Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
12350/23.3T8PRT-D.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MANUELA MACHADO
Descritores: INCUMPRIMENTO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
INTERESSE DA CRIANÇA
SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA
Nº do Documento: RP2025062612350/23.3T8PRT-D.P1
Data do Acordão: 06/26/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO.
Indicações Eventuais: 3. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Em processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais, o critério norteador que deve presidir a toda e qualquer decisão do tribunal é o interesse superior da criança, e não o interesse dos pais.
II – Nada impede que no decurso de um processo por incumprimento do regime das responsabilidades parentais, existindo fundamento válido para considerar que não se verificam os factos que o progenitor incumpridor invoca para o incumprimento, seja decidido, ao abrigo do disposto no art. 28.º do RGPTC, que enquanto decorre o processo de incumprimento, se mantém em vigor o regime que se mostra fixado, com aplicação de uma sanção pecuniária compulsória com vista a fazer o progenitor incumpridor cumprir a decisão do Tribunal.

(Sumário da responsabilidade da Relatora)
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 12350/23.3T8PRT-D.P1






Acórdão na 3ª Secção do Tribunal da Relação do Porto





Relatório:


AA intentou contra BB incidente de incumprimento do regime das responsabilidades parentais (Apenso A), relativo ao filho menor de ambos, CC, regime que havia sido regulado por acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais, devidamente homologado em 26 de março de 2023.
Alega, no essencial, que desde a homologação do acordo, têm ocorrido diversos episódios de incumprimento, sendo que o convívio entre o requerente e o filho tem sido, por diversas vezes, dificultado pela progenitora, concluindo que considera essencial que seja realizada uma avaliação psicológica que tenha como objetivo, não apenas avaliar o impacto das condutas da progenitora no bem-estar emocional da criança, mas também investigar se está a ocorrer um processo de alienação parental promovido pela mãe, o que prejudica gravemente o vínculo afetivo entre o menor e o seu pai.
Após vários incidentes, incluindo a instauração de um processo de promoção e proteção (apenso B) que veio a ser arquivado, foi proferido despacho, em 19-02-2025, com o seguinte teor:
No seguimento da sentença ontem proferida no âmbito do apenso de promoção e proteção, importa consignar que o regime de contactos entre pai e filho está em vigor, sem qualquer limitação, quer neste processo, quer no inquérito-crime, pelo que importa que o mesmo seja cumprido integralmente sendo que, conforme ali escrevemos, neste momento, a versão da mãe não está demonstrada por qualquer meio de prova.
Importa ainda dizer que os contactos dos filhos com os pais é um direito daqueles, que só excepcionalmente devem ser suspensos.
Conforme se escreveu no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14 de Janeiro de 2014, relatado pelo Exmo. Sr. Juiz Desembargador, Dr. Vieira Cura, e disponível em www.dgsi.pt, na “(…) ponderação concreta da possibilidade de denegação do direito de convívio, o Ac.R.P. 13/7/06, in www.dgsi.pt, pº 0633817, relatado pelo Desemb. Fernando Baptista, afirma que “a negação ou supressão do direito de visita do progenitor sem a guarda dos filhos apenas poderá justificar-se – e como última ratio - no quadro de um conflito extremo entre o interesse da criança e o direito do progenitor”. O acórdão reafirma a letra da OTM, que, no seu artº 180º nº2, explicita a necessidade de se fixar em sentença um regime de visitas, a não ser que excepcionalmente o interesse da criança o desaconselhe. Da mesma forma, o artº 36º nº6 CRP prevê que os filhos não podem ser separados dos pais, podendo estes tê-los consigo quer em termos de guarda, quer em termos de direito de convívio, salvo quando os pais não cumpram os seus deveres fundamentais para com os filhos e sempre mediante sentença judicial.
Também o Ac.R.P. 18/5/06, in www.dgsi.pt, pº 0632170, relatado pela Desembª Ana Paula Lobo, se expressou significativamente nestes termos “o direito da mãe conviver com o seu filho é igual ao do pai conviver com o seu filho e, verdadeiramente, só são relevantes se resultarem do direito que o menor tem de conviver com ambos, porque terão sempre, em todas as situações, que estar subordinados aos direitos e interesses dos menores, como se define no artº 1878º do Código Civil; por essa razão, o incumprimento repetido da regulação do poder paternal terá, se for necessário, que conduzir à alteração da guarda do menor; o menor não é propriedade privada da sua mãe e ela, se assim o entende, representa um enorme perigo para o desenvolvimento harmonioso da criança, que o Tribunal não pode continuar a ignorar; a mãe, só porque é mãe, não é necessariamente uma boa mãe”.
Na obra já citada, os Drs. Helena Bolieiro e Paulo Guerra, a pgs. 200ss., dão nota de ter sido suscitada junto do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem a necessidade da adopção, pelas instâncias judiciais portuguesas, de mecanismos de prevenção dos incidentes de incumprimento do exercício das responsabilidades parentais, por forma a evitar que sejam introduzidas mais queixas desse teor naquele tribunal e ainda de forma a que se cumpram Recomendações já adoptadas, relativamente a Portugal, pelo Comité de Ministros do Conselho da Europa. (…)”.
Assim sendo, e porque da posição da progenitora, em sede de conferência realizada no processo de promoção, ressalta uma eventual falta de vontade em cumprir a decisão do Tribunal, importa utilizar o regime da sanção pecuniária compulsória (artigo 829º- A do C. Civil), segundo o qual:
1 - Nas obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo, salvo nas que exigem especiais qualidades científicas ou artísticas do obrigado, o tribunal deve, a requerimento do credor, condenar o devedor ao pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento ou por cada infracção, conforme for mais conveniente às circunstâncias do caso.
2 - A sanção pecuniária compulsória prevista no número anterior será fixada segundo critérios de razoabilidade, sem prejuízo da indemnização a que houver lugar.
3 - O montante da sanção pecuniária compulsória destina-se, em partes iguais, ao credor e ao Estado.
4 - Quando for estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro corrente, são automaticamente devidos juros à taxa de 5% ao ano, desde a data em que a sentença de condenação transitar em julgado, os quais acrescerão aos juros de mora, se estes forem também devidos, ou à indemnização a que houver lugar.
Conforme se escreveu no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21 de Junho de 2007, relatado pela Exma. Sra. Juíza Desembargadora, Dra. Ana Luísa Geraldes, “a este propósito salienta-se que, teoricamente, há até quem advogue, para situações desta natureza, a aplicação de sanções pecuniárias compulsórias a pagar pelo progenitor sem a guarda do menor por cada dia, semana ou mês de atraso no cumprimento do seu direito/dever de visita. (9)
Solução igualmente adoptada, segundo a A. citada, pela jurisprudência Francesa, que condenou um pai, que não visitava a filha, por violação ao direito/dever de visita, em 100 F por dia (1980).”, citando-se a lição do Prof. Calvão da Silva sobre a utilização da sanção pecuniária compulsória no direito de família, in “Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória”, págs. 465 e segts.
Sobre a natureza desta figura escreveu-se no acórdão do STJ de 14 de Janeiro de 2014, relatado pelo Exmo. Sr. Juiz Conselheiro, Dr. Gregório Silva Jesus, e disponível em www.dgsi.pt, “pretende-se com ela obter um meio que simultaneamente assegure o cumprimento das obrigações e o respeito pelas decisões judiciais, a favor do prestígio da Justiça pois que contribui para uma melhor, mais célere e mais efectiva administração desta, com dispensa quase sempre de processo executivo, por natureza longo, dispendioso e muitas vezes ineficaz[18].
O próprio Estado está interessado nessa efectivação, destinando-se-lhe montante igualitário com o credor (n.º 3, do art. 829º-A).
O fim da mesma não é, pois, o de indemnizar os danos sofridos pelo credor com a mora, mas o de forçar o devedor a cumprir, o de o determinar a realizar o cumprimento devido e no qual foi condenado, vencendo a resistência da sua oposição ou da sua inacção.
Como escreve Calvão da Silva, “A sanção pecuniária compulsória não é, pois, medida executiva ou via de execução da condenação principal do devedor a cumprir a obrigação que deve. Através dela, na verdade, não se executa a obrigação principal, mas somente se constrange o devedor a obedecer a essa condenação, determinando-o a realizar o cumprimento devido e no qual foi condenado“
Enquadra-se a utilização deste mesmo regime no disposto no artigo 28º, n.º 1 do RGPTC, segundo o qual “em qualquer estado da causa e sempre que o entenda conveniente, a requerimento ou oficiosamente, o tribunal pode (…) ordenar as diligências que se tornem indispensáveis para assegurar a execução efetiva da decisão”
Em consequência, e por forma a ter um efeito verdadeiramente dissuasor de novos incumprimentos, fixamos em quinhentos euros (500,00 €) o montante a título de sanção pecuniária compulsória, por cada incumprimento do regime de contatos em vigos, fixado nos autos principais.
Notifique e cumpra o disposto no artigi 41º, n.º 3 do RGPTC.”.
*

Foi dessa decisão que a progenitora BB veio interpor o presente recurso.
Apresentou as seguintes conclusões das suas alegações:
“27- O juiz “ a quo” não resolveu todas as questões submetidas à sua apreciação, apenas decidiu que o pai e o menor devem manter contato e, tal decisão foi tomada após ouvir poucas palavras e concluir que a mãe é mentirosa; não deu o beneficio da dúvida e não valorou a queixa apresentada ao DIAP com provas suficientes que provam a situação de risco físico, moral e psicológico que o menor vem sofrendo.
28- Nos termos do artigo 69.º da Constituição da República Portuguesa as crianças têm direito à proteção da sociedade e do Estado e a decisão do juízo “a quo” em permitir que o pai e filho tenham contacto normalmente, mesmo sabendo de tudo que foi relatado e mesmo assim, sem tomar as providências cabíveis, fere gravemente a Constituição da República Portuguesa, colocando em risco a saúde mental e física da criança.
29- O artigo 25.º da CRP também está sendo violado, pois a integridade física e moral da criança está em risco.
30- Os factos e informações, já são por si suficientes para que uma medida de proteção e afastamento sejam decretadas.
31- Face ao exposto, requer-se a V. Ex.ª que declare nula a decisão de continuar as visitas com o pai e a multa pecuniária decretada para a mãe e substituída por outra que tenha unicamente o objeto de proteção ao menor.
Termos em que, deve ser revogado tal despacho e este substituído por um que preserve o menor com medida de afastamento até final decisão.”.

O progenitor apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões:
“31.º As apelações foram apresentadas ao abrigo do artigo 644.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, que estabelece que, na ausência de recurso da decisão final, podem ser impugnadas, num único recurso a interpor após o trânsito daquela decisão, as decisões interlocutórias que tenham interesse para o apelante, independentemente da decisão final.
32.º A de fundamentação legal mais adequada seria o artigo 644.º, n.º 2, alínea e), do Código de Processo Civil.
33.º A Recorrente procedeu à introdução de novos factos e à formulação de novos pedidos, o que implica uma ampliação indevida do âmbito do recurso.
34.º As alegações da Recorrente não cumprem adequadamente os requisitos legais previstos no artigo 639.º do Código de Processo Civil.
35.º Ao longo das Alegações de Recurso, são apresentadas variadas motivações que não correspondem à verdade, nem tão pouco devem ser consideradas em sede de Recurso.
36.º Os factos relatados pela ora recorrente são desprovidos de verdade e foram apresentados com o claro intuito de prejudicar a relação entre pai e filho.
37.º Não há qualquer de fundamento jurídico ou fático que justifique a decisão unilateral da ora recorrente de cessar o regime de visitas.
38.º Conforme provado no relatório elaborado pela Técnica da Segurança Social, os factos indicados pela Recorrente, relacionados com o Jardim de Infância foram negados por testemunhas idóneas.
39.º A situação do menor continuará a ser acompanhada no âmbito do regime tutelar cível.
40.º Dúvidas não subsistem de que não assiste razão ao alegado pela Recorrente.
41.º O presente não recurso carece de fundamentação adequada, não cumprindo os requisitos legais essenciais para a sua admissibilidade, deve o mesmo improceder.
Termos em V. Ex.ªs, mantendo a decisão Recorrida, a qual é inteiramente correta, farão a habitual e sã JUSTIÇA.”.

O Ministério Público apresentou resposta ao recurso, apresentando, por sua vez, as seguintes conclusões:
A) O objeto do presente recurso é delimitado pelas conclusões da sua motivação e restrito à matéria de direito, sem prejuízo da cognição pelo Tribunal ad quem dos vícios constantes do texto da decisão recorrida;
B) O douto despacho ora em recurso foi devidamente fundamentado, seja de facto, seja de direito, não existindo vícios no seu texto;
C) O despacho interpretou corretamente a prova produzida em audiência e constante dos autos fundamentou, de forma adequada, os concretos motivos de apreciação da mesma;
D) Da mera leitura da decisão e da análise do restante processado, resulta, com meridiana certeza, que o mesmo procedeu à correta determinação das normas legais e à sua acertada aplicação;
E) O douto despacho não violou qualquer preceito e considera-se não merecer qualquer reparo, devendo manter-se nos seus precisos termos.
*

O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, em separado, e com efeito suspensivo.
*

Fundamentação de facto:

A factualidade a ter em conta é a que resulta do relatório que antecede.
*

Motivação de direito:

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil.
Atendendo às conclusões das alegações apresentadas pela apelante, as questões a decidir são as seguintes:
- Saber se a decisão recorrida viola a Constituição da República Portuguesa, nomeadamente os arts. 69.º e 25.º;
- Decidir se os factos e informações que resultam dos autos, são suficientes para que seja decretada uma medida de proteção e afastamento;
- Saber se a decisão recorrida que decidiu pela continuação das visitas do menor com o pai e aplicou uma multa pecuniária à mãe pelo incumprimento, é nula.
Decidindo:
a) Da violação dos arts. 69.º e 25.º da CRP e necessidade de decretamento de uma medida de proteção e afastamento
Invoca a recorrente nas suas alegações que a decisão proferida pelo Tribunal a quo não pode prosperar, uma vez que fere o art. 25.º da Constituição da República Portuguesa, pois a integridade física e moral da criança está em risco.
Mais refere que “Nos termos do artigo 69.º da Constituição da República Portuguesa as crianças têm direito à proteção da sociedade e do Estado e a decisão do juízo “a quo” em permitir que o pai e filho tenham contacto normalmente, mesmo sabendo de tudo que foi relatado e mesmo assim, sem tomar as providências cabíveis, fere gravemente a Constituição da República Portuguesa, colocando em risco a saúde mental e física da criança.”.
É o seguinte o teor dos dois preceitos da Constituição da República Portuguesa, referidos pela recorrente:
Artigo 25.º
(Direito à integridade pessoal)
1. A integridade moral e física das pessoas é inviolável.
2. Ninguém pode ser submetido a tortura, nem a tratos ou penas cruéis, degradantes ou desumanos.
Artigo 69.º
(Infância)
1. As crianças têm direito à proteção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação e de opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família e nas demais instituições.
2. O Estado assegura especial proteção às crianças órfãs, abandonadas ou por qualquer forma privadas de um ambiente familiar normal.
3. É proibido, nos termos da lei, o trabalho de menores em idade escolar.
Ora, o presente processo constitui um apenso ao processo de regulação das responsabilidades parentais relativamente ao menor CC, filho de recorrente e recorrido, onde foi regulado o respetivo regime, tendo sido instaurado por parte do progenitor, com fundamento no incumprimento por parte da progenitora do menor, do regime estabelecido, nomeadamente no que diz respeito ao regime de visitas.
No processo de incumprimento não foi, ainda, proferida decisão final - ao contrário do que a recorrente alega, quando diz que “A recorrente foi notificada para responder a um incumprimento o qual foi arquivado, uma vez que foi provado a inverosimilhança nas alegações”-, tendo sido proferido o despacho em causa, considerando que não tem havido qualquer convívio entre o pai e o filho, apenas para afirmar que se mantém em vigor o regime de contactos entre o pai e o filho, fixado no processo inicial de regulação das responsabilidades parentais, tendo fundamentado devidamente tal decisão, bem como a decisão de aplicação de uma sanção pecuniária compulsória, por cada incumprimento do regime de contactos, tendo em conta as sucessivas situações de incumprimento desse regime, por parte da progenitora.
Posto isto, dispõe o art. 28.º, nº 1 do RGPTC que “Em qualquer estado da causa e sempre que o entenda conveniente, a requerimento ou oficiosamente, o tribunal pode decidir provisoriamente questões que devam ser apreciadas a final, bem como ordenar as diligências que se tornem indispensáveis para assegurar a execução efetiva da decisão.”.
E foi o que o tribunal recorrido fez através da decisão em causa, ordenando as diligências indispensáveis para assegurar a execução efetiva da decisão de regulação das visitas fixada no respetivo processo, considerando que nada existe nos autos, e nomeadamente no apenso de promoção e proteção, que confirme as alegações da progenitora e imponha a necessidade de alteração do regime fixado.
Já a aplicação da sanção pecuniária compulsória resulta da evidência que se extrai dos autos e outros apensos, de que a progenitora tem ignorado as decisões do tribunal, mantendo a sua atitude de incumprimento.
Perante o que se deixa exposto, evidente se afigura não ocorrer a invocada violação de qualquer preceito constitucional, nem se afigurar necessária a aplicação de qualquer medida de proteção e afastamento, medida que, a ter-se mostrado necessária, teria sido aplicada no processo de promoção e proteção, o qual, como referido supra, foi arquivado.

b) Nulidade da decisão recorrida que decidiu pela continuação das visitas do menor com o pai e aplicou uma multa pecuniária à mãe pelo incumprimento
Embora não se compreenda ao certo quais os fundamentos da recorrente para invocar a nulidade da decisão recorrida, tendo em conta que nas conclusões das suas alegações refere “O juiz “a quo” não resolveu todas as questões submetidas à sua apreciação, apenas decidiu que o pai e o menor devem manter contacto e, tal decisão foi tomada após ouvir poucas palavras e concluir que a mãe é mentirosa; não deu o benefício da dúvida e não valorou a queixa apresentada ao DIAP com provas suficientes que provam a situação de risco físico, moral e psicológico que o menor vem sofrendo.”, admite-se que esteja em causa a nulidade prevista no art. 615.º, nº 1, al. d) do CPC.
Efetivamente, o artigo 615.º do CPC prevê as causas de nulidade da sentença, dispondo, no que para o caso interessa, que é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.
É unânime considerar-se que “as nulidades da sentença são vícios intrínsecos da formação desta peça processual, taxativamente consagrados no nº 1, do art. 615.º, do CPC, sendo vícios formais do silogismo judiciário relativos à harmonia formal entre premissas e conclusão, não podendo ser confundidas com hipotéticos erros de julgamento, de facto ou de direito, nem com vícios da vontade que possam estar na base de acordos a por termo ao processo por transação” (vide Ac. do TRG de 04.10.2018, disponível em dgsi.pt).
Ou seja, as nulidades da sentença encontram-se taxativamente previstas no artigo 615.º do CPC e reportam-se a vícios estruturais ou intrínsecos da decisão, também, designados por erros de atividade ou de construção da própria sentença, que não se confundem com eventual erro de julgamento de facto e/ou de direito.
Ora, a causa de nulidade da sentença prevista na alínea d) do nº 1 do art. 615.º do CPC, é aplicável aos despachos ex vi o nº 3 do art. 613.º do mesmo diploma legal.
Posto isto, tem-se entendido que a nulidade de sentença, por omissão de pronúncia, só ocorre quando o julgador deixe de resolver questões que tenham sido submetidas à sua apreciação pelas partes, a não ser que esse conhecimento fique prejudicado pela solução a outras questões antes apreciadas.
Tal como foi decidido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 10-12-2020, Processo 12131/18.6T8LSB.L1.S1 (disponível em dgsi.pt), “A nulidade por omissão de pronúncia, representando a sanção legal para a violação do estatuído naquele nº 2, do artigo 608.º, do CPC, apenas se verifica quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre as «questões» pelas partes submetidas ao seu escrutínio, ou de que deva conhecer oficiosamente, como tais se considerando as pretensões formuladas por aquelas, mas não os argumentos invocados, nem a mera qualificação jurídica oferecida pelos litigantes.”.
Ora, lida a decisão recorrida, não se vê qual ou quais as questões colocadas pelas partes sobre as quais o Tribunal não se pronunciou.
Como já referido, a decisão em causa foi proferida ao abrigo do disposto no art. 28.º do RGPTC, com vista a assegurar o direito do menor à convivência com o seu progenitor, mostrando-se fundamentada com a decisão proferida no apenso de promoção e proteção, no qual estavam em apreciação os factos que a recorrente veio invocar neste processo de incumprimento para justificar a sua atitude, processo de promoção e proteção que, repete-se, foi arquivado. E assim sendo, não assiste razão à recorrente quando alega que não foram apreciados os fundamentos que invocou no processo para justificar o incumprimento do regime de contactos.
Arquivado o processo de promoção e proteção instaurado na sequência dos factos invocados pela recorrente neste processo de incumprimento, decidiu o Tribunal a quo proferir o despacho recorrido, com vista à defesa do direto do menor conviver com o seu progenitor, sendo certo que o processo de incumprimento seguiu os seus termos, não se mostrando ainda proferida decisão final.
Improcede, pois, o recurso na sua totalidade.

*





Decisão:

Face ao exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto em julgar totalmente improcedente o recurso interposto, consequentemente confirmando a decisão recorrida.

Custas pela recorrente.









Porto, 2025-06-26
Manuela Machado
Francisca Mota Vieira
Judite Pires