Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
10508/22.1YIPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS GIL
Descritores: NULIDADES DA SENTENÇA
INUTILIDADE DA REAPRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Nº do Documento: RP2024121110508/22.1YIPRT.P1
Data do Acordão: 12/11/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMAÇÃO
Indicações Eventuais: 5. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Tradicionalmente, invocando-se os ensinamentos do Professor Alberto Reis, é recorrente a afirmação de que a falta de fundamentação da sentença apenas se verifica quando ocorre falta absoluta de especificação dos fundamentos de facto ou dos fundamentos de direito.
II - No entanto, no atual quadro constitucional (artigo 205º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa), em que é imposto um dever geral de fundamentação das decisões judiciais, ainda que a densificar em concretas previsões legislativas, de forma a que os seus destinatários as possam apreciar e analisar criticamente, designadamente mediante a interposição de recurso, nos casos em que tal for admissível, parece que também a fundamentação de facto ou de direito insuficiente, em termos tais que não permitam ao destinatário da decisão judicial a perceção das razões de facto e de direito da decisão judicial, deve ser equiparada à falta absoluta de especificação dos fundamentos de facto e de direito e, consequentemente, determinar a nulidade do ato decisório.
III - Importa distinguir a falta de fundamentação, geradora da nulidade do ato decisório, da fundamentação errónea ou contraditória, seja a nível factual, seja a nível jurídico que constitui erro de julgamento.
IV - A contradição entre os fundamentos e a decisão geradora da nulidade da sentença verifica-se sempre que a fundamentação de facto e de direito da sentença proferida apontam num certo sentido e, depois, inopinadamente, surge um dispositivo que de todo não se coaduna com as premissas, sendo assim um vício na construção da sentença, um vício lógico nessa peça processual distinto do erro de julgamento que ocorre quando existe errada valoração da prova produzida, errada qualificação jurídica da factualidade provada ou errada determinação ou interpretação das normas legais aplicáveis.
V - Para a integração desta patologia decisória não releva a contradição que possa eventualmente existir entre os factos provados e os não provados e a motivação desses juízos de facto.
VI - A nulidade da sentença é uma patologia que, ressalvada a hipótese prevista na alínea a) do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil, não é de conhecimento oficioso, competindo por isso ao arguente dessa patologia a alegação dos factos essenciais integradores da referida patologia.
VII - A reapreciação da decisão matéria de facto não é um exercício dirigido a todo o custo ao apuramento da verdade afirmada pelo recorrente mas antes e apenas um meio de o recorrente poder reverter a seu favor uma decisão jurídica fundada numa certa realidade de facto que lhe é desfavorável e que o recorrente pretende ver reapreciada de modo a que a realidade factual por si sustentada seja acolhida judicialmente.
VIII - Logo que faleça a possibilidade de uma qualquer alteração da decisão da matéria de facto poder ter alguma projeção na decisão da matéria de direito em sentido favorável ao recorrente, deixa de ter justificação a impugnação deduzida, traduzindo-se antes na prática de um ato inútil, por isso ilícito.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 10508/22.1YIPRT.P1

Sumário do acórdão proferido no processo nº 10508/22.1YIPRT.P1 elaborado pelo relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil:

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Acordam os juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:

1. Relatório[1]

Em 02 de fevereiro de 2022, no Balcão Nacional de Injunções, A..., Unipessoal, Lda. intentou requerimento de injunção contra B..., Lda. pedindo a notificação da requerida para lhe pagar o montante global de € 6 351,17, sendo € 6 000,00 de capital, €248,57 de juros vencidos e € 102,00 de taxa de justiça.

Para fundamentar as suas pretensões alegou no requerimento de injunção o seguinte:

A Requerente dedica-se às atividades fabricação de mobiliário; comércio a retalho em bancas, feiras e unidades móveis de venda, de têxteis, vestuário, calçado, malas e similares; construção de edifícios (residenciais e não residenciais); montagem de trabalhos de carpintaria e caixilharia.

Por sua vez a Requerente dedica-se às atividades de colocação de armários, roupeiros, portas, janelas e a colocação de trabalhos similares em madeira e em outros materiais. Inclui trabalhos de carpintaria executados e destinados à sua aplicação na obra (fixação de cofragens em madeira, tectos falsos, tabiques móveis, construção e instalação de estruturas em madeira.) Comércio a retalho e por grosso de móveis e artigos de iluminação. Fabricação de mobiliário de madeira.

No âmbito da respetiva atividade, a Requerente forneceu à Requerida, por solicitação desta, o serviço de montagem de carpintaria na sua obra em Beirute, Líbano, no decorrer do mês de maio de 2021, tendo realizado 274 horas de trabalho pelo valor de € 21,90/hora, conforme fatura n.º FT A/339, emitida em 01/06/2021, vencida em 01/07/2021, no valor de € 6.000,60 (seis mil euros e sessenta cêntimos).

Até à presente data a Requerida não procedeu ao pagamento da fatura.

Foi efetuada interpelação extrajudicial através de carta registada enviada à Requerida, tendo sido dado um prazo razoável para a liquidação da dívida. Verifica-se, no entanto, que a Requerida não procedeu ao pagamento da quantia em dívida.

Com o incumprimento do contrato de prestação de serviços, a Requerida constitui-se em mora e na obrigação de pagar à Requerente juros moratórios, contados à taxa anual legal sobre a quantia em dívida, no valor global de € 248,57 (duzentos e quarenta e oito euros e cinquenta e sete cêntimos) nesta data, que se peticionam até efetivo e integral pagamento.

Mais se requer, nos termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de maio, o pagamento de todos os custos suportados com os serviços prestados pela advogada, que se fixam desde já numa quantia nunca inferior a € 250,00 (duzentos e cinquenta euros).

Pelo que se requer o pagamento do capital em dívida, juros, e demais despesas com o presente processo.

Notificada do requerimento de injunção, B..., Lda. veio deduzir oposição impugnando toda a factualidade alegada pela requerente no seu requerimento que deu início ao procedimento de injunção, invocou a exceção de não cumprimento do contrato, alegando, para tanto, que celebrou com a requerente um contrato verbal com o Sr. AA, obrigando-se este a ceder à requerida trabalhadores para a execução de trabalhos de montagem de carpintaria numa sua obra em Beirute, trabalhadores que iriam exercer funções sob suas ordens, direção e fiscalização; o Sr. AA garantiu à requerida que seriam cedidos trabalhadores detendo o perfil para executar os trabalhos em apreço, com a exigência, qualidade e rigor que se impunha; no entanto, em obra, isso não se veio a verificar; um dos trabalhadores, o Senhor BB, tendo sido enviado como carpinteiro de 1.ª, apenas se mostrou qualificado e apto para praticar tarefas próprias de um ajudante de carpinteiro, tendo-se limitado a ajudar a pegar em partes dos móveis, auxiliar a montagem, ir buscar ferramentaria e tarefas similares; por sua vez, o Senhor CC fez um trabalho quase sempre apoiado pelo Senhor Arquiteto DD, colaborador da ré B..., sendo que revelou dificuldades para executar com perfeição a sua atividade e repetidamente teve que refazer trabalhos a pedido do Senhor Arquiteto DD e do responsável de obra por parte do cliente; no que respeita a horas executadas, trabalhos e defeitos a ré enviou ao Senhor AA os mapas demonstrativos do ocorrido em obra, tendo este aceitado fazer um ajuste no preço de € 850,00; os trabalhos executados obrigaram à deslocação da B... a Beirute para realização de reparações, o que implicou na realização de novas despesas, nomeadamente despesas de viagem, estadia e alimentação dos trabalhadores, além do custo dos recursos humanos empregues na execução das reparações; em face do sucedido a ré sempre esteve disponível, como está, para se encontrar um entendimento do qual resulte um valor satisfatório para ambos os intervenientes, posição que não tem o acolhimento da autora, concluindo pela improcedência da pretensão da autora e pela sua consequente absolvição do pedido.

Os autos foram remetidos para distribuição ao Juízo Local Cível de Paredes, Comarca do Porto Este.

Designou-se data para realização da audiência final, admitindo-se na primeira sessão as provas oferecidas pelas partes, não prescindindo a autora de prazo para exame de prova documental oferecida pela ré.

Após a primeira sessão da audiência final, em 15 de junho de 2022, a autora ofereceu um articulado impugnando grande parte da matéria alegada na oposição e suscitou a exceção de caducidade do direito de denúncia dos defeitos na obra, realizando-se após isso mais quatro sessões.

Em 04 de fevereiro de 2024 foi proferida sentença[2] que julgou a ação totalmente improcedente, sendo a ré absolvida do pedido.

Em 05 de março de 2024, o Sr. Advogado que patrocinava a autora veio declarar que renunciava à procuração que lhe foi conferida pela autora, renúncia apenas notificada à autora em 06 de março de 2024.

Em 08 de março de 2024, a autora veio constituir novo mandatário.

Em 19 de março de 2024, inconformada com a sentença, A..., Unipessoal, Lda. interpôs recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

1- Entende a aqui Recorrente que, pese embora, tenha mui respeito pela decisão ora recorrida, cabe-lhe o reparo que aqui se apresenta.

2- Com efeito, entende a Recorrente que da conjugação de todos os factos apurados resulta que o contrato celebrado entre aqui Recorrente, e a Requerida, tinha uma efetiva execução, e através dele a aqui Recorrente, com trabalhadores seus, assegurava os serviços de montagem de carpintaria, em contrapartida recebendo um pagamento.

3- Ao invés, entendeu a MMª Juiz a quo “Não temos dúvidas, pois, de que, o que a Requerida pretendia ao contratar com a Requerente era suprir a falta de mão-de-obra ocasional de que padecia para a realização daquela empreitada em concreto, e foi o que foi contratado”.

4- Mais resulta da mui douta sentença que “Não tendo a requerente logrado provar os factos que alegou e constitutivos do seu direito, como lhe competia, é óbvio que a acção deverá soçobrar.”

5- Desta forma, entende a Recorrente que a douta sentença padece da nulidade prevista no art.º 615 n º 1 alínea d) do C.P.C., já que, a prova produzida impunha outra decisão.

6- Assim, são fundamentos do presente recurso a saber:

1 º A nulidade da douta sentença proferida por falta de fundamentação (art. 607 n ºs 3 e 4 e art.º 615 º n.º1 alínea c) do C.P.C.); e

2 º A incorreta valoração do ponto 10) dos factos dados como provados e incorreta valoração 7) dos factos não provados, os quais fundamentam a existência de produção prova suficiente de que Ação deveria ter sido julgada procedente;

7- Com o devido respeito pela douta Sentença, que é muito, o certo é que, entende o Recorrente, que pese embora a Meritíssima Juiz tenha discriminados os factos que considerou provados e não provados, a verdade é que, entre eles e a análise da prova produzida, há uma evidente contradição.

8- Assim, entendemos que da prova produzida em audiência de julgamento e constante da fundamentação, não poderia a MMª Juiz ter dado como provado os pontos 10) assim como, não poderia ter dado como não provado o ponto 7).

9- Aliás, analisado o depoimento da Testemunha EE, podemos concluir que a Recorrente cumpriu a sua obrigação de provar que foi contratado/procurado para prestar serviços e não fornecer mão de obra como defende a MMª juiz a quo.

10- Deveria outro sim, ter sido dado como não provado o ponto 10) dos factos provados e o ponto 7) dos factos não provados ser considerado provado, visto que do depoimento da testemunha EE com a contagem de 10:57 a 11:24 do dia 12- 07-2023 com duração de 00:26:24, acima transcrito, foi isso que resultou.

11- A QUAL CONFIRMA VERSÃO DA RECORRENTE, E QUE CONDUZIRIA A QUE A PRESENTE ACÇÃO FOSSE JULGADA PROCEDENTE.

12- É evidente que resultando da motivação da mui douta sentença. que a Requerida procurou/contratou os “Serviços” da Recorrente e não procurou a sua “mão de obra” e como “alguém para montagens” e não como fornecedor de mão de obra, OUTRA DECISÃO SE IMPUNHA.

13- Por outro lado, sem prescindir, entendemos que não ficaram preenchidos os pressupostos da cedência ocasional de trabalhadores prevista nos arts.º 288 e SS do Cód. Do Trabalho, ao contrario do que fundamente a MMª juiz a quo.

14- Cremos, ainda que a MMª Juiz a quo não teve em consideração de que o serviço prestado pela Requerente à Requerida foi fora do território nacional, e por conseguinte a viagem de avião muito impossibilitava o uso dos matérias próprios da Requerente.

15- Assim, como dificultava e muito a presença assídua da Requerente ou do seu Legal Representante legal em obra, para dar as habituais instruções aos trabalhadores.

16- Além de que, não nos parece, ao contrário do que defende a MMª juiz a quo, que atenta a exceção do não cumprimento invocada pela Requerida, os trabalhadores tivessem a cumprir escrupulosamente as instruções da Requerida.

17- O que nos parece, é que sendo a Requerida a única presente em Beirute através do Engº DD, obviamente, era com esta que os trabalhadores exerciam contacto constante (sendo contacto algo distinto de subordinação).

18- Entendemos que, atenta a prova produzida, é por demais evidente que foi contratado entre as partes uma prestação de serviços de carpintaria, mas como efetivamente, os serviços não decorreram da forma expectável, a Requerida invocou se tratar de uma cedência de trabalhadores, para assim, protelar o pagamento, que sabe que efetivamente deve.

19- Assim sendo, ao julgar improcedente a ação a Meritíssima Juiz violou o disposto nos art. 607 n º 4 e art.º 615 º n.º1 alínea c) ambos do C.P.C.)do Cód. Civil e por conseguinte não fez uma correta aplicação dos art.º 342 do Cód. Civil, art.ºs e 288 e SS do Cód. Trabalho.

B..., Lda. ofereceu contra-alegações pugnando pela total improcedência do recurso.

O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

Colhidos os vistos dos restantes membros do coletivo, cumpre agora apreciar e decidir.

2. Questões a decidir tendo em conta o objeto do recurso delimitado pela recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nºs 3 e 4 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil), por ordem lógica e sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil

2.1 Da nulidade da sentença recorrida por falta de fundamentação, por contradição dos fundamentos com a decisão e por omissão ou excesso de pronúncia;

2.2 Da impugnação do ponto 10 dos factos provados e do ponto 7 dos factos não provados;

2.3 Do não preenchimento dos pressupostos do artigo 288º do Código do Trabalho;

2.4 Do reflexo de uma eventual alteração dos fundamentos de facto na solução do caso.

3. Fundamentos

3.1 Da nulidade da sentença recorrida por falta de fundamentação e por contradição dos fundamentos com a decisão e por omissão ou excesso de pronúncia.

A recorrente imputa assertivamente à sentença recorrida a nulidade decorrente da falta de fundamentação (sexta conclusão), sem curar de precisar se essa alegada patologia se verifica na fundamentação de facto, na fundamentação de direito ou em ambas, subsumindo este vício à alínea c) do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil.

Além disso, a recorrente invoca a nulidade da sentença recorrida prevista na alínea c) do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil pois que, em seu entender, a prova produzida impunha outra decisão.

Finalmente, a recorrente afirma que a sentença recorrida violou a alínea d) do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil, mas nem no corpo das alegações, nem nas conclusões vem minimamente substanciada esta alegada violação com indicação das ou das questões de que se não tomou conhecimento ou de que se conheceu indevidamente. Apenas na quinta conclusão das suas alegações a recorrente refere que as provas produzidas impunham outra decisão, daí extraindo a conclusão de que assim procedendo a sentença recorrida enferma da nulidade prevista na alínea d) do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil.

Cumpre apreciar e decidir.

Antes de mais, recordemos as previsões legais em que vêm previstas as nulidades da sentença suscitadas pela recorrente.

De acordo com o previsto no artigo 615º, nº 1, alínea b) do Código de Processo Civil, é nula a sentença que não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.

Tradicionalmente, invocando-se os ensinamentos do Professor Alberto Reis[3], é recorrente a afirmação de que o vício em análise apenas se verifica quando ocorre falta absoluta de especificação dos fundamentos de facto ou dos fundamentos de direito.

No entanto, no atual quadro constitucional (artigo 205º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa), em que é imposto um dever geral de fundamentação das decisões judiciais, ainda que a densificar em concretas previsões legislativas, de forma a que os seus destinatários as possam apreciar e analisar criticamente, designadamente mediante a interposição de recurso, nos casos em que tal for admissível, parece que também a fundamentação de facto ou de direito insuficiente, em termos tais que não permitam ao destinatário da decisão judicial a perceção das razões de facto e de direito da decisão judicial, deve ser equiparada à falta absoluta de especificação dos fundamentos de facto e de direito e, consequentemente, determinar a nulidade do ato decisório[4].

O artigo 615º, nº 1, alínea c) do Código de Processo Civil prevê que é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.

O vício previsto na primeira parte da alínea em análise verifica-se sempre que a fundamentação de facto e de direito da sentença proferida apontam num certo sentido e, depois, inopinadamente, surge um dispositivo que de todo não se coaduna com as premissas, sendo assim um vício na construção da sentença, um vício lógico nessa peça processual distinto do erro de julgamento que ocorre quando existe errada valoração da prova produzida, errada qualificação jurídica da factualidade provada ou errada determinação ou interpretação das normas legais aplicáveis.

Já o vício previsto na segunda parte da aludida previsão legal, decorrente da eliminação do fundamento de esclarecimento da sentença previsto anteriormente na alínea a), do nº 1, do artigo 669º do Código de Processo Civil, na redação que vigorava antes da vigência do atual Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de junho, ocorre sempre que alguma ambiguidade ou obscuridade, torne a decisão ininteligível. Ocorre ambiguidade sempre que certo termo ou frase sejam passíveis de uma pluralidade de sentidos e inexistam meios de, com segurança, determinar o sentido prevalecente. Verifica-se obscuridade, sempre que um termo ou uma frase não têm um sentido que seja percetível, determinável. Quer a ambiguidade, quer a obscuridade têm que se projetar na decisão, tornando-a incompreensível, insuscetível de ser apreciada criticamente por não se alcançarem as razões subjacentes e comprometendo a sua própria execução por força de tais vícios.

Finalmente, nos termos do disposto no artigo 615º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil, a sentença é nula sempre que o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

Estabelece-se nesta previsão legal a consequência jurídica pela infração do disposto no artigo 608º, primeira parte do nº 2, do Código de Processo Civil. No entanto, como ressalva a segunda parte do número que se acaba de citar, o dever de o juiz apenas conhecer das questões suscitadas pelas partes cede quando a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.

As questões a decidir são algo de diverso dos argumentos aduzidos pelas partes para sustentar as posições que vão assumindo ao longo do desenvolvimento da lide[5]. As questões a decidir reconduzem-se aos concretos problemas jurídicos que o tribunal tem que necessariamente solver em função da causa de pedir e do pedido formulado, das exceções e contra-exceções invocadas, enquanto os argumentos são as razões ou fundamentos aduzidos para sustentar uma certa resposta a uma questão jurídica.

Importa salientar que a vinculação do tribunal às concretas questões ou problemas suscitados pelas partes é compatível com a sua liberdade de qualificação jurídica (artigo 5º, nº 3, do Código de Processo Civil). Por isso, o tribunal pode, sem violação da sua vinculação à problemática invocada pelas partes, qualificar juridicamente de forma diferente essas questões.

Recordado o enquadramento normativo das patologias invocadas pela recorrente, é tempo de apreciar se as mesmas se verificam ou não.

A alegada falta de fundamentação, salvo melhor opinião, não se verifica, na medida em que na sentença são enunciados os factos provados e não provados, motiva-se a decisão de facto e conclui-se fundamentando juridicamente a decisão a final tomada.

O raciocínio seguido pelo tribunal recorrido em qualquer destes segmentos da sentença recorrida é compreensível e, como tal, passível de ser criticado.

Há que distinguir a falta de fundamentação, geradora da nulidade do ato decisório, da fundamentação errónea ou contraditória, seja a nível factual, seja a nível jurídico que constitui erro de julgamento.

Assim, pelo exposto, improcede a arguição de nulidade da sentença recorrida por falta de fundamentação.

Vejamos agora a arguida nulidade por contradição dos fundamentos de facto com a motivação.

A contradição que legalmente é relevada para integração da nulidade da sentença prevista na primeira parte da alínea c) do nº 1 o artigo 615º do Código de Processo Civil é a que se verifica entre os fundamentos, na sua globalidade, e a decisão.

Para a integração desta patologia decisória não releva a contradição que possa eventualmente existir entre os factos provados e os não provados e a motivação desses juízos de facto[6]. A eventual existência de uma contradição dessa natureza é um sinal de que pode ter havido erro na decisão da matéria de facto ou tão-só na indicação das razões em que se baseou o juízo probatório[7], situações de todo bem diversas da contradição dos fundamentos com a decisão, geradora de nulidade da sentença recorrida.

Assim, face ao exposto, improcede esta arguição de nulidade da sentença recorrida.

Finalmente, apreciemos a nulidade da sentença recorrida por alegada violação da alínea d) do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil.

Em momento anterior deste acórdão já se deu conta que nem no corpo das alegações, nem nas conclusões vem minimamente substanciada esta alegada violação com indicação das ou das questões de que se não tomou conhecimento ou de que se conheceu indevidamente.

A nulidade da sentença é uma patologia que, ressalvada a hipótese prevista na alínea a) do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil, não é de conhecimento oficioso.

Por isso, compete ao arguente dessa patologia a alegação dos factos essenciais integradores da referida patologia.

No caso em apreço, a recorrente não identifica as questões que foram suscitadas e não foram conhecidas, tal como não alega as questões de que o tribunal a quo conheceu e que não sendo de conhecimento oficioso não foram suscitadas.

Por outro lado, a contradição entre a fundamentação de facto e as provas produzidas que a recorrente invoca para integrar esta arguição, a existir, constitui um erro de julgamento, um erro na decisão da matéria de facto por errónea apreciação da prova.

Deste modo, também esta arguição improcede, improcedendo totalmente esta questão recursória.

3.2 Da impugnação do ponto 10 dos factos provados e do ponto 7 dos factos não provados

A recorrente impugna o ponto 10 dos factos provados e o ponto 7 dos factos não provados, pretendendo que o primeiro seja julgado não provado e o segundo passe a facto provado.

Os pontos de facto impugnados têm o seguinte teor:

- Foi disponibilizado um contacto telefónico ao Senhor FF, representante legal da B..., como pertencendo a uma empresa que fornece mão de obra a outras empresas (ponto 10 dos factos provados);

- A ré, na pessoa de FF, entrou em contacto, via chamada telefónica, com o sócio-gerente da autora, GG, para negociar a contratação dos serviços de montagem de carpintaria (ponto 7 dos factos provados).

A impugnação destes pontos de facto assenta no depoimento da testemunha EE, nos segmentos que localiza temporalmente na gravação e que transcreve.

A recorrida pugna pela improcedência da impugnação, relevando outras passagens do depoimento da testemunha EE que localiza na gravação e bem assim outras provas pessoais decorrentes de declarações de parte e depoimentos testemunhais de testemunhas que identifica.

Cumpre apreciar e decidir.

A recorrente observa os ónus que incidem sobre o impugnante da decisão da matéria de facto e que se acham previstos no artigo 640º do Código de Processo Civil.

Porém, atentando na ilicitude da prática no processo de atos inúteis (artigo 130º do Código de Processo Civil), importa aferir da relevância jurídica da matéria impugnada para a sorte do litígio e, especialmente, para a procedência das pretensões formuladas pela recorrente no requerimento de injunção.

Na verdade, a reapreciação da decisão matéria de facto não é um exercício dirigido a todo o custo ao apuramento da verdade afirmada pelo recorrente mas antes e apenas um meio de o recorrente poder reverter a seu favor uma decisão jurídica fundada numa certa realidade de facto que lhe é desfavorável e que o recorrente pretende ver reapreciada de modo a que a realidade factual por si sustentada seja acolhida judicialmente.

Logo que faleça a possibilidade de uma qualquer alteração da decisão da matéria de facto poder ter alguma projeção na decisão da matéria de direito em sentido favorável ao recorrente, deixa de ter justificação a impugnação deduzida, traduzindo-se antes na prática de um ato inútil, por isso ilícito.

No caso em apreço, os pontos de facto impugnados referem-se a um momento anterior ao da celebração do acordo entre as partes e, qualquer que venha a ser o resultado da requerida impugnação, a resposta a estes pontos de facto não implica qualquer contradição com a factualidade dada como provada nos pontos 6 a 9, 11 e 12 e 14 a 19, todos dos factos provados, factos que a recorrente não impugna.

A eventual não prova do ponto 10 dos factos provados não contende com a subsistência da matéria dada como provada nos pontos 6 a 9, 11 e 12 e 14 a 19, tal como a eventual prova do ponto 7 dos factos não provados não envolve a não prova da matéria dada como provada nos pontos 6 a 9, 11 e 12 e 14 a 19.

Em bom rigor, os dois pontos de facto impugnados pela recorrente integram factos instrumentais com alguma aptidão probatória de factos essenciais de conteúdo antagónico.

Porém, por si só, qualquer um destes pontos de facto não basta para demonstrar essa realidade essencial, pois que até à celebração do acordo entre as partes, não obstante o que esteve na génese do contacto entre ambas, a vontade das partes pode orientar-se para um contrato substancialmente diverso daquele que inicialmente tinham em vista.

Neste contexto, a recorrente não se podia quedar pela impugnação dos aludidos factos instrumentais, tendo antes o ónus de também impugnar a factualidade essencial que com o auxílio da referida factualidade instrumental pretendia comprovar.

Pode assim concluir-se, com segurança, que neste circunstancialismo a impugnação da decisão da matéria de facto requerida pela recorrente é por si só inútil, já que não foram impugnados os factos essenciais em que tribunal recorrido firmou a sua decisão e, além disso, os factos impugnados respeitam a um momento anterior ao do acordo celebrado entre as partes e não têm uma relação de incompatibilidade com os aludidos factos essenciais não impugnados pela recorrente.

Assim, pelos fundamentos expostos, porque a impugnação da decisão da matéria de facto requerida pela recorrente, a ser admitida, constituiria a prática de atos inúteis, por isso ilícitos (artigo 130º do Código de Processo Civil), indefere-se a referida impugnação, mantendo-se intocada a factualidade provada e não provada, sem prejuízo de pontuais correções de lapsos ostensivos.

3.3 Fundamentos de facto exarados na sentença recorrida que se mantêm dado o indeferimento da impugnação da decisão da matéria de facto requerida pela recorrente[8]

3.3.1 Factos provados


3.3.1.1

A requerente dedica-se às atividades de fabricação de mobiliário; comércio a retalho em bancas, feiras e unidades móveis de venda, de têxteis, vestuário, calçado, malas e similares; construção de edifícios (residenciais e não residenciais); montagem de trabalhos de carpintaria e caixilharia.

3.3.1.2

A requerida dedica-se às atividades de colocação de armários, roupeiros, portas, janelas e a [à?] colocação de trabalhos similares em madeira e em outros materiais. Inclui trabalhos de carpintaria executados e destinados à sua aplicação na obra (fixação de cofragens em madeira, tetos falsos, tabiques móveis, construção e instalação de estruturas

em madeira.) Comércio a retalho e por grosso de móveis e artigos de iluminação. Fabricação de mobiliário de madeira.


3.3.1.3

A requerente emitiu a fatura n.º FT A/339, com data de emissão de 01/06/2021, com data de vencimento de 01/07/2021, no valor de €6.000,60 (seis mil euros e sessenta cents).

3.3.1.4

Até à presente data a requerida não procedeu ao pagamento da fatura.

3.3.1.5

Foi efetuada interpelação extrajudicial através de carta registada enviada à requerida.

3.3.1.6

A ré celebrou um contrato verbal, com o Senhor AA (com o esclarecimento que este representava a requerente), pelo qual a requerente (com o esclarecimento) se obrigou a ceder-lhe trabalhadores para a execução de trabalhos de montagem de carpintaria, em obra adjudicada à ré, sita em Beirute.

3.3.1.7

Sendo que, tais trabalhadores, exerceram as suas funções sob autoridade, direção e fiscalização da ré B....

3.3.1.8

À ré foi adjudicada a execução e montagem de trabalhos de carpintaria, em obra sita em Beirute.

3.3.1.9

Na medida em que não dispunha de recursos humanos suficientes para o efeito, atento o número de obras em curso, procurou a ré, no mercado, através da cedência de trabalhadores por terceiros, colmatar tal necessidade.

3.3.1.10

Foi disponibilizado um contacto telefónico ao Senhor FF, representante legal da B..., como pertencendo a uma empresa que fornece mão de obra a outras empresas.

3.3.1.11

Em face à necessidade de se socorrer de mão de obra externa, o representante legal da B... estabeleceu contacto junto do número em questão, tendo-lhe sido referido que aguardasse contacto do Senhor AA.

3.3.1.12

O Senhor AA estabeleceu contacto com Senhor FF e depois de uma troca de palavras, firmaram o fornecimento de mão de obra, seus termos e condições.

3.3.1.13

A autora remeteu à ré a fatura n.º A/339, no valor de € 6.000,60, com IVA autoliquidação [autoliquidado?], a qual foi pela ré devolvida, por não se entender devedora de tais valores.

3.3.1.14

A ré B... contratou o fornecimento de mão de obra, mormente de dois carpinteiros de 1.ª, um dos quais, o próprio Senhor AA, para se deslocarem com a equipa da B..., a obra sita [em] Beirute, pelo preço de 25 euros/hora, acrescido de alimentação, estadia e transporte a encargo da B....

3.3.1.15

Não foram contratados ajudantes, tão-pouco carpinteiros de 2.ª ou 3.ª.

3.3.1.16

Sendo [Tendo?] tais trabalhadores de exercer as funções inerentes à sobredita categoria, sob autoridade, direção e fiscalização da ré B....

3.3.1.17

A ré B..., aquando da negociação pré-contratual, evidenciou quais os trabalhos a executar em obra e qual o seu grau de rigor e exigência, demonstrando tratar-se de clientela de segmento elevado, solicitando trabalhadores com elevadas competências e qualificações.

3.3.1.18

A autora obrigou-se a fornecer trabalhadores com tais caraterísticas.

3.3.1.19

O Senhor AA garantiu ao representante legal da ré B... que os trabalhadores cedidos eram de “primeira”, reconhecendo-lhes qualidades e competências elevadas, afirmando deterem o perfil para executar os trabalhos em apreço, com a exigência, qualidade e rigor que se impunha.

3.3.1.20

A ré B... acordou no pagamento, por cada trabalhador que cumprisse com as suas exigências, [d]o valor de 25 euros/hora, acrescido de alimentação, estadia e transporte a encargo da B....

3.3.1.21

A ré B..., procedeu à marcação das viagens para Beirute, bem como agilizou toda a demais logística envolvente, bem como acordou a data da deslocação com o seu cliente.

3.3.1.22

Acontece que, à última da hora, o Senhor AA substituiu os trabalhadores, incluindo o próprio, por alegadamente ter de se deslocar imperativamente a uma outra obra.

3.3.1.23

A B... aceitou a alteração, pois o Senhor AA garantiu que se tratavam de carpinteiros de 1.ª com a experiência, qualificações e competências necessárias e adequadas ao trabalho a desenvolver e que em nada eram inferiores ao próprio e ao outro elemento substituído.

3.3.1.24

Os trabalhadores fornecidos revelaram falta das qualificações e competências solicitadas e contratadas pela B..., não tendo executado os trabalhos com o zelo, diligência e competência que lhes competia[9].

3.3.1.25

Um dos trabalhadores, o Senhor BB, tendo sido enviado como carpinteiro de 1.ª, apenas se mostrou qualificado e apto para praticar tarefas próprias de um ajudante de carpinteiro, tendo-se limitado a ajudar a pegar em partes dos móveis, auxiliar a montagem, ir buscar ferramentaria e tarefas similares.

3.3.1.26

O Senhor CC fez um trabalho quase sempre apoiado pelo Senhor Arq. DD, colaborador da ré B..., sendo que revelou dificuldades para obter a perfeição do trabalho executado e repetidamente teve que refazer trabalhos a pedido do Senhor Arq. DD e do responsável de obra por parte do cliente.

3.3.1.27

O pouco trabalho que executaram, foi mal-executado, pois que a B... recebeu reclamações do cliente de Beirute, a solicitar a correção de defeitos apresentados nos trabalhos executados pelos trabalhadores fornecidos pelo Senhor AA.

3.3.1.28

No que respeita a horas executadas, trabalhos e defeitos detetados, a ré remeteu email ao Senhor AA, com os mapas demonstrativos do ocorrido em obra, relativamente ao trabalhador Senhor BB e relativamente ao trabalhador Senhor CC.

3.3.1.29

Dos factos a ré B... deu conhecimento ao Senhor AA, inclusive em reunião presencial nas instalações da B....

3.3.1.30

O Senhor AA acedeu a efetuar um ajuste no preço de 850 euros.

3.3.1.31

A ré B... não aceitou, por entender o mesmo como ofensivo e vexatório, atentas as circunstâncias.

3.3.1.32

O ajuste de 850 euros foi realizado pela autora à revelia da ré.

3.3.1.33

Os trabalhos executados (com o esclarecimento de que quer os executados pelos trabalhadores da requerente quer os executados pelos trabalhadores da requerida) obrigaram à deslocação da B... a Beirute para realização de reparações, o que implicou a realização de novas despesas, nomeadamente despesas de viagem, estadia e alimentação dos trabalhadores, além do custo dos recursos humanos empregues na execução das reparações.

3.3.1.34

Conforme certidão permanente com o código de acesso ...79, a autora dedica-se às atividades de fabricação de mobiliário; comércio a retalho em bancas, feiras e unidades móveis de venda, de têxteis, vestuário, calçado, malas e similares; construção de edifícios (residenciais e não residenciais); montagem de trabalhos de carpintaria e caixilharia de montagem de trabalhos de carpintaria e caixilharia.

3.3.1.35

A autora realiza serviços de montagem de carpintaria e caixilharia, tanto no território nacional, como no estrangeiro.

3.3.1.36

Celebrando contratos de empreitada e subempreitada com várias empresas para a montagem de carpintaria.

3.3.1.37

Numa tentativa de aumentar o volume de negócios, a autora recorre com frequência aos seus vários contactos no mercado para dar a conhecer os serviços por si prestados a várias empresas que eventualmente venham a precisar dos seus serviços.

3.3.1.38

O sócio-gerente da autora, GG, recorreu ao seu amigo, EE, que se dedica ao fabrico de portas e componentes, para que lhe apresentasse potenciais clientes.

3.3.1.39

EE diligenciou a apresentação da autora a outras empresas, entre as quais a ré.

3.3.1.40

Numa sexta-feira do mês de março de 2021, o sócio-gerente da autora, GG, e EE, deslocaram-se às instalações da ré para apresentarem os serviços prestados pela autora.

3.3.1.41

A reunião de apresentação decorreu com DD, em representação da ré.

3.3.1.42

Na referida reunião foram facultados à ré os contactos da autora.

3.3.1.43

Posteriormente, a ré, na pessoa de FF, entrou em contacto, via chamada telefónica, com o sócio-gerente da autora, GG, para negociar.

3.3.1.44

Tendo sido reencaminhado o mesmo ao trabalhador da autora, AA, tendo poderes para negociar todos os elementos dos contratos a celebrar.

3.3.1.45

As negociações de todos os elementos do contrato decorram [decorreram?] entre AA, em representação da autora e DD e FF, em representação da ré.

3.3.1.46

As partes acordaram que o transporte e estadia dos trabalhadores da autora ficariam a cargo da ré.

3.3.1.47

Foi realizado um contacto entre AA e CC, sobre dificuldades encontradas (com o esclarecimento) na prestação dos trabalhadores da requerente.

3.3.1.48

Os dados dos trabalhadores foram fornecidos à ré, simplesmente para que esta realizasse a compra dos bilhetes de avião uma vez que os custos de transporte estavam a seu cargo, tendo esta tramitado toda a logística.

3.3.1.49

O valor inicialmente acordado entre as partes foi de € 25,00/hora.

3.3.1.50

Foi reportado pelo trabalhador, CC, ao responsável pela obra da autora, AA, que terá realizado uma aplicação indevida de painéis e tendo retirado tudo quanto aplicado e voltado a aplicar.

3.3.1.51

Por conta da reaplicação dos painéis e do tempo gasto com ela, a autora reduziu o valor/hora inicialmente acordado de € 25,00 para € 21,90/hora.

3.3.1.52

A autora emitiu em 01/06/2021, fatura n.º FT A/339, vencida em 01/07/2021, no valor de € 6 000,60[10].

3.3.1.53

A ré alterou unilateralmente a data de início (com o esclarecimento) dos trabalhos.

3.3.1.54

Existiu uma reunião presencial no dia 12/06/2021, pelas 15:00.

3.3.2 Factos não provados


3.3.2.1

No âmbito da respetiva atividade, a requerente forneceu à requerida, por solicitação desta, o serviço de montagem de carpintaria na sua obra em Beirute, Líbano, no decorrer do mês de maio de 2021, tendo realizado 274 horas de trabalho pelo valor de € 21,90/hora, conforme fatura n.º FT A/339, emitida em 01/06/2021, vencida em 01/07/2021, no valor de € 6 000,60 (seis mil euros e sessenta cents).

3.3.2.2

Nunca a B... ouviu falar da A..., Unipessoal, Lda., senão aquando da receção de fatura, remetida para a B....

3.3.2.3

Nunca a B... ouviu falar da A..., Unipessoal, Lda., tão-pouco de outra firma, bem como desconhece qual o objeto social da mesma.

3.3.2.4

A autora não exerce a atividade de cedência de trabalhadores.

3.3.2.5

A autora nunca celebrou qualquer contrato de cedência de trabalhadores, nem com a ré, nem com qualquer outra entidade.

3.3.2.6

Tendo no caso em apreço sido celebrado entre as partes um contrato de subempreitada[11].

3.3.2.7

A ré, na pessoa de FF, entrou em contacto, via chamada telefónica, com o sócio-gerente da autora, GG, para negociar a contratação dos serviços de montagem de carpintaria.

3.3.2.8

Que à data era o responsável pela prestação de serviços de montagem de carpintaria no estrangeiro.

3.3.2.9

Autora e ré acordaram verbalmente o contrato [de] subempreitada de montagem de carpintaria[12], numa obra a cargo da ré, em Beirute, Líbano.

3.3.2.10

Ao abrigo do princípio da liberdade contratual[13], a autora determina o pagamento dos serviços de empreitada e subempreitada por si realizados através de um valor hora e não pela consideração de um valor global.

3.3.2.11

Dessa forma, a autora consegue o pagamento devido dos seus serviços.

3.3.2.12

As partes acordaram o valor hora pela prestação dos serviços pela autora, o serviço a prestar, acordaram ainda que ficariam excluídos do referido contrato os materiais a aplicar (portas, painéis, rodapés...).

3.3.2.13

A obra foi realizada pelos trabalhadores da autora, CC e BB, sob a direção, autoridade, fiscalização e no interesse desta.

3.3.2.14

Durante a montagem da carpintaria, foram realizados vários contactos entre AA e CC, sobre a obra em curso, isto é, sobre o estado da obra, dificuldades encontradas, entre outras.

3.3.2.15

Não tendo sido transferido qualquer poder de autoridade, direção e fiscalização para [a] ré sob [sobre?] os trabalhadores da autora[14].

3.3.2.16

Os serviços de montagem de carpintaria decorreram de 02 a 15 de maio de 2021 na obra da ré, tendo a autora realizado um total de 274 horas de trabalho, conforme mapa de horas já junto aos autos sob o número 4.

3.3.2.17

A autora cumpriu escrupulosamente a sua obrigação decorrente do contrato realizado com a ré, realizou a obra a que se obrigou sem qualquer defeito, pois corrigiu a aplicação dos painéis[15].

3.3.2.18

A escolha dos trabalhadores a realizar a montagem de carpintaria foi exclusiva da autora, não tendo a ré qualquer interferência na mesma.

3.3.2.19

Não foi em qualquer momento discutida a categoria de trabalhadores, nem teria que ser face ao tipo de contrato em causa, contrato de subempreitada[16].

3.3.2.20

A autora apenas teve conhecimento da alegada reclamação dos defeitos pelo cliente da ré, C..., junto desta e do conteúdo do documento número 2 junto por esta, datado de 14 de junho, no decorrer da presente ação.

3.3.2.21

Não foi essa reunião que determinou a redução do valor hora inicialmente acordado.

3.3.2.22

Nem nessa reunião foram mencionados os alegados defeitos reclamados pela cliente da ré.

3.3.2.23

A autora só teve conhecimento dos alegados defeitos reportados pelo cliente da ré passados os 30 dias.

3.3.2.24

A obra realizada pela autora foi concluída a 15 de maio de 2021, sem qualquer defeito[17].

4. Fundamentos de direito

4.1 Do não preenchimento dos pressupostos do artigo 288º do Código do Trabalho

A recorrente critica a sentença recorrida e pugna pela sua revogação porque, na sua perspetiva, não se mostra preenchido o artigo 288º do Código do Trabalho.

Cumpre apreciar e decidir.

O artigo 288º do Código do Trabalho define a cedência ocasional de trabalhador como a disponibilização temporária de trabalhador, pelo empregador, para prestar trabalho a outra entidade, a cujo poder de direção aquele fica sujeito, mantendo-se o vínculo contratual inicial, prevendo no artigo 289º do referido código os pressupostos de admissibilidade desta figura e dispondo no artigo 290º do mesmo código sobre a forma e o conteúdo do acordo de cedência ocasional de trabalhador.

A suscitação desta questão recursória por parte da recorrente assenta num equívoco, pois que a ação improcedeu porque a recorrente não logrou provar os factos integradores do contrato de subempreitada que configurou como causa de pedir nestes autos.

Por isso, cabia à recorrente criticar a decisão recorrida de modo a demonstrar um erro de subsunção ou de qualificação jurídica da factualidade provada.

A crítica de uma realidade jurídica alternativa ao contrato de subempreitada invocado pela recorrente, ainda que eventualmente procedente, não tem a virtualidade de por si só determinar a procedência da sua pretensão. De facto, além da crítica procedente dessa realidade jurídica alternativa, impunha-se que a recorrente também criticasse procedentemente a decisão recorrida quando concluiu pela inverificação dos factos essenciais integradores da causa de pedir invocada pela ora recorrente.

Pelo exposto, improcede esta questão recursória.

4.2 Do reflexo de uma eventual alteração dos fundamentos de facto na solução do caso

A recorrente pugna pela revogação da decisão recorrida em consequência da alteração factual por que pugnou.

Cumpre apreciar e decidir.

Além do alegado erro do tribunal recorrido na aplicação do instituto laboral da cedência ocasional de trabalhadores, a recorrente estribou o sucesso da sua pretensão recursória no deferimento da alteração da factualidade vertida nos ponto 10 dos factos provados e no ponto 7 dos factos não provados, não aduzindo qualquer fundamento estritamente jurídico para infirmar a decisão recorrida em face dos factos que lhe serviram de base.

Neste circunstancialismo, na falta de quaisquer outros fundamentos aduzidos para revogação da decisão sob censura e não se divisando quaisquer motivos para isso de conhecimento oficioso deste tribunal, dada a vinculação deste tribunal na sua esfera de cognição à delimitação objetiva resultante das conclusões do recurso, deve decidir-se, sem mais, pela total improcedência do recurso.

As custas do recurso são da responsabilidade da recorrente pois que improcedeu totalmente a sua pretensão recursória (artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil)

5. Dispositivo

Pelo exposto, os juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto por A..., Unipessoal, Lda. e, em consequência, em confirmar a sentença recorrida proferida em 04 de fevereiro de 2024, nos segmentos impugnados.

Custas do recurso a cargo da recorrente, sendo aplicável a secção B, da tabela I, anexa ao Regulamento das Custas Processuais, à taxa de justiça do recurso.


***

O presente acórdão compõe-se de vinte e três páginas e foi elaborado em processador de texto pelo primeiro signatário.

Porto, 11 de dezembro de 2024

Carlos Gil

Mendes Coelho

Teresa Fonseca

______________________
[1] Segue-se, com alterações, o relatório da decisão recorrida.
[2] Notificada às partes mediante expediente eletrónico elaborado em 06 de fevereiro de 2024.
[3] Veja-se o Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora 1984, reimpressão, Volume V, página 140.
[4] Neste sentido veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02 de março de 2011, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Sérgio Poças, no processo nº 161/05.2TBPRD.P1.S1 e acessível no site da DGSI.
[5] A propósito veja-se, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, 3ª edição, Coimbra Editora 2017, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, páginas 712 a 714 e 737. Não obstante os argumentos não sejam questões, do ponto de vista retórico e da força persuasiva da decisão, há interesse na sua análise e refutação.
[6] A contradição entre factos provados e entre factos provados e não provados preenche a previsão da alínea c) do nº 2 do artigo 662º do Código de Processo Civil.
[7] Refira-se que não vislumbramos qualquer contradição da motivação da factualidade provada com a matéria dada como provada no ponto 10, como assinala a recorrente, pois a montagem de móveis pressupõe a competência para executar esse trabalho, podendo este desenvolver-se sob diversas formas, nomeadamente, de forma subordinada ou autónoma.
[8] Os fundamentos de facto não se acham ordenados cronologicamente e contêm muitas repetições.
[9] Este ponto contém variados juízos de valor. Melhor seria descrever quais eram as qualificações e competências dos trabalhadores e concretizar em que se traduziu a alegada falta de zelo, diligência e competência, como em certa medida se faz no ponto que segue.
[10] Este ponto é a repetição do ponto 3.3.1.3 dos factos provados.
[11] A celebração de um contrato de subempreitada não constitui matéria de facto, mas sim matéria de direito. Para este efeito importava a alegação e prova das declarações negociais das partes e, depois, em sede de qualificação jurídica, determinar qual o contrato celebrado.
[12] Reitera-se a observação que consta da nota que precede.
[13] Este segmento deste ponto de facto é uma excrescência jurídica que não deve constar dos fundamentos de facto.
[14] Este ponto é eminentemente jurídico pois o que importava era a alegação de factos concretos que, provados, revelariam a não transferência dos referidos poderes.
[15] Este ponto de facto, além de conter matéria que envolve juízos de valor, concretamente o advérbio de modo “escrupulosamente”, também inclui matéria de direito quando se refere que a autora cumpriu “sem qualquer defeito” e, para além disso é inútil pois era à parte contrária que competia a prova de algum eventual cumprimento defeituoso.
[16] Renova-se a consideração feita em anterior nota de rodapé relativa à referência ao “contrato de subempreitada” (ponto 3.3.2.6).
[17] No que respeita o segmento final deste ponto de facto renova-se a consideração feita em anterior nota de rodapé relativa ao ponto 3.3.2.17 dos factos provados.