Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3235/22.1T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FRANCISCA MOTA VIEIRA
Descritores: FIANÇA
ARRENDAMENTO PARA FINS NÃO HABITACIONAIS
ARRENDATÁRIO
PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
EXCEÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO DO CONTRATO
Nº do Documento: RP202411073235/22.1T8PRT.P1
Data do Acordão: 11/07/2024
Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O regime do art.º 217.º, n.º 4 do CIRE é aplicável ao PER pela remissão genérica operada pelo n.º 3 do art.º 17.º-A. De outro modo, esta remissão não teria sentido ou efeito útil.
II - O princípio geral que norteia a prestação de garantias pessoais de que o garante assegura a solvência do devedor, satisfazendo o credor quando o garantido não o consiga fazer, seja por verdadeira incapacidade económica ou por uma mera dificuldade financeira transitória, deve ser considerado, não só na constituição da fiança, como no regime constante do CIRE.
III - O art.º 217.º, n.º 4, de resto, aponta nesse sentido, porque protege o credor, em detrimento do terceiro garante, no caso - limite - de insolvência do devedor principal.
IV - A insolvência é uma situação excecional, que comporta soluções excecionais, pelo que o regime do plano de insolvência (leia-se, o art.º 217.º, n.º 4), porque excecional, derroga o geral, nomeadamente o da acessoriedade da fiança.
V - Não se vislumbram razões para que, perante uma declaração de insolvência, que representa o fim da linha para o devedor, se aplique o art.º 217.º, n.º 4 do CIRE, e, numa situação que a antecede e que visa evitá-la, se não aplique o preceito; proteger-se-ia mais o fiador na hipótese em que o devedor principal não está insolvente do que quando está.
VI - Estender os efeitos das medidas (v.g. perdão, moratória...) tomadas no PER ao terceiro garante poderia levar a que os credores não votassem favoravelmente o PER, visando, com isso, não só não verem diminuída a garantia do seu crédito, como, inclusive, manterem a possibilidade de beneficiarem do regime do art.º 217.º, n.º 4, no caso de a insolvência vir a ser direcionada para a aprovação de um plano de insolvência; ou seja, o art.º 217.º, n.º 4 do CIRE poderia não ser aplicado no PER (frustrando-se os fins deste), para vir a ser aplicado depois na insolvência.
VII - O legislador de modo pensado estabeleceu o regime do PER, com o intuito de agilizar a recuperação da empresa e não para tolher os direitos dos credores contra os co-obrigados.
VIII - A excepção de não cumprimento do contracto (artigo 428.º do Código Civil), se fundamentada, apenas poderá prevalecer se o contrato não estiver extinto.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº 3235/22.1T8PRT.P1

Juízo Central Cível do Porto – Juiz 5

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

I – RELATÓRIO.

1. No dia 17.02.2022 a autora A... Lda interpôs ação contra AA, e mulher, BB, pedindo a sua condenação:

I. Pagar à Autora a importância de € 195.000,00 a título de capital;

II. A pagar à Autora juros calculados à taxa legal para sobre o indicado capital, desde a citação e até efetivo pagamento

Fundamentou o seu pedido alegando que deu de arrendamento (fins não habitacionais) à B..., Lda um prédio de sua propriedade. Os Réus, na qualidade de sócios e gerentes da B..., Lda, constituíram-se fiadores e renunciaram ao benefício da excussão prévia. A arrendatária deixou de pagar as rendas em 2020 e, em novembro desse ano, denunciou o contrato de arrendamento. Entregou o imóvel em 18/03/2021, deixando em dívida as rendas referentes a 13 meses, de fevereiro de 2020 a fevereiro de 2021, no montante global de € 195.000,00.

2.Em contestação, os Réus impugnaram parcialmente a factualidade alegada e excecionaram com o cumprimento defeituoso por existência de infiltrações/inundações que impediam o gozo do locado para o fim a que ela se destinava.

Invocaram ainda a inexigibilidade da obrigação alegando que a B... foi sujeita a plano especial de revitalização, no qual a Autora reclamou o mesmo crédito, o que lhe foi reconhecido pelo valor de 105.000,00, a ser liquidado em 60 prestações, com uma redução (perdão) de 70% e com um período de carência de doze (12) meses a contar da data do trânsito em julgado da sentença de homologação. Ora, os Réus pretendem esses mesmos benefícios, com fundamento na acessoriedade da fiança.

Por fim, deduziram reconvenção, a título subsidiário, pedindo a condenação da Autora a pagar-lhes a quantia de €141.372,79, acrescida de juros de mora, a título de ressarcimento pelos transtornos e prejuízos com a falta de cumprimento das obrigações da Autora.

Pediram ainda a intervenção provocada da B..., o que foi admitido, vindo essa sociedade a fazer seu o articulado dos Réus.

3.A Autora replicou, impugnando o alegado pelos Réus, bem como respondeu às exceções.

4.Em despacho saneador julgou-se a reconvenção inadmissível e identificou-se os termos do litígio e os temas de prova.

5.No dia 18.01.2023, os Réus e a chamada apresentaram requerimento-reclamação ao despacho saneador, aí introduzindo a questão da alegada litigância de má –fé por parte da autora-recorrida, aqui se reproduzindo o essencial da alegação.

1º.Apesar de concordar com os temas de prova fixados não podem, as “Partes” deixar que este sábio Tribunal deixe de conhecer de muitos outros; Vejamos,

2º.A B... não ofereceu articulados próprios na qualidade de interveniente principal, aderindo ao Articulado dos Réus, não se descurando do pedido reconvencional, por uma questão de celeridade e gestão processual.

3º.No entanto, mesmo que assim não se entenda deverá ser discutida em sede de julgamento a litigância de má-fé da Autora a ser conhecida oficiosamente pelo douto Tribunal, e a constar nos temas de prova.

Vejamos:

4º.A Autora, conforme supra exposto e como se procurará demonstrar em sede de audiência de julgamento concebeu afirmações falsas e contrárias à verdade por si pessoal e diretamente conhecida.

5º.Sabe perfeitamente que alterou parte dos factos, omitindo outros, que sabe serem relevantes para a descoberta da verdade material.

6º.Porquanto, articula factos e omite factos, tentando dar uma imagem falsa da Interveniente B... como ade parte incumpridora- e de si própria ade cumpridora escrupulosa, quando o inverso é que é a verdade, de modo que se tivesse desde início relatado toda a verdade os factos não teriam qualquer tipo de alicerce.

7º.Daí que, e face ao que vem sendo exposto e devidamente fundamentado, urge concluir pela litigância de má-fé da Autora, que deverá ser condenada, em multa e indemnização, ao abrigo do disposto nos artigos 542º e seguintes do Código do Processo Civil;

8º.Mais, devendo ser condenada no pagamento à Interveniente B... por atentar contra o bom nome e prestígio desta.

9ºPois que com a presente demanda assaca-se, desde logo, à B... e aos seus fiadores, aqui Réus, um comportamento desprestigiante e ilegal de muito fácil propagação.

10º. A Autora não se coibiu de contextualizar a relação controvertida perante o douto Tribunal criando incerteza quanto à integridade e seriedade, prejudicando o seu bom nome e prestígio s partes.

11º. Nesse pressuposto reclama a Interveniente B... nos termos do disposto no n.º2 do artigo 596.º do CPC, a inclusão/aditamento como tema de prova 21) “Apurar eventual litigância de má-fé da Autora”.

12º. Sugerindo-se a seguinte pergunta/quesito: 21). “Apurar eventual litigância de má-fé da Autora”.

6.Por despacho de 24.01.2023 o tribunal a quo, relativamente à reclamação, proferiu o seguinte despacho:

“Defere-se a reclamação aos temas da prova, apenas porque o tema genérico proposto abrange o suposto dolo/negligência da autora.”

7.Realizada audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, que decidiu julgar a ação totalmente procedente e condenar solidariamente os Réus no pagamento à Autora da quantia de € 195.000,00, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, desde a citação.

8.Inconformados com a sentença, dela apelaram os Réus, formulando as seguintes conclusões:

(1) O presente recurso vem interposto do despacho do tribunal a quo, que proferiu sentença, ao abrigo da qual julgou a ação totalmente procedente, por provada, condenando solidariamente os Réus no pagamento à Autora da quantia peticionada de €195.000,00 acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa legal de 4%,

(2) (…) correspondente a rendas que no seu entender são devidas no âmbito de um contrato de arrendamento mantido com a B..., Lda., na qualidade de Arrendatária e os Recorrentes, na qualidade de Fiadores daquela, celebrado em 17 de dezembro de 2018 com término no dia 18 de março de 2021.

(3) Os Recorrentes são gerentes da B..., LDA, que se destina ao comércio de calçado, carteiras, marroquinaria e artigos de viagem e está autorizada a comercializar a marca “C...”.

(4) Entre o ano de 2011 e o ano de 2018 a arrendatária do prédio era a D..., Lda.;

(5) No ano de 2018 a D..., Lda foi declarada insolvente e os Recorrentes solicitaram à Recorrida para que no âmbito do contrato de arrendamento a posição daquela fosse cedida à B..., Lda..

(6) Pelo que, é verdade que, desde o ano de 2012 que o prédio sofria de várias infiltrações e inundações.

(7) Só que os danos decorrentes daquelas foram sempre suportados pela seguradora da arrendatária D..., Lda..

(8) Contudo, no ano de 2017 houve uma derrocada no prédio ao lado, que destruiu o Prédio objeto da presente lide.

(9) E, nessa sequência houve inundações no interior do Prédio no ano de 2019 e no ano de 2020, conforme ficou provado em Audiência de Discussão e Julgamento que deixou aquele inabitável.

(10) Tendo-se registado danos em diversos bens, sendo a água proveniente de infiltrações através da cobertura do edifício, decorrentes da perda das características impermeabilizadoras da mesma, conforme Documento 3 – Fotografias, devidamente numeradas de 1 a 30, da Contestação dos Recorrentes.

(11) A 29 de novembro de 2019 a B..., LDA informou a Autora através de carta registada com aviso de receção, que o atraso no pagamento das rendas, se deve aos problemas que derivam das infiltrações de água, ocorridos na loja; que o seguro da B..., LDA não assumiu a responsabilidade pelos prejuízos, por entender que os danos foram provocados por deficiências de ordem estrutural, cuja reparação/manutenção são da responsabilidade da Autora; que, os prejuízos contabilizados rondavam à data €17.000,00 aos quais acresce ainda, perdas de exploração; à qual não obteve resposta, conforme Documento. 5, da Contestação dos Recorrentes.

(12) A 28 de fevereiro de 2020 a B..., LDA por meio de mandatário, solicitou à Autora através de carta registada com aviso de receção os bons ofícios, nomeadamente solicitou uma reunião no sentido de resolver o sinistro ocorrido, devido à falta de manutenção do prédio por parte do proprietário, à qual não obteve resposta, conforme documento 6 da Contestação dos Recorrentes.

(13) Sem descurar que a Autora fora sempre devidamente informada dos sinistros e respetivos danos por via de correio eletrónico, ao cuidado da Procuradora da Autora, e aqui testemunha CC.

(14) O tribunal a quo não pode motivar-se para uns factos que a B..., Lda., anteriormente ao contrato já não utilizava todas as divisões e depois para outros factos motivar-se que anteriormente a B..., Lda. não tinha qualquer relação com a Autora.

(15) Salvo o devido respeito, não podem os aqui Recorrentes conformar-se com a decisão do Tribunal a quo, pois, entendem os mesmos que, com base nos elementos existentes nos autos e nos normativos legais aplicáveis, tal decisão ficou aquém do que lhe competia.

(16) Concebemos que mal andou o Tribunal a quo, não só porque mesmo perante os únicos factos que deu como provados a decisão teria de ser no sentido de considerar total/parcial improcedente a ação de condenação.

(17) Mas, também, porque perante a prova produzida em julgamento à qual o Tribunal a quo atribuiu credibilidade, deviam ter sido dados como provados outros factos, e aplicando o direito aos mesmos a decisão teria de ser em sentido diverso.

(18) Perante a prova (re)apreciada, entendem os Recorrentes, que os fatos dados como provados e não provados - com o devido respeito que em muito - foram exíguos.

(19) Pois como iremos passar a esclarecer, do cotejo dos depoimentos das testemunhas arroladas, conjugados com a prova documental junta aos presentes autos, e, do relatório pericial, convencemo-nos, sem qualquer hesitação, como infra melhor vamos elucidar e transcrever na parte que se mostram basilares, os concretos meios probatórios da gravação da audiência que se impunham dar outra redação.

(20) Atentemos, agora, ao conteúdo do ponto 22.º, dado como provado: “Em novembro de 2019, ocorreram inundações, tendo-se registado danos em diversos bens, sendo a água proveniente de infiltrações através da cobertura do edifício, decorrentes da perda das características impermeabilizadoras da mesma.”

(21) E na fundamentação da Meritíssima Juiz do Tribunal a quo: “Valoramos as fotografias de fls. 15 verso a 90, conjugadas com os depoimentos de todas as testemunhas arroladas pelos réus, trabalhadores da chamada e da anterior sociedade arrendatária, “D..., Lda.”, da qual também foram sócios os réus, que são sócios da chamada, sociedade que explorava o mesmo estabelecimento, mas que foi declarada insolvente em 2017, conforme anúncio constante de fls. 46. As infiltrações são também confirmadas pelo relatório pericial, apesar de ter tido realizado em 2023, aponta para problemas de humidade antigos e que levaram o Sr. Perito a considerar que os pisos 2º, 3º e sótão estão, no seu interior, totalmente inadequados para serem usados, por não reunirem condições mínimas de segurança e salubridade. A autora, no artigo 34º da Réplica confirma que no inverno de 2019 ocorreram inundações no telhado.”

(22) Ou seja, o Ponto 22.º foi dado como provado tendo para isso, o Tribunal a quo, valorado as fotografias de fls 15 verso a 90, os depoimentos das testemunhas arroladas pelos Recorrentes, o relatório pericial e o artigo 34.º da Réplica da Recorrida, pelo que, outra decisão se impunha, como se adianta.

(23) Isto é, o Tribunal “a quo” não podia ter dado como não provados os factos constantes dos pontos 33.º e 41.º mencionados da matéria de facto dada como não provada, pois que, ao fazê-lo, dá, simultaneamente, como provado um facto e o seu contrário, do que resulta uma manifesta contradição entre a matéria de facto dada como provada e não provada.

(24) Tal erro ou vício da decisão de facto acarreta a necessidade de modificabilidade da decisão de facto, por parte do Tribunal da Relação, nos termos do disposto no artigo 662.º n.º 1 do CPC, o que se requer.

(25) O Ponto 23.º ao ter sido dado como provado a sua motivação não poderia ter sido somente aquela uma vez que, não teve em valoração o depoimento da procuradora da Autora, que referiu que ia várias vezes ao prédio porque o mesmo se encontrava a 50 metros do seu escritório conforme gravação de 15-01-2024 com início às 11:25 horas e fim às 12:17 horas, às passagens entre os minutos 04:01:00 a 04:15:00, os minutos 05:37:00 a 05:52:00; Neste ponto, devia ainda ter servido para a motivação do tribunal a quo o documento 6 junto com a contestação dos Recorrentes – Carta remetida à Autora a 28 de fevereiro de 2020.

(26) Em consonância, o Ponto 24.º e o Ponto 25.º ao terem sido dado como provados também não poderiam ter sido valorados com a motivação que o Tribunal a quo ofereceu pois aquela colide estrondosamente com a prova produzida, e, que ao ter sido dada uma outra impunham uma outra decisão, como se extraí da prova a seguir transposta: Depoimento da procuradora da Autora CC no dia 15-01-2024 com inicio às 11:25 horas e fim às 12:17 horas, entre os minutos 10:31:00 a 11:01:00, os minutos 11:29 a 11:40, os minutos 21:20:00 a 27:05:00, os minutos 27:41:00 a 29:02:00, os minutos 29:13:00 a 29:39:00 e os minutos 30:32:00 a 31:55:00.

(27) A fundamentação para que factos 22.º, 23.º, 24.º e 25.º fossem dados como provados, foi muito débil, sendo que a prova gravada permite chegar a conclusões muito díspares das proferidas pelo julgador, pelo que se impõe a sua análise.

(28) Não podem os Recorrentes conformar-se com a motivação da decisão sobre estes factos pois não se vislumbra nela o percurso logico-racional que levou o julgador, face aos elementos de prova, a assim decidir.

(29) Não se vislumbra ali qualquer referência ao conteúdo dos documentos e depoimentos testemunhais indicados, por relação com os pontos de facto questionados.

(30) No que toca à matéria dada como não provada, sob os pontos 33.º e 41.º os ora Recorrentes consideram incorretamente julgados os quais deverão passar a contar da matéria dada como provada, como iremos passar a esclarecer.

(31) Atentemos ao conteúdo do facto 33.º dado como não provado: “Tendo culminado na impossibilidade por parte da B..., LDA na utilização do 2.º andar, do 3.º andar e ainda do sótão, tal era o estado de degradação.”;

(32) E ao conteúdo do facto 41.º dado como não provado: “Posto que, desde o ano de 2019 que a B..., LDA se viu privada do uso parcial do locado, só e unicamente usufruía de 3 divisões das 6 de que era arrendatária.”.

(33) Não se pode conceber que estes factos sejam dados como não provados por contrariarem de forma manifesta a prova produzida e que foi confirmada pela Procurada da Autora em sede de Julgamento.

(34) Neste sentido, pela ordem a seguir apresentada, faz-se referência aos pontos enunciados, dando cumprimento ao disposto no artigo 640º do CPC, os concretos meios probatórios, que permitiam dar como assentes os factos 33.º e 41.º:

(35) A testemunha CC, procuradora da Autora, prestou depoimento quanto a tal matéria, mas, em lado algum, a Meritíssima Juiz do Tribunal recorrido faz referência, o qual, é meio de prova. Há pois, erro de julgamento, devendo este Venerando Tribunal proceder à audição do depoimento., por forma a colmatar tal erro, concatenando tal meio de prova com os restantes.

(36) Ainda, nas conclusões do relatório pericial refere que, “(…) o 1º andar poder-se-á usar metade da sua área, depois de feitas obras de reparação, em particular das infiltrações, as demais áreas não aconselháveis usar e o 2º e 3º andares, bem como o sótão e caixa de escada, não reúnem as condições mínimas de segurança e salubridade, para que possam ser usadas.” – Página 21, ponto D) do relatório pericial.

(37) Foi dado como provado pelo Douto Tribunal o Ponto 22.º, referente à inundação de novembro de 2019, no decorrer do contrato de arrendamento.

(38) Não foi valorado o documento 6 junto com a contestação dos Recorrentes e que foi devidamente corroborado pelo depoimento das testemunhas que se passam a transcrever e, que erradamente não foram valorados: DD, no dia 15-01-2024 com inicio às 14:40 horas e fim às 14:53 horas, entre o minuto 00:04:00 e o minuto 00:06:00; EE, no dia 15-01-2024 com inicio às 14:13 horas e fim às 14:40 horas, entre o minuto 00:03:00 e o minuto 00:20:00; e, CC no dia 15-01-2024 com inicio às 11:25 horas e fim às 12:17 horas entre os minutos 11:29 a 11:40, os minutos 29:20:00 a 29:39:00, os minutos 30:32:00 a 31:55:00, os minutos 37:33:00 a 38:14:00 e os minutos 38:14:00 a 39:01:00.

(39) Do que se depreende da motivação do Tribunal a quo parece-nos que a B..., Lda. nunca informou a Autora que a falta de pagamento das rendas se devia aos problemas que derivaram das infiltrações de água ocorridas no locado; ainda, que nunca informou que a sua seguradora não assumia a responsabilidade pelos prejuízos, por entender que os danos foram provocados por deficiências de ordem estrutural, cuja reparação/manutenção são da responsabilidade da Autora – conforme documento junto pelos Recorrentes na sua contestação sob a numeração Documento 5, que mais não é que uma carta registada remetida à Autora a relatar todo o exposto.

(40) Não se motivou ainda o Tribunal a quo na missiva datada 28 de janeiro de 2020, que a arrendatária remeteu à Autora a solicitar os seus bons ofícios, nomeadamente a solicitar por reunião no sentido de resolver o sinistro ocorrido, devido à falta de manutenção do prédio por parte do proprietário, à qual nunca obteve resposta.

(41) Olvida-se ainda a Douta Sentença de uma outra inundação ocorrida no ano de 2020 em que a seguradora da Arrendatária denegou por carta a cobertura dos sinistros por entender que os danos presentes no prédio têm origem em “infiltrações através das paredes” e do telhado, e, nesse sentido não são elegíveis para o enquadramento no âmbito das coberturas da apólice da arrendatária B..., LDA, “devendo-se à falta de conservação e manutenção do edifício”, conforme documento 7 que os Réus juntaram à sua contestação.

(42) A Autora bem sabe o porque da alteração do contrato de arrendamento anterior a 2018 que culminou na celebração de um novo.

(43) A Sociedade D..., Lda. anterior arrendatária ficou Insolvente pelo que a mesma requereu à Autora, no âmbito da relação contratual mantida, pela cedência da sua posição à sociedade B..., Lda., no sentido de manter o contrato de arrendamento sob o prédio em discussão.

(44) A marca “C...” explorada pela anterior D... e, atual B..., Lda. tinha todo o interesse em manter-se no locado por muitos e muitos anos.

(45) Veja-se que a primeira loja “C...” foi fundada no ano de 1979 naquele Prédio e, ali se manteve 42 anos.

(46) A intenção ao pedir à Autora para alterar sociedade arrendatária tão só se deveu àquele motivo; Pois, a B..., Lda. tinha intenção de se manter no locado por muitos mais anos desde que a Autora, de uma vez por todas, realiza-se obras no interior, porque após a derrocada ocorrida no prédio ao lado no ano de 2017, parte do prédio no ano de 2019 ficou inabitável.

(47) A Procuradora da Autora sabia que a B..., Lda., tinha todo o interesse em utilizar todas as divisões, até porque a mesma sabia que aquela já tinha arrendado um outro armazém e um outro escritório, devido à inabitabilidade de metade das divisões do Prédio.

(48) Até ao ano de 2018 a seguradora da D..., Lda cobriu os danos, mas que após a derrocada no ano de 2017, e, na sequência dos sinistros ocorridos à posterior, se escudou de cobrir quaisquer danos por entender que se tratava de problemas estruturais do Prédio, não imputáveis ao arrendatário.

(49) Nessa sequência, por verificarem que não iam ter como recuperar as divisões todas do Prédio requereram após a inundação o ano de 2019 a redução da renda e inclusive tentaram negociar arrendar somente o rés-do-chão.

(50) Mas tal como disse em sede de julgamento a procuradora da Autora, no dia 15 de janeiro de 2024 entre as 11:25h e as 12:17h aos minutos 11:29 a 11:40: “Em tempos eles já tentaram negociar ficar só com o rés-do-chão e entregarem as partes de cima e o cliente disse não quando entregar entrega tudo não é.”

(51) A audição de tais declarações, em conjugação com a restante prova constante dos autos, permitirá concluir que a matéria de facto referida na mencionada nos pontos 33.º e 41.º da matéria de facto dada como não provada, deve passar a constar dos factos dados como provados.

(52) Doutra forma, nunca será possível a esse mais Alto Tribunal adquirir uma convicção diferente daquela a que chegou o Tribunal a quo. Sem descurar,

(53) Ainda que não se alterasse a matéria de facto a sentença da primeira instância sempre teria que ser revogada.

(54) Versando o recurso sobre matéria de direito, cumpre indicar “As normas jurídicas violadas; O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas; Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada.” (639.º, n.º 2 do C.P.C)

(55) Entendem os Recorrentes que o Tribunal a quo não procedeu a uma correta subsunção dos factos ao direito, conforme infra melhor se explicitará.

(56) No que concerne à fundamentação jurídica apresentada pelo Tribunal a quo para efeitos de justificação da decisão ora proferida, não poderão os Recorrentes, salvo o devido respeito, concordar com as apreciações e conclusões formuladas pelo douto Tribunal a quo, as quais, se apreciadas em moldes distintos, sempre teriam dado azo a uma decisão diversa e conforme com a justiça que ora se impõe.

(57) Resulta da fundamentação de Direito da Sentença do Tribunal a quo, que: “Dada esta especialidade, sobrepõem-se às regras constantes dos artigos 627.º, n.º 2 do C. Civil nos termos da qual: ”A obrigação do fiador é acessória da que recai sobre o principal devedor”; 631.º, n.º 1: “A fiança não pode exceder a dívida principal”; 634.º: “A fiança tem o conteúdo da obrigação principal e cobre as consequências legais e contratuais da mora ou culpa do devedor; e 651.º: A extinção da obrigação principal determina a extinção da fiança”. (Neste sentido: Acórdão do TR Coimbra de 12-12-2017, in www.dgsi.pt). Concluímos, pelo exposto, pela improcedência do argumento dos réus de pretenderem que lhes seja aplicável o perdão do crédito aprovado no PER no valor de € 105.000,00€ a título de rendas não liquidadas, sendo os réus responsáveis, na qualidade de fiadores, pelo pagamento integral desse crédito.”

(58) Ora, a fiança é uma garantia pessoal típica (vide. 627.º e ss do Código Civil e 101.º do Código Comercial).

(59) In casu, tal como ressalta do disposto no artigo 627º, nº 2 do Código Civil, a característica principal da fiança é a acessoriedade.

(60) A acessoriedade da fiança impõe que as vicissitudes da obrigação principal se repercutam na obrigação fidejussória, quando as mesmas se apresentem favoráveis, benéficas ao fiador.

(61) Significa que a obrigação do fiador se apresenta na dependência estrutural e funcional da obrigação do devedor, sendo determinada por essa obrigação em termos genéticos, funcionais e extintivos.

(62) A acessoriedade não pode ser afastada por vontade das partes (vide. ROMANO MARTINEZ e PEDRO FUZETA DA PONTE, Garantias do cumprimento, ob. cit., p. 88.) porque se assim fosse estaríamos a falar de uma outra garantia que não a fiança.

(63) Aqui chegados, cumpre subsumir as normas da fiança, aos fiadores das dívidas da sociedade revitalizada, ora, aqui Recorrentes.

(64) Como vimos, a obrigação do fiador é acessória da obrigação do devedor principal, o que significa que a existência e conteúdo da obrigação principal condicional a obrigação do fiador (vide. VAZ SERRA, Fiança e figuras análogas, BMJ 71 (1957), p. 57.).

(65) Como refere FRANCISCO CORTEZ, a acessoriedade implica que “a existência, a validade e o conteúdo da obrigação principal condicionam a existência, a validade e o conteúdo da obrigação de fiança, no sentido de que, se a primeira se extingue, a segunda também se extingue, se a primeira é inválida a segunda também o é, e que o conteúdo desta não pode ser mais amplo que o da primeira” (vide. FRANCISCO CORTEZ, A garantia bancária autónoma: alguns problemas, in Revista da Ordem dos Advogados, Julho 1992, p. 549.)

(66) Nesta senda, a dívida principal reconhecida no PER da arrendatária B..., Lda., foi no montante de 105.000,00€, que no âmbito do plano de revitalização foi reduzida para 31.500,00€ (perdão de 70%) pelo que, aqui chegados, importa aferir o quantum da dívida principal reclamada pela Autora aos Recorrentes, na qualidade de fiadores.

(67) Em virtude da acessoriedade da fiança, sendo a dívida principal reduzida no âmbito do plano de revitalização da devedora principal, a fiança terá que ser, necessariamente, reduzida aos precisos termos da dívida afiançada, nos termos do disposto no artigo 631.º, n.º 2, do CC.

(68) Assim, decorre do Plano de revitalização da devedora principal uma modificação da obrigação principal e esta só se podia repercutir na fiança se fosse mais favorável para o fiador, o que notoriamente é o caso.

(69) Como tal, ao ser claramente mais favorável aos Recorrentes, a obrigação a que estão adstritos deve ser igualmente reduzida, nos seguintes moldes:

●O valor da dívida reclamada no PER é de 105.000,00€ referente às rendas de março a setembro de 2020, no valor de 15.000€/cada;

●O valor da divida peticionada pela Autora nos presentes autos é de 195.000,00€ referente às rendas de fevereiro de 2020 a fevereiro de 2021;

●Ora, ao valor reclamado e reconhecido no PER de 105.000,00€ acresce o montante de 90.000€, correspondente a 6 rendas – fevereiro, outubro, novembro e dezembro de 2020; e, janeiro e fevereiro de 2021;

•Assim, não se verificando a exceção de não cumprimento do contrato, nem tão pouco a aplicação do preceituado no artigo 1040.º do Código Civil, e a dar-se cumprimento à característica da acessoriedade da fiança, o valor que os Recorrentes podem ser condenados a pagar à Autora, na qualidade de fiadores, nunca pode ser superior ao valor de 31.500,00€ acrescidos das rendas não reclamadas no âmbito do PER da principal pagadora no valor de 90.000,00€, o que perfaz um total de 121.500,00€.

(70) Do exposto constatam os Recorrentes que o Tribunal a quo erradamente e, sem qualquer fundamentação aplicou o regime legal do CIRE, descorando-se das normas do Código Civil respeitantes ao regime da Fiança.

(71) O Tribunal a quo acolheu “terceiros garantes” como todo e qualquer tipo de garante, olvidando-se que para cada tipo de garantia existe um regime específico.

(72) A título meramente exemplificativo, se estivermos perante um Aval, o regime legal aplicável já não teria como característica principal a acessoriedade, como é o caso da garantia em apreço. Com efeito,

(73) Atente-se ao exposto na Douta Sentença: “Consideramos ser essa a melhor interpretação. Se assim não fosse o legislador teria que prever de forma expressa que com o despacho de admissão do processo de revitalização não so se suspenderiam as acções pendentes contra o devedor, mas também as restantes.”

(74) Desta fundamentação tão só se pode afirmar que o Tribunal a quo fez uma errada interpretação da pretensão dos Recorrentes que tão só requereram que fosse considerado o princípio da acessoriedade da fiança e, por conseguinte, os mesmos não fossem condenados, RELATIVAMENTE às rendas reconhecidas e reclamadas no PER, em quantia superior à devida pela principal pagadora.

(75) Resulta da fundamentação de Direito da Sentença do Tribunal a quo, que: “Ou seja, a excepção não extingue o direito do crédito de que é titular o outro contraente, mas há uma suspensão da exigibilidade da sua obrigação, para que o contraente não faltoso pode legitimamente recusar a sua prestação, sem com isso incorrer em mora. (cfr. José J. Abrantes in “A excepção de não cumprimento do contrato”). Pressupõe que um contrato ainda esteja pendente. Pelo exposto, concluímos pela não aplicação ao caso concreto da excepção prevista pelo artigo 428º do C. Civil.”

(76) E ainda, que: “(…) desobrigação do pagamento da renda (…) ou (…) redução da renda para 50% (…) “Conhecendo o estado do imóvel, do qual a chamada chegou a ser proprietária até 2011, quiseram arrendar o locado no estado em que o mesmo se encontrava, tendo sido da sua iniciativa e não da autora, a outorga do contrato. Provou-se que ocorreram inundações após o contrato, em finais de 2019 e que a autora ainda nesse ano e em 2020 procedeu a obras na estrutura exterior no edifício. Não procedeu a obras no interior. Mas dessa omissão não resultou a diminuição do gozo do locado que a chamada fazia quando assinou o contrato e antes, na medida em que se provou que à data da assinatura do novo contrato os pisos 2 e 3 e sótão não eram usados. A renda acordada entre as partes foi fixada com esse conhecimento por parte da chamada e réus. Pelo exposto, não se verificam os pressupostos previstos pelo artigo 1040º do C. Civil, na medida em que após as inundações ocorridas em finais de 2019 a arrendatária não sofreu privação ou diminuição do gozo da coisa locada, continuando a usufruir dos mesmos espaços que usufruía e sabia que poderia usufruir quando assinou o contrato. Improcede também o último argumento invocado pelos réus o que conduz à total procedência da ação.”

(77) Os factos que fundamentam a excepção invocada encontram-se especificamente narrados na contestação.

(78) Independentemente da alteração da factologia apurada, deve o Tribunal ad quem decidir pela verificação da exceção de não cumprimento,

(79) Veja-se o disposto no artigo 428º do Código Civil: “Se nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efetuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo.”

(80) Em síntese, o Tribunal a quo descartou a possibilidade de verificação da dita exceção de não cumprimento do contrato à luz das exigências decorrentes dos princípios de adequação e proporcionalidade, porque o contrato cessou e porque entendeu que a B..., Lda. já não ocupava as divisões antes da celebração do contrato em discussão.

(81) Mas para que a invocação da “exceptio” não seja julgada como contrária à boa-fé, JOÃO JOSÉ ABRANTES (em “A Excepção de Não Cumprimento do Contrato”, 3ª ed., págs. 110/112), adaptando a doutrina italiana, entende que tem de haver uma tripla relação entre o incumprimento do outro contraente e a recusa de cumprir por parte do excipiente: relação de sucessão, de causalidade e de proporcionalidade entre uma e outra.

(82) Por força da aludida relação de sucessão, os Recorrentes só não podiam recusar da sua prestação (pagar as rendas) e invocar a “exceptio” se tivesse sido o primeiro a cair numa situação de incumprimento, o que não foi o caso.

(83) Antes do incumprimento dos Recorrentes já a Autora tinha incumprido com a sua prestação, conforme resulta da prova produzida em Audiência de Julgamento e aqui, ora, reproduzida.

(84) Mais, a Autora não respondeu à excepção invocada em qualquer momento processual, nem sequer fez prova da inexistência dos factos elencados que suportam a excepção.

(85) Assim, admitiu tais factos, pelo que, tal deveria ser atendido em sede de sentença, o que não sucedeu.

(86) Ao decidir pela verificação da exceção de não cumprimento do contrato, o Tribunal a quo, tão só estaria a cumprir com a finalidade última daquela que é repor o dito equilíbrio (sinalagma) contratual.

(87) Como dispõe o artigo 1031.º, do Código Civil: “São obrigações do locador: a) Entregar ao locatário a coisa locada; b) Assegurar-lhe o gozo desta para os fins a que a coisa se destina”.

(88) Ainda, dispõe o artigo 1032º do Código Civil que “Quando a coisa locada apresentar vício que lhe não permita realizar cabalmente o fim a que é destinada, ou carecer de qualidades necessárias a esse fim ou asseguradas pelo locador, considera-se o contrato não cumprido: a) Se o defeito datar, pelo menos, do momento da entrega e o locador não provar que o desconhecia sem culpa; b) Se o defeito surgir posteriormente à entrega, por culpa do locador”.

(89) A existência de vícios na coisa locada corresponde a uma perturbação da prestação do contrato de arrendamento, uma vez que o Senhorio, aqui Autora, é obrigado a assegurar aos Arrendatários, aqui Réus, o gozo da coisa para os fins a que esta se destina.

(90) “Tanto no plano doutrinal, como jurisprudencial, admite-se a aplicação do instituto da excepção do não cumprimento – regulado nos artºs 428º a 431º do C. Civ. – ao contrato de arrendamento, designadamente por parte do arrendatário face à perda do direito do gozo da coisa locada imputável ao locador, ou mesmo devido a circunstâncias fortuitas, independentemente da vontade do locador, justificada precisamente pelo carácter sinalagmático do contrato.” (vide. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, processo n.º 1878/06, datado de 18-07-2006).

(91) “Deste modo, se o locatário paga a renda e o locador não assume a prestação positiva de manutenção do gozo da coisa, pode aquele suspender o pagamento de toda a renda, tratando-se do não cumprimento que exclua totalmente o gozo da coisa, ou de parte da renda sendo a privação parcial.” (idem).

(92) Assim, a falta de obras no imóvel por parte da Autora, configurou um incumprimento que determinou a impossibilidade do uso do locado para os fins que se destinava, privando o uso parcial do mesmo, verificando-se assim o prossuposto essencial que legítima o exercício da exceptio, a correspetividade entre as prestações.

(93) AS OBRAS NO INTERIOR seriam condição necessária e suficiente para proporcionar o gozo do imóvel aos Recorrentes, sendo de equacionar a possibilidade de estes invocarem a exceção de não cumprimento, com o não pagamento da renda, tal como o fizeram. Vide. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 26/03/2009, disponível em www.dgsi.pt.

(94) Conforme se afirmou anteriormente, os Recorrentes, quer nos precisos termos do contrato, quer nos termos do que a lei lhe impõe e nos limites do que a mesma lhe permite, sempre cumpriram com as suas obrigações contratuais.

(95) A omissão das obras implicou diretamente com o gozo do imóvel, gerando uma situação de privação parcial, desse gozo por parte do Recorrentes conforme relatório pericial, facto 34.º da Réplica valorado pela Douta Sentença e de toda a prova produzida em Julgamento.

(96) Por todo o exposto, dá-se por verificada a tripla relação entre o incumprimento da Autora e a recusa de cumprir por parte dos Recorrentes: relação de sucessão, de causalidade e de proporcionalidade entre uma e outra.

(97) Existe, assim um nexo de causalidade entre o desequilíbrio, injustificado e contrário às regras da boa-fé, nas prestações a cargo das partes, configurando-se a exceção de não cumprimento como o meio de repor o dito equilíbrio contratual entre as prestações das partes.

(98) É unânime da doutrina e da jurisprudência, que o desequilíbrio contratual que legitima a exceptio pode ter como causa o cumprimento defeituoso ou imperfeito. Vide, neste sentido, por todos, A. VARELA, “ Manual de Processo Civil ”, Coimbra Editora, 2ª edição, 1985, pág. 364, L. MENEZES LEITÃO, “Direito das Obrigações”, Vol. II, Almedina, 6ª edição, pág. 264, MENEZES CORDEIRO in anotação ao AC STJ de 31.01.80, ROA, ano 41º (1981), n.º 1, pág. 150 e segs, J. JOÃO ABRANTES, “A Excepção de Não Cumprimento do Contrato no Direito Civil Português”, Almedina, 1986, pág. 110 e segs.. e, por todos, Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 17.11.2015, Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 16.06.2015, e, ainda, Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 27.05.2008, disponíveis em www.dgsi.pt.

(99) Houve, claramente um desequilíbrio relevante das prestações a cargo dos contraentes, ocorrendo um motivo robusto luz das regras da boa-fé, conforme o preceituado no artigo 762º, n.º 2 do Cód. Civil – que torna justificativa a exceção de não cumprimento. Ainda,

(100) Diz PEDRO MARTINEZ, “A exceptio non rite adimpleti contractus poderá unicamente ser exercida após o credor ter, não só denunciado os defeitos, como também exigido que os mesmos fossem eliminados, a prestação substituída ou realizada de novo, o preço reduzido, ou ainda o pagamento de uma indemnização por danos circa rem” (Cumprimento Defeituoso, 1994, pág.328 ).» Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 21/10/2003, no processo n.º 432/03, disponível em www.dgsi.pt

(101) O que tudo serve para dizer que, como meio de defesa que é, sempre deverá a exceptio ser invocada tempestivamente – “A exceptio non rite adimpleti contractus apenas pode exercida após o credor ter, não só denunciado os defeitos, como também exigido que os mesmos fossem eliminados, que a prestação fosse substituída ou realizada de novo, que o preço fosse reduzido ou que fosse paga uma indemnização pelos danos circa rem”, pela parte a quem aproveita, que com ela visa paralisar temporariamente a pretensão da contraparte, sob pena de não poder operar validamente. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10/12/2009, no processo n.º 163/02.0TBVCD.S1, disponível em www.dgsi.pt

(102) O defeito no cumprimento no contrato de arrendamento foi excecionado pela arrendatária, facto dado como provado pela Douta Sentença no ponto 10.º e, por conseguinte pelos depoimentos das testemunhas em sede de Julgamento, que deram por assente que a Procuradora da Autora deslocava-se frequentemente ao Prédio e que a Arrendatária solicitou a redução da renda por causa dos defeitos, conforme gravação do depoimento de CC no dia 15-01-2024 com início às 11:25 horas e fim às 12:17 horas, entre os minutos 04:01:00 a 04:15:00, os minutos 05:37:00 a 05:52:00, os minutos 11:29 a 11:40, os minutos 21:20:00 a 27:05:00, os minutos 37:33:00 a 38:14:00 e os minutos 38:14:00 a 39:01:00.

(103) Ao dizer que a exceção de não cumprimento pressupõe que um contrato ainda esteja pendente, estamos em crer que o Tribunal a quo fez uma errada interpretação do Direito, podendo, antes, considerar que o não pagamento integral das rendas seria desajustado e, que o fim da exceptio estaria em parte afetado porque, ao presente, a Autora já não podia corrigir os defeitos.

(104) Ainda que assim fosse esse o entendimento a decisão sempre teria de ser outra porquanto o que os Recorrentes rogam é o reajustamento das prestações evitando o tal desequilíbrio contratual, desequilíbrio este patente e amplamente provado em julgamento, face à privação da utilização de parte do locado que está dado como provada nos autos.

(105) Que o pagamento das rendas seja devido e realizado pelos Recorrentes com recurso a um ajustamento, tendo em consideração a não utilização integral do Prédio.

(106) Os Recorrentes ao invocarem a aplicação do preceituado no artigo 1040.º do Código Civil, não visam eximir-se do não pagamento de qualquer valor a título de rendas que redundaria num enriquecimento sem causa, mas sim pela aplicação de um reajustamento dos valores devidos à Autora, um reajustamento evitando o desequilíbrio contratual.

(107) Para determinar do quantum devido pelos Recorrentes, deveria o Douto Tribunal ad quem socorrer-se do princípio da equidade, ou seja:

O valor das rendas devidas pela Autora desde o primeiro sinistro após o início do contrato de arrendamento é de 240.000,00€ (novembro e dezembro de 2019; janeiro a dezembro de 2020; e, janeiro a fevereiro de 2021).

A arrendatária daquele valor já entregou à Autora a quantia de 45.000,00€ e no âmbito do PER está a ser pago o valor de 31.500,00€.

Posto que, é devido à Autora o valor de 50% das rendas devidas entre novembro de 2019 e fevereiro de 2021, ou seja, a quantia de 120.000,00€.

(108) Assim, ao abrigo do artigo 566.º, n.º3, do Código Civil, em sede de equidade, esse reajustamento será operado com uma redução do valor global previsto no «contrato», na base duma percentagem/proporção, no confronto com o valor já liquidado pela arrendatária.

(109) Em contraponto à atuação transparente e frontal da Arrendatária, a Autora escudou-se sob promessas proteladas de resolução do problema, reservando para si a conveniência económica entre o destino futuro do imóvel e o custo de realização das obras de reestruturação profunda na claraboia e no interior do edifico, mantendo embora ativo o contrato de arrendamento.

(110) Em suma, a redução do valor da renda constitui, no caso, a consequência equivalente e proporcional adequada à falta cometida pela Autora e concordante com o princípio da boa-fé.

(111) Nesta senda, os Recorrentes no âmbito da presente lide nunca deveriam ser condenados, o que não se concebe sequer, no pagamento superior a 120.000,00€.

(112) De toda a prova deveria o Douto tribunal ter concluído de forma contrária.

(113) O tribunal a quo faz uma incorreta aplicação do direito porque exclui a aplicabilidade da exceção de não cumprimento do art.º 428º do Código Civil. E, mesmo que assim não se entenda, também porque não enquadrou o caso dos autos na previsão do artigo 1040.º, do Código Civil, apesar dos factos que considerou provados e da prova produzida.

(114) O Tribunal faz considerações na motivação que apresenta que, em nosso entender, são bastante relevantes, mas que não chegam a concretizar-se em conclusões que, ao serem tomadas, permitiriam uma decisão final diferente e por isso se entende que este não fez uma correta análise e interpretação da globalidade da prova produzida.

(115) Não temos dúvidas, de que se for corretamente aplicado o Direito, aos fatos que foram dados como assentes pelo Tribunal da primeira instância, esse Venerando Tribunal, ver-se-á compelido a proceder à revogação da sentença e julgar a ação improcedente ou se assim não entender parcialmente improcedente.

(116) Por fim, o Tribunal a quo decidiu “Tendo em consideração os pressupostos legais previstos pelo artigo 542º do C.PC” que “não resulta dos autos que, quer a autora, quer os réus, quer a chamada, tenham actuado em litigância de má-fé.”.

(117) Porquanto, no que concerne à litigância de má-fé suscitado pelos Recorrentes tendo a decisão recorrida julgado por não verificada, com o devido respeito, entendem os Recorrentes que o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento:

(118) Há, manifestamente, desadequada subsunção jurídica em face dos factos dados por provados e da valoração do depoimento de CC no dia 15-01-2024 com inicio às 11:25 horas e fim às 12:17 horas, entre os minutos 30:32:00 a 31:55:00, os minutos 32:34:00 a 32:59:00, os minutos 34:24:00 a 37:08:00, os minutos 37:33:00 a 38:14:00 e os minutos 38:14:00 a 39:01:00.

(119) Acresce que a Douta Sentença não fez uma correlação entre o comportamento solicitado pelos Recorrentes e a ausência de verificação dos pressupostos de facto e de direito para a condenação da requerida como litigante de má-fé, não tendo sido cumprido, de forma suficiente, o dever de fundamentação que se impunha ao tribunal (cfr. artigo 205.º, n.º 1 da Constituição e artigo 154º do CPC).

(120) O sentido com que, no entender dos Recorrentes, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas; Tendo em sede de julgamento sido realizada prova testemunhal suficiente para se dar como verificada a litigância de má-fé da Recorrida.

(121) A sentença ao não condenar a Autora como litigante de má-fé não aplicou devidamente o disposto nos artº 542º e 543º do CPC.

(122) Assim, não se entende o percurso lógico feito nem o que fundou a convicção do Tribunal em tais juízos.

(123) Termos que a sentença recorrida revogou as normas do instituto da fiança comercial; subsidiariamente,

NESTES TERMOS, deve ser dado provimento ao presente recurso, e em consequência: revogar a douta sentença ora recorrida, substituindo-a por outra que, desde logo, julgue a ação total/parcial improcedente e, assim fazendo Vossas Excelências a costumada Justiça!

9.A Autora contra-alegou, sustentando a improcedência do recurso.

10.Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II.DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO LITIGIO

O objeto do recurso é delimitado pelas questões suscitadas nas conclusões dos recorrentes, e apenas destas, sem prejuízo de a lei impor ou permitir o conhecimento oficioso de outras: art.º 615º nº 1 al. d) e e), ex vi do art.º 666º, 635º nº 4 e 639º nº 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (CPC).

No caso, são as seguintes as questões a decidir:

•Reapreciação da matéria de facto

•Reapreciação da matéria de direito, designadamente no tocante à inexigibilidade (face ao regime da fiança) e à exceção de cumprimento defeituoso, da pretendida aplicação ao caso do disposto no art 1040ºCC e da litigância de má-fé.

III.FUNDAMENTAÇÃO.

3.1.No tribunal recorrido foram julgados provados e não provados os seguintes fatos:

Factos provados

1º A autora é uma sociedade comercial que se dedica, designadamente, à administração e arrendamento de imóveis.

2º A autora tem inscrita a seu favor a aquisição de um prédio urbano sito na rua ... e na rua ..., descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto na ficha n.º .../....

3º Os réus são gerentes comerciais, gerindo e administrando sociedades comerciais.

4.º Em 17 de dezembro de 2018, os réus eram os sócios e gerentes da sociedade B..., Lda. (adiante, B...)

5.º Em 17 de dezembro de 2018, a autora, na qualidade de senhoria, a B..., na qualidade de arrendatária e os réus, na qualidade de fiadores, subscreveram o documento intitulado “contrato de arrendamento para fins não habitacional com prazo certo”, junto aos autos a fls. 2, no qual consta, além do mais que aqui se dá por transcrito, o seguinte:

CONTRATO DE ARRENDAMENTO PARA FINS NÃO HABITACIONAL COM PRAZO CERTO

PRIMEIRA CONTRATANTE: A...” (…), adiante designada por Senhoria,

SEGUNDA CONTRATANTE: “B..., LDA” (…), adiante designado por Arrendatária,

TERCEIROS OUTORGANTES: AA (…) e BB (…), adiante designados por fiadores.

(…)

Cláusula Primeira

(Objeto)

Pelo presente Contrato, a Senhoria dá de arrendamento à Arrendatária, que aceita, imóvel, correspondente ao prédio urbano composto por divisões suscetíveis de utilização Independente sitas no R/Chão (lojas), com entrada pelo n.º ... da Rua ..., ... da rua ..., bem como composto pelas salas ..., ... e ......, salas ..., ..., ... e ... do 2.º andar e, ainda, composto por escritório no 3.º andar, com entrada pelo n.º ... da Rua ..., que fazem parte do prédio urbano, em propriedade total, sito na Rua ... e Rua ... (…).

Cláusula Segunda

(Finalidade)

l. O Local Arrendado destina-se exclusivamente ao exercício da atividade desenvolvida pela arrendatária. (…)

Cláusula Terceira

(Prazo)

1. O prazo de duração do contrato de arrendamento é de 3 (anos) anos, renovável automaticamente por igual período, salvo se alguma das partes se opuser à renovação no fim do prazo em curso, de acordo com os respetivos termos legais.

2. O presente Contrato terá início a 01 de Janeiro de 2019. (…)

Cláusula Quarta

(Renda)

1. Acordam as Partes que, nos primeiros dois anos de execução do presente contrato a renda mensal a pagar será no valor de € 15.000,00 (…) e, subsequentemente, no último e terceiro ano a renda a pagar será no valor de € 16.000,00 (…).

2. Nos termos do número anterior, a Arrendatária obriga-se a pagar a renda à Senhoria, até ao oitavo dia útil do mês anterior a que respeitar, por transferência bancária para a conta da titularidade do Senhorio a indicar pela Primeira Outorgante, ou por quem lhe suceder na propriedade e na posse do imóvel locado.

3. A renda será atualizada anualmente de acordo com o coeficiente legal, ocorrendo a primeira atualização um ano após o inicio da vigência do contrato e as seguintes, sucessivamente, após a atualização anterior.

4. A senhoria comunicará, por escrito, e com a antecedência mínima de 30 dias, o coeficiente de atualização e a nova renda dele resultante.

Cláusula Quinta

(Obras)

(…)

2. Todas as obras que, devidamente autorizadas nos termos do número anterior, forem realizadas pela Arrendatária no Local Arrendado, bem como todas as benfeitorias que nela forem introduzidas, incluindo a instalação de equipamentos, e que pela sua natureza e características, não possam ser removidas sem que tal remoção seja suscetível de provocar danos no Local Arrendado, ficarão a fazer parte integrante do Local Arrendando, não conferindo à Arrendatária o direito a qualquer indemnização findo o arrendamento e correrão, exclusivamente, por conta e risco da Arrendatária. (…)

Cláusula sétima

(Obrigações da Arrendatária)

(…)

2.º Todos os problemas que possam advir no arrendado e que respeitem ao funcionamento do estabelecimento que a Arrendatária lá vai instalar serão da sua exclusiva responsabilidade.

(…)

Cláusula Décima

(fiadores)

Os Terceiros Outorgantes, renunciando ao benefício da excussão prévia, são fiadores da arrendatária, responsabilizando-se, solidariamente com esta, pelo cumprimento de todas as obrigações decorrentes deste contrato, seus aditamentos e renovações até a efetiva restituição do arrendado livre de pessoas e bens, pelo que declaram que a fiança que acabam de prestar subsistirá ainda que haja alterações da renda agora fixada, e mesmo depois de decorrido o prazo de duração do contrato.

(Notificações)

1. Exceto se de outro modo for previsto, (…) quaisquer comunicações (…) a realizar no âmbito do presente Contrato serão efetuadas por carta registada com aviso de receção para as moradas das Partes constantes no cabeçalho do presente contrato e ter-se-ão por realizadas na data da assinatura do aviso de receção. (…)

● AA e BB. Rua ...., n.º ..., 3.º esquerdo, ..., Porto

2. Qualquer das Partes pode, mediante notificação da outra parte efetuada nos termos da presente cláusula, alterar as moradas indicadas.

6.º A B... não pagou a renda referente ao mês de fevereiro de 2020 nem as seguintes.

7.º Em 1 de julho de 2020, a autora remeteu aos réus a carta, por estes recebida, cuja cópia se encontra junta a fls. 4 v., onde consta, além do mais que aqui se dá por transcrito, o seguinte:

Assunto: RENDAS EM ATRASO

Exmo(a) Senhor(a),

Na qualidade de fiadores do contrato de arrendamento, celebrado com a empresa B..., LDA (…) vimos, pela presente, comunicar a Vossas Exas, enquanto fiadores do Arrendatário, que se encontra em débito e mora o pagamento da renda dos meses de Fevereiro, Março e Abril de 2020, no valor bruto de 45.000,00 €. (…)

Solicita-se proceda ao pagamento das rendas em débito, impreterivelmente, até o próximo dia 08 de Julho.

Aproveito para informar que não se encontram pagas as rendas de maio, Junho e Julho 2020, suspensas o seu pagamento durante o período de pandemia. (…)

8.º Com data de 18 de novembro de 2020, a B... remeteu à autora a carta, por esta recebida, cuja cópia se encontra junta a fls. 7, na qual consta, além do mais que aqui se dá por transcrito, o seguinte:

Assunto: Denúncia de contrato de arrendamento não habitacional celebrado em 17/12/2018, ao abrigo e para efeitos do artigo 1098.º, n.º 3, alínea a), aplicável ex vi do artigo 1110.º, n.º 1, ambos do Código Civil. (…)

Na condição de arrendatária do imóvel correspondente a prédio urbano composto por divisões suscetíveis de utilização independentes sitas no r/c (lojas), (…) vimos pelo presente meio comunicar a V. Ex.ª, nos termos e para efeitos do artigo 1098.º, n.º 3, alínea a), aplicável ex vi do artigo 1110.º, n.º 1, ambos do Código Civil., a denúncia do contrato de arrendamento, celebrado cm 17 de dezembro de 2018, com inicio cm 01 de janeiro de 2019, pelo que no dia 18 de Março de 2021, lhe será entregue o locado completamente desocupado de pessoas e bens.

9.º Em 5 de janeiro de 2021, a autora, por meio de mandatário, remeteu aos réus a carta, por estes recebida, cuja cópia se encontra junta a fls. 7 v., onde consta, além do mais que aqui se dá por transcrito:

Assunto: Contrato de arrendamento A..., Lda /

B..., Lda. datado de 17/12/2018.

Regularização de rendas em atraso.

(…)

Conforme é do v/ inteiro conhecimento apenas foram regularizados os pagamentos referentes às rendas de fevereiro de 2020 (metade do valor em 27/07/2020 e a outra metade em 04/08/2020) e de março de 2020 (metade do valor em 20/08/2020 e a outra metade em08/09/2020) mantendo-se por pagar todas as rendas que, entretanto, e até ao momento atual, se venceram (de abril de 2020 a janeiro de 2021), e que importam no valor global de € 150.000,00.

Certo que V. Exas. honrarão os compromissos que contratualmente assumiram, fico a aguardar que até ao dia 31 do corrente mês promovam à regularização do indicado valor.

10.º Em 29 de novembro de 2019, a B... remeteu à autora a carta, por esta recebida, cuja cópia se encontra junta a fls. 34, na qual consta, além do mais que aqui se dá por transcrito:

Acusamos a receção de v/carta datada de 22 do corrente mês. O atraso no pagamento das rendas deve-se muito à redução das vendas, causadas pelos problemas que derivaram das infiltrações de água que na loja ocorreram. Das mesmas fomos dando conhecimento nos vários e-mails que enviamos ao v/cuidado, na pessoa da Enga. CC.

Como sabem o n/seguro não assumiu a responsabilidade pelos prejuízos, por entender que os danos foram provocados por deficiências de ordem estrutural, cuja reparação /manutenção são da responsabilidade do locador.

Os prejuízos contabilizados rondam no mínimo os € 17.000,00 (dezassete mil euros), aos quais acresce ainda, perdas de exploração. Os prejuízos, estão devidamente documentados e disponíveis, caso pretendam analisá-los. Gostaríamos que tivessem os mesmos em conta, de modo a podermos efetuar a compensação desse valor, com parte das rendas em atraso.

Quanto ao pagamento do valor remanescente, iremos envidar todos os esforços para ir liquidando semanalmente.

11.º Em 27 de julho de 2020, a B... apresentou-se a um processo especial de revitalização (processo n.º 2052/20.8T8STS, J1, Juízo de Comércio de Santo Tirso da Comarca do Porto).

12.º Com data de 12 de agosto de 2020, a B... remeteu à autora a carta, por esta recebida, cuja cópia se encontra junta a fls. 5 v., comunicando-lhe, além do mais que aqui se dá por transcrito, a pendência do Processo Especial de Revitalização n.º 2052/20.8T8STS, tendo por objeto a sua revitalização.

13.º Em 25 de janeiro de 2021, no processo n.º 2052/20.8T8STS, foi proferida decisão (transitada em julgado) com o seguinte teor:

Homologo por sentença, nos termos do 17.º-F/7 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa, o plano de revitalização da devedora B..., Lda., com sede na Rua ..., em Matosinhos, constante do requerimento de 28.12.2020.

14.º De acordo com o plano de revitalização homologado, os créditos comuns reconhecidos devem ser liquidados em 60 prestações, com uma redução (perdão) de 70% e com um período de carência de 12 meses a contar da data do trânsito em julgado da sentença de homologação.

15.º O crédito da autora invocado nesta ação foi reclamado, contra a B..., no processo n.º 2052/20.8T8STS, sendo reconhecido o valor de € 105.000,00 (capital).

16.º A B... liquidou as sete primeiras prestações previstas no plano de revitalização homologado, no valor de € 525,00 cada, conforme documentos juntos a fls. 49 e segs.

17º. A arrendatária fez a entrega do arrendado, que a Autora recebeu, na aludida data de 18/03/2021.

18.º Por documento denominado por contrato de arrendamento para fins não habitacionais, outorgado no dia 8 de Fevereiro de 2018, a chamada, B..., à data ainda sob a forma de sociedade anónima, na qualidade de segunda outorgante e arrendatários e os réus, na qualidade de fiadores e terceiros outorgantes, outorgaram com a primeira outorgante, melhor identificada no documento constante de fls. 33 a 41 e cujo conteúdo de dá por integralmente reproduzido, na qualidade de proprietária e senhoria, que deu de arrendamento à segunda outorgante a fracção autónoma designada pela letra G, com a identificação de “loja ...” do prédio urbano com entrada pelo n.º ..., da Rua ..., sita em Matosinhos e ..., que se destinou a escritório da segunda outorgante;

19.º Foi fixado o prazo de dois anos, com início em Fevereiro de 2018, termo em Janeiro de 2020 e renovável por períodos de um ano (cláusula terceira);

20.º A chamada tem o seu escritório na fracção identificada nos dois artigos anteriores pelo menos desde a data da outorga do contrato (cláusula sexta do contrato) e que é anterior à outorga do contrato identificado no ponto 5º;

21.º O imóvel identificado no ponto 5.º era da propriedade da B..., tendo sido adquirido pela autora à chamada, à data sob a forma de sociedade anónima, por contrato de compra e venda outorgado no dia 14 de Janeiro de 2011 (fls. 42 a 44)

22º. Em novembro de 2019, ocorreram inundações, tendo-se registado danos em diversos bens, sendo a água proveniente de infiltrações através da cobertura do edifício, decorrentes da perda das características impermeabilizadoras da mesma.

23º. A autora foi informada pela chamada sobre as inundações ocorridas;

24º. À data em que o contrato de arrendamento de Dezembro de 2018 foi outorgado, quer a autora, quer a chamada, quer os réus, sócios da chamada, tinham conhecimentos dos problemas de humidade e infiltrações do imóvel;

25º. A autora foi procedendo a reparações pontuais, como trocar caleiras, substituir telhas que se partiam, colocar vidros nas claraboias;

26º. Na sequência das inundações a autora solicitou à Camara Municipal ... licença para colocação de andaimes de acesso ao telhado, o que lhe foi concedido, tendo, ainda em 2019, em data não concretamente apurada e durante o ano de 2020, realizado obras de reabilitação do telhado, com colocação de um telhado novo, foram reparadas as fachadas do edifício, tendo também procedido à substituição das caixilharias das janelas;

Factos não provados

Da contestação

33º. Tendo culminado na impossibilidade por parte da B..., LDA na utilização do 2.º andar, do 3.º andar e ainda do sótão, tal era o estado de degradação.

34º. Vendo-se obrigada a arrendar outro espaço para instalar o escritório da sociedade, com uma renda mensal de 900,00€.

41º. Posto que, desde o ano de 2019 que a B..., LDA se viu privada do uso parcial do locado, só e unicamente usufruía de 3 divisões das 6 de que era arrendatária.

44º. Não provado que: a autora quando outorgou o contrato comprometeu-se de “que iria proceder à reabilitação do locado, devido ao seu estado de degradação e de forma, a que naquele inverno já não sofresse mais nenhuma inundação.”

45º. Donde se conclui que a Autora tinha também perfeita consciência que as obrigações que pendiam sobre a arrendatária previstas na cláusula quarta do contrato, seriam desrazoáveis, desadequadas e desproporcionais tendo em conta o mau estado do imóvel, e a inutilização de 50% do locado descrito na cláusula primeira.

49.º: provado apenas que a chamada denunciou o contrato.

Da réplica

20º. Os réus sempre transmitiram à autora que quando o prédio carecia de reparações, era a arrendatária quem as realizava.

21º. Nas negociações para a venda do imóvel à autora o réu referiu que tinha feito uma grande obra na cave, com a realização de paredes de betão armado e com drenagem de águas por meio de bombas, e que na qualidade de arrendatária efetuava, quando necessário, a limpeza do telhado e as manutenções quando alguma telha partia.

38º. Os danos verificados no telhado apenas afetaram o piso superior.

3.2.REAPRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

Mostrando-se suficientemente cumpridos os ónus impostos pelo art.º 640º do CPC, cumpre apreciar.

Quanto à contradição entre o facto provado 22 — Em novembro de 2019, ocorreram inundações, tendo-se registado danos em diversos bens, sendo a água proveniente de infiltrações através da cobertura do edifício, decorrentes da perda das características impermeabilizadoras da mesma. — e os factos não provados 33 e 41 — Tendo culminado na impossibilidade por parte da B..., LDA na utilização do 2.º andar, do 3.º andar e ainda do sótão, tal era o estado de degradação. Posto que, desde o ano de 2019 que a B..., LDA se viu privada do uso parcial do locado, só e unicamente usufruía de 3 divisões das 6 de que era arrendatária.

No domínio da lógica, só pode existir contradição quando estamos a lidar com duas realidades operativas ou proposições que não são conciliáveis.

Ao estabelecer-se um facto como provado, ou não provado, está a fazer-se um juízo sobre a existência ou realidade de uma coisa, normalmente reportada a um tempo e espaço precisos.

Assim, existirá contradição quando se afirma e nega simultaneamente uma mesma coisa, quando duas realidades se excluem mutuamente.

Quanto aos factos provados, serão contraditórios se o que resulta de um deles for inconciliável com o que se extrai do outro facto, em termos de ambas as realidades não poderem ocorrer ao mesmo tempo em termos de raciocínio lógico ou face às regras da experiência comum.

Porém, como é jurisprudência assente, duma resposta negativa não se pode inferir o contrário, ou seja, o dar-se um facto como não provado, não significa que fique provado que ele não tenha ocorrido ou que se tenha por provado o seu contrário. O que acontece é que tudo se passa como se tal facto não tivesse sequer sido alegado; é um nada processual.

Assim, desde logo poderia parecer um absurdo ou uma contradição dos próprios termos, a possibilidade de ocorrência de contradição entre um nada (facto não provado) e alguma coisa (facto provado)

Só assim não será, excecionalmente, «(…) se as respostas negativas não acolheram facto que constitui ou integra antecedente lógico necessário de resposta afirmativa. Assim, se as respostas negativas tinham conteúdo sobreponível ao da resposta positiva, impor-se-ia, necessariamente, na medida do concurso dessa sobreponibilidade, a inerente coincidência ou harmonia nas respostas, sob pena de contradição.» [[1]]

Não é aqui o caso.

Quanto à contradição entre o facto provado 22 — Em novembro de 2019, ocorreram inundações, tendo-se registado danos em diversos bens, sendo a água proveniente de infiltrações através da cobertura do edifício, decorrentes da perda das características impermeabilizadoras da mesma. — e os factos não provados 33 e 41 — Tendo culminado na impossibilidade por parte da B..., LDA na utilização do 2.º andar, do 3.º andar e ainda do sótão, tal era o estado de degradação. Posto que, desde o ano de 2019 que a B..., LDA se viu privada do uso parcial do locado, só e unicamente usufruía de 3 divisões das 6 de que era arrendatária.

O facto provado 22 reporta-se claramente às inundações ocorridas em 2019, sua causa (a perda das características impermeabilizadoras da cobertura do edifício permitiu as infiltrações) e sua consequência (danos em diversos bens).

Já o facto não provado 33 dava nota dos estragos em zona bem delimitada do edifício (2º e 3º andares e o sótão). Manifestamente que não existe contradição pois que os estragos em bens móveis da arrendatária não colidem com estragos no próprio prédio e, muito menos, que os estragos impossibilitassem a utilização e/ou a privação parcial do uso do locado (facto não provado 41).

Quanto aos factos provados 23, 24 e 25, cumpre dizer que não se percebe bem o que pretendem os Apelantes.

Na verdade, não apelidam o facto de “mal julgado”, não referem se o pretendem “não provado”, nem oferecem diversa redação. Antes esgrimem a motivação do facto (a sua motivação não poderia ter sido somente aquela), considerando que se devia ter atendido ainda ao depoimento duma testemunha e do documento 6.

Ao argumento de que “a prova gravada permite chegar a conclusões muito díspares das proferidas pelo julgador” cumpre contrapor com a inobservância do ónus do art.º 640º nº 1 al. c) do CPC, que impõe que o Recorrente deve referir “a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.

Concluindo, afinal os Apelantes concordam com o facto, discordando apenas da motivação, que entendem dever ter sido mais pormenorizada (conclusões 25 a 29).

Sucede que não se pode confundir falta de fundamentação (error in procedendo) com erro de julgamento (error in iudicando), só este integrando a necessidade de reapreciação da prova.

E, como é entendimento jurisprudencial, «(…) só ocorre falta de fundamentação de facto da decisão judicial, quando exista falta absoluta de motivação ou quando a mesma se revele gravemente insuficiente, em termos tais que não permitam ao respetivo destinatário a perceção das razões de facto da decisão judicial» [[2]]

Quanto aos factos não provados 33 e 41, que se pretendem ver como provados.

33.º - “Tendo culminado na impossibilidade por parte da B..., LDA na utilização do 2.º andar, do 3.º andar e ainda do sótão, tal era o estado de degradação.”;

41.º - “Posto que, desde o ano de 2019 que a B..., LDA se viu privada do uso parcial do locado, só e unicamente usufruía de 3 divisões das 6 de que era arrendatária.”.

Para tanto, argumenta-se com o facto de não se ter valorado o depoimento das testemunhas CC, DD, EE e CC, com o teor do relatório pericial e o doc. 6 junto com a contestação.

Quanto ao relatório pericial, foi realizado em 2023, tendo como objeto obter “explicação do estado atual do imóvel com registo fotográfico”, o que desde logo inviabilizaria a referência ao estado do prédio em 2019 (cerca de 4 anos antes).

Quanto ao doc. 6 junto com a contestação, trata-se duma carta enviada em 28/02/2020 solicitando à Autora uma reunião para resolver o problema dos prejuízos sofridos pela arrendatária. Não vislumbramos que relevância possa ter essa carta para os factos ora em apreciação; por um lado, alude-se genericamente a prejuízos e, por outro, tratar-se-ia do referido pela arrendatária a necessitar de comprovação.

No que respeita à ponderação do depoimento das testemunhas referidas, concordamos integralmente com a motivação da Sr.ª Juíza, que se nos oferece totalmente acertada, resultante da conjugação dos diversos meios de prova e coerente com as regras da lógica e da experiência. Assim (sublinhados nossos):

«Não provado o nexo causal entre as inundações de 2019 e a não utilização pela arrendatária dos pisos 2º, 3º e sótão, na medida em que, de todos os depoimentos prestados, incluindo dos réus, resultou que quando a chamada outorgou o contrato de arrendamento em dezembro de 2018, passando a assumir a qualidade de arrendatária que pertencia à anterior sociedade, da qual os réus também eram sócios, já não eram usados esses pisos.

Os réus, na qualidade de sócios da primeira sociedade, declarada insolvente e da chamada, exploravam aquele estabelecimento pelo menos há 35 anos, segundos os depoimentos que todos os funcionários, imóvel que até 2011 era da propriedade da chamada, à data, sociedade anónima. Sabiam e tinham perfeito conhecimento de que apenas uma parte do imóvel estava em condições de ser usado e quiseram assinar o contrato com esse conhecimento.

Resulta ainda do documento de fls. 46 verso, email de 9-1-2018, que o contrato de arrendamento outorgado em 2018 com a autora, foi outorgado por iniciativa da anterior arrendatária e chamada que interpelou a autora para outorgar novo contrato, em face das dificuldades económicas da anterior arrendatária.

A ausência de prova do nexo causal entre as inundações de 2019 e o não uso dos pisos mencionados resultou ainda dos depoimentos prestados pelas testemunhas dos réus segundo os quais o escritório da chamada e armazém já não funcionavam no edifício sito na Rua ... antes da assinatura do novo contrato de arrendamento, referindo que tal ocorria pelo menos desde 2017. Mencionaram que os problemas das infiltrações e inundações eram antigos.

Os depoimentos são consistentes com o contrato de arrendamento outorgado pela chamada de um espaço sito em Matosinhos, onde funciona o seu escritório, contrato constante de fls. 38 a 41 e que data de Fevereiro de 2018, com efeitos reportados a 1 de Fevereiro de 2018. O contrato de arrendamento do imóvel sito na Rua ... foi outorgado em Dezembro de 2018, com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2019.»

Improcede, portanto, a pretendida alteração da matéria de facto.

3.3.Reapreciação da matéria de direito

3.3.1.

Na base e como pressuposto desta acção, está um contrato de arrendamento para fins não habitacionais, outorgado entre a autora e a chamada e que cessou por denúncia da arrendatária com efeitos a partir de 18 de Março de 2021, data em que a chamada entregou o locado à autora.

E conforme assinalado na sentença recorrida Autora, réus e chamada não divergem sobre essa matéria e a mesma resulta da factualidade provada.

Também não é matéria divergente que quando o contrato de arrendamento cessou, estavam rendas por pagar.

Todavia, apurou-se que a chamada instaurou um processo especial de revitalização, em que a autora participou e reclamou créditos resultantes da falta de pagamento de rendas, tendo-lhe sido reconhecido um crédito, reportado à data do reconhecimento dos créditos, de € 105.000,00, matéria provada e não divergente entre as partes.

Provou-se ainda que o crédito da autora foi classificado como crédito comum e o seu crédito, de acordo com o plano de revitalização aprovado e homologado por sentença, foi objecto de um perdão de 70%, com um período de carência e 12 meses, estando a chamada obrigada ao pagamento dos restantes 30% em 60 prestações.

Provou-se que a chamada está a cumprir com o plano prestacional.

Perante esta situação a primeira questão que foi colocada pelos réus réus fiadores, aqui recorrentes, é a de saber quais os efeitos do perdão sobre a sua garantia (fiança), defendendo os réus que a autora não lhes pode exigir mais do que o que foi homologado no PER.

A outra questão colocada pelos réus e na qual insistem agora pela via do recurso tem a ver a com arguição pelos réus –recorrentes da exceção do não cumprimento do contrato, ao abrigo do art 428º CCivil.

Mais colocam no recurso as seguintes questões:

.da pretendida a aplicação do artigo 1040.º do Código Civil.

. do pedido de condenação da autora-chamada como litigante de má-fé.

3.3.2. Inexigibilidade face à acessoriedade da fiança e ao que ficou consignado no PER

Atenta a sua qualidade de fiadores, os Réus invocaram na contestação e continuam a invocar em sede de recurso que devem beneficiar das condições impostas no PER à devedora principal (B...): foi reconhecido à Autora um crédito comum sobre a B... de €105.000,00, reportado à data do reconhecimento dos créditos, o qual foi objeto de um perdão de 70%, com um período de carência e 12 meses, estando a B... obrigada ao pagamento dos restantes 30% em 60 prestações.

Como vimos essa pretensão não foi atendida na sentença recorrida por se ter considerado aplicável ao PER o n.º 4 do artigo 217º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) — que, tratando-se de lei especial, se sobreporia aos artigos 627º nº 2, 631º nº 1, 634º e 651º do Código Civil (CC) — impedindo assim que o perdão da dívida no PER afete a existência ou montante dos direitos dos credores da insolvência contra os terceiros garantes da obrigação.

Os Apelantes pugnam pela sua posição inicial.

Ora quanto a esta questão- saber quais os efeitos do perdão sobre a sua garantia (fiança), defendendo os réus que a autora não lhes pode exigir mais do que o que foi homologado no PER - afigura-se-nos, com todo o devido respeito por opinião contrária, que não merece censura a sentença recorrida.

No caso dos autos, segundo o contracto de arrendamento celebrado, “Os Terceiros Outorgantes [Recorrentes], renunciando ao benefício da excussão prévia, são fiadores da arrendatária, responsabilizando-se, solidariamente com esta, pelo cumprimento de todas as obrigações decorrentes deste contracto, seus aditamentos e renovações até a efectiva restituição do arrendado livre de pessoas e bens, pelo que declaram que a fiança que acabam de prestar subsistirá ainda que haja alterações da renda agora fixada, e mesmo depois de decorrido o prazo de duração do contracto”.

Há arrendamento urbano sempre que é concedido a outrem o gozo remunerado e temporário, total ou parcial de prédios urbanos (artigos 1022º, 1023º e 1064º do Código Civil), com ou sem móveis e acessórios (artigo 1065º do Código Civil) ou em conjunto com prédio rústico, quando seja essa a vontade das partes (nº 1 do artigo 1066º do Código Civil).

O arrendamento urbano pode ter fim habitacional ou não habitacional (artigo 1067º, nº 1, do Código Civil) e quando nada se estipule, o local arrendado pode ser gozado no âmbito das suas aptidões, tal como resultem da licença de habitação (artigo 1067º, nº 2, do Código Civil).

Ora, enquanto fiadores, os réus, recorrentes, garantem a satisfação do direito de crédito do credor do devedor principal, ficando pessoalmente obrigados perante o credor (art. 627º, nº 1, do CCiv.), ou seja, garantindo com o seu património a satisfação daquele direito.

O fiador é verdadeiro devedor do credor: a obrigação que ele assume é a obrigação do devedor. Após a constituição da fiança passa a haver uma obrigação principal, a que vincula o (principal) devedor e, por cima dela, a cobri-la, tutelando o seu cumprimento, uma obrigação acessória, a que o fiador fica adstrito[3] .

Deste modo, à garantia patrimonial que incide sobre os bens do devedor acresce uma outra garantia patrimonial sobre os bens do fiador; o credor passa a ter como garantia de cumprimento dois patrimónios: o do devedor e o do fiador

Como é sabido, e assinalado na doutrina[4]na fiança, o fiador compromete-se a pagar uma dívida de outrem, o devedor principal, mas a obrigação do primeiro só terá de ser cumprida se o não for a obrigação do devedor principal.

Da natureza acessória da obrigação do fiador, afirmada no n.º 2 do art.º 627.º do C.C., resulta que o valor da fiança não pode exceder o montante da dívida principal, nem aquela pode ser contraída em condições mais onerosas (art.º 631.º do C.C.);

“A acessoriedade funcional da fiança determina que esta se molde pela obrigação principal, não podendo exceder a dívida principal, nem ser assumida em condições mais onerosas do que esta. Assim, p. ex., não poderá a fiança ter um prazo de cumprimento quando a obrigação principal seja pura, ou um prazo mais longo que esta. (…) A consequência da violação dos limites estabelecidos no n.º1 é apenas a redução da fiança de forma a fazê-la coincidir com a obrigação garantida”3 e “Essa dependência estende-se também ao âmbito da fiança, já que no artigo 631.º n.º1, se refere que a fiança não pode exceder a dívida principal nem ser contraída em condições mais onerosas, ficando sujeita à redução caso tal venha a suceder (artigo 631.º n.º2)”[5]

A validade da fiança depende da validade da obrigação principal (art.º 632.º do C.C.);

A fiança só se extingue com a extinção da obrigação principal (art.º 651.º do C.C.).

Quando o fiador houver renunciado ao benefício da excussão prévia (art. 640º, al. a), do CCiv.), como é o caso dos autos, a obrigação por si assumida equipara-se, do ponto de vista do credor, à de um verdadeiro devedor solidário. Deste modo, o credor pode exigir a totalidade da dívida ao fiador ou ao devedor (art. 519º do CCiv.).

Ora, no plano substantivo, por referência ao regime da fiança estabelecido no Código Civil, inexiste qualquer norma da qual resulte a inexigibilidade da obrigação de pagamento das rendas que não foram pagas pela chamada-arrendatária.

O próprio Recorrente não invoca nas conclusões das alegações uma norma de direito substantivo da qual decorra um efeito obstativo do exercício do direito de crédito da Recorrida contra o fiador

Posto isto, vejamos o regime legal a ter em consideração, nomeadamente as normas previstas pelo CIRE, normas especiais e que prevalecem sobre o regime geral da fiança previsto pelo C. Civil.

Em resultado dos artigos 17º A, nº1 e nº3, 17º-E, nº 1, e 17º-F, nº 11, do CIRE o crédito da titularidade da autora-locadora, consubstanciado na totalidade das rendas que não foram pagas pela chamada-arrendatária, não é exigível a esta, devedora principal afiançada que recorreu ao PER.

Assim, estabelecem esses normativos, na redacção da Lei n.º 9/2022, de 11 de Janeiro.

O artigo 17.º-A- sob a epígrafe “Finalidade e natureza do processo especial de revitalização” dispõe:

1 - O processo especial de revitalização destina-se a permitir à empresa que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja suscetível de recuperação, estabelecer negociações com os respetivos credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização.

2 - O processo referido no número anterior pode ser utilizado por qualquer empresa que, mediante declaração escrita e assinada, ateste que reúne as condições necessárias para a sua recuperação e apresente declaração subscrita, há não mais de 30 dias, por contabilista certificado ou por revisor oficial de contas, sempre que a revisão de contas seja legalmente exigida, atestando que não se encontra em situação de insolvência atual, à luz dos critérios previstos no artigo 3.º

3 - O processo especial de revitalização tem caráter urgente, aplicando-se-lhe todas as regras previstas no presente código que não sejam incompatíveis com a sua natureza.

O artigo 17.º-E sob a epígrafe “Suspensão das medidas de execução “dispõe no nº1:


1 - A decisão a que se refere o n.º 5 do artigo 17.º-C obsta à instauração de quaisquer ações executivas contra a empresa para cobrança de créditos durante um período máximo de quatro meses, e suspende quanto à empresa, durante o mesmo período, as ações em curso com idêntica finalidade.

O Art 17º F sob a epígrafe “Conclusão das negociações com a aprovação de plano de recuperação conducente à revitalização da empresa” estabelece nos nºs 7 e 11:

“7 - Nos 10 dias seguintes à receção da documentação mencionada nos números anteriores, o juiz decide se deve homologar o plano de recuperação ou recusar a sua homologação, aplicando, com as necessárias adaptações, as regras previstas no título ix, em especial o disposto nos artigos 194.º a 197.º, no n.º 1 do artigo 198.º e nos artigos 200.º a 202.º, 215.º e 216.º, e aferindo:

11-A decisão de homologação vincula a empresa e os credores, mesmo que não hajam reclamado os seus créditos ou participado nas negociações, relativamente aos créditos constituídos à data em que foi proferida a decisão prevista no n.º 5 do artigo 17.º-C, e é notificada, publicitada e registada pela secretaria do tribunal.”

Também o Artigo 222.º-A, sob a epígrafe “Finalidade e natureza do processo especial para acordo de pagamento” estabelece nos nº1 e nº3:

1 - O processo especial para acordo de pagamento destina-se a permitir ao devedor que, não sendo uma empresa e comprovadamente se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, estabelecer negociações com os respetivos credores de modo a concluir com estes acordo de pagamento.

3 - O processo especial para acordo de pagamento tem caráter urgente, aplicando-se-lhe todas as regras previstas no presente Código que não sejam incompatíveis com a sua natureza.

Mais assinalamos que as alterações trazidas pelo Decreto-Lei n.º 79/2017, de 30 de junho, (o artigo 17.º-F, n.º 7, CIRE passou a remeter para “as regras previstas no titulo IX” e o artigo 17.º-A, n.º 3, CIRE — mas também o artigo 222.º-A, n.º 3, CIRE, para o PEAP — passou a determinar que ao processo especial de revitalização se aplicam “todas as regras previstas no presente código que não sejam incompatíveis com a sua natureza”) vieram tornar claro que, apesar de a remissão do artigo 17.º-F, n.º 7, CIRE remeter essencialmente para as regras de aprovação e homologação do PER, i.e., as relativas à produção do ato processual que é a sentença de homologação (ou de rejeição) do plano de revitalização — daí, a lei enunciar que o “o juiz decide […] aplicando […]” — o juiz também deve assegurar que o conteúdo do plano não contém medidas contrárias aos efeitos previstos no artigo 217.º CIRE, porquanto o artigo 215.º (para onde se remete) determina a recusa de homologação “no caso de violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo”.

Nessa sequência, o grosso da jurisprudência (a título de exemplo, Ac Rel Lisboa de 24.09.2020, proc nº 5332/15.0T8ALM-A.L1-6, relatado por António Santos), à pergunta de se o plano de recuperação pode alterar não somente as condições dos créditos sobre o devedor, mas também as condições das garantias prestadas por terceiro, sem prejuízo de alguma doutrina favorável, tem concluído que tais medidas violam “de forma grosseira e não negligenciável, regras relativas ao conteúdo do plano, nomeadamente o disposto no n.º 4 do artigo 217.º do CIRE”, sendo nulas ou ineficazes, pelo que o juiz não o deve homologar, por força do artigo 17.º-F, n.o 5, [ actual artigo 17.º-F, n.º 7 ] e 215.º CIRE .”

Assim, afigura-se-me que a acessoriedade da fiança (art 627º2 CC) não impede o acionamento dos fiadores porque a suspensão da exigibilidade a que alude o art 17ººE nº1CIRE é dirigida apenas ao próprio devedor e não à obrigação.

Como se escreveu no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 13.07.2022, proc nº 2681/21.2VNF-A.G1:«O plano de recuperação é um contrato, pelo que apenas vincula os que nele intervieram ou que, nos termos legais, por ele estão abrangidos ou são afectados»

No caso, os réus-recorrentes não intervieram, a título próprio, no PER e, enquanto terceiros, nenhuma disposição legal estabelece que o plano de recuperação o abrange ou afecta.

Nem o plano tem aptidão para alterar a relação entre o credor e o terceiro garante ou condevedor sem o acordo daquele, nem as modificações introduzidas no plano quanto às formas de satisfação do crédito pela empresa se estendem aos terceiros.

A realidade incontornável é que os condevedores e os garantes não estão sob tutela do plano de recuperação e, por isso, o plano, só por si, não é susceptível de afectar a relação entre os credores e os garantes/condevedores.

E para se poder considerar a oponibilidade pelo terceiro garante ou condevedor do plano de pagamentos ou da moratória estabelecidos no plano teria de existir norma legal expressa a consagrar a possibilidade de tal modificação do direito do credor garantido face ao terceiro condevedor ou garante. Como não existe tal norma não é possível concluir por tal afectação. A extensão da vinculação, emergente da homologação do plano, aos garantes e condevedores, pura e simplesmente, não tem base legal.

Atenta a inexistência de norma em contrário, os credores mantêm incólumes os direitos de que dispunham antes da homologação do plano contra os condevedores e terceiros garantes, podendo exigir-lhes tudo aquilo a que se obrigaram, isto é, no regime de responsabilidade originário.

Em reforço argumentativo, salienta-se que o CPEREF acolhia uma solução que agora não tem suporte legal, na medida em que no seu artigo 63º, quando os credores houvessem votado favoravelmente qualquer providência de recuperação, ou, independentemente disso, a tivessem aceitado, os seus direitos contra coobrigados e garantes ficavam afectados «na medida da extinção ou modificação dos respectivos créditos» relativamente à empresa recuperanda. Esta norma tutelava os interesses dos condevedores e garantes mas foi intencionalmente afastada pelo legislador do âmbito do CIRE, precisamente pelas críticas que suscitava por constituir um entrave à viabilização da recuperação da empresa.

Como refere o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 13.07.2022:

«A referida norma (art 17º E, nº1, CIRE) não é susceptível de ser integrada ou interpretada no sentido de abranger os condevedores ou os terceiros garantes. O efeito de extinção das acções instauradas contra o devedor para cobrança de dívidas, decorrente da aprovação de um plano de recuperação, nos termos do artigo 17º-E, nº 1, do CIRE, constitui uma excepção ao direito conferido ao credor de exigir judicialmente o seu crédito, consagrado no artigo 817º do CCiv. Como excepção que é, restritiva do direito do credor, não pode deixar de se cingir a sua aplicação à situação para a qual foi pensada. Isto porque o legislador quis dirigir a norma ao devedor, pelo que os efeitos da homologação do plano de recuperação não abrangem os condevedores e os garantes da obrigação assumida pelo devedor principal. O legislador não disse menos do que aquilo que queria dizer; disse exactamente o que pretendia.»

Neste sentido, Rui Pinto, A Eficácia do Processo Especial de Revitalização sobre os terceiros devedores e garantes, pág. 18.

Segundo este autor, trata-se «de uma norma restritiva do direito de ação e do princípio enunciado no artigo 817º do CC, que o legislador quis apenas dirigir ao devedor. Ergo, uma norma excecional, pelo que estão fora da sua eficácia todos os demais devedores ou garantes das obrigações objeto do PER».

A vinculação a que alude o artigo 17º-F, nº 11, do CIRE:

-(“ - A decisão de homologação vincula a empresa e os credores, mesmo que não hajam reclamado os seus créditos ou participado nas negociações, relativamente aos créditos constituídos à data em que foi proferida a decisão prevista no n.º 5 do artigo 17.º-C, e é notificada, publicitada e registada pela secretaria do tribunal.”)

tem um âmbito delimitado, respeitando à relação entre a empresa e os credores e ao exercício dos créditos destes sobre aquela e não sobre terceiros. O intuito da norma não é a protecção de terceiros, pelo que não conduz à extinção ou modificação dos direitos dos credores sobre terceiros, sejam eles condevedores ou garantes.

Acresce que no processo de insolvência, na parte respeitante ao respectivo plano, existe a norma do artigo 217º, nº 4, do CIRE, aplicável ao PER na parte não incompatível com a sua natureza (art. 17º-A, nº 3, do CIRE), determinando que «as providências previstas no plano de insolvência com incidência no passivo do devedor não afectam a existência nem o montante dos direitos dos credores da insolvência contra os condevedores ou os terceiros garantes da obrigação, mas estes sujeitos apenas podem agir contra o devedor em via de regresso nos termos em que o credor da insolvência pudesse exercer contra ele os seus direitos».

Tal norma não é incompatível com o regime do PER, desde logo atendendo à similitude entre o plano de recuperação no âmbito do PER e o plano de insolvência no âmbito do processo de insolvência. Pelo contrário, o artigo 217º, nº 4, do CIRE é a norma própria e adequada para regular a situação.

Resulta directamente daquele preceito que a existência e montante do crédito contra o condevedor ou o terceiro garante da obrigação não são afectados pelo PER. Por conseguinte, o perdão ou a redução do montante dos créditos concedido à empresa em recuperação não desonera os condevedores e garantes da responsabilidade de pagamento da totalidade da dívida. Em caso algum, o perdão ou redução do crédito concedido à empresa é susceptível de desonerar os coobrigados e garantes da responsabilidade pelo pagamento da totalidade da dívida. Por identidade de razão, é inoponível pelo terceiro garante ou condevedor ao credor o plano de pagamentos ou a moratória estabelecidos no plano[6], ou seja, a modificação dos prazos de vencimento das obrigações.

Caso contrário, o plano estaria a cumprir funções diversas daquela para que está vocacionado – a função de revitalização [7]. O plano é aprovado e homologado para recuperar a empresa e não para alijar a responsabilidade de terceiros, aspecto que é inteiramente alheio ao PER.

Como tem sido salientado na jurisprudência[8][9]: «Solução diferente que contemplasse a oponibilidade pelo garante ou condevedor do plano de pagamentos (por exemplo o reescalonamento do pagamento da dívida) ou da moratória estabelecida no plano, colocaria o credor garantido numa posição de intolerável ou excessiva onerosidade e frustraria as razões por que, em regra quase absoluta, exige a prestação da garantia. Por norma a garantia é estabelecida precisamente para assegurar o cumprimento da obrigação, independentemente das causas que venham a motivar um eventual incumprimento, como é o caso do estado de insolvência ou de quase-insolvência (v.g., devedor em situação económica difícil)».

O princípio geral que norteia a prestação de garantias pessoais é o de que o garante assegura a solvência do devedor, satisfazendo o credor quando o garantido não o consiga fazer, seja por verdadeira incapacidade económica ou por uma mera dificuldade financeira transitória. Um dos riscos que o credor garantido pretende acautelar é precisamente o da sobrevinda declaração de insolvência do devedor ou a sua sujeição a plano de recuperação. Não sendo esse o único risco que pretende ver coberto, em todo o caso, ao exigir uma garantia pessoal, o credor pretende assegurar-se que a obrigação será cumprida, no momento do vencimento e na sua totalidade, em especial, se não o for pelo devedor que o seja por um dos garantes; seguramente que não pretende que a totalidade da obrigação não seja cumprida nem pelo devedor nem pelos garantes. Impor ao credor uma tal limitação é frustrar a sua legítima expectativa de pagamento do crédito, que é base do comércio jurídico.

A este propósito, como referido por Isabel Menéres Campos, em Cadernos do Direito Privado, nº 46, Abril/Junho de 2014, a págs. 61 e segs., em anotação ao acórdão da Relação de Guimarães de 05.12.2013, proferido no processo 2088/12.2TBFAF-B.G1 (relatora Helena Melo), no artigo “A posição dos garantes no âmbito de um plano especial de revitalização”, «à falta de melhor regulamentação legal, têm de aplicar-se ao PER as normas do processo de insolvência, com as necessárias adaptações», pelo que «o preceituado no nº 4 do art. 217º do CIRE, por contraposição à anterior norma do art. 63º do CPEREF, tem a clara intenção de estimular os credores a aprovarem um plano, não lhes tolhendo os direitos contra os co-obrigados» e que «aplicando a mesma lógica de raciocínio, pensamos que a intenção do legislador, ao consagrar o processo de revitalização, não foi a de impedir, diminuir ou extinguir as garantias pessoais de que os seus créditos beneficiavam».

A própria função do plano de revitalização no sentido de procurar viabilizar a empresa que a ele recorre ficaria prejudicada caso o credor tivesse que arcar com o ónus de amenizar pagamentos, nomeadamente no que aos prazos concerne, não apenas relativamente aqueles que directamente negoceiam no âmbito de tal plano, mas também com garantes, avalistas ou fiadores, que nada têm a ver com os pressupostos e a ponderação desse plano.”

Ainda citando o referido ac Rel Guimaraes de 13.07.2022:

«estão fora da eficácia do PER todos os demais devedores ou garantes das obrigações objeto do PER, à semelhança do que sucede com o art. 88º, n.º 1, do CIRE, como sejam, nas obrigações plurais, os condevedores solidários ou parciários; nas obrigações com garantia, os terceiros garantes [tanto garantes principais (o avalista ou o obrigado por garantia autónoma), como garantes subsidiários (o fiador) e os garantes reais]. Isto porque se trata de terceiros em relação ao âmbito de eficácia do PER, pois não são eles quem está em situação económica difícil ou em situação de insolvência para efeitos daquele procedimento.

Nesta tarefa interpretativa, que não se pode dissociar da letra da lei, tal como impõe o art. 9º, n.º 2, do Código Civil, as hipóteses regulamentadas e as alocuções referidas no texto legal reportam-se exclusivamente à pessoa do devedor e não a terceiros, os quais não podem ser beneficiários – diretos ou não – relativamente a providências tomadas num plano especial de revitalização por não serem partes ou sujeitos processuais interessados.

Deste modo, ao abrigo daquele princípio geral do art. 817º do CC, a obrigação pode ser fundamento de exigência judicial de cumprimento e continua a ser exigível para efeitos do art. 713º do CPC, perante os terceiros devedores e garantes.

Este entendimento mostra-se reforçado pelo disposto no Dec. Lei n.º 26/2015, de 6/02, que alterou o SIREVE, o CIRE e o CSC. Este diploma veio alterar o conteúdo do art. 11º, n.º 2, do SIREVE, tornando extensíveis aos garantes alguns dos benefícios que antes eram privativos do devedor, sendo que a alteração substancial prendeu-se com a extensão da suspensão das ações executivas para pagamento de quantia certa ou outras ações destinadas a exigir o cumprimento das obrigações aos “respetivos garantes relativamente às operações garantidas.

Todavia, essa alteração firmada no art. 11º, n.º 2, do SIREVE, não se refletiu no art. 17º-E, n.º 1, do CIRE, que se manteve inalterado. Daqui se retira o argumento de que o legislador pretendeu conferir diferentes âmbitos às normas, reforçando que, no PER, o regime do art. 17º-E, n.º 1, se aplica apenas à relação material com o devedor, não se estendendo às relações com os condevedores e terceiros garantes».

Aqui chegados, podemos retirar as seguintes conclusões:

1.- O regime do art.º 217.º, n.º 4 do CIRE é aplicável ao PER pela remissão genérica operada pelo n.º 3 do art.º 17.º-A. De outro modo, esta remissão não teria sentido ou efeito útil.

2.- O princípio geral que norteia a prestação de garantias pessoais de que o garante assegura a solvência do devedor, satisfazendo o credor quando o garantido não o consiga fazer, seja por verdadeira incapacidade económica ou por uma mera dificuldade financeira transitória, deve ser considerado, não só na constituição da fiança, como no regime constante do CIRE.

3. O art.º 217.º, n.º 4, de resto, aponta nesse sentido, porque protege o credor, em detrimento do terceiro garante, no caso - limite - de insolvência do devedor principal.

4.- A insolvência é uma situação excecional, que comporta soluções excecionais, pelo que o regime do plano de insolvência (leia-se, o art.º 217.º, n.º 4), porque excecional, derroga o geral, nomeadamente o da acessoriedade da fiança.

5.- Não se vislumbram razões para que, perante uma declaração de insolvência, que representa o fim da linha para o devedor, se aplique o art.º 217.º, n.º 4 do CIRE, e, numa situação que a antecede e que visa evitá-la, se não aplique o preceito; proteger-se-ia mais o fiador na hipótese em que o devedor principal não está insolvente do que quando está.

6.- Estender os efeitos das medidas (v.g. perdão, moratória...) tomadas no PER ao terceiro garante poderia levar a que os credores não votassem favoravelmente o PER, visando, com isso, não só não verem diminuída a garantia do seu crédito, como, inclusive, manterem a possibilidade de beneficiarem do regime do art.º 217.º, n.º 4, no caso de a insolvência vir a ser direcionada para a aprovação de um plano de insolvência; ou seja, o art.º 217.º, n.º 4 do CIRE poderia não ser aplicado no PER (frustrando-se os fins deste), para vir a ser aplicado depois na insolvência.

O legislador de modo pensado estabeleceu o regime do PER, com o intuito de agilizar a recuperação da empresa e não para tolher os direitos dos credores contra os co-obrigados.

.Assim sendo, afigura-se-nos que deve ser confirmada a sentença recorrida neste segmento.

3.3.3..Quanto à excepção do não cumprimento do contrato.

A propósito, nas conclusões recursórias, no essencial, os recorrentes alegam que a excepção de não cumprimento do contracto (artigo 428.º do Código Civil) será de aplicar, dado o estado do imóvel, para o não pagamento das rendas devidas e/ou, in maxime, no reajustamento do valor das prestações/rendas, por suposto incumprimento do artigo 1031.º b) do CC.

Em sentido oposto, o Tribunal entendeu, mais uma vez bem, que a procedência de tal meio de defesa, possibilitado ao fiador pelo artigo 637.º do CC, apenas prevalecerá se o contracto estiver em vigor, e não extinto como é o nosso caso.

Em sentido oposto, o Tribunal entendeu, mais uma vez bem, que a procedência de tal meio de defesa, possibilitado ao fiador pelo artigo 637.º do CC, apenas prevalecerá se o contracto estiver em vigor, e não extinto como é o nosso caso.

Apreciando e decidindo:

Nesta parte, afigura-se-nos também que não merece censura a sentença recorrida.

“A “exceptio non adimpleti contractus” constitui uma excepção peremptória de direito material, cujo objectivo e funcionamento se ligam ao equilíbrio das prestações contratuais, valendo – tipicamente – no contexto de contratos bilaterais, quer haja incumprimento ou cumprimento defeituoso”[10] E são “pressupostos da excepção de não cumprimento do contrato: existência de um contrato bilateral, não cumprimento ou não oferecimento do cumprimento simultâneo da contraprestação; não contrariedade à boa-fé”.[11]

Quanto à regra da simultaneidade do cumprimento das prestações, o art. 429 do CC dispõe que “Ainda que esteja obrigado a cumprir em primeiro lugar, tem o contraente a faculdade de recusar a respectiva prestação enquanto o outro não cumprir ou não der garantias de cumprimento, se, posteriormente ao contrato, se verificar alguma das circunstâncias que importam a perda do benefício do prazo.”

Ora a exceptio não funciona como uma sanção, mas apenas como um processo lógico de assegurar, mediante o cumprimento simultâneo, o equilíbrio em que assenta o esquema do contrato bilateral, vigorando não só quando a outra parte não efectua a sua prestação porque não quer, mas também quando ela a não realiza ou a não oferece porque não pode (cfr., quanto ao caso de falência de um dos contraentes, o disposto no art. 1196.° do Código de Processo Civil). E vale tanto para o caso de falta inte­gral do cumprimento, como para o de cumprimento parcial ou defeituoso, desde que a sua invocação não contrarie o princípio geral da boa fé consagrado nos artigos 227.° e 762.°, n.° 2 CC. [12]

Trata-se, ainda, de uma excepção material, porque corolário do sinalagma funcional que a funda e legitima: ao autor que exige o cumprimento opõe o demandado o princípio substantivo do cumprimento simultâneo próprio dos contratos sinalagmáticos, em que a prestação de uma das partes tem a sua causa na contraprestação da outra. Por conseguinte, o excipiens não nega nem limita o direito do autor ao cui­mento; apenas recusa a sua prestação enquanto não for reali­zada ou oferecida simultaneamente a contraprestação, prevale­cendo-se do princípio da simultaneidade do cumprimento das obrigações recíprocas que servem de causa uma à outra.

É, portanto, uma excepção material dilatória: o excipiens não nega o direito do autor ao cumprimento nem enjeita o dever de cumprir a prestação; pretende tão-só um efeito dilatório, o de realizar a sua prestação no momento (ulte­rior) em que receba a contraprestação a que tem direito e (contra) direito ao cumprimento simultâneo.

Assim, como salienta a sentença recorrida, «A excepção de não cumprimento tem como fim último o cumprimento ou a execução total do contrato.»

A excepção em causa pressupõe a existência de contratos bilaterais, conferindo ao contraente não faltoso o direito de recusar a sua contraprestação enquanto o outro não efectuar a sua prestação.

E, apesar de, aparentemente a exceptio só funcionar quando ambas as partes fossem obrigadas a cumprir, simultaneamente, as obrigações emergentes do sinalagma contratual, o entendimento mais correcto do regime do art. 428º, nº1, do Código Civil, na perspectiva do Prof. Vaz Serra, é aquele que defende que a excepção pode ser oposta ainda que haja vencimentos diferentes…apenas não podendo ser oposta pelo contraente que devia cumprir primeiro...” [13]

A excepção em causa dilata o tempo de cumprimento da obrigação de uma das partes até ao momento do cumprimento da obrigação pela outra. Ou seja, a excepção não extingue o direito do crédito de que é titular o outro contraente, mas há uma suspensão da exigibilidade da sua obrigação, por forma a que o contraente não faltoso pode legitimamente recusar a sua prestação, sem com isso incorrer em mora. (cfr. José J. Abrantes in “A excepção de não cumprimento do contrato”).»

A implicar que a exceção de não cumprimento do contrato pressupõe que o contrato ainda esteja pendente.

.Reportando-nos ao caso dos autos, coloca-se a questão de saber se os Réus –Recorrentes se podem valer da excepção de não cumprimento do contrato, recusando o pagamento das rendas devidas e não pagas,

Ora, com fundamento nas considerações expostas, afigura-se-nos que não merece procedência a argumentação dos réus-recorrentes.

Concretizando:

No contrato de arrendamento a contrapartida pelo pagamento da renda por parte do arrendatário é a obrigação do senhorio em garantir o gozo e fruição da coisa locada.

É sabido que no contrato de arrendamento são obrigações do locador entregar ao locatário a coisa locada e assegurar-lhe o gozo desta para os fins a que se destina (cf. art.º 1031º, alíneas a) e b) do Código Civil).

Por outro lado, constitui obrigação do locatário o pagamento da renda, que surge como contrapartida do gozo da coisa cedida pelo locador, e que se mantém enquanto o contrato perdurar, sendo este um dos seus elementos essenciais (cf. artigos 1022º e 1038º, al. a) do CC).

O pagamento da renda é pois a principal obrigação do arrendatário, sendo devida como retribuição pelo gozo temporário de uma coisa imóvel que lhe é proporcionado pelo senhorio, no âmbito de um contrato de arrendamento.

Sabe-se, igualmente, que o contrato de arrendamento é, por natureza, bilateral ou sinalagmático, já que dele nascem obrigações para ambas as partes, estando essas obrigações unidas por um vínculo de reciprocidade ou interdependência (sinalagma).

Assim, a obrigação de pagar a renda, imposta ao locatário, faz parte do sinalagma contratual, na medida em que se contrapõe à obrigação fundamental, imposta ao locador, de proporcionar o gozo da coisa ao locatário. (cf. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 4ª ed., págs.316/317).

Sucede que, no caso em apreço, o contrato de arrendamento cessou em 18 de Março de 2021.

O contrato está extinto. Nada têm os réus a excepcionar, porque a autora não está vinculada à prática de qualquer contra-prestação.

Pelo exposto, concluímos pela não aplicação ao caso concreto da excepção prevista pelo artigo 428º do C. Civil, a revelar que também nesta parte não merece censura a sentença recorrida.

3.3.4.Da pretendida a aplicação do artigo 1040.º do Código Civil.

Resulta das conclusões recursórias que os recorrentes pretendem a aplicação desse normativo, designadamente, alegam, para se operar um reajustamento dos valores devidos a título de rendas dado o suposto desequilíbrio contractual.

Apreciando e decidindo.

Estabelece o art 1040º do Código Civil, sob a epígrafe “(Redução da renda ou aluguer)”

1. Se, por motivo não atinente à sua pessoa ou à dos seus familiares, o locatário sofrer privação ou diminuição do gozo da coisa locada, haverá lugar a uma redução da renda ou aluguer proporcional ao tempo da privação ou diminuição e à extensão desta, sem prejuízo do disposto na secção anterior.

2. Mas, se a privação ou diminuição não for imputável ao locador nem aos seus familiares, a redução só terá lugar no caso de uma ou outra exceder um sexto da duração do contrato.

3. Consideram-se familiares os parentes, afins ou serviçais que vivam habitualmente em comunhão de mesa e habitação com o locatário ou o locador.

Convocando esse artigo os réus na contestação defenderam a desobrigação do pagamento da renda pela locatária ou se assim não se entender, a redução do valor da renda para 50%, na medida em que na vigência do contrato a chamada apenas usufruiu de uma parte do imóvel que arrendou.

É certo que resulta da factualidade provada que na vigência no contrato a chamada-arrendatária apenas usufruiu de uma parte do imóvel arrendado, mais precisamente a cave, rés-do-chão e 1º andar. A chamada não usufruiu do gozo do 2º, 3º andares, nem do sótão.

E os contratos devem ser pontualmente cumpridos e em obediência aos princípios da boa fé – artigos 406º e 762º do C. Civil.

No caso em apreço, estamos perante um contrato de arrendamento outorgado em Dezembro de 2018 entre a chamada, da qual os réus eram e são sócios e a autora.

Sucede que, quando o contrato foi assinado, já o 2º, 3º andares e sótão do imóvel arrendado não eram utilizados, o que era do conhecimento da arrendatária e fiadores. Os réus, através da chamada, a partir de 1 de Janeiro de 2019 e antes, através da outra sociedade arrendatária, usufruem daquela locado há pelo menos 35 anos.

Assim, conhecendo o estado do imóvel, do qual a chamada chegou a ser proprietária até 2011, quiseram arrendar o locado no estado em que o mesmo se encontrava, tendo sido da sua iniciativa e não da autora, a outorga do contrato.

Provou-se que ocorreram inundações após o contrato, em finais de 2019 e que a autora ainda nesse ano e em 2020 procedeu a obras na estrutura exterior no edifício. Não procedeu a obras no interior. Mas dessa omissão não resultou a diminuição do gozo do locado que a chamada fazia quando assinou o contrato e antes, na medida em que se provou que à data da assinatura do novo contrato os pisos 2 e 3 e sótão não eram usados.

A renda acordada entre as partes foi fixada com esse conhecimento por parte da chamada e réus.

Pelo exposto, acolhendo o entendimento do tribunal recorrido, também nós concluímos que no caso não estão verificados os pressupostos previstos pelo artigo 1040º do C. Civil, na medida em que após as inundações ocorridas em finais de 2019 a arrendatária não sofreu privação ou diminuição do gozo da coisa locada, continuando a usufruir dos mesmos espaços que usufruía e sabia que poderia usufruir quando assinou o contrato.

Improcede também este o argumento invocado pelos réus.-recorrentes .

3.3.5. Do pedido de litigância de má-fé.

Por último, entendem os Recorrentes que a apreciação do pedido de litigância de má-fé não sofreu um cumprimento satisfatório do dever de fundamentação previsto pelo artigo 154.º do CPC e 205.º n.º1 da Constituição – apenas tendo sido invocados os pressupostos do artigo 542.º do CPC (a sua não verificação).

Porque releva, reproduzem-se aqui as conclusões recursórias que contendem com a litigância de má fé:

“(116) Por fim, o Tribunal a quo decidiu “Tendo em consideração os pressupostos legais previstos pelo artigo 542º do C.PC” que “não resulta dos autos que, quer a autora, quer os réus, quer a chamada, tenham actuado em litigância de má-fé.”.

(117) Porquanto, no que concerne à litigância de má-fé suscitado pelos Recorrentes tendo a decisão recorrida julgado por não verificada, com o devido respeito, entendem os Recorrentes que o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento:

(118) Há, manifestamente, desadequada subsunção jurídica em face dos factos dados por provados e da valoração do depoimento de CC no dia 15-01-2024 com inicio às 11:25 horas e fim às 12:17 horas, entre os minutos 30:32:00 a 31:55:00, os minutos 32:34:00 a 32:59:00, os minutos 34:24:00 a 37:08:00, os minutos 37:33:00 a 38:14:00 e os minutos 38:14:00 a 39:01:00.

(119) Acresce que a Douta Sentença não fez uma correlação entre o comportamento solicitado pelos Recorrentes e a ausência de verificação dos pressupostos de facto e de direito para a condenação da requerida como litigante de má-fé, não tendo sido cumprido, de forma suficiente, o dever de fundamentação que se impunha ao tribunal (cfr. artigo 205.º, n.º 1 da Constituição e artigo 154º do CPC).

(120) O sentido com que, no entender dos Recorrentes, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas; Tendo em sede de julgamento sido realizada prova testemunhal suficiente para se dar como verificada a litigância de má-fé da Recorrida.

(121) A sentença ao não condenar a Autora como litigante de má-fé não aplicou devidamente o disposto nos artº 542º e 543º do CPC.

(122) Assim, não se entende o percurso lógico feito nem o que fundou a convicção do Tribunal em tais juízos.

(123) Termos que a sentença recorrida revogou as normas do instituto da fiança comercial; subsidiariamente,

Apreciando e decidindo:

Na reclamação ao despacho saneador apresentada a 18.01.2023, relativamente à má fé, e para o que aqui releva os réus alegaram:

“4º.A Autora, conforme supra exposto e como se procurará demonstrar em sede de audiência de julgamento concebeu afirmações falsas e contrárias à verdade por si pessoal e diretamente conhecida.

5º.Sabe perfeitamente que alterou parte dos factos, omitindo outros, que sabe serem relevantes para a descoberta da verdade material.

6º.Porquanto, articula factos e omite factos, tentando dar uma imagem falsa da Interveniente B… como ade parte incumpridora- ede si própria ade cumpridora escrupulosa, quando o inverso é que é a verdade, de modo que se tivesse desde início relatado toda a verdade os factos não teriam qualquer tipo de alicerce.

7º.Daí que, e face ao que vem sendo exposto e devidamente fundamentado, urge concluir pela litigância de má-fé da Autora, que deverá ser condenada, em multa e indemnização, ao abrigo do disposto nos artigos 542º e seguintes do Código do Processo Civil;

8º.Mais, devendo ser condenada no pagamento à Interveniente B... por atentar contra o bom nome e prestígio desta.

9ºPois que com a presente demanda assaca-se, desde logo, à B... e aos seus fiadores, aqui Réus, um comportamento desprestigiante e ilegal de muito fácil propagação.

10º. A Autora não se coibiu de contextualizar a relação controvertida perante o douto Tribunal criando incerteza quanto à integridade e seriedade, prejudicando o seu bom nome e prestígio s partes.”

Na sentença recorrida, no que concerne à litigância por má fé o tribunal a quo escreveu:” “Tendo em consideração os pressupostos legais previstos pelo artigo 542º do C.PC não resulta dos autos que, quer a autora, quer os réus, quer a chamada, tenham actuado em litigância de má-fé.”.

Admitimos que a fundamentação, que existe, da decisão proferida sobre a questão da litigância de má fé que foi imputada à autora-recorrida é exígua e genérica.

Todavia, a falta de maiores desenvolvimentos está em consonância com a alegação genérica vertida no requerimento de 18.01.2023 apresentado pelos réus e chamada, não vislumbrando este colectivo de juízes, em face da matéria de facto provada justificação para maiores desenvolvimentos, estando minimamente cumprido e de forma suficiente, o dever de fundamentação que se impunha ao tribunal a quo (cfr. artigo 205.º, n.º 1 da Constituição e artigo 154º do CPC).

De qualquer modo, sempre diremos que resulta da decisão sobre a questão de facto, que não estão provados que revelam serem verdadeiras as imputações genéricas que os recorrentes e a chamada imputavam à autora –recorrida no requerimento de 18.01.2023.

A realidade factual revelada pelos factos provados revelam que não existem factos que revelem que a autora dolosa e/ou negligentemente e de forma grosseira tenha articulado factos e/ou omitido factos essenciais para a descoberta da verdade, por forma a denegrir a imagem dos recorrentes.

De resto, a este respeito, a 1.ª Instância entendeu “que os Recorrentes já sabiam, ao elaborar e assinar o contracto de arrendamento de Dezembro de 2018 que o imóvel padecia de partes das quais eram inutilizáveis para fins não habitacionais – e, com isso em consideração, entenderam celebrar na mesma o contracto.”

O sucedido no decorrer da vigência do contracto, vulgo inundações, não alteraram o gozo que a locatária usufruía do imóvel, pelo que não há razão para qualquer redução do valor da renda.

Assim, fazemos, nossos os argumentos deduzidos pelo Tribunal ad quo, no sentido de improceder também a pretensão de condenação da autora-recorrida como litigante de –má-fé.

Improcede, assim, na totalidade o recurso de apelação interposto pelos recorrentes.

Sumário.

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IV.DELIBERAÇÃO:

Nestes termos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação do Porto, em julgar improcedente, por não provado o recurso de apelação, e, assim, confirmam a sentença recorrida.

Custas a cargo dos Recorrentes.


Porto, 07.11.2024
Francisca Mota Vieira
José Manuel Correia
Isabel Silva [Voto vencida pelas seguintes razões:
§ 1º - O regime da fiança encontra-se prescrito na lei geral, o CC. Constituindo o CIRE um regime especial, importa então verificar se ele contém algum preceito que determine especialidades face ao regime da fiança do CC, pois nesse caso será o CIRE o regime aqui aplicável.
Não ignorando que a posição expressa na sentença e no acórdão tem o apoio de entendimento maioritário a nível jurisprudencial e doutrinal no que toca à aplicabilidade ao PER do art.º 217º nº 4 do CIRE, com todo o respeito por tão avalisadas opiniões, sentimos grandes reservas por esse entendimento.
Em primeiro lugar, o art.º 217º do CIRE integra-se no plano de insolvência, o qual constitui também um processo especial dentro do CIRE, a par do PER. Tratando-se de dois processos especiais, e na ausência de intenção inequívoca do legislador, a cada um serão aplicáveis as respetivas regras nele consignadas. Como se sabe, aos processos especiais aplicam-se apenas as disposições que lhes são próprias, as disposições gerais e comuns e, em tudo o quanto não estiver prevenido numas e noutras, observa-se o que se acha estabelecido para o processo comum (art.º 549º nº 1 do CPC). Assim, as regras de um não podem aplicar-se no outro a não ser que a lei o diga expressamente.
Percorrendo os normativos que regulam o PER (artigos 17º-A a 17º-I do CIRE), também ele processo especial (A lei assim o designa nos números 4, 6 e 7 do art.º 17º-G) face ao “processo de insolvência” e ao “plano de insolvência”, em ponto algum se vê a referência expressa, ou alguma remissão, para outros preceitos, designadamente para o art.º 217º.
Em contraponto, sempre que o entendeu conveniente, o legislador não deixou de o fazer. Veja-se, a título de exemplo, as remissões efetuadas pelo art.º 17º-C, 17º-E ou 17º-I e, principalmente, pelo art.º 17º-F nº 4 e 5 onde claramente se pretendeu utilizar algumas das normas que regulam o plano de insolvência.
O plano de insolvência mostra-se contemplado no CIRE desde o início da vigência do diploma (DL nº 53/2004, de 18/03). Já o PER foi apenas introduzido com a Lei nº 16/2012, de 20/04). Se 8 anos depois o legislador soube identificar e expressar claramente os preceitos aplicáveis do plano de insolvência ao PER, não se vê razão para ter “esquecido” a remissão para o art.º 217º.
A acrescer, prescreve o nº 7 do art.º 17º-F: Nos 10 dias seguintes à receção da documentação mencionada nos números anteriores, o juiz decide se deve homologar o plano de recuperação ou recusar a sua homologação, aplicando, com as necessárias adaptações, as regras previstas no título ix, em especial o disposto nos artigos 194.º a 197.º, no n.º 1 do artigo 198.º e nos artigos 200.º a 202.º, 215.º e 216.º, e aferindo:
Daqui decorre que o legislador enumerou expressamente os preceitos do plano de insolvência que queria aplicáveis, e deles não consta o art.º 217º.
Aliás, ciente da polémica que já então existia, nem em 2015 o legislador alterou o preceito, ou fez qualquer remissão. O mesmo acontecendo com a alteração introduzida pelo Decreto-Lei nº 79/2017, de 30 de junho, em que se determinou a aplicabilidade ao PER do art.º 218º nº 1 do CIRE (até esta alteração, saber o que acontecia aos créditos em caso de incumprimento do PER constituía outra fonte de controvérsia jurisprudencial e doutrinal), mantendo silêncio sobre qualquer remissão para o art.º 217º nº 4.
Assim, pelas regras da hermenêutica e face ao teor da letra da lei (que constitui o ponto de partida da interpretação, art.º 9º nº 1 do CC), ao elemento histórico (antecedentes legislativo do plano de insolvência face ao processo de revitalização) ao elemento sistemático (unidade do sistema jurídico, estarmos perante 2 processos especiais, a inserção sistemática do art.º 217º, sua epígrafe e a ausência de remissão pelo art.º 17º-F) não encontramos razão justificativa para a aplicação do art.º 217º ao processo especial de revitalização.
Os artigos 200º a 202º respeitam a disposições gerais e os artigos 215º e 216º à não homologação do plano de insolvência. Já o art.º 217º consigna sobre os efeitos gerais dum plano de insolvência homologado.
Compaginando o processo de insolvência e o plano de insolvência vemos que também eles não são uma e a mesma coisa, comportando diferenças significativas. E uma delas é que no processo de insolvência não se encontra um preceito que, tal como o art.º 217º, defina qual o efeito da declaração de insolvência sobre os garantes. - Sobre o tema, veja-se Alexandre de Soveral Martins, “Um Curso de Direito da Insolvência”, 2ª edição, 2016, Almedina, pág. 445-449. O plano de insolvência envolve também especialidades relativamente aos efeitos comuns da declaração de insolvência, permitindo uma derrogação das normas legais que se aplicam na ausência de plano.
Por fim, diremos que o nº 4 do art.º 217º não só é uma norma de direito especial, mas que pode também ser classificada como norma excecional, na medida que se reporta a uma parte restrita do setor de relações que regula e consagra um regime oposto ao regime-regra, designadamente ao nº 2 do art.º 192º do CIRE que preceitua que o plano só pode afetar por forma diversa a esfera jurídica dos interessados, ou interferir com direitos de terceiros, na medida em que tal seja expressamente autorizado neste título ou consentido pelos visados. - Neste sentido, Catarina Serra, “Nótula sobre o art.217.º n.º 4 do CIRE”, in “Estudos dedicados ao Professor Doutor Luís Alberto de Carvalho Fernandes”, Volume I, Universidade Católica Portuguesa, 2011, pág. 385, que preconiza uma interpretação restritiva do art.º 217º nº 4 do CIRE.
Na verdade, o nº 4 do art.º 217º contém duas estipulações:
● as providências previstas no plano de insolvência com incidência no passivo do devedor não afetam a existência nem o montante dos direitos dos credores da insolvência contra os codevedores ou os terceiros garantes da obrigação;
● os codevedores ou os terceiros garantes da obrigação apenas podem agir contra o devedor em via de regresso nos termos em que o credor da insolvência pudesse exercer os seus direitos contra o devedor.
A entender-se que se trata de uma norma de carácter excecional, como pensamos que o art.º 217º nº 4 do CIRE integra, está proibida a analogia: art.º 11 do CC.
Daqui decorre que a primeira vertente coincide com o regime geral da fiança com renúncia ao benefício da excussão (como é aqui o caso) do CC, caso em que devedor e fiador se tornam devedores solidários, podendo o credor exigir a totalidade do crédito de qualquer deles (art.º 634º, 638º, 512º e 518º do CC).
Porém, a 2ª parte do nº 4 do art.º 217º do CIRE já desvirtua a solução do CC, na medida em que altera o direito de fiador garante: o art.º 644º do CC confere ao fiador um direito de sub-rogação, enquanto que o nº 4 do art.º 217º do CIRE qualifica tal direito como direito de regresso.
Por outro lado, nos termos do art.º 644º do CC, o fiador que cumprir a obrigação fica sub-rogado nos direitos do credor relativamente à totalidade do montante que pagou.
Já de acordo com o art.º 217º nº 4 do CIRE, o fiador apenas pode exigir do devedor, em via de regresso, aquilo que o próprio credor poderia exigir do devedor nos termos estabelecidos no plano. Se do plano de insolvência constava uma redução do crédito, o fiador apenas pode peticionar esse montante reduzido, independentemente do valor que tenha pago. Um desvirtuamento completo do instituto da fiança cuja caraterística fundamental reside na acessoriedade!
Como sabemos, embora exista afinidade entre ambos os institutos, a sub-rogação e o direito de regresso constituem, no sistema legal português, realidades jurídicas distintas e, em determinado aspeto, mesmo opostas. – Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, vol. II, 7ª edição, Almedina, pág. 346-347.
Por fim, tendo a norma um carácter excecional, como pensamos que o art.º 217º nº 4 do CIRE integra, está proibida a analogia: art.º 11 do CC.
§ 2º - A solução encontrada implica a desvirtuação do regime jurídico geral da fiança, operada por uma remissão de norma do dum processo especial.
Nos termos do art.º 644º do CC, o fiador que cumprir a obrigação fica sub-rogado nos direitos do credor relativamente à totalidade do montante que pagou.
Já de acordo com o art.º 217º nº 4 do CIRE, o fiador apenas pode exigir do devedor, em via de regresso, aquilo que o próprio credor poderia exigir do devedor nos termos estabelecidos no plano. Se do plano de insolvência constava uma redução do crédito, o fiador apenas pode peticionar esse montante reduzido, independentemente do valor que tenha pago. Um desvirtuamento do instituto da fiança cuja caraterística fundamental reside na acessoriedade!
§ 3º - A aplicabilidade do art.º 217º, protege o credor — que pode aderir a um acordo no plano de insolvência, sabendo que nada perde pois pode executar o crédito na íntegra através do fiador — e o devedor insolvente — que, mesmo em via de regresso, sabe que nunca pode ser confrontado com a totalidade do que o fiador haja pago, mas apenas com o valor e as condições estabelecidas no plano.
Quem fica totalmente desprotegido é o garante fiador, que se vê confrontado com umas condições que não contratou ao dar a sua fiança e, mais grave ainda, que lhe foram alteradas sem ele sequer ter sido ouvido, posto que nem participou nas negociações do plano!
Sabemos que não é necessário um credor participar na negociação e na aprovação do Plano para ver o seu crédito afetado pelas medidas nele contidas. Porém, é necessário que lhe tenha sido dada essa oportunidade, ou porque o crédito foi reconhecido no PER ou porque, apesar de não o ter sido, após impugnação, o juiz lhe conferiu essa possibilidade, nos termos do artigo 17.º-F, n.º 5, do CIRE. Ora, se isto é assim relativamente aos credores, que podem participar nas negociações, por maioria de razão se deve atender à posição dos garantes fiadores, a quem nada é dito ou facultado, sendo apenas constrangidos na sua esfera jurídica por aquilo que outros decidiram.
É sabido que a fiança constitui um negócio de risco. Porém, como avaliar um risco quando a decisão está “nas mãos de outrem”?
«A característica da fiança como negócio de risco ou de perigo permite identificar ou, pelo menos, alvitrar os seguintes aspectos do regime: a) possibilidade de o fiador saber ex ante o nível de risco assumido; b) possibilidade de o assuntor de risco poder consultar (estudar), no decurso do negócio, o nível de risco existente; c) interpretação estrita das declarações de assunção de risco, com a correlativa tendencial aplicação dos critérios in dubio pro fideiussione e in dubio pro fideiussore; d) impossibilidade de aplicação da doutrina da alteração das circunstâncias a favor do beneficiário da assunção do risco; e) forte restrição da aplicação da alteração das circunstâncias a favor do assuntor do risco; tendencial carácter intuitu personae da vinculação; g) carácter expresso das cláusulas de agravamento do risco fidejussório, como seja a cláusula de fiador e principal pagador, a cláusula de renúncia aos meios de defesa do devedor, a cláusula de pagamento ao primeiro pedido, a aceitação do acrescido risco fidejussório nas situações do artigo 632/2CC; h) e, last but not least, a aceitação da existência de deveres de informação e aviso sobre o risco da prestação de fiança, quer pelo credor, quer pelo devedor principal.» - Manuel Januário da Costa Gomes, in “Sobre os poderes dos credores contra os fiadores no âmbito de aplicação do CIRE. Breves notas”, in “III Congresso de Direito da Insolvência”, 2015, Almedina, pág. 337 a 341.
Uma coisa é o risco inerente a qualquer situação de direito de regresso (no sentido que o devedor principal pode já não ter património ou tê-lo muito diminuído); coisa diversa é a própria lei impor, ab initio, a impossibilidade do fiador vir a recuperar em ação própria tudo aquilo que pagou.
Como bem refere Anabela Luna de Carvalho, ao nível do risco a solução anterior do revogado CPEREF revelava-se bem mais equilibrada ao nível dos interesses em confronto:
«A solução anterior repartia, assim, equitativamente, as desvantagens económicas das providências acordadas, uma vez que, o credor suportava a alteração do seu crédito por via das medidas de extinção, redução ou moratória, que houvesse aprovado ou consentido, não podendo exigir do garante mais do que esse crédito reconfigurado (que, em extremo poderia ser extinto se tivesse concedido um perdão total) e, o garante suportava, apenas, se fosse o caso, o risco da insolvência propriamente dita, único impedimento ao seu ressarcimento por via de regresso.» - in Data Venia, Revista Jurídica Digital, ano 10, nº 13, “Aval e Plano de Insolvência, O financiamento pelos garantes da recuperação do insolvente. O art.º 217º nº 4 do CIRE. As diferenças de regime no PER”.
Num tal quadro, seria caso de se pensar em inconstitucionalidade da norma por violação do princípio da confiança, como se refere no acórdão do STJ de 27/03/2007, processo nº 07A760: «O princípio da confiança postula uma ideia de protecção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na actuação do Estado, o que implica um mínimo de certeza e de segurança no direito das pessoas e nas expectativas que lhes são juridicamente criadas, razão pela qual é inconstitucional a norma que, por sua natureza, obvie de forma intolerável ou arbitrária àquele mínimo de certeza e segurança que os cidadãos, a comunidade e o direito têm de respeitar.»
No mesmo sentido, Catarina Serra [[14]]: «Outras vezes – a maior parte das vezes -, estaria em causa a violação do (sub)princípio da tutela da confiança, configurando-se um abuso do direito, na “modalidade” do venire contra factum proprium. O credor que, tendo tornado viável um plano de recuperação da empresa e consentido nas alterações aos créditos aí previstas, venha a pôr-se em condições de não ser afectado por tais alterações, a desinteressar-se da recuperação e a furtar-se aos riscos que lhe são inerentes, está a adoptar com certeza um comportamento diferente do esperado e a violar, com toda a probabilidade, as legítimas expectativas do insolvente, dos condevedores ou garantes e dos outros credores – a violar a sua confiança. Para que este comportamento fosse identificado como um “comportamento contraditório” bastaria, mais precisamente, que se verificassem os três requisitos fundamentais do venire contra factum proprium, autonomizados por BAPTISTA MACHADO: a) a situação objectiva de confiança; b) o “investimento” na confiança; c) a boa fé de quem confiou. Os dois primeiros verificar-se-iam quase sempre: a votação favorável ao plano de insolvência é apta a criar expectativas quanto ao comportamento futuro do credor, sendo a situação de confiança criada base para a subsequente tomada de posição ou conduta dos outros sujeitos envolvidos. O último verificar-se-ia sempre que os sujeitos envolvidos desconhecessem a divergência entre a intenção aparente do credor (de submeter-se aos condicionamentos do plano de pagamentos e continuar a apoiar a recuperação) e a intenção real (de furtar-se a isso), o que tão pouco haveria de ser raro.» - In “Nótula sobre o art.217.º n.º 4 do CIRE”, in “Estudos dedicados ao Professor Doutor Luís Alberto de Carvalho Fernandes”, Volume I, Universidade Católica Portuguesa, 2011, pág. 386-387, que preconiza uma interpretação restritiva do art.º 217º nº 4 do CIRE.
§ 4º - Embora com outra argumentação, mas no mesmo sentido da posição aqui expressa – não aplicabilidade ao PER do art.º 217º nº 4 do CIRE – e, em concreto, aos fiadores, veja-se Manuel Januário da Costa Gomes, “Sobre os poderes dos credores contra os fiadores no âmbito de aplicação do CIRE. Breves notas”, in “III Congresso de Direito da Insolvência”, 2015, Almedina, pág. 337 a 341.
E, ainda, Rui Pinto, “A eficácia do Processo Especial de Revitalização sobre os terceiros devedores e garantes”, in “Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Carlos Pamplona Corte-Real”, Almedina, 2016, pág. 26.
Em termos jurisprudenciais, acórdão da Relação de Lisboa de 13/07/2017, processo nº 1515/13.6TVLSB.L1-2, acórdão do STJ de 04/12/2007, processo nº 07B4176 e acórdão da Relação de Guimarães de 24/04/2012, processo nº 1248/10.5TBBCL-A.G2.
§ 5º - Desconsiderando a aplicabilidade do art.º 217º nº 4 do CIRE, o perdão ou redução da dívida no PER em relação ao devedor, bem como as diversas condições do pagamento, serão extensíveis aos fiadores. Isto por força do preceituado no art.º 631º nº 2 do CC que impõe a redução da fiança “aos precisos termos da dívida afiançada” e por força da acessoriedade da fiança (art.º 627º nº 2 CC) - a modificação da obrigação principal acarreta a modificação da obrigação fidejussória na mesma medida.
Assim sendo, não se tendo ainda vencido a obrigação do devedor principal (por força das modificações introduzidas no PER), consequentemente, face à acessoriedade da fiança, opera a procedência da exceção perentória da inexigibilidade da obrigação fidejussória.
§ 6º - Poderia equacionar-se a aplicabilidade do art.º 610º do CPC (julgamento no caso de inexigibilidade da obrigação), mas entendemos não ser o caso.
Por um lado, porque os Réus não invocaram apenas a inexigibilidade da obrigação de pagamento, mas também a existência da obrigação, considerando que não poderiam ser compelidos a pagar a totalidade do que lhes é peticionado, mas apenas o montante acordado no PER.
Por outro lado, não se pode esquecer que o resultado desse PER é ainda um acontecimento futuro e incerto.
Ficou consignado no PER uma moratória, pois que o mesmo irá perdurar por 5 anos (60 meses) que, contados desde janeiro de 2021 (data da homologação) ainda não se mostram volvidos.
Assim, 3 situações podem surgir:
a) Se o PER vier a ser integralmente cumprido, operar-se-á a extinção da obrigação principal e, por consequência, a obrigação fidejussória cujo cumprimento aqui se peticiona.
b) Se ocorrer incumprimento do PER, de acordo com o nº 13 do art.º 17º-F do CIRE, é aplicável ao plano de recuperação o disposto no nº 1 do artigo 218º, que regula assim sobre a possibilidade de incumprimento do plano:
1 - Salvo disposição expressa do plano de insolvência em sentido diverso, a moratória ou o perdão previstos no plano ficam sem efeito:
a) Quanto a crédito relativamente ao qual o devedor se constitua em mora, se a prestação, acrescida dos juros moratórios, não for cumprida no prazo de 15 dias após interpelação escrita pelo credor;
Quer isto dizer que de momento não se sabe ainda se o PER vai ser integralmente cumprido. E, se não o vier a ser, fica sem efeito o estipulado no plano, voltando a dívida ao valor e condições de cumprimento originárias, havendo apenas que contar com o valor já pago.
c) No caso de cumprimento parcial do PER, os montantes pagos pelo devedor principal haverão que ser abatidos ao montante global da dívida.
O Tribunal não pode efetuar qualquer condenação em conformidade com o resultado do PER, pois tudo está dependente da verificação de uma de 3 hipóteses.
O art.º 610º do CPC apenas contempla uma situação de inexigibilidade, mas não a definição da própria obrigação que, no caso, está dependente de ocorrer uma de 3 condições.
Incorrer-se-ia numa condenação condicional que, como se sabe, o nosso sistema não admite.
§ 7º - Concluindo, julgaria procedente a apelação, revogando a sentença recorrida e determinando a absolvição dos Réus com fundamento na inexigibilidade da obrigação fidejussória.]
___________________
[1] Acórdão do STJ, de 20.05.2010 (processo 2655/04.8TVLSB.L1.S1), disponível em www.dgsi.pt/, sítio a atender nos demais arestos que vierem a ser citados sem outra menção de origem.
[2] Acórdão do STJ, de 13/09/2022, proc. n.º 773/19.7T8CBR.C1.S1.
[3] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. II, 5ª edição, Almedina, pág. 477.
[4] Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Volume I, Coimbra Editora, 4.ª Edição, p. 648.
[5] Menezes Leitão em Garantias das Obrigações, Almedina, 6.ª Edição, p. 109
[6] Nuno Salazar Casanova e David Sequeira Dinis, O processo especial de revitalização – Comentário aos artigos 17º-A a 17º-I do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, Coimbra Editora, pág. 62.
[7] Ac. da Relação de Évora, de 13.08.2013, proferido no processo 983/12.8TBENT.E1 (Canelas Brás).
[8] Entre outros, o citado Ac Relação de Guimarães de 22.07.2022.
[9]
[10] Acórdão STJ de 20.11.2012, in www.dgsi.pt – proc.114/09.1.TBMTR.P1.S1
[11] cfr. “A Excepção de Não Cumprimento do Contrato”, de José João Abrantes, 1986, 39 e segs.
[12] Vide, a este respeito, na RLJ., Ano 119.°, págs. 137 e segs., o acórdão do S. T. J., de 11 de Dezem­bro de 1984, com anotação de Almeida Costa).”
[13] RLJ, Ano 105º, pág. 238.
[14] No artigo atrás citado, pág. 386-387. Veja-se, ainda, Luís M. Martins, “Processo de Insolvência Anotado e Comentado”, Almedina, 2013, 3ª edição, pág. 466-468.