtraído, então existe consumação, mas se aquela perseguição se inicia no preciso momento em que aquele se apodera de tais bens, então já haverá tentativa.”
No caso em apreço, provou-se que:
«A) No dia 14 de Janeiro de 2024, cerca das 21H00M, quando passava na Rua ..., no Porto, o arguido viu o veículo de marca Renault, de matrícula AV-..-CR, utilizado por BB, veículo que ali se encontrava aparcado, fechado, tendo decidido fazer seus os objectos que se encontrassem no interior do mesmo;
B) Sem autorização do BB, com uma ponteira, partiu o vidro ventilador da porta lateral traseira e o vidro da mala desse veículo e, através da abertura criada a quebra do vidro da mala, introduziu o braço, levantou a chapelaria retirou da mala três mochilas, de marca Mobili, azuis claras, mochilas que continham no seu interior um IPAD, de marca Apple, no valor de seiscentos euros, um computador portátil da marca HP, no valor de dois mil euros, dois computadores portáteis da marca Dell, no valor de dois mil euros cada, três telemóveis da marca Apple, no valor de mil euros cada, duas baterias/carregadores Belking, no valor de dez euros cada, um cabo de dados, no valor de cinco euros, três baterias/carregadores, duas da marca Dell e uma da marca HP, no valor de vinte euros cada e uns phones, no valor de dez euros, objectos pertença do BB, levando-os consigo, fazendo-os seus;
C) Volvidos cerca de três minutos após ter retirado os objectos do interior do veículo, o arguido veio a ser interceptado pela Polícia de Segurança Pública, tendo escondido os objectos debaixo de uma viatura, objectos que foram apreendidos pela entidade policial e restituídos pela mesma ao BB, que os recebeu;
D) O arguido agiu do modo descrito, com intenção de fazer seus os objectos que se encontrassem no interior do referido veículo, como fez, designadamente os que retirou e levou consigo, bem sabendo que não lhes pertenciam, que atuava contra a vontade do utilizador do veículo, do dono dos objectos, que não estava autorizado a aceder ao interior desse veículo;
E) O arguido agiu de forma livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal;
F) O arguido não entregou qualquer quantia ao BB para substituição dos vidros partidos….».
O tribunal a quo a propósito explanou: “Terá o arguido cometido o crime na forma tentada ou consumada?
Como se decidiu no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 08/05/2013, processo n.º830/12.0GCSTS.P1, n.º convencional JTRP000, Relator Dr. Joaquim Gomes, disponível para consulta em www.dgsi.pt, que, pelo acerto, seguimos de perto, “ocorre a consumação de um crime quando a conduta do agente tipifica todos os elementos do respectivo tipo legal, independentemente daquele ter atingido ou não os seus propósitos com a realização de tal ilícito, não sendo necessário a verificação da existência de quaisquer causas de exclusão da ilicitude ou da culpa ou então da inimputabilidade (31.º, 32.º, 34.º, 35.º, 20.º CP). Basta, por isso, a sua mera consumação formal do crime através da respectiva acção típica, em contraponto com a sua consumação material ou terminação.
Já existe crime tentado ou tentativa propriamente dita quando se está perante a realização parcial do correspondente crime, indo-se, no entanto, para além do respectivo acto preparatório.
A propósito do crime de furto têm surgido várias conceitualizações para se precisar ou destrinçar a consumação da tentativa, que vão desde a “teoria da contretação” (contrectatio), em que basta pegar ou tocar na coisa, passando quer pela “teoria da apreensão”, onde é necessário que a coisa seja colocada sob o controle de facto e exclusivo do novo detentor, quer pela “teoria da ablação” (ablatio), em que é essencial tirar ou levar essa coisa da zona ou local do domínio do anterior detentor, até se chegar à “teoria da ilação” (illatio), segundo a qual é necessário que a coisa seja transferida ou recolhida de modo pacífico na esfera de domínio do novo detentor.
A jurisprudência tem, de um modo generalizado e persistente, excluindo categoricamente aquela primeira posição, surgindo, no entanto, dividida entre os demais posicionamentos, o que dá para ver que a solução desta controvérsia está longe de ser pacífica. A propósito chegou-se a sustentar que “não é necessária à consumação do crime de furto que o agente tenha o objecto furtado em pleno sossego ou em estado de tranquilidade, pelo que o arguido que chegou a apropriar-se dos objectos subtraídos colocando-os dentro de um saco e que depois foi interpelado por agentes da autoridade, comete um crime de furto na forma consumada”, ainda que esteja no interior do estabelecimento, mas com os objectos já dentro de um saco (Ac. STJ de 1989/Jul./05, BMJ 389/298), mesmo que essa loja estivesse aberta ao público nessa ocasião (Ac. STJ de 1988/Jan./13, BMJ 373/279). Mas também se seguiu uma posição mais exigente, ao decidir-se que “não há consumação quando o objecto do furto não entra na esfera patrimonial do agente ou de terceiro, embora aquele tenha actuado com intenção de apropriação e chegue a deslocá-la do local onde se encontra”, assentando que só há consumação quando o objecto subtraído chega a estar na posse do agente em pleno sossego ou em estado de tranquilidade (Ac. STJ de 1982/Nov./23, BMJ 312/316). A meio caminho entre um e outro destes posicionamentos temos aqueles segundo os quais “o crime de furto consuma-se quando o agente tira ou subtrai a coisa da posse do respectivo dono ou detentor, contra a vontade deste, e a coloca na sua própria posse, substituindo-se ao poder de facto sob o qual ela se encontrava” (Ac. STJ de 1990/Nov./21, BMJ 401/234), precisando-se “comete um crime de furto, na forma tentada, o agente que entra numa ourivesaria, se apodera de vários objectos que retira de cima e do interior do balcão e os mete num saco que levava, mas, em virtude de se ter apercebido da presença de agentes da GNR, deixou ficar o saco junto ao balcão, dirigindo-se para a saída, onde foi detido” (Ac. TRCoimbra de 1985/Nov./06, CJ V/48).
A propósito cremos que esta última corrente jurisprudencial é aquela que mais se aproxima da caracterização da subtracção como um acto de desapossamento e em que, consequentemente, passa a existir um novo domínio factual, de modo que ocorrerá a consumação de um crime de furto, quando o agente passa a ter, directa ou indirectamente, a disponibilidade da coisa subtraída. Assim, não basta tocar na coisa ou mesmo o seu apoderamento material sem disponibilidade, em virtude do agente ter sido surpreendido in fragante. E isto mesmo que o agente consiga fugir, desde que seja desde logo perseguido, mantendo-se essa perseguição ininterrupta e de modo que o mesmo não tenha a disponibilidade efectiva, ainda que momentânea, dos objectos de que se pretende apropriar. Para melhor precisar este entendimento, consideramos que se a perseguição tem lugar depois de descoberto o furto, ainda que passados alguns momentos, mas o agente sempre teve a possibilidade de dispor, ainda que hipoteticamente dispor, do que foi por si subtraído, então existe consumação, mas se aquela perseguição se inicia no preciso momento em que aquele se apodera de tais bens, então já haverá tentativa.”
Em anotação ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25/10/2000, publicada na Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 134, Dezembro de 2001, nº3929, pgs. 253/256 (nos termos do qual se discutia se a perseguição, desde logo e de imediato, do arguido por vários populares que o conseguiram deter e recuperar a mala (que o arguido tinha retirado com um forte puxão à ofendida, pondo-se em fuga com a mesma) era uma tentativa de roubo ou um roubo, a maioria do colectivo do STJ decidiu que era roubo, e o Conselheiro Leonardo Dias, em voto de vencido, referiu tratar-se de uma tentativa: “… no momento em que estes factos … ocorreram os bens ainda não se encontravam de uma forma minimamente estável no domínio de facto do arguido”), Faria Costa, sob o título a instantaneidade, a consumação e o crime de furto: alguns equívocos, pugnou, em termos que sufragamos, que, na sua opinião, a razão está, por inteiro, na solução sustentada no voto de vencido. Cfr, ainda, o referido por José Faria Costa, in Comentário Conimbricense do Código Penal Parte Especial Tomo II, Coimbra Editora, Coimbra, 1999, pg. 48 e seguintes, mormente a distinção entre consumação formal e consumação material ou exaurimento.
Como resulta da matéria de facto dada como provado, o arguido praticou actos idóneos à apropriação dos bens. Apoderou-se materialmente dos mesmos (retirou-os do domínio/posse do BB), levando-os consigo. Não só se verificou o efectivo domínio dos bens, com a apropriação, como esse domínio se manteve por algum tempo – de uma forma minimamente estável no domínio de facto do mesmo (volvidos cerca de três minutos após ter retirado os objectos do interior do veículo, o arguido veio a ser interceptado pela Polícia de Segurança Pública, tendo escondido os objectos debaixo de uma viatura) -, dispondo o arguido da posse dos objectos aqui em causa, podendo dar-lhes destino, como destruí-los ou despojar-se deles (no caso, escondendo-os).
Cometeu, pois, o crime na forma consumada.”
Sendo estes os factos, perante eles e com base neles, não temos dúvidas em afirmar que estamos perante um crime consumado de furto e não na forma tentada como é defendido nas alegações de recurso.
Há consumação do crime de furto quando o agente passa a ter, direta ou indiretamente, a disponibilidade da coisa subtraída, como aconteceu no caso concreto, sendo indiferente ou irrelevante que o recorrente tenha tido a sua disponibilidade por apenas 03 minutos.
O recorrente quis abraçar a teoria do sossego ou tranquilidade da posse absolutos, mas este entendimento está afastado pelo mais recente pensamento critico que enferma os nossos tribunais, socorrendo-se da brevidade e escassez do tempo de posse ou disponibilidade, desvalorizando os três minutos.
Porém, isso é irrelevante e o crime consumou-se, pois os três minutos com o domínio da coisa sobre a sua disponibilidade foram mais do que suficientes para perfectibilizar a consumação do crime. O arguido para além de ter retirado os bens do interior do veículo, deslocando-os do sítio onde estavam, ainda os escondeu e acondicionou de baixo de uma viatura com a intenção de mais tarde os ir buscar e dar-lhes o destino que entendesse. Tanto basta para a consumação, que não foi instantânea ou abrupta, pois exigiu por parte do arguido o ato de esconder os bens, tudo durando cerca de 03 minutos.
No caso dos autos, quando foram descobertos os artigos debaixo de automóvel, a subtração já estava completamente realizada pelo arguido não sendo necessário qualquer processo complementar continuado no tempo para sua concretização.
A propósito do entendimento generalizado sobre o assunto ora em debate, transcrevem-se acórdãos indicados pelo Sr. PGA:
Acórdão do T.R.P. - Tribunal da Relação do Porto de 11/04/2018 in www.dgsi.pt:
«Estamos perante um crime consumado de furto se o arguido já estava no espaço público, exterior ao estabelecimento, transportando consigo os objectos de que se apoderara, quando é surpreendido pela polícia e por esse facto volta a entrar no café de onde os retirara».
Acórdão do T.R.E. - Tribunal da Relação de Évora de 29/05/2012 in www.dgsi.pt:
«1. Consuma-se o furto quando o agente se consegue afastar da esfera de actividade patrimonial, de custódia ou de vigilância do dominus, ainda que perseguido venha a ser despojado».
Acórdão do T.R.L. - Tribunal da Relação de Lisboa de 12/05/2015 in www.dgsi.pt:
«1 - Por ser um crime de consumação instantânea, para que o crime de furto esteja consumado, basta a sua mera consumação formal, não sendo necessário verificar-se o exaurimento total do plano do agente, não dependendo da duração de qualquer tempo imprescindível para que se verifique a consumação.
2 – Uma coisa é o apossamento/tomada da posse de coisa alheia, tomando-a como sua, assumindo-se como dono.
Outra a (eventual, necessariamente posterior) recuperação.
- De um lado a assunção da posse, uti domino.
- Do outro a destituição dessa posse/restituição do objecto, por efeito da descoberta, a posteriori, do crime.
3 - O crime ficara consumado com a tomada da posse de coisa alheia pré-intencionada à apropriação, uti domino, sem qualquer título de transmissão do direito.
4 - In casu, o crime de furto atingiu a sua perfeição quando o recorrente logrou, colocar o motor em funcionamento, por ser o momento em que adquire total controlo e domínio sobre o veículo, que lhe permitiu, após efectuar ligação directa, a recolha das patolas do pesado de mercadorias e a sua deslocação do local onde estava estacionado, sendo irrelevante se este logrou ou não concretizar o plano que delineou, uma vez que, como referido supra, este é um crime de consumação instantânea, não sendo, por isso, de exigir, como pretendido pelo recorrente, a posse pacífica da coisa, o que se traduziria in casu, no sentido interpretado pelo mesmo, na fuga bem-sucedida deste.
5 – A deslocação do veículo durante sete metros do local onde se encontrava estacionado, com o motor em funcionamento, demonstra a plena assumpção pelo arguido do veículo como coisa sua.
6 – A pena de 2 (dois) anos de prisão, achada dentro da moldura penal de 2 (dois) a 8 (oito) anos de prisão, é insusceptível de ser reduzida, - não só por corresponder ao mínimo legal aplicável, como pela inexistência de atenuantes significativas, dado que a confissão do arguido é de insignificante relevância, tendo-se o arguido limitado a confessar o que não podia negar dado o flagrante delictu».
Acórdão do T.R.E. - Tribunal da Relação de Évora de 06/09/2011 in www.dgsi.pt:
«I – Para a consumação do crime de furto é suficiente a transferência da disponibilidade da coisa do seu titular para o agente, não sendo necessário que este último detenha a coisa de forma pacífica ou em tranquilidade ou sossego; ou seja, não é necessária a conservação da posse da coisa, em poder do agente, de forma segura, para que se considere verificada a consumação do crime de furto».
Acórdão do T.R.P. - Tribunal da Relação do Porto de 23/06/2021 in www.dgsi.pt:
«I - Existe alguma clivagem doutrinária e jurisprudencial a propósito do momento da consumação do furto, que se traduz em três posições fundamentais:
II - a tese da posse instantânea - doutrina tradicional - que se basta com a consumação formal, sendo suficiente que a coisa subtraída passe para a esfera do poder do agente criminoso para se considerar que ocorreu a efetiva lesão do interesse tutelado, não sendo necessário verificar-se o exaurimento total do plano do agente, nem carecendo a detenção da coisa de qualquer período temporal;
III - a tese da posse pacífica da coisa apropriada exigindo a detenção em pleno sossego ou estado de tranquilidade, encabeçada por Eduardo Correia em reação ao primeiro entendimento citado;
IV - a tese da tendencial estabilidade, surgida mais recentemente, que centra a questão na perda do domínio de facto por parte do anterior fruidor, podendo dizer-se que, em regra, «a subtração se verifica, e o furto se consuma, quando a coisa entra no domínio de facto do agente da infração, com tendencial estabilidade, isto é, não pelo facto de ela ter sido removida do respetivo lugar de origem, mas pelo facto de ter sido transferida para fora da esfera de domínio do seu fruidor pretérito».
V - Deve ser seguida esta terceira orientação, pois é a perda da possibilidade de domínio de facto do prévio detentor sobre a coisa que justifica a consideração da consumação do crime de furto.
VI - No caso em apreço, não chega a consumar-se o crime de furto, pois o arguido, embora tenha logrado extrair os depósitos de dinheiro de quatro máquinas de “vending” e o tenha guardado dentro da mala de que estava munido, acabou por esconder esta mala e respetivo conteúdo no balcão da sala onde se encontrava quando se apercebeu da presença de um vigilante; ou seja, o arguido, embora removendo e ocultando o bem, manteve a quantia monetária aludida na área de intervenção do legítimo possuidor, não logrando alcançar, por tal razão, um efetivo domínio de facto sobre a coisa nem dela podendo usufruir; assim sendo, a conduta que protagonizou não denuncia a prática de factos que revelem a existência de condições para uma "tendencial estabilidade" da efetiva transferência do domínio de facto da coisa do anterior fruidor para o agente».
Acórdão do T.R.G. - Tribunal da Relação de Guimarães de 10/10/2006 in www.dgsi.pt:
«I – A questão trazida ao conhecimento deste Tribunal é tão só a de saber se os factos provados integram a prática, pelo arguido, de um crime de furto qualificado, na forma tentada, como foi considerado na sentença ou antes na forma consumada, como pretende o MºPº recorrente.
II – O “crime matricial” de furto é definido no n°1 do art°203° do C.P., que dispõe: “Quem, com legítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair coisa móvel alheia, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa”.
III – A questão está, pois, em determinar em que momento é que se atinge a consumação do crime, que a lei não precisa e que, por vezes, é muito difícil de precisar.
IV – Sobre a questão tanto a doutrina como a jurisprudência têm-se debruçado frequentemente - (Sobre as várias posições doutrinais e jurisprudenciais vide - José António Barreiros - Crimes contra o Património, pág.35 e seg. e Ac. Do STJ de 27/03/03 - www.dgsi.pt, relatado por Simas Santos ) - sendo que para abreviar diremos, como Faria Costa - (Comentário Conimbricense do Código Penal - Parte Especial - Tomo II, pág.49, §69 ) - que o furto se consuma quando a coisa entra, de uma maneira minimamente estável, no domínio de facto do agente da infracção.
V – Passando ao caso em apreço, ficou provado que o arguido e outro indivíduo não identificado, se introduziram da oficina do ofendido e se dirigiram ao local onde se encontravam as ferramentas de trabalho, colocando no chão da mesma, amontoadas, várias ferramentas e que quando se preparavam para sair levando-as consigo, foram surpreendidos por aquele.
VI – Se bem que ao separar os bens e amontoá-los, o arguido entrou já na sua detenção, retirando-os da esfera patrimonial do dono da oficina, não decorreu aquele mínimo temporal necessário a criar o falado mínimo de estabilidade necessário ao seu efectivo domínio.
VII – Diferente seria se o arguido, embora dentro da oficina, já os tivesse retirado do amontoado.
VIII – Assim sendo, nenhuma censura nos merece a sentença recorrida ao considerar estar-se perante uma tentativa de furto».
Acórdão do T.R.E. - Tribunal da Relação de Évora de 27/06/2017 in www.dgsi.pt:
«I – Para a consumação do crime de furto não é suficiente a remoção da coisa do lugar onde se encontra, exigindo-se a transferência da coisa para fora da esfera de domínio do sujeito passivo;
II – A consumação do crime de furto exige que a coisa entre, de uma maneira minimamente estável, no domínio de facto do agente da infração.
III – Por isso, comete o crime de furto simples, na forma tentada – e não na forma consumada – o arguido que, com o intuito de fazer seus determinados objetos os retira das prateleiras de um hipermercado, os coloca dentro de um saco, passa nas caixas registadoras da loja sem os mostrar a qualquer dos funcionários que aí operam e sem efetuar o respetivo pagamento, tendo, todavia, logo após ter passado as caixas e ter acionado os alarmes existentes nas mesmas, sido abordado pelos seguranças da loja, que o intercetaram e recuperaram os objetos que trazia consigo».
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 07/12/2018 in www.dgsi.pt.:
«I- O facto de o arguido ter confessado integralmente e sem reservas os factos pelos quais foi pronunciado não impede que o tribunal de recurso conheça da impugnação da matéria de facto, quando se trate apenas de factos complementares da própria confissão e que revistam primacial importância, mormente para a qualificação jurídica, caso em que não está em causa neutralizar ou subverte o teor do confessado.
II - A consumação do crime de furto basta-se com a transferência da disponibilidade da coisa do seu titular para o agente e que este a detenha de forma relativamente pacífica ou estável, que não em total segurança.
III - Assim sendo, o momento que marca essa estabilidade nos espaços comerciais é o lugar do pagamento nas respetivas caixas, independentemente de estas constituírem, ou não, o único local previamente determinado para a saída do estabelecimento.
IV - O elemento subjectivo do tipo há de extrair-se a partir da factualidade apurada sita a montante e com recurso a presunções naturais, no seio das quais são necessariamente albergadas as regras da experiência e do normal acontecer, pois que é essa a única forma de poder alcançar-se um tal elemento volitivo que dimana da exteriorizada ressonância do interior da própria pessoa
Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 25/09/2017 in www.dgsi.pt.:
«III) A consumação do furto deve partir da distinção entre "subtração" e "domínio", para se concluir que o crime se consuma quando a coisa entra, de uma maneira minimamente estável, no domínio de facto do agente da infração, ou seja, quando este adquiriu um pleno e autónomo domínio sobre a coisa, sendo que este não é instantâneo domínio de facto, pois exige um mínimo plausível de fruição das utilidades da mesma.
IV) Assim, não se verificará a consumação do furto/roubo quando o agente é surpreendido no momento em que subtrai a coisa, sem existir possibilidade real de disposição dela, ou quando é efetuada uma perseguição sem solução de continuidade (ininterrompida) e coroada de êxito pelo perseguidor. Mas haverá consumação se a perseguição tiver lugar depois de descoberto o furto, isto é, quando o agente pôde hipoteticamente dispor do bem subtraído».
Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 07/06/2016 in www.dgsi.pt.:
«I- Dispensando a consumação do crime de furto a detenção da coisa de forma pacífica, em tranquilidade ou sossego, aquela verifica-se quando a coisa entra, de uma maneira minimamente estável, no domínio de facto do agente da infração.
II - Mesmo a considerar-se que, ao retirarem as placas do telhado e ao amontoá-las no chão junto ao aviário - donde nunca saíram, - o arguido já tivesse entrado na detenção daqueles objectos, nessa situação, não decorreu lapso temporal necessário a criar o mínimo de estabilidade indispensável ao seu efetivo domínio, aspecto que afasta a consumação do crime de furto».
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13/04/2016 in www.dgsi.pt.:
«I– O conceito de subtracção, elemento do tipo objectivo do furto, analisa-se em dois elementos: na perda de detenção por parte do detentor originário e na constituição de uma nova detenção por parte do agente.
II–O momento da constituição da nova detenção divide, de há muito, a doutrina e a jurisprudência. Do simples contacto com a coisa (teoria da “contretação”, do latim “contrectatio”), passando pela colocação da coisa sob o controlo de facto e exclusivo do novo detentor (teoria da apreensão, do latim “amotio”) e pela deslocação da coisa do local de domínio do anterior detentor (teoria da ablação, do latim “ablatio”), até à exigência de que a coisa seja transferida para a esfera de domínio do novo detentor (teoria da ilação, do latim “illatio”), tudo são concepções que historicamente têm sido defendidas, se bem que as duas teorias intermédias sejam as preferidas, em geral, pelos autores e pela jurisprudência.
III–O crime de furto é um daqueles em que a consumação formal, que ocorre no momento da subtracção, não coincide com a consumação material ou terminação, que apenas acontece quando o agente se apropria da coisa, quando ele alcança o seu objectivo último. Trata-se, portanto, de um crime de consumação antecipada.
IV–Do ponto de vista subjectivo, o tipo, para além do dolo, que tem como referência os elementos do tipo objectivo e é admitido em qualquer das suas modalidades, exige a intenção de apropriação, elemento subjectivo que vai para além do tipo objectivo.
V–O crime de furto consuma-se, portanto, quando o agente subtrai dolosamente uma coisa móvel alheia com intenção de vir a apropriar-se dela. É um crime imperfeito de dois actos. Para a consumação basta a prática do primeiro (a subtracção) com a intenção de o próprio agente, num momento posterior, vir a praticar o segundo (a apropriação).
VI–Entre o momento da consumação formal e o da consumação material, ou seja, entre a subtracção e a apropriação, existe um lapso de tempo, mais ou menos longo, tudo dependendo do caso concreto e da concepção que se adoptar quanto ao momento da subtracção».
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 08/05/2013 in www.dgsi.pt.:
«I - Há consumação do crime de furto quando o agente passa a ter, direta ou indiretamente, a disponibilidade da coisa subtraída.
II - Configura um caso de tentativa a atuação do agente que, no interior de um estabelecimento comercial, se apodera de peças de roupa, retira-lhes o alarme, dissimula-as junto da roupa que envergava e de seguida dirige-se para o exterior da loja sem se deslocar à caixa registadora e sem efetuar o pagamento.
III - Se a sentença não especifica o local onde o arguido foi intercetado com os objetos subtraídos, como de resto já sucedia com a acusação, não estamos perante um vício do julgamento mas antes perante uma omissão da descrição factual da acusação, cujo reenvio do processo para novo julgamento poderia conduzir a uma alteração substancial dos factos, pois de uma tentativa do cometimento do crime de furto, como resulta, pelo menos, dos factos provados, sempre se poderia passar para a sua consumação».

Da pena concreta.

O tribunal a quo pronunciou-se neste sentido: “O arguido cometeu, em autoria material e na forma consumada, um crime de furto qualificado, previsto e punido pelo art. 204.º, n.º1, alínea b), do CP.
O ilícito é punido com pena de multa ou com pena de prisão.
Uma vez que a referida norma admite, em alternativa, as penas principais de prisão e de multa, cumpre, em primeiro lugar, proceder à escolha do tipo de pena a aplicar.
Ora, estipula o art. 70.º do CP que “se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o Tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.”
Segundo o critério geral de escolha da pena previsto no mencionado preceito, a opção por pena privativa de liberdade só deverá ser tomada por razões de prevenção especial de socialização, estritamente ligadas à prevenção da reincidência, e/ou por exigências irremediáveis de tutela do ordenamento jurídico, ou à “defesa” da ordem jurídica, no sentido do patamar mínimo das exigências de prevenção geral positiva ou de integração, o desaconselhem, assim, Prof. Figueiredo Dias, in As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial Noticias, 1993, pg. 333.
Apelando aos ensinamentos de Robalo Cordeiro, in Escolha e Medida da Pena, Jornadas de Direito Criminal, CEJ, pg. 237, “determinar se as medidas não institucionais são suficientes para promover a recuperação social do delinquente e dar satisfação às exigências de reprovação e de prevenção do crime não é uma operação abstracta ou atitude puramente intelectual, mas fruto de uma avaliação das circunstâncias de cada situação concreta. Só caso a caso, processo a processo, mediante uma apreciação dos elementos de prova disponíveis, se legitimará uma escolha entre as penas detentivas e não detentivas.”
Os crimes contra o património são dos mais frequentes no País, designadamente no Porto. Impõe-se, assim, a escolha da pena que reafirme de forma eficaz a validade da norma violada, estabilizando comunitariamente o respeito pelo bem jurídico protegido pela norma.
O arguido com 25 anos de idade, a viver com a companheira, sem actividade profissional e com hábitos diários de consumo de haxixe (resina de canábis), já foi condenado, por decisões transitadas em julgado em momento anterior ao dia 14/01/2024, pela prática de dez crimes de condução de veículo sem habilitação legal, um crime de descaminho, um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, quatro crimes de furto qualificado, um crime de violência doméstica, dois crimes de condução perigosa e um crime de detenção de arma proibida – conforme dado como provado em H) a X). Apesar de já ter cumprido penas de prisão – pela prática de crimes de condução de veículo sem habilitação legal, furto qualificado (nos processos n.ºs 8/17.7PDPRT, 902/16.2PPPRT, 259/17.4PDPRT, 453/17.4PFVNG, 4642/20.0T8PRT), de condução perigosa de veículo rodoviário)-, da concessão da liberdade condicional, de ter beneficiado do perdão a que alude o Lei n.º38-A/2023, de 2 de Agosto (nos processos n.ºs 4642/20.0T8PRT e 248/23.0PDPRT), perdões concedidos sob a condição resolutiva de o arguido não praticar infracção dolosa no ano subsequente à entrada em vigor da Lei n.º38-A/2023, de 2 de Agosto - revelam para esse efeito os crimes praticados entre as 0h do dia 01/09/2023 e as 24h do dia 01/09/2024 -, caso em que à pena aplicada à infração superveniente acresce o cumprimento da pena perdoada– art 8.º, n.º1, da Lei n.º38-A/2023 -, o arguido, indiferente ao cumprimento das penas perdoadas/remanescente, voltou a praticar um ilícito criminal, uma infracção dolosa, no ano subsequente à data da entrada da aludida Lei, indiferente a cumprimento das penas perdoadas (de prisão).
Apesar das datas dos factos que originaram as primeiras condenações (2014), das oportunidades – condenações em penas de multa, prisão suspensa na sua execução, concessão de liberdade condicional, perdão-, de já ser conhecedor do mundo da reclusão – esteve privado da liberdade pela prática de vários ilícitos mormente pela prática de crimes de furto qualificado -com reclusão até data próxima -, o arguido, com consumo de substâncias estupefacientes, reitera na prática de ilícitos, sem que as condenações anteriores, transitadas em julgado, o tenham consciencializado do desvalor da sua conduta e, sem por isso, tenha optado pelo comportamento lícito que se lhe impunha.
Paralelamente, ao nível das exigências de prevenção especial - quer na vertente de socialização, quer do ponto de vista admonitório - não pode deixar de concluir-se que as mesmas se manifestam de uma forma muitíssimo premente, nomeadamente pelo facto de o arguido revelar uma clara propensão para delinquir e um indesmentível desrespeito pelas solenes advertências contidas nas anteriores condenações proferidas, inclusive penas detentivas, as quais não foram suficientes para o afastar da actividade delituosa. O arguido tem denotado dificuldades de adequação a regras e a contextos normativos, o que está patente nas condenações crime sofridas.
Apenas a condenação do arguido numa pena de prisão é susceptível de o fazer reflectir sobre a gravidade e perigosidade da sua conduta.
Optar-se-á, pois, pela pena de prisão.
Cabe-nos agora fixar a sua medida:
A pena deve ter como suporte axiológico-normativo uma culpa concreta.
A culpa não constitui, assim, apenas o pressuposto e fundamento da validade da pena, mas traduz-se no seu limite máximo, o que significa que, não só não há pena sem culpa, mas também que a culpa decide da medida da pena como seu limite máximo.
De acordo com a teoria da margem da liberdade, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo já adequado à culpa e um limite máximo ainda adequado à culpa, devendo intervir os outros fins das penas, expressamente consignados no art. 40.º do CP.
A escolha do tipo de pena depende unicamente de considerações de prevenção geral e especial, nada tendo a ver com a determinação da sua medida, a qual depende, essencialmente, da culpa do agente.
Dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva de integração (na qual a pena aplicada ao agente mantém e reforça a confiança da comunidade na validade e eficácia das normas jurídico-penais como instrumento de tutela de bens jurídicos) podem e devem actuar pontos de vista de prevenção especial ou individual (negativa - em que a pena tem como objectivo neutralizar a perigosidade social do agente, exercendo sobre ele um efeito retractivo, mas também visa reinserir socialmente o agente, através da sua adesão aos valores da comunidade, evitando cometer novos crimes – prevenção especial positiva ou de socialização), sendo eles que vão determinar, em último termo, a medida da pena. Esta deve evitar a quebra da inserção social do agente e servir para a sua reintegração na comunidade, só deste modo e, por esta via, se alcançando uma eficácia de protecção dos bens jurídicos, ou seja, o ilícito deve ser valorado em função da gravidade do ataque ao bem jurídico em particular, nomeadamente, os danos ocasionados, a extensão e gravidade dos efeitos produzidos, em suma, o efeito externo, sem esquecer o desvalor do próprio comportamento delituoso.
Concretizando:
Atento o disposto no art. 71.º do CP, dentro da moldura penal abstracta cumpre determinar a medida concreta da pena em função da culpa do agente, tendo ainda em conta, as exigências de prevenção geral e especial e as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele.
Rectius:
A) Em desfavor do arguido milita:
Considerando a forma de actuação, o modo de execução (com demonstração de audácia criminosa), é elevado o grau de ilicitude dos factos;
É mediana, considerando o valor dos bens em causa (de valor elevado), e o facto de terem sido recuperados, os danos verificados – quebra do vidro -, a gravidade das consequências do ilícito; al. a) do n.º2 do art. 71.º - circunstâncias que relevam por via da culpa e da prevenção;
A intensidade do dolo (directo) do agente- o dolo na sua modalidade mais intensa: (al. b) do n.º2 do art. 71.º - releva por via da culpa);
A gravidade da falta de conformação da personalidade do agente com o padrão do homem fiel ao direito, manifestada no facto. O arguido com 25 anos de idade, sem actividade profissional, com hábitos diários de consumo de haxixe, já foi condenado, por decisões transitadas em julgado em momento anterior ao dia 14/01/2024, pela prática de dez crimes de condução de veículo sem habilitação legal, um crime de descaminho, um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, quatro crimes de furto qualificado, um crime de violência doméstica, dois crimes de condução perigosa e um crime de detenção de arma proibida – conforme dado como provado em H) a X). Apesar de já ter cumprido penas de prisão – pela prática de crimes de condução de veículo sem habilitação legal, furto qualificado (nos processos n.ºs 8/17.7PDPRT, 902/16.2PPPRT, 259/17.4PDPRT 453/17.4PFVNG, 4642/20.0T8PRT), de condução perigosa de veículo rodoviário)-, da concessão da liberdade condicional, de ter beneficiado do perdão a que alude o Lei n.º38-A/2023, de 2 de Agosto (nos processos n.ºs 4642/20.0T8PRT e 248/23.0PDPRT), perdões concedidos sob a condição resolutiva de o arguido não praticar infracção dolosa no ano subsequente à entrada em vigor da Lei n.º38-A/2023, de 2 de Agosto - revelam para esse efeito os crimes praticados entre as 0h do dia 01/09/2023 e as 24h do dia 01/09/2024 -, caso em que à pena aplicada à infração superveniente acresce o cumprimento da pena perdoada– art 8.º, n.º1, da Lei n.º38-A/2023 -, o arguido, indiferente às oportunidades, voltou a praticar um ilícito criminal, uma infracção dolosa no ano subsequente à data da entrada da aludida Lei, indiferente a cumprimento das penas perdoadas (de prisão). O arguido revela uma clara propensão para delinquir e um indesmentível desrespeito pelas solenes advertências contidas nas anteriores condenações proferidas/oportunidades concedidas, as quais não foram suficientes para o afastar da actividade delituosa. O arguido tem denotado dificuldades de adequação a regras e a contextos normativos, conforme resulta do seu percurso, das várias condenações sofridas- alínea f) do n.º2 do art. 71.º - releva por via da culpa.
B) Em favor do arguido milita:
O facto de ter confessado os factos, com admissão da materialidade relevante, a inscrição no Centro de Emprego e apoio familiar, revela por via da culpa e da prevenção.
No contexto dos crimes contra o património, as razões de prevenção geral positiva ou de integração, nomeadamente na modalidade de defesa do ordenamento jurídico e de tutela das expectativas comunitárias na validade da ordem jurídica violada, são prementes. Estes crimes são dos mais frequentes no País, designadamente na área desta Comarca. Impõe-se, assim, a escolha da pena que reafirme de forma eficaz a validade da norma violada, estabilizando comunitariamente o respeito pelo bem jurídico protegido pela mesma.
Em termos de prevenção especial, atendendo às aludidas condições do arguido e à existência de vários antecedentes criminais, impõe-se medidas elevadas de reeducação.
Atendendo ao modo como foram recuperados os citados bens, nos termos aludidos, há que concluir que não se verificou restituição (parcial) das coisas apropriadas, nos termos e para os efeitos do artigo 206.º, n.º3, do CP, pois que a sua entrega ao BB foi resultado de apreensão policial e, por conseguinte, não corresponde a um acto da iniciativa do arguido. Se a reparação for parcial, o Juiz atenuará especialmente a pena se se provar que, apesar do carácter somente parcial – se ocorrer em circunstâncias tais que, considerada a imagem global do facto, diminua de forma acentuada, nos termos do artº 73.º, n.º1, do CP, a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena – cfr, entre outros, o decidido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07/11/2002, processo n.º02P3197 , n.º convencional JSTJ000, Relator Dr Pereira Madeira, disponível para consulta em www.dgsi.pt.
O dado como provado - que fornece uma imagem global do facto- não revela uma acentuada diminuição da necessidade da pena que justifique a sua atenuação especial: os antecedentes criminais do arguido respeitam, também, à prática de crimes contra o património. Não é possível reconhecer uma atitude pessoal do agente de reingresso aos valores da ordem jurídica, reconhecendo a esta a sua validade e o mal do crime por si praticado. Não revelou esforço merecedor de uma atenuação especial da pena. Não se deram como provados actos «demonstrativos de arrependimento sincero do agente, nomeadamente a reparação, até onde lhe era possível, dos danos causados», previsto no artigo 72.º, n.º2, alínea c), do CP.
Na verdade, a jurisprudência tem sido exigente na aplicação deste preceito penal, limitando a atenuação especial da pena a casos extraordinários ou excepcionais de acentuada diminuição da ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena - Cfr. entre outros, o decidido nos Acórdãos do STJ de 12/07/2006, processo n.º06P796, e de 25/10/2006, proc. n.º 06P1286, ambos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt/jstj.
Acerca do pressuposto material da atenuação da pena, escreve o Prof. Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, as consequências jurídicas do crime, Noticias editorial, pgs. 306 e 307, que “a diminuição da culpa ou das exigências da prevenção só poderá, por seu lado, considerar-se acentuada quando a imagem global do facto, resultante da(s) circunstância(s) atenuante(s) , se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo. Por isso, tem plena razão a nossa jurisprudência – e a doutrina que a segue – quando insiste em que a atenuação especial só em casos extraordinários ou excepcionais pode ter lugar: para a generalidade dos casos, para os «casos normais» , lá estão as molduras penais normais , com os seus limites máximo e mínimo próprios.”. Direito Penal Português, as consequências jurídicas do crime”, noticias editorial, pgs. 306 e 307.
Como se disse, perante a imagem global do facto, não estamos perante a aludida gravidade “tão diminuída”, e, consequentemente, não é, pois, de atenuar a pena.
Considerando, a moldura penal abstracta prevista para o crime de furto qualificado, na forma consumada, na opção de pena de prisão (a fixar entre um mês, o limite mínimo é o que decorre do art. 41.º, n.º1, do CP, e os cinco anos – art. 204.º, n.º1, do mesmo diploma), não havendo lugar à atenuação da pena, ponderadas todas as circunstâncias referidas supra, julgo adequada uma pena de um ano e seis meses de prisão – dezoito meses.
Quanto à substituição da pena de prisão por trabalho a favor da comunidade:
Dispõe o artigo 58.º do CP:
“1 - Se ao agente dever ser aplicada pena de prisão não superior a dois anos, o tribunal substitui-a por prestação de trabalho a favor da comunidade sempre que concluir, nomeadamente em razão da idade do condenado, que se realizam, por este meio, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição.
2 - A prestação de trabalho a favor da comunidade consiste na prestação de serviços gratuitos ao Estado, a outras pessoas colectivas de direito público ou a entidades privadas cujos fins o tribunal considere de interesse para a comunidade.
3 - Para efeitos do disposto no n.º 1, cada dia de prisão fixado na sentença é substituído por uma hora de trabalho, no máximo de 480 horas.
4 - O trabalho a favor da comunidade pode ser prestado aos sábados, domingos e feriados, bem como nos dias úteis, mas neste caso os períodos de trabalho não podem prejudicar a jornada normal de trabalho, nem exceder, por dia, o permitido segundo o regime de horas extraordinárias aplicável.
5 - A pena de prestação de trabalho a favor da comunidade só pode ser aplicada com aceitação do condenado.
6 - O Tribunal pode ainda aplicar ao condenado as regras de conduta previstas nos n.os 1 a 3 do artigo 52.º, sempre que o considerar adequado a promover a respectiva reintegração na sociedade.”
Ao arguido deve ser aplicada uma pena de prisão que não é superior a dois anos, no caso, um ano e seis meses de prisão – dezoito meses.
O arguido tem 25 anos de idade e não lhe são conhecidos problemas de saúde que o impeçam de trabalhar.
O arguido aceitou prestar trabalho a favor da comunidade, condição necessária à aplicação desta reacção penal – art. 58.º, n.º5, do CP.
Sem prejuízo.
No que diz respeito à prevenção geral são consistentes/elevadas as necessidades respectivas, atendendo ao elevado número de crimes de natureza idêntica ao que constitui objecto dos presentes autos, à natureza do mesmo, constituindo um motivo de grande preocupação para a comunidade, a fazerem elevar as exigências de prevenção geral.
O arguido com 25 anos de idade, a viver com a companheira, inscrito no Centro de Emprego, sem actividade profissional e com hábitos diários de consumo de haxixe, já foi condenado, por decisões transitadas em julgado em momento anterior ao dia 14/01/2024, pela prática de dez crimes de condução de veículo sem habilitação legal, um crime de descaminho, um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, quatro crimes de furto qualificado, um crime de violência doméstica, dois crimes de condução perigosa e um crime de detenção de arma proibida – conforme dado como provado em H) a X). Apesar de já ter cumprido penas de prisão – pela prática de crimes de condução de veículo sem habilitação legal, furto qualificado (nos processos n.ºs 8/17.7PDPRT, 902/16.2PPPRT, 259/17.4PDPRT, 453/17.4PFVNG, 4642/20.0T8PRT), de condução perigosa de veículo rodoviário)-, da concessão da liberdade condicional, de ter beneficiado do perdão a que alude o Lei n.º38-A/2023, de 2 de Agosto (nos processos n.ºs 4642/20.0T8PRT e 248/23.0PDPRT), perdões concedidos sob a condição resolutiva de o arguido não praticar infracção dolosa no ano subsequente à entrada em vigor da Lei n.º38-A/2023, de 2 de Agosto - revelam para esse efeito os crimes praticados entre as 0h do dia 01/09/2023 e as 24h do dia 01/09/2024 -, caso em que à pena aplicada à infração superveniente acresce o cumprimento da pena perdoada– art 8.º, n.º1, da Lei n.º38-A/2023 -, o arguido, indiferente, voltou a praticar um ilícito criminal, uma infracção dolosa no ano subsequente à data da entrada da aludida Lei, indiferente a cumprimento das penas perdoadas (de prisão).
Tendo presentes as assinaladas necessidades preventivas, apesar dos benefícios da pena de substituição (facilitando a manutenção de laços positivos com a sociedade que também é chamada a fornecer o trabalho, beneficiando com o seu produto e com a correspondente diminuição dos encargos económicos que representa a pena de prisão - cfr, ainda, o decidido no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 08/03/2019, processo n.º299/17.3GBPRD.P1, n.º convencional JTRP000, Relator Dr Willian Themudo Gilman, disponível para consulta em www.dgsi.pt) mas tendo, simultaneamente, em consideração as características próprias da prestação de trabalho a favor da comunidade, e a personalidade do arguido (vincadamente desviante e resistente às sanções penais), a aplicação ao arguido – com clara propensão para delinquir - desta reacção penal prevista no artigo 58.º do CP como alternativa ao cumprimento de uma pena de prisão efectiva, não é susceptível de fazer face àquelas necessidades.
Não é de substituir a pena de prisão por trabalho a favor da comunidade.
Não obstante a gravidade da conduta do arguido, tem o Tribunal o poder dever de equacionar a possibilidade de suspensão da execução da pena de prisão.
Dispõe o art 50.º do CP:
“1- O Tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos, se atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da prevenção.
2- (…).
3- (…).
4-(…).
5- O período de suspensão é fixado entre um e cinco anos.”
É consabido que o art. 50.º do CP reflecte um poder-dever que se impõe ao Tribunal, caso estejam verificados os pressupostos - formal (condenação em pena de prisão não superior a cinco anos) e material.
Tal como escreve Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, Parte Geral, Vol. II, Lisboa, 1993, pg. 342 e Velhas e Novas Questões sobre a Pena de Suspensão da Execução da Pena, Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 124, pg. 68, pressuposto material da aplicação do instituto é que o Tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente (…)», sendo que, «(…) na formulação do aludido prognóstico, o Tribunal reporta-se ao momento da decisão, não ao momento da prática do facto (…).
A finalidade político-criminal do instituto da suspensão é clara e terminante: o afastamento do delinquente da prática de novos crimes e não qualquer “correcção”, “melhora” ou - ainda menos – “metanóia” das concepções daquele sobre a vida e o mundo. É em suma, como exprime Zipf, uma questão de “legalidade” e não de “moralidade” que aqui está em causa. Ou, como porventura será preferível dizer, decisivo é aqui o “conteúdo mínimo” da ideia de socialização, traduzida na “prevenção de reincidência”, Figueiredo Dias, ob. cit.
Assim, a decisão de suspender a execução da pena deve ter na base uma prognose favorável ao arguido, isto é, a esperança de que ele assimilará a advertência que a condenação implica e que será desencorajado de cometer novos crimes. Não se trata, portanto, de uma certeza de que tal irá ocorrer. Há, por isso, um risco. O que está em causa não é qualquer infalibilidade, mas a esperança fundada de que a socialização em liberdade possa ser lograda. Subjacente à decisão de suspender a execução ode uma pena de prisão está uma prognose social favorável ao agente, baseada num risco prudencial (Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 25/05/06, processo n.º695/05-1, Relator Dr. António Eleutério, disponível para consulta em www.dgsi.pt). No juízo de prognose deve o Tribunal atender, no momento da elaboração da sentença, à personalidade do agente (designadamente ao seu carácter e inteligência), às condições da sua vida (inserção social, profissional e familiar, por exemplo), à sua conduta anterior e posterior ao crime (ausência ou não de antecedentes criminais e, no caso de os ter já, se são ou não da mesma natureza e tipo de penas aplicadas), bem como, no que respeita à conduta posterior ao crime, designadamente, à confissão aberta e relevante, ao seu arrependimento, à reparação do dano ou à prática de actos que obstem ao cometimento futuro do crime em causa) e às circunstâncias do crime (como as motivações e fins que levam o arguido a agir) – cfr, entre outros, o decidido no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 29/11/2017, processo n.º202/16.8PBCVL.C1, Relator Dr Orlando Gonçalves, disponível para consulta em www.dgsi.pt).
O arguido foi condenado na pena de um ano e seis meses de prisão, ficando, desde logo preenchido, o pressuposto formal de que depende a aplicação do regime do art. 50.º.
Há, pois, que aferir do pressuposto material.
O crime aqui em causa – crime patrimonial - assume gravidade.
O arguido com 25 anos de idade, a viver com a companheira, sem actividade profissional, inscrito no Centro de Emprego e com hábitos diários de consumo de haxixe, já foi condenado, por decisões transitadas em julgado em momento anterior ao dia 14/01/2024, pela prática de dez crimes de condução de veículo sem habilitação legal, um crime de descaminho, um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, quatro crimes de furto qualificado, um crime de violência doméstica, dois crimes de condução perigosa e um crime de detenção de arma proibida – conforme dado como provado em H) a X). Apesar de já ter cumprido penas de prisão – pela prática de crimes de condução de veículo sem habilitação legal, furto qualificado (nos processos n.ºs 8/17.7PDPRT, 902/16.2PPPRT, 259/17.4PDPRT, 453/17.4PFVNG, 4642/20.0T8PRT), de condução perigosa de veículo rodoviário)-, da concessão da liberdade condicional, de ter beneficiado do perdão a que alude o Lei n.º38-A/2023, de 2 de Agosto (nos processos n.ºs 4642/20.0T8PRT e 248/23.0PDPRT), perdões concedidos sob a condição resolutiva de o arguido não praticar infracção dolosa no ano subsequente à entrada em vigor da Lei n.º38-A/2023, de 2 de Agosto - revelam para esse efeito os crimes praticados entre as 0h do dia 01/09/2023 e as 24h do dia 01/09/2024 -, caso em que à pena aplicada à infração superveniente acresce o cumprimento da pena perdoada– art 8.º, n.º1, da Lei n.º38-A/2023 -, o arguido, indiferente, voltou a praticar um ilícito criminal, uma infracção dolosa no ano subsequente à data da entrada da aludida Lei, indiferente a cumprimento das penas perdoadas (de prisão).
Apesar da integração familiar, o certo é que o arguido mantém permeabilidade às influências, aos contextos e às oportunidades criminais. Tem vários antecedentes criminais – já praticou e foi condenado pela prática de vários ilícitos mormente contra o património -, uma personalidade vincadamente desviante e resistente às sanções penais. Não são conhecidas quaisquer circunstâncias – seguras - que nos permitam concluir que o arguido – com consistência – pretende, agora, investir, trilhar um caminho distinto. É possível concluir que são elevadas as imposições de prevenção especial, devendo ser levadas na direcção da prevenção da reincidência, de modo a obter, na melhor medida possível, um reencontro do agente com os valores comunitários afectados, e a orientação da sua vida no futuro de acordo com tais valores. Apesar de já ser conhecedor do mundo da reclusão – cumprimento de pena de prisão até data próxima, - não se coibiu de praticar outro ilícito criminal (contra o património).
Tudo conjugado tem que se concluir que não é possível ao Tribunal fazer um juízo de prognose favorável em ordem a acreditar que a censura do facto e a ameaça da pena para afastar o arguido da criminalidade, principalmente no que se refere aos crimes contra o património. Efectivamente, nada permite afirmar a capacidade do arguido de sentir essa ameaça, a exercer sobre si o efeito contentor, em caso de situação parecida, e a capacidade de vencer a vontade de não voltar a não praticar ilícitos. Aliás, como refere o Prof. Figueiredo Dias, in ob. cit, pg. 344 a 345, … havendo, porém, razões sérias para duvidar da capacidade do agente de não repetir crimes, se for deixado em liberdade, o juízo de prognose deve ser desfavorável e a suspensão negada. Não vislumbramos motivos para justificar a suspensão da execução da pena de prisão. Caso contrário, estar-se-ia a alimentar um mau sentimento de impunidade!
Não está, pois, verificado o requisito material.
Não é, pois, de suspender a execução da pena de prisão aplicada.
Quanto ao cumprimento da pena de prisão em regime de permanência na habitação:
Prescreve o artigo 43.º do CP:
“1 - Sempre que o Tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão e o condenado nisso consentir, são executadas em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância:
a) A pena de prisão efetiva não superior a dois anos;
(…) .”
Conforme se referiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 24/01/2018, processo n.º50/17.8GBTCS.C1, Relatora Dra. Helena Bolieiro, disponível para consulta em www.dgsi.pt, com a entrada em vigor da Lei nº94/2017, de 23/08/2017, o legislador veio prever a possibilidade de cumprimento da pena de prisão em regime de permanência na habitação – forma de execução ou cumprimento da pena de prisão. Seguindo de perto o ali referido “conforme se assinala na exposição de motivos da proposta que esteve na origem da referida Lei n.º 94/2017, de 23 de Agosto (Cf. Proposta de Lei n.º 90/XIII, cujo texto se encontra disponível em https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=41417), pretendeu-se clarificar, estender e aprofundar o existente regime de permanência na habitação, conferindo-lhe um papel político-criminal de relevo. Vincando-se, por um lado, a sua natureza de regime não carcerário de cumprimento da pena curta de prisão e alargando-se, por outro, a possibilidade da sua aplicação aos casos em que a prisão é concretamente fixada em medida não superior a dois anos, quer se trate de prisão aplicada na sentença, de prisão resultante do desconto previsto nos artigos 80.º a 82.º do Código Penal, ou de prisão decorrente da revogação de pena não privativa de liberdade ou do não pagamento da multa previsto no n.º 2 do artigo 45.º do mesmo diploma. Não obstante, como também ali se refere, o procedimento anteriormente vigente em matéria de aplicação de penas à pequena criminalidade não foi substancialmente alterado. O juiz continuará a proceder a uma dupla operação, sendo que, uma vez verificado que tem perante si um crime provado e concretamente punido com pena de prisão até dois anos, começará por determinar se é adequada e suficiente às finalidades da punição alguma pena de substituição (multa, suspensão da execução, trabalho a favor da comunidade) ou se é necessário aplicar a pena de prisão. Nesta última hipótese, ficam à sua disposição duas possibilidades de execução, pela ordem seguinte: ou em regime de permanência na habitação, ou dentro dos muros da prisão, em regime contínuo. “Cfr, ainda, o referido por Maria João Antunes, in Penas e Medidas de Segurança, Almedina, Coimbra, 2018 – Reimpressão, pg. 90. Cfr, ainda, a Tese de Mestrado “A Nova Tipologia do Regime de Permanência na Habitação, Especificidades de um incidente de execução, de 31/10/2018,” de André Ribeiro, disponível para consulta em https://eg.uc.pt›bitstream›TeseAndreRibeiro.
Pois bem.
O regime de permanência na habitação - forma de cumprimento/execução de cumprimento da pena de prisão - exige para a sua aplicação a verificação de requisitos formais traduzidos:
- na condenação em pena de prisão inferior a dois anos;
- que o arguido preste o consentimento – art. 43.º, n.º1, do CP;
- possibilidade de instalação dos meios técnicos de controlo à distância – nos termos do disposto no artigo 19.º da Lei n.º33/2010, de 02 de Setembro, alterada pela Lei n.º94/2017, de 23/08, “se do processo não resultar a informação necessária para a execução da pena de prisão em regime de permanência na habitação, referida na alínea b) do artigo 1.º, o Tribunal solícita aos serviços de reinserção social a informação prévia prevista no n.º 2 do artigo 7.º [o juiz solicita prévia informação aos serviços de reinserção social sobre a situação pessoal, familiar, laboral e social do arguido ou condenado, e da sua compatibilidade com as exigências da vigilância eletrónica e os sistemas tecnológicos a utilizar]” – com consentimento das pessoas maiores de 16 anos que coabitem com o arguido – art. 4.º, n.º4, da Lei n.º33/2010, de 2 de Setembro, com as alterações introduzidas pela Lei n.º94/2017, de 23 de Agosto (ainda como requisito formal – cfr, o decidido no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 08/03/2017, processo n.º64/16.5GAVLC.P1, Relatora Dra Maria Ermelinda Carneiro, disponível para consulta em www.dgsi.pt - ou instrumental (cfr. o decidido no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 15/02/2018, processo n.º559/14.5PBMTS.P1, n.º convencional JTRP000, Relator Dr. José Carreto, disponível para consulta em www.dgsi.pt).
Importa, ainda, considerar um pressuposto de ordem material consubstanciado na adequação e suficiência do referido regime às finalidades da punição, sendo, portanto, a sua escolha determinada exclusivamente por razões de prevenção – geral (prevenção geral positiva ou de integração, nomeadamente na modalidade de defesa do ordenamento jurídico e de tutela das expectativas comunitárias na validade da ordem jurídica violada) e especial (na função positiva de socialização, seja, em qualquer uma das funções negativas subordinadas, de advertência individual ou de segurança). A execução em regime de permanência na habitação da pena de prisão aplicada ao condenado servirá para o preparar para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes – e sem que, por esta via, se coloque, irremediavelmente, em causa a confiança da generalidade dos cidadãos na validade da norma violada, na norma que criminaliza a apropriação de bens alheios ou, inversamente, só o cumprimento da pena de prisão dentro do Estabelecimento Prisional servirá para atingir tais fins? Terá a virtualidade de contribuir para a ressocialização do arguido, mantendo-o no meio familiar securizante onde se encontra integrado – no meio conhecido?
O arguido foi condenado numa pena inferior a dois anos: um ano e seis meses.
O arguido declarou que aceita cumprir a pena de prisão em regime de permanência na habitação (fls 130)– condição necessária (art. 43.º, n.º1, do CP) – sem necessidade de se dar como provado tal circunstancialismo – cfr, quanto ao que deve constar na fundamentação de facto, o aludido por Sérgio Poças, in Da Sentença Penal: Fundamentação de Facto, Julgar n.º3, 2007, disponível para consulta http://julgar.pt.
A DGRSP elaborou a informação com junção do consentimento (art. 19.º da Lei n.º33/2010, de 02 de Setembro, com as alterações introduzidas pela Lei n.º94/2017, de 23 de Agosto). Em virtude de o fornecimento de electricidade não se encontrar regularizado – não é liquidado qualquer valor -, não é possível instalar os meios técnicos (dependentes do fornecimento de energia eléctrica – de forma lícita).
Sem prejuízo, importa referir que:
O arguido com 25 anos de idade, a viver com a companheira, sem actividade profissional, inscrito no Centro de Emprego e com hábitos diários do consumo de haxixe, já foi condenado, por decisões transitadas em julgado em momento anterior ao dia 14/01/2024, pela prática de dez crimes de condução de veículo sem habilitação legal, um crime de descaminho, um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, quatro crimes de furto qualificado, um crime de violência doméstica, dois crimes de condução perigosa e um crime de detenção de arma proibida – conforme dado como provado em H) a X). Apesar de já ter cumprido penas de prisão – pela prática de crimes de condução de veículo sem habilitação legal, furto qualificado (nos processos n.ºs 8/17.7PDPRT, 902/16.2PPPRT, 259/17.4PDPRT 453/17.4PFVNG, 4642/20.0T8PRT), de condução perigosa de veículo rodoviário)-, da concessão da liberdade condicional, de ter beneficiado do perdão a que alude o Lei n.º38-A/2023, de 2 de Agosto (nos processos n.ºs 4642/20.0T8PRT e 248/23.0PDPRT), perdões concedidos sob a condição resolutiva de o arguido não praticar infracção dolosa no ano subsequente à entrada em vigor da Lei n.º38-A/2023, de 2 de Agosto - revelam para esse efeito os crimes praticados entre as 0h do dia 01/09/2023 e as 24h do dia 01/09/2024 -, caso em que à pena aplicada à infração superveniente acresce o cumprimento da pena perdoada– art 8.º, n.º1, da Lei n.º38-A/2023 -, o arguido, indiferente, voltou a praticar um ilícito criminal, uma infracção dolosa, no ano subsequente à data da entrada da aludida Lei, indiferente a cumprimento das penas perdoadas (de prisão).
O historial das condenações anteriores sofridas, por decisões transitadas em julgado em momento anterior ao dia 14/01/2024, revela uma postura avessa aos valores ético-jurídicos tutelados pelo direito penal, com menosprezo pelos bens jurídicos preservados pelos ilícitos em questão, dos quais se destacam os apontados crimes contra o património (já sofreu quatro condenações anteriores – já cumpriu penas de prisão). Realidade que se adensa ainda mais se atentarmos à circunstância de o arguido, indiferente ao cumprimento das penas perdoadas/remanescente, ter praticado mais uma infracção penal dolosa no ano subsequente à data da entrada da aludida Lei n.º38-A/2023. Não hesitou em voltar a conduzir, indiferente às advertências feitas, às oportunidades que lhe foram dadas, e sem intenção de mudar os comportamentos adaptando-os, como lhe compete, às exigências da ordem jurídica. Apesar de não serem conhecidos indícios de rejeição social, o certo é que a conduta delituosa do arguido evidencia uma personalidade indiferente às várias condenações anteriormente sofridas.
Ora, uma personalidade assim avessa às imposições jurídico-penais – de que são reflexo os antecedentes criminais (as condenações sofridas), os comportamentos adoptados, que não só revela indiferença face às condenações anteriormente sofridas, à oportunidade concedida, como compromete qualquer prognóstico de adesão à obrigação que caracteriza o regime de permanência na habitação, inviabiliza o juízo favorável no sentido de que esta forma de execução/cumprimento da pena de prisão satisfaz as necessidades de prevenção especial. Permitir que a pena de prisão seja executada em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, embora sujeito aos inconvenientes (depois do cumprimento de várias penas de prisão efectivas, mormente pela prática de crimes de furto qualificado), seria permitir ao arguido continuar a acreditar que existe sempre mais uma oportunidade, sendo que, até agora, as inúmeras concedidas não as soube aproveitar. Inexistem fundamentos para o condenar numa segunda pena de prisão a executar em regime de permanência na habitação.
Mesmo que no caso de entenda que se trata de uma pena curta, entende-se ser este um caso paradigmático do efeito “Sharp short, scock”, de cumprimento efectivo da pena de prisão no Estabelecimento Prisional - Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, pg. 360, pronuncia-se sobre o efeito de Sharp-short-shock “uma pena de prisão curta … seria necessária e útil em alguns casos, como única forma de convencer o agente da gravidade do crime praticado e, mesmo, de estabilizar as expectativas comunitárias na manutenção da validade da norma infringida” -contribuindo para que o arguido se consciencialize quanto à gravidade das suas condutas e consequências daí decorrentes e se afaste – de futuro – da prática de novos crimes.
Não é, pois, possível determinar o cumprimento/execução da pena de prisão em regime de permanência na habitação.
A pena a cumprir deve sê-lo no Estabelecimento Prisional.”

A decisão a quo mostra-se acertada e devidamente ponderada.
O tribunal teve em conta em conta a culpa do agente e as exigências de prevenção, conforme as orientações jus vinculativas apontadas pela disciplina contida no preceituado do artigo 71.º, n.º 1, do Código Penal – C.P. E conforme o disposto no artigo 71.º, n.º 2, do Código Penal – C.P.. o julgador a quo ponderou o grau de ilicitude do facto, o seu modo de execução, a gravidade das suas consequências, a grau de violação dos deveres impostos ao agente, a intensidade do dolo ou da negligência, os sentimentos manifestados no cometimento do crime, a motivação do agente, as condições pessoais e económicas do agente, a conduta anterior e posterior ao facto, e a falta de preparação do agente para manter uma conduta lícita. Como se deixou lavrado no Acórdão do T.R.L. - Tribunal da Relação de Lisboa de 17.09.2019 (proc. nº 5979/18.3T9SNT.L1-5) “As circunstâncias e os critérios do artigo 71.º do Código Penal têm a função de fornecer ao juiz módulos de vinculação na escolha da medida da pena; tais elementos e critérios devem contribuir tanto para codeterminar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (circunstâncias pessoais do agente; a idade, a confissão; o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objetivas para apreciar e avaliar a culpa do agente.
Por sua vez, o tribunal de recurso deve intervir na alteração da pena concreta apenas quando se justifique uma alteração minimamente significativa, isto é, quando se evidencie que foi aplicada, sem fundamento, com desvios aos citérios legalmente apontados.
De referir, a este propósito, que as expectativas da comunidade ficariam goradas, a confiança na validade das normas esvair-se-ia, se a medida concreta da pena não possuísse o rigor adequado à proteção dos bens jurídicos e à reintegração do agente na sociedade, respeitando sempre o limite de culpa – vide neste sentido o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01/04/1998, “in” CJ – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça – S.T.J. - Ano VI – Tomo 2, pág. 175 e seguintes.
A pena tem de ser suficientemente expressiva e robusta de molde a levar o arguido a ponderar futuramente o que consigo se passou, avaliando interiormente a condenação de que foi alvo e não volte a reincidir.
Vide, entre outros, o Acórdão do T.R.E. - Tribunal da Relação de Évora de 13/09/2022 in www.dgsi.pt: «III. A função preventiva das penas exige um sacrifício real para o condenado, visando a interiorização do agente em relação ao juízo de censura imanente à conduta delituosa, assim se apaziguando o sentimento de necessidade de realização», respeitando-se o limite da culpa, pois que, “se uma pena de medida superior à da culpa é injusta, uma pena insuficiente para satisfazer os fins de prevenção constitui um desperdício” - cfr. o Acórdão do T.R.C. - Tribunal da Relação de Coimbra de 10/03/2010, in www.dgsi.pt27.
Em face das plúrimas condenações de que o arguido foi alvo anteriormente a esta de que agora recorre, tudo indica que o arguido não interiorizou, nem valorizou, as penas anteriormente aplicadas, as quais não encontrou nele qualquer eco ou ressonância, sendo completamente desvalorizadas, assim demonstrando a sua falência quanto a terem sido, ou poderem ser alcançadas, através dela, as finalidades que lhe estavam legalmente atribuídas.
É inegável que registo verificado no passado foi de incumprimento para com a sociedade e não podemos esperar que recorrente cumpra aquilo que já incumpriu. Pode-se dizer que no caso do recorrente para além de não ter corrigido o erro, praticou outros e outros e outros. Com efeito a esse nível, os antecedentes judiciários (criminais) do arguido são demasiado impressivos e relevantes. Com efeito, parece indesmentível que esse passado criminal e a prática dos factos revelarão uma incapacidade pessoal notória por parte do recorrente para adotar uma conduta normativa, antes revelando uma personalidade tendencialmente desviante, indiferente ao sistema judicial e às condenações sofridas, que só a pena de prisão efetiva poderá contrariar.
Vide, Acórdão do T.R.L. - Tribunal da Relação de Lisboa de 15/09/2021 in www.dgsi.pt:
«Se os antecedentes criminais constantes do CRC do arguido, demonstram à saciedade que as várias condenações que já sofreu, não foram suficientes para o demover da prática de crimes, não pode existir um juízo de prognose favorável a uma suspensão da execução da pena».
Acórdão do T.R.P. - Tribunal da Relação do Porto de 10/01/2024 in www.dgsi.pt:
«III - Em reflexo dos antecedentes criminais do arguido pode ser decisiva a consideração de que o mesmo denota elevadas carências de socialização, no que concerne à prevenção da reincidência de crimes em geral, especialmente manifestada pela sua evidente incapacidade de se deixar influenciar pelas penas previamente aplicadas, subsistindo um elevado risco de repetição deste tipo de crimes e outros».
Revela ainda uma manifesta falta de preparação para manter uma conduta lícita acompanhada por uma comprovada falta de sensibilidade à pena e de suscetibilidade de por ela ser influenciado, e, em consequência, de elevadas necessidades de socialização de reeducação para o Direito.
A decisão a quo possui o rigor adequado à proteção intransigente dos bens jurídicos violados e alavanca com seriedade a reintegração do agente na sociedade, respeitando ainda, escrupulosamente, o limite de culpa.
O tribunal recorrido soube escolher e quantificar a reação jurídico criminal que se impunha.
Também a pena concretamente aplicada situa-se dentro dos patamares admissíveis de justiça, equilíbrio, bom senso e equidade (não sendo impeditiva da sua ressocialização), sendo certo que, como é hoje jurisprudência dominante, pequenas divergências na fixação da pena concreta não devem, em princípio, ser fundamento para a sua alteração pelo Tribunal de recurso que, ao contrário do Tribunal a quo, não beneficiou da imediação e oralidade (neste sentido, lê-se no Acórdão do S.T.J. – Supremo Tribunal de Justiça de 12-07-2018, Proc. n.º 116/15.9 JACBR.C1.S1, «o recurso não visa nem pretende eliminar alguma margem de atuação, de apreciação livre, reconhecida ao tribunal de primeira instância enquanto componente individual do ato de julgar». Aliás, como é sabido, a atividade judicial de determinação e escolha da pena, principal, acessória ou de substituição e o seu doseamento, não é independente ou alheia às condições especificas de imediação e oralidade comunicantes que o tribunal recorrido beneficiou e em relação às quais este T.R.P. - Tribunal da Relação do Porto se encontra mais distante.
Vide Acórdão do T.R.L. - Tribunal da Relação de Lisboa de 26/04/2023 in www.dgsi.pt:
«–A intervenção do Tribunal da Relação na medida da pena apenas deve ter lugar quando exista uma situação de desproporcionalidade na fixação da pena ou necessidade de correcção dos critérios de determinação da pena concreta, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso.
–Se a pena fixada na decisão recorrida, em todas as suas componentes, ainda se revelar proporcionada e se mostrar determinada no quadro dos princípios e normas legais e constitucionais aplicáveis, não deverá ser objecto de qualquer correcção por parte do Tribunal da Relação».
«No que respeita à decisão sobre a pena, mormente à sua medida, começa por lembrar-se que os recursos não são rejulgamentos da causa, mas tão só remédios jurídicos. Assim, também em matéria de pena o recurso mantém o arquétipo de remédio jurídico.
Daqui resulta que o tribunal de recurso intervém na pena, alterando-a, quando detecta incorreções ou distorções no processo aplicativo desenvolvido em primeira instância, na interpretação e aplicação das normas legais e constitucionais que regem a pena. Não decide como se o fizesse ex novo, como se inexistisse uma decisão de primeira instância. O recurso não visa, não pretende e não pode eliminar alguma margem de atuação, de apreciação livre, reconhecida ao tribunal de primeira instância enquanto componente individual do ato de julgar.
A sindicabilidade da medida concreta da pena em via de recurso, abrange a determinação da pena que desrespeite os princípios gerais respetivos, as operações de determinação impostas por lei, a indicação e consideração dos factores de medida da pena, mas “não abrangerá a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exato de pena, exceto se tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada”» - Decisão sumária datada de 14/09/2023 proferida no âmbito do Processo Comum Coletivo n.º 320/18.8T9AGD.P1 deste T.R.P. - Tribunal da Relação do Porto.
Acórdão do T.R.P. - Tribunal da Relação do Porto de 10/01/2024 in www.dgsi.pt:
«I - A simples questão do quantum exacto das penas só deve ser objecto de alteração em recurso se tiver ocorrido violação das regras da experiência ou se se verificar desproporção da quantificação efectuada».
Da suspensão.
A nossa jurisprudência tem vindo a acentuar que a SUSPENSÃO DA PENA é uma medida penal de conteúdo pedagógico e reeducativo que pressupõe uma relação de confiança entre o tribunal e o arguido, estando na sua base um juízo de prognose social favorável ao condenado (cfr. Acórdão do S.T.J. – Supremo Tribunal de Justiça de 9/01/2002 - Recurso n.º 3026/2001-3.ª - em http://www.stj.pt). Tal juízo deverá assentar num risco de prudência entre a reinserção e a proteção dos bens jurídicos violados, refletindo-se sobre a personalidade do agente, as suas condições de vida, a sua conduta ante et post crimen e sobre todo o circunstancialismo envolvente da infração.
Consagra-se um poder-dever, ou seja, um poder vinculado do julgador, que terá de decretar a suspensão da execução da pena, na modalidade que se afigurar mais conveniente para a realização daquelas finalidades, sempre que se verifiquem os necessários pressupostos, configurando a mesma uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico.
Para este efeito, é necessário que o julgador, reportando-se ao momento da decisão e não ao momento da prática do crime, possa fazer um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento da arguida, no sentido de que a censura do facto e a ameaça da pena seja adequada e suficiente para realizar as finalidades da punição. Assim o pressuposto básico e mais elementar da aplicação da suspensão da execução da pena (em qualquer das suas modalidades), é a existência de factos que permitam um juízo de prognose favorável em relação ao comportamento futuro do agente, em termos de que o Tribunal se convença de que a censura expressa na condenação e a ameaça da pena aplicada sejam suficientes para afastar o arguido de uma opção desvaliosa em termos criminais para o futuro. Mas tal juízo tem de se fundamentar em factos concretos que apontem para uma forte probabilidade de inflexão em termos de percurso de vida – Acórdão do T.R.L. - Tribunal da Relação de Lisboa de 05/03/2024 in www.dgsi.pt.
Como explica FIGUEIREDO DIAS («As consequências jurídicas do Crime», pág. 331), a primeira finalidade político-criminal que a lei visa com o instituto da suspensão é o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes. Mas não é a única. A suspensão da execução da pena de prisão tem de realizar, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição. Se as não realizar, a suspensão não deverá ser decretada. A pena de prisão suspensa, sujeita ou não a certas condições ou obrigações, é a reação penal por excelência que exprime um juízo de desvalor ético-social e que não só antevê como propicia ao condenado a sua reintegração na sociedade, o que constitui um dos vetores dos fins das penas. Outro dos seus vetores é a proteção dos bens jurídicos violados e, naturalmente, a proteção da própria vítima e da sociedade em relação aos agentes do crime, de modo que, responsabilizando suficientemente estes últimos, se possa esperar que não venham a adotar novas condutas desviantes. Acórdão do T.R.E. - Tribunal da Relação de Évora de 07/11/2023 in www.dgsi.pt.:
«I - Encontra-se inevitavelmente prejudicado o juízo de prognose favorável relativamente à situação da arguida que, volvidos poucos meses após a extinção de anterior pena de prisão suspensa na sua execução, voltou a delinquir, não uma, mas três vezes, praticando o mesmo tipo de crime pelo qual havia já sido condenada, falecendo, pois, o fundamento para lhe aplicar, de novo, a pena de substituição de suspensão da execução da pena de prisão». Será, pois, nesta dupla perspetiva que deverá incidir um juízo de prognose favorável à suspensão da pena de prisão, sendo certo que, para o efeito, o seu ponto de partida será sempre o momento da decisão e não da prática do crime.
Estabelece o art.º 50.º, n.º 1, do Código Penal, “o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
Também a prognose de ressocialização tem por parâmetros a ideia de que, por um lado, a reclusão constitui a «última ratio» da política criminal, mas, por outro, a de que a comunidade persegue a garantia, a proteção e a promoção dos direitos das pessoas, sem o sentido de missão socializadora através de métodos de coação próprios do controlo social. O que significa que deve negar-se a possibilidade de suspensão se os factos provados justificarem sérias dúvidas sobre a capacidade do condenado para compreender a oportunidade de reinserção que a sociedade lhe oferece, ou seja, se o juiz não estiver convicto desse prognóstico favorável. Trata-se, pois, de “… averiguar se é possível, ou não, fazer um prognóstico favorável. Só o prognóstico favorável permite a suspensão da execução da pena de prisão. Não estando quanto a ele convicto o julgador falhará uma exigência legal devendo negar-se a possibilidade de suspensão. Esse é o caso das situações de non liquet.”. Também temos de assumir a perspetiva e levar em conta em aferir casuisticamente que a comunidade não encare a suspensão (no caso concreto, passe a redundância), como um sinal de impunidade, desleixo ou laxismo penal.
No caso dos autos, para justificar a não suspensão da execução da pena, o Tribunal a quo exarou, além do mais, que:
«….Há, pois, que aferir do pressuposto material.
O crime aqui em causa – crime patrimonial - assume gravidade.
O arguido com 25 anos de idade, a viver com a companheira, sem actividade profissional, inscrito no Centro de Emprego e com hábitos diários de consumo de haxixe, já foi condenado, por decisões transitadas em julgado em momento anterior ao dia 14/01/2024, pela prática de dez crimes de condução de veículo sem habilitação legal, um crime de descaminho, um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, quatro crimes de furto qualificado, um crime de violência doméstica, dois crimes de condução perigosa e um crime de detenção de arma proibida – conforme dado como provado em H) a X). Apesar de já ter cumprido penas de prisão – pela prática de crimes de condução de veículo sem habilitação legal, furto qualificado (nos processos n.ºs 8/17.7PDPRT, 902/16.2PPPRT, 259/17.4PDPRT 453/17.4PFVNG, 4642/20.0T8PRT), de condução perigosa de veículo rodoviário), da concessão da liberdade condicional, de ter beneficiado do perdão a que alude o Lei n.º38-A/2023, de 2 de Agosto (nos processos n.ºs 4642/20.0T8PRT e 248/23.0PDPRT), perdões concedidos sob a condição resolutiva de o arguido não praticar infracção dolosa no ano subsequente à entrada em vigor da Lei n.º38-A/2023, de 2 de Agosto - revelam para esse efeito os crimes praticados entre as 0h do dia 01/09/2023 e as 24h do dia 01/09/2024 -, caso em que à pena aplicada à infração superveniente acresce o cumprimento da pena perdoada– art 8.º, n.º1, da Lei n.º38-A/2023 -, o arguido, indiferente, voltou a praticar um ilícito criminal, uma infracção dolosa no ano subsequente à data da entrada da aludida Lei, indiferente a cumprimento das penas perdoadas (de prisão).
Apesar da integração familiar, o certo é que o arguido mantém permeabilidade às influências, aos contextos e às oportunidades criminais. Tem vários antecedentes criminais – já praticou e foi condenado pela prática de vários ilícitos mormente contra o património -, uma personalidade vincadamente desviante e resistente às sanções penais. Não são conhecidas quaisquer circunstâncias – seguras - que nos permitam concluir que o arguido – com consistência – pretende, agora, investir, trilhar um caminho distinto. É possível concluir que são elevadas as imposições de prevenção especial, devendo ser levadas na direcção da prevenção da reincidência, de modo a obter, na melhor medida possível, um reencontro do agente com os valores comunitários afectados, e a orientação da sua vida no futuro de acordo com tais valores. Apesar de já ser conhecedor do mundo da reclusão – cumprimento de pena de prisão até data próxima, - não se coibiu de praticar outro ilícito criminal (contra o património).
Tudo conjugado tem que se concluir que não é possível ao Tribunal fazer um juízo de prognose favorável em ordem a acreditar que a censura do facto e a ameaça da pena para afastar o arguido da criminalidade, principalmente no que se refere aos crimes contra o património. Efectivamente, nada permite afirmar a capacidade do arguido de sentir essa ameaça, a exercer sobre si o efeito contentor, em caso de situação parecida, e a capacidade de vencer a vontade de não voltar a não praticar ilícitos. Aliás, como refere o Prof. Figueiredo Dias, in ob. cit, pg. 344 a 345, … havendo, porém, razões sérias para duvidar da capacidade do agente de não repetir crimes, se for deixado em liberdade, o juízo de prognose deve ser desfavorável e a suspensão negada. Não vislumbramos motivos para justificar a suspensão da execução da pena de prisão. Caso contrário, estar-se-ia a alimentar um mau sentimento de impunidade!
Não está, pois, verificado o requisito material.
Não é, pois, de suspender a execução da pena de prisão aplicada».
Concordamos com tais considerações que não necessitam de mais impondo-se pela razão, equilíbrio, bom senso, prudência, necessidades de proteção dos bens jurídicos, pela medida de justiça que o caso concreto reclama, revalidação da vigência das normas jurídicas e pela indiscutível conformidade legal.
Não se pode esquecer a ideia motriz que a lei vigente pretende assumir um risco prudencial e antecipado sobre o comportamento futuro do condenado, assentando a sua razão de ser na ameaça da execução da pena. No caso concreto essa ameaça da execução da prisão surge-nos como inoperante e completamente ineficaz.
Sucede que não é possível concluir, do quadro factual dado como provado pelo tribunal recorrido, que o crime cometido não está de acordo com a personalidade do recorrente, que a prática do mesmo foi um extravagante, esporádico, inusitado e ocasional acidente de percurso, e que a simples censura do facto e ameaça da pena evitarão a repetição de comportamentos delituosos.
É absolutamente impossível in casu formular um juízo de prognose favorável, de reconhecer a capacidade do recorrente para não cometer novos crimes.
Não se encontra, assim, preenchido o requisito material basilar que permitiria aplicar o instituto da suspensão da execução da pena, previsto no art. 50º, do Código Penal – C.P.

Por sua vez, o Tribunal recorrido, ponderou devidamente a pena concreta a fixar ao recorrente, sendo que, em face ao seu extenso registo criminal, denota-se uma exigência superior em sede de prevenção especial que justifica plenamente a determinação da pena concreta fixada ao recorrente e a necessidade de ser cumprida em regime de privação da liberdade em sede prisional, não se afigurando, também aqui, qualquer censura a fazer aos critérios que o tribunal recorrido usou para o efeito, configurando-se a pena aplicada ao recorrente como ajustada à sua culpa, e suficientemente acauteladora das necessidades de prevenção especial e geral que este tipo de personalidade aconselha.
Entendemos, pois, que a pena de prisão não deverá ser suspensa na respetiva execução e também não é de executar em Regime de Permanência na Habitação – R.P.H.
Como bem refere o tribunal a quo e ainda que o recorrente já tenha condições logísticas, a verdade é que “O arguido com 25 anos de idade, a viver com a companheira, sem actividade profissional, inscrito no Centro de Emprego e com hábitos diários do consumo de haxixe, já foi condenado, por decisões transitadas em julgado em momento anterior ao dia 14/01/2024, pela prática de dez crimes de condução de veículo sem habilitação legal, um crime de descaminho, um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, quatro crimes de furto qualificado, um crime de violência doméstica, dois crimes de condução perigosa e um crime de detenção de arma proibida – conforme dado como provado em H) a X). Apesar de já ter cumprido penas de prisão – pela prática de crimes de condução de veículo sem habilitação legal, furto qualificado (nos processos n.ºs 8/17.7PDPRT, 902/16.2PPPRT, 259/17.4PDPRT, 453/17.4PFVNG, 4642/20.0T8PRT), de condução perigosa de veículo rodoviário)-, da concessão da liberdade condicional, de ter beneficiado do perdão a que alude o Lei n.º38-A/2023, de 2 de Agosto (nos processos n.ºs 4642/20.0T8PRT e 248/23.0PDPRT), perdões concedidos sob a condição resolutiva de o arguido não praticar infracção dolosa no ano subsequente à entrada em vigor da Lei n.º38-A/2023, de 2 de Agosto - revelam para esse efeito os crimes praticados entre as 0h do dia 01/09/2023 e as 24h do dia 01/09/2024 -, caso em que à pena aplicada à infração superveniente acresce o cumprimento da pena perdoada– art 8.º, n.º1, da Lei n.º38-A/2023 -, o arguido, indiferente, voltou a praticar um ilícito criminal, uma infracção dolosa, no ano subsequente à data da entrada da aludida Lei, indiferente a cumprimento das penas perdoadas (de prisão).
O historial das condenações anteriores sofridas, por decisões transitadas em julgado em momento anterior ao dia 14/01/2024, revela uma postura avessa aos valores ético-jurídicos tutelados pelo direito penal, com menosprezo pelos bens jurídicos preservados pelos ilícitos em questão, dos quais se destacam os apontados crimes contra o património (já sofreu quatro condenações anteriores – já cumpriu penas de prisão). Realidade que se adensa ainda mais se atentarmos à circunstância de o arguido, indiferente ao cumprimento das penas perdoadas/remanescente, ter praticado mais uma infracção penal dolosa no ano subsequente à data da entrada da aludida Lei n.º38-A/2023. Não hesitou em voltar a conduzir, indiferente às advertências feitas, às oportunidades que lhe foram dadas, e sem intenção de mudar os comportamentos adaptando-os, como lhe compete, às exigências da ordem jurídica. Apesar de não serem conhecidos indícios de rejeição social, o certo é que a conduta delituosa do arguido evidencia uma personalidade indiferente às várias condenações anteriormente sofridas.
Ora, uma personalidade assim avessa às imposições jurídico-penais – de que são reflexo os antecedentes criminais (as condenações sofridas), os comportamentos adoptados, que não só revela indiferença face às condenações anteriormente sofridas, à oportunidade concedida, como compromete qualquer prognóstico de adesão à obrigação que caracteriza o regime de permanência na habitação, inviabiliza o juízo favorável no sentido de que esta forma de execução/cumprimento da pena de prisão satisfaz as necessidades de prevenção especial. Permitir que a pena de prisão seja executada em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, embora sujeito aos inconvenientes (depois do cumprimento de várias penas de prisão efectivas, mormente pela prática de crimes de furto qualificado), seria permitir ao arguido continuar a acreditar que existe sempre mais uma oportunidade, sendo que, até agora, as inúmeras concedidas não as soube aproveitar. Inexistem fundamentos para o condenar numa segunda pena de prisão a executar em regime de permanência na habitação.
Mesmo que no caso de entenda que se trata de uma pena curta, entende-se ser este um caso paradigmático do efeito “Sharp short, scock”, de cumprimento efectivo da pena de prisão no Estabelecimento Prisional - Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, pg. 360, pronuncia-se sobre o efeito de Sharp-short-shock “uma pena de prisão curta … seria necessária e útil em alguns casos, como única forma de convencer o agente da gravidade do crime praticado e, mesmo, de estabilizar as expectativas comunitárias na manutenção da validade da norma infringida” -contribuindo para que o arguido se consciencialize quanto à gravidade das suas condutas e consequências daí decorrentes e se afaste – de futuro – da prática de novos crimes.”

O raciocínio mostra-se correto e justo às circunstâncias e conduta do recorrente.

Mantém-se pois a decisão a quo.

III. Decisão
Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes que compõem a 1ª secção criminal, em:
-Não conceder provimento ao recurso interposto por AA e em consequência manter a decisão recorrida nos seus precisos termos.

Custas criminais a cargo do arguido com taxa de justiça em 4 Ucs.

Sumário.
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Porto, 22 de maio de 2024
Paulo Costa
Amélia Catarino
Luís Coimbra

(Elaborado e revisto pelo relator- artigo 94º, n.º 2, do CPP