Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | FERNANDA ALMEIDA | ||
Descritores: | CASO JULGADO DIREITO DE PREFERÊNCIA CADUCIDADE EXECUÇÃO FISCAL | ||
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Nº do Documento: | RP2023112712/20.8T8OVR.P2 | ||
Data do Acordão: | 11/27/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | RECURSO PROCEDENTE; DECISÃO REVOGADA | ||
Indicações Eventuais: | 5ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - Não têm força de caso julgado quaisquer considerandos que o juiz faça e que não sejam peça do raciocínio que conduz à decisão. II - O caso julgado refere-se a uma decisão sobre o pleito (processual ou de mérito), mas não a qualquer argumento que se utilize e, menos ainda, a argumento que não respeite sequer à decisão final que venha a ser proferida. III - No exercício do direito preferência existem dois momentos de caducidade: o relativo ao não exercício deste direito no momento assinalado pela lei ou pela denuntiatio (notificação para preferir), nos termos do art. 416.º, n.º 2, CC, e o que resulta da violação do prazo de seis meses, previsto no art. 1410.º, n.º 1, CC – e o da renúncia abdicativa, que nada tem a ver com o decurso dos prazos, pois a renúncia abdicativa é um comportamento do titular do direito do qual resulta não pretender este exercê-lo. IV - O decurso dos prazos para o exercício (do direito ou da ação) determinam a caducidade e não a renúncia abdicativa que consiste num ato jurídico, uma posição expressa ou tácita do preferente no sentido de desistir do direito. V - A lei não faz corresponder ao não exercício tempestivo do direito de preferência a sua extinção automática, pois nenhuma norma expressamente prevê tal sanção para o titular. O que resulta da lei são prazos (ou datas) para o exercício desse direito cujo incumprimento determina a caducidade do mesmo, caducidade que, contudo, não é de conhecimento oficioso, encontrando-se na disponibilidade das partes (art. 333.º CPC). VI - Não é por um direito estar caducado que o respetivo titular o não pode exercitar, podendo bem suceder que a contraparte sequer invoque a caducidade. Sendo assim, nada na lei impede o titular de um direito de preferência que o não exerceu em tempo de vir a intentar ação de preferência. Arrisca-se, apenas, a que venha a ser considerada procedente a exceção de caducidade. VII - O art. 249.º, n.º 7 CPPT, alude à indicação e hora da entrega dos bens ao proponente para que aí o preferente possa exercer o seu direito no âmbito da execução fiscal. VIII - São distintas as ocasiões processuais para o exercício do direito de opção no processo executivo civil e no processo executivo fiscal: o primeiro determina a notificação do preferente para a data da abertura de propostas, mas admite que este, não tendo estado presente, ainda possa exercer a preferência no prazo de cinco dias, após a notificação de que foi aceite uma determinada proposta (o n.º 2 do art. 824.º CPC ordena que se lhe faça notificação com esse conteúdo); no processo fiscal, não está expressa esta segunda possibilidade mas a notificação para estar presente e preferir não é feita para o dia e hora da apresentação de propostas, mas para o ato da entrega dos bens ao proponente, o que é distinto do ato de aceitação das propostas. IX - Quanto ao ato da entrega dos bens ao proponente, em execução fiscal, o art. 6.º, n.º 1 da Portaria 219/11, de 11.6, dispõe que o órgão de execução fiscal decidirá sobre a adjudicação de bens. X - O momento de entrega dos bens ao proponente só pode acontecer em ato seguido ao leilão, se for paga imediatamente a totalidade do preço e as obrigações fiscais relativas à transmissão. XI - Não tendo ao preferente sido notificado o dia e hora da entrega do bem ao arrematante em processo de execução fiscal, pelo preço arrematado, nem havendo sido assinalado – como se exige para a notificação pessoal (equiparada à citação) – que a sua ausência no momento da abertura de propostas ou no momento da entrega ao proponente determinaria a extinção do seu direito de preferência no processo executivo, mostra-se a denuntitatio irregular, não operando e sendo de improceder as exceções de caducidade e de renúncia abdicativa. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo n.º 12/20.8T8OVR.P2 Sumário do acórdão elaborado pela sua relatora, nos termos do disposto no artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil: ……………………………… ……………………………… ……………………………… * Acordam os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:RELATÓRIO AUTORA: A..., Ld.ª, com domicílio na Avenida ..., n.º ..., 14.º, escritório ..., ..., Lisboa. REÚS: Autoridade Tributária e AA, com domicílio na Rua ..., .... Por via da presente ação declarativa, pretende a A. ver reconhecido direito de preferência na venda dos imóveis, sitos em Ovar, com os artigos matriciais ... e ... e as descrições prediais n.ºs ... e .... Para tanto alega ter recebido em arrendamento tais imóveis os quais pertenciam a sociedade que foi executada em processo de execução fiscal no âmbito do qual foi ordenada a respetiva penhora e venda, tendo aí sido adjudicados ao segundo R. com desconsideração da preferência que cabe à arrendatária. Contestou a primeira Ré invocando a sua ilegitimidade e a exceção de caso julgado, argumentando também com a existência de causa prejudicial, aludindo ainda à renúncia abdicativa. Isto porque a aqui A. havia exercido direito de preferência nos autos de execução fiscal, não no dia em que a venda foi efetuada, como impõe o n.º 7 do art. 249.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, mas sete dias após, razão por que, por intempestividade, foi indeferido o pedido de exercício do direito de preferência, decisão administrativa que foi objeto de recurso que ainda se achava pendente à data da propositura desta ação[1]. O segundo R., por sua vez, em contestação, invoca de igual modo a renúncia abdicativa, a litispendência e a caducidade do direito da A., pelo não exercício da preferência no prazo de seis meses previsto na lei, uma vez ter sido notificado para preferir a 18.2.2019, tendo a ação sido instaurada a 11.11.2019; A demandante exerceu contraditório. Veio a ser proferida sentença, datada de 9.11.2020, julgando extinto por inutilidade superveniente o pedido relativo ao imóvel com o artigo matricial 310.º cuja venda executiva foi anulada, tendo os RR. sido absolvidos da instância quanto ao pedido relativo ao imóvel com o art. 308.º com base na verificação da exceção de litispendência. Desta sentença recorreu a A. visando a improcedência da exceção de litispendência e o prosseguimento dos autos ou, em todo o caso, e subsidiariamente, a suspensão da instância por verificação de causa prejudicial. Foi proferido acórdão por esta Relação, a 20.9.2021, o qual julgou o recurso procedente e, revogando o despacho recorrido, determinou a suspensão da instância, ao abrigo do disposto no art. 271.º, n.º 1, CPC, até trânsito em julgado da sentença proferida nos autos de processo administrativo com o n.º 824/19.5BEAVR. Nesse aresto, eram as seguintes as questões objeto de recurso: - Se estavam reunidos os pressupostos da litispendência; - Subsidiariamente, se se verificava causa prejudicial motivadora da suspensão prevista no art. 272.º, n.º 1 CPC. Remetidos os autos à primeira instância, veio a ser junta certidão do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte, datado de 23.4.2020 e transitado em julgado a 13.5.2020, ou seja, antes mesmo de ser proferida em 1.ª instância a sentença objeto daquele recurso para este Tribunal. Foi proferido despacho saneador, datado de 11.4.2022, decidindo de exceções dilatórias, relegando para final o conhecimento da exceção de não exercício tempestivo do direito de preferência e identificando o objeto do litígio e temas de prova. Realizado julgamento, veio a ser proferida sentença, datada de 21.12.2022, a qual julgou a ação improcedente, absolvendo os RR. do pedido. Desta sentença recorre a A., visando a sua revogação e o reconhecimento do seu direito de preferência, com base nos argumentos que assim concluiu: [A] Por Acórdão proferido nos presentes autos em 20 de Setembro de 2021, transitado em julgado em 04 de Outubro seguinte, decidiu-se que O preferente não é obrigado a exercer a preferência em processo executivo no qual o bem haja sido alienado; se o não fizer, ou aí tiver intervindo intempestivamente, não está impedido de fazer valer o seu direito lançando mão da ação potestativa de preferência, designadamente alegando apenas ter tido conhecimento das condições da venda depois desta ter ocorrido. [B] A douta sentença ad quo concluiu que a Recorrente/Autora renunciou à preferência ao não comparecer no serviço de finanças a fim de exercer o seu direito, posição que contraria a decisão anteriormente tomada pelo identificado Acórdão. [C] A sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga, tendo força obrigatória dentro do processo – cfr. artigos 620º, nº 1, e 621º CPC. [D] Se nos presentes autos se encontra assente que O preferente não é obrigado a exercer a preferência em processo executivo no qual o bem haja sido alienado e que se o não fizer, ou aí tiver intervindo intempestivamente, não está impedido de fazer valer o seu direito lançando mão da ação potestativa de preferência, então jamais poderia a douta sentença ad quo decidir, a contrário, que, ao não exercer a preferência no dia e local da venda, a Recorrente/Autora renunciou a tal direito. [E] Tal efeito não poderia verificar-se, considerando que a douta sentença ad quo dá como assente que a Recorrente/Autora apenas teve conhecimento de parte essencial das condições da venda no dia seguinte ao da realização desta. [F] Assim, e ainda que sob a veste dum pressuposto distinto, a douta sentença ad quo vem decidir sobre uma questão que se encontra definitivamente julgada nos presentes autos através do Acórdão proferido em 20 de Setembro de 2021 e transitado em julgado em 04 de Outubro seguinte – violando assim o caso julgado nesta matéria. [G] Deverá ser revogada a douta sentença ad quo e substituída por outra que reconheça o direito de preferência da Autora na aquisição do prédio oportunamente identificado, substituindo-a pelo dquirente Réu/Recorrido. Vide artigos 3º a 21º supra [H] A douta sentença ad quo padece também de erro de julgamento, em virtude da distorcida aplicação do direito à realidade factual dos autos. [I] Na douta sentença se faz constar - e bem! - que no âmbito do processo de execução, a notificação ao preferente das condições da venda a que se refere o n.º 1 do artigo 416º, do Código Civil, se satisfaz com a notificação do dia, hora e do local da venda, e do valor base da venda, elementos que devem constar da própria publicidade da venda, o que foi satisfeito mediante a comunicação remetida à autora, que consta de fls. 19, dos autos, e contém tais elementos, conjugada com a notificação da decisão da aceitação da proposta mais alta, contendo o valor da mesma e a identificação do adquirente, publicitada no site da AT e consultada pela autora, em 11/05/2019, dia seguinte ao leilão, conforme a mesma alegou. [J] Haverá que concluir que a Autora/Recorrente só teve integral conhecimento das condições da venda no dia seguinte ao da sua realização, 11 de Maio de 2019, mais decorrendo da conjugação das citadas afirmações que a publicitação das condições da venda ocorreu no site da AT. [K] Impossível seria à Autora/Recorrente exercer o seu direito preferência no serviço de finanças e no dia da venda em apreço, 10 de Maio de 2019, ou renunciar a esse exercício, pois que tal renúncia só poderia ocorrer depois de sabidos os exatos termos da venda levada a cabo, o que só ocorreu no dia seguinte à mesma, 11 de Maio. [L] Além de que, e como bem se deixou escrito no mui douto Acórdão proferido nos presentes autos, O preferente não é obrigado a exercer a preferência em processo executivo no qual o bem haja sido alienado e que se o não fizer, ou aí tiver intervindo intempestivamente, não está impedido de fazer valer o seu direito lançando mão da ação potestativa de preferência. [M] Errou, pois, a douta sentença ad quo na subsunção da concreta factualidade em presença nos autos às regras legais aplicáveis, em razão do que deverá ser a mesma revogada e substituída por outra que reconheça o direito de preferência da Autora/Recorrente na aquisição do prédio oportunamente identificado, substituindo-a pelo adquirente Réu/Recorrido. Vide artigos 22º a 32º supra. Contra-alegou a Autoridade Tributária, representada pelo MP, opondo-se à procedência do recurso e concluindo: 1. Em obediência ao Douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 20-09-2021 proferido nestes autos, após a prolação do Douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, a presente ação prosseguiu com vista a apreciar os requisitos da preferência e os prazos de caducidade previstos no Código Civil (CC) para o exercício do direito de preferência. 2. Dado como provado que a recorrente era arrendatária rural do bem vendido há mais de dois anos, o Tribunal recorrido apreciou a questão se a recorrente exerceu o seu direito em tempo ou se o direito se extinguiu por caducidade à luz do previsto no Código Civil. 3. Dos normativos previstos pelo artigo 819º do CPC e 249º, n.º 7 do CPPT resulta que, no âmbito do processo de execução, na notificação ao preferente das condições da venda previstas pelo artigo 416º, n.º 1 do C. Civil, apenas é exigível informar o preferente do dia, hora e do local da venda, e sobre o valor base da venda. 4. A recorrente foi notificada em 18-02-2019 por carta registada com aviso de recepção (ponto 4 dos factos provados) e o leilão electrónico e a abertura das propostas foi realizada em 10-05-2019 (pontos 3 e 5 dos factos provados). 5. A recorrente teve conhecimento do dia, da hora, do local, da modalidade de venda e do preço base e optou por não comparecer e não exercer o seu direito de preferência. 6. O tribunal recorrido conheceu a pretensão da recorrente, o direito legal de preferência, nos termos previstos no Código Civil, apreciando o prazo de caducidade e a questão do conhecimento das condições da venda. E, concluiu que a recorrente ao não participar na venda no dia e hora comunicada a fim de exercer o seu direito renunciou à preferência. 7. Tal decisão foi proferida em obediência ao Douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, não ocorrendo qualquer violação do caso julgado, pois o mencionado Acórdão não conheceu da questão do exercício do direito de preferência, antes determinou a suspensão da instância, ao abrigo do disposto no artigo 271º, nº 1 do CPC, até ao trânsito da sentença proferida nos autos de processo administrativo com o nº 824/19.5BEAVR. 8. A recorrente alega que o Tribunal recorrido errou na subsunção da factualidade apurada nos autos às regras legais aplicáveis. No entanto, não refere as normas legais violadas e/ou o sentido e alcance que deveria ter sido dado às normas jurídicas aplicadas pelo julgador, não cumprindo assim o disposto no artigo 639º, nº 2 do CPC. 9. Analisada a douta sentença recorrida no seu conjunto e tendo presente a matéria de facto dada como provada e a subsunção jurídica realizada, verificamos que não ocorre qualquer erro de julgamento. 10. Antes da adjudicação e do encerramento do leilão eletrónico a preferente tinha (e teve) na sua disponibilidade todos os elementos essenciais da venda, nomeadamente teve conhecimento directo de que, havia sido marcada a venda de tal imóvel na modalidade deleilão eletrónico, com indicação do valor base da venda e indicação do dia, da hora e do local de venda. 11. A sentença recorrida não merece censura, pois que dela consta adequada leitura da prova produzida e integração correta e objetiva dos factos apurados, com o detalhe e rigor que se impunha, tal como recolhe as normas relevantes que lhe servem como fundamento jurídico e que aplica em coerência. Também o R. AA apresentou contra-alegações, manifestando-se pela não procedência da pretensão da A., terminando a sua peça processual com as conclusões seguintes: A A sentença não padece de violação do caso julgado, tendo apreciado o exercício tempestivo do direito de preferência, analisado o cumprimento dos prazos de caducidade, a questão da renúncia abdicativa, do conhecimento do programa negocial e das condições de venda.B Não existe erro de julgamento, não tendo sido referidas as normas legais violadas nem o sentido e alcance que deveria ter sido dado às normas jurídicas aplicadas, pelo que, a Recorrente não cumpriu com o disposto no art.º 639, n.º 2 CPC.C De acordo com o disposto no art.º 249, n.º 7 do CPPT, art.º 6 da Portaria 219/2011 e 819.º do CPC, a notificação ao preferente em sede de processo executivo, exige a informação do dia, hora, local e o valor base da venda. D Em sede de audiência de Julgamento, o Tribunal a quo deu como provada a notificação da Recorrente em 18 de fevereiro de 2019, por via de carta registada com aviso de receção, em cumprimento com o legalmente exigível.E Foi também dado como provado que o leilão eletrónico e a abertura das propostas foi realizada em 10 de maio de 2019.F A ação de preferência prevista no art.º 1410 do Código Civil é uma “válvula de escape” que permite (e bem!) aos preferentes que vejam omissas, frustradas ou incumpridas as obrigações do disposto no art.º 249, n.º 7 do CPPT e do art.º 6 da Portaria 219/2011, impor o seu direito de preferência.G Não é, por isso, e conforme pretende a Recorrente, uma segunda oportunidade ou oportunidade de redenção, sob pena de abrir a porta a situações de abuso de direito.H Considerar o contrário é esvaziar o conteúdo e alcance do regime especial sobre a notificação dos preferentes, prevista no processo de execução fiscal.I E se assim for, existe um conjunto normativo obsoleto e inútil que há muito havia de ser revogado.J A comunicação cumpriu os requisitos que lhe eram exigidos tendo possibilitado ao preferente conhecer os elementos essenciais para o exercício do direito de preferência. K A preferente optou por não o exercer, tendo inclusivamente a sua legal representante, feito licitação no dia de abertura das propostas, mas por outra entidade.L Não restando, por isso, quaisquer dúvidas da renúncia à preferência pela Recorrente, e de um abuso do direito de ação de preferência, que não visa acautelar situações em que a comunicação do direito de preferência foi efetuada nos termos legalmente exigíveis.Objeto do recurso: Se o não exercício do direito de preferência na ação executiva onde se realiza a venda do bem objeto daquele direito impede o preferente de propor ação autónoma de preferência; qual o conteúdo da notificação a efetuar ao preferente no âmbito da ação executiva; se o não exercício da preferência na ação executiva constitui renúncia abdicativa ou exercício abusivo deste direito real de aquisição; da caducidade do exercício do direito de preferência e da caducidade do direito de ação. FUNDAMENTAÇÃO Fundamentos de facto Na sentença recorrida, foram dados como provados os seguintes factos: 1. A autora tomou de arrendamento o prédio rústico, terreno de cultura, inscrito na matriz predial da União de Freguesias ..., ..., ... e ..., sob o artigo ..., descrito na respetiva Conservatória do Registo Predial sob o n.º ..., da freguesia ..., mediante escrito denominado “Contrato de Arrendamento”, outorgado a 05/08/2015, com a então proprietária do prédio, a sociedade B..., S.A., tendo-o comunicado à Autoridade Tributária; 2. No âmbito do processo de execução fiscal n.º ... e apensos, instaurados pelo Serviço de Finanças de Ovar contra B..., S.A., e para garantia de pagamento da quantia de € 595.045,11, foi penhorado, além doutros, o imóvel inscrito na matriz predial rústica da União de Freguesias ..., ..., ... e ... sob o artigo ..., e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ..., da freguesia ...; 3. Por despachos proferidos em 07/02/2019, o Chefe do Serviço de Finanças de Ovar determinou a venda do imóvel referido no ponto anterior, mediante leilão eletrónico, designando para o seu termo o dia 10/05/2019, pelas 10h00; 4. Para comunicação à autora, na qualidade de arrendatária, das decisões referidas no ponto anterior, foi remetido o ofício a fls. 49[2], cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, mediante de correio registado com aviso de receção, que foi assinado em 18/02/2019, por funcionária da autora; 5. Em 10/05/2019, procedeu-se à abertura das propostas eletrónicas e à decisão de adjudicação do bem a AA, pelo valor de € 6 501 (seis mil, quinhentos e um euros); 6. A legal representante da autora teve conhecimento do valor da venda e da identidade do adquirente em 11/05/2019, mediante consulta, no site da AT, do documento a fls. 13[3], cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; 7. Os presentes autos deram entrada em Juízo em 11/11/2019. Não foram fixados factos não provados. Por ser relevante para a decisão, transcreve-se parcialmente o acórdão proferido pelo TCAN, a 23.4.2020, no proc. 824/19.5BEAVR: 8. 9. Na fundamentação jurídica do acórdão, citou-se e aderiu-se ao ac. do STA, de 10.4.2019, Proc. 0852/17.5BESNT, em cujo sumário se lê: I - A venda em processo de execução fiscal constitui um acto de trâmite que, não um acto administrativo, pelo que não se lhe aplica o regime jurídico destes actos, designadamente o CPA. 10 – Do doc. 4 junto com a contestação da Ré resulta ter o segundo R. procedido ao pagamento do preço da aquisição no dia 13.10.2019 (€ 6.501, 00), tendo liquidado IMT e Imposto de Selo no dia 11.5.2019 (docs. 5 e 6 desse articulado). Acrescentou-se: Assim, pretendendo exercer o seu direito de preferência, impunha-se que a Reclamante se tivesse feito representar no ato de adjudicação para, nesse preciso momento, exercer aquele direito. Ora, como decorre ainda do probatório, o direito de preferência foi exercido dias após o momento da adjudicação (…), e como decidiu a sentença recorrida, o mesmo foi efetuado fora de prazo. * Quanto aos factos provados, verifica-se no ponto 5, ter-se dado como provado que, a 10.5.2019, além da abertura de propostas se procedeu à decisão de adjudicação do bem ao R. Tal afirmação constava da contestação apresentada pela 1.ª Ré, no art. 9.º que remete para os docs. 1 e 2 juntos a tal articulado, documentos estes que são idênticos entre si e correspondem apenas ao auto de abertura e aceitação de propostas e não a auto de adjudicação do bem a qualquer proponente, como pode ver-se do mesmo doc. que acima fico reproduzido integralmente, em nota 2 de rodapé. Esse documento termina desta forma: Declarando-se encerrada o presente auto de abertura de propostas em carta fechada, seguir-se-á a tramitação subsequente com vista à adjudicação do bem (253.º, 254.º e 256.º CPPT). Por ser verdade e para constar se lavrou o presente auto, que por mim vai ser assinado. Quer isto dizer que a adjudicação não foi efetuada naquele dia, sendo certo que só nos dias seguintes foram pagos o preço e impostos devidos, como acima ficou consignado em 10. Sendo assim, por erro manifesto e ostensivo da sentença, face ao documento em que se apoia, procede-se à retificação do ponto 5 dos factos provados, nos termos do art. 249.º CC: 5 - Em 10/05/2019, procedeu-se à abertura das propostas eletrónicas. Fundamentação de Direito Em primeiro lugar, não é procedente a argumentação dos recorridos quanto à falta de indicação pela recorrente das normas em que baseia o recurso (art. 639.º, n.º 2 al. a) CPC), pois alude expressamente às relativas à violação do caso julgado e à regra da preferência, prevista no art. 416.º. Ainda que assim não fosse, caso se tivesse concluído não terem os recorrentes logrado alcançar o sentido do recurso, a solução seria o convite ao aperfeiçoamento (n.º 3), o que se nos afigurou desnecessário. Adentrando no tema do recurso e da ação. Pretende a A. exercitar por via da presente ação um direito real - o de preferência. Tal direito origina-se no disposto no art. 31.º, n.º 2 do Regime do Arrendamento Rural (DL n.º 294/2009, de 13 de outubro), segundo o qual No caso de venda ou dação em cumprimento de prédios que sejam objeto de arrendamento agrícola ou florestal, aos respetivos arrendatários cujo contrato vigore há mais de três anos, assiste o direito de preferirem na transmissão. No caso, a A. arrendou à antiga proprietária, a sociedade B..., um terreno de cultura, sito em Ovar. O contrato de arrendamento data de 5.8.2015. Tendo a senhoria sido executada em processo de execução fiscal, foram ali penhorados diversos imóveis, entre os quais o arrendado à A. e aqui em causa (art. matricial 308.º), vindo a ser efetuada venda, por leilão eletrónico, no dia 10.5.2019. A A. foi notificada por carta por carta registada com aviso de receção, na qualidade de inquilina, da data do leilão e do valor base do bem (€ 2.813, 86). A preferente não esteve presente naquele dia no Serviço de Finanças de Ovar, onde se procedeu à abertura de propostas de compra. A não comparência da A. naquele dia e hora, no serviço em causa, impede-a de vir, posteriormente, no prazo de seis meses previsto no art. 1410.º CC - norma que, referindo-se ao exercício do direito de prelação pelo comproprietário, se aplica às demais situações -, lançar mão da ação de preferência? Vejamos. Do caso julgado No acórdão já proferido nestes autos, não sendo esse o tema objeto do recurso (que se limitava a saber se existia litispendência, com a reclamação administrativo-fiscal ou se esta constitua causa prejudicial), escreveu-se: O preferente não é obrigado a exercer a preferência em processo executivo no qual o bem haja sido alienado; se o não fizer, ou aí tiver intervindo intempestivamente, não está impedido de fazer valer o seu direito lançando mão da ação potestiva de preferência, designadamente alegando apenas ter tido conhecimento das condições de venda depois desta ter ocorrido. A primeira questão a tratar é a de saber se esta argumentação, não constituindo o objeto da decisão final daquele aresto (decisão que foi de suspensão processual por força de causa prejudicial), nem sequer fundamento da mesma, formou caso julgado no sentido de impedir que, no desenvolvimento posterior do processo, ao conhecer do mérito do pedido – mérito esse que não foi objeto do acórdão – se adote posição distinta, ou seja, se decida, por exemplo, poder o preferente recorrer à ação de preferência apenas quando a notificação para preferir na ação executiva (a denuntiato) foi omitida ou não cumpriu as formalidades legais (como se afirma no ac. de 16.12.2015, proferido pelo STA, no âmbito do proc. 01704/13). Dizem a sentença e a recorrente ter-se ali formado caso julgado. A que caso julgado se referem? Nas conclusões do recurso é invocado o disposto nos arts. 620.º e 621.º CPC. O primeiro respeita ao caso julgado formal (com efeitos dentro do processo), decisão que incida unicamente sobre a relação processual, por oposição ao caso julgado material, previsto no art. 619.º, e que concerne à situação material controvertida. O segundo normativo estatui sobre o alcance do caso julgado. Em ambos os casos, não sendo a decisão judicial suscetível de recurso ordinário, o que nela se decida sobre a relação processual ou sobre o fundo da causa, não pode ser alterado, em nome da confiança e da segurança jurídica. Assim, se o litígio terminar com uma decisão que se pronuncie sobre a procedência ou improcedência do pedido, a questão fica definitivamente resolvida dentro e fora do processo. Isto significa que a decisão forma caso julgado material e obsta a que se proponha ação idêntica. A força de caso julgado, ou seja, a indiscutibilidade, forma-se sobre a resposta do tribunal ao pedido do autor em função de uma concreta causa de pedir (cfr. art.186º/2/a e art.581º/4 CPC). Ao invés, quando a decisão é de absolvição do réu da instância, nada impede que seja proposta ação idêntica quanto ao objeto processual (causa de pedir e pedido) e sujeitos. Nesta hipótese, diz-se que a decisão de absolvição do réu da instância é uma decisão de forma (processual, pois o juiz não entrou na apreciação do mérito da causa), formando caso julgado formal (interno) – art.278.º/1, art.279.º/1, e art.620.º CPC. Como parece evidente, o acórdão anterior não decidiu sobre a relação material controvertida e, por isso, não é acertado falar-se aqui de caso julgado material. Talvez por isso, invoque a A. caso julgado formal. Mas, como já dissemos, o caso julgado formal respeita às decisões que apreciem direito adjetivo. O despacho que recai sobre a relação processual é todo aquele que, em qualquer momento do processo, aprecia e decide uma questão que não seja de mérito (Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC anotado, Vol. II, 3.ª Ed., p. 573). Ora, a decisão desta Relação que, na ótica da recorrente, constituiria caso julgado formal – portanto, relativo à relação processual e não ao mérito sobre a sua pretensão – não teve por objeto decidir sobre se caberia à A. o exercício da ação de preferência fora da ação executiva para o qual fora notificada, mas sim se esta ação declarativa atual deveria aguardar o desfecho que, sobre o exercício do mesmo direito – o de preferência – haveria de ser obtido no âmbito da ação executiva ou, tratando-se de execução fiscal, da reclamação sobre o ato administrativo que recusou tal direito à A. Nunca esteve em causa naquele acórdão debater ou decidir sobre se o preferente que foi notificado para preferir na ação executiva e não o fez aí está impedido de o fazer em ação comum de preferência, pois esse é um dos fundamentos da defesa excetiva – extintiva – esgrimida pelos RR. e tal defesa não foi objeto do acórdão e nem da decisão recorrida. Na verdade, o que se nos afigura ocorrer nestes autos é uma não assimilação dos institutos jurídicos em causa, designadamente da caducidade - na preferência, existem dois momentos de caducidade: o relativo ao não exercício deste direito no momento assinalado pela lei ou pela denuntiatio (notificação para preferir), nos termos do art. 416.º, n.º 2, CC, e o que resulta da violação do prazo de seis meses, previsto no art. 1410.º, n.º 1, CC – e o da renúncia abdicativa, que nada tem a ver com o decurso dos prazos, pois a renúncia abdicativa é um comportamento do titular do direito do qual resulta não pretender este exercê-lo. Com efeito, o ato de renúncia não é objeto de uma regulamentação sistematizada no Direito vigente, mas várias são as previsões legais que aludem à renúncia (arts. 81.º, n.º 2, 265.º, n.º 1, 302.º, n.º 1, 527.º, 577.º, n.º 2, CC etc…). Para os direitos reais – o direito de preferência é um direito real de aquisição – também é admissível a renúncia (derelictio) como forma de extinção, como refere Carvalho Fernandes: “Embora não exista norma expressa, deve entender-se que por renúncia se extinguem também os direitos reais de aquisição” (Lições de Direitos Reais, 1996, p. 215). “A renúncia é um ato jurídico unilateral destinado a extinguir um direito. Alguma doutrina vê, nela, um negócio jurídico. Todavia (…), verifica-se que, nela, há liberdade de celebração mas não liberdade de estipulação. O renunciante apenas declara querer extinguir o seu direito (…)”. (…) Logo, ela analisa-se, estruturalmente, num ato jurídico stricto sensu. (…) Ocorre uma distinção entre a renúncia liberatória e a renúncia abdicativa. Na liberatória, o renunciante age com o fito de se exonerar de obrigações propter rem que incidam sobre ele, por força da titularidade de um direito real. (…) À renúncia liberatória contrapõe-se a renúncia abdicativa. Esta não visaria a liberação de obrigações propter rem, correspondendo antes a uma pura decisão do proprietário. Pela natureza das coisas, ao abdicar de um direito, o seu titular mostra que, por razões objetivas ou subjetivas, ele já não lhe interessa” (Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, XIV, Direitos Reais (2.ª parte), 2023, ps. 414 e ss.). O ato de renúncia pode ser expresso ou tácito, como resulta do art. 217.º CC, e desde que dele resulte a intenção de abdicar do direito (animus derelinquendi). Ora, nas suas contestações, os RR. defenderam-se por exceção perentória extintiva, invocando as três exceções: caducidade por não exercício do direito no ato da abertura de propostas realizado pela AT (é esse o sentido da defesa da AT nos artigos da contestação que acima ficaram transcritos em nota de rodapé, ainda que, formalmente, lhe não tenha atribuído o correspondente nomen iuris); caducidade por decurso do prazo de seis meses, desde o conhecimento do seu direito (exceção que foi invocada pelo segundo R. e nunca foi decidida no processo); renúncia abdicativa, em termos erróneos, porquanto se fez coincidir a extinção do direito por caducidade (pelo decurso do prazo ou da oportunidade) a um ato jurídico do titular - uma declaração unilateral tácita ou expressa do titular no sentido de não querer exercer a preempção. A própria sentença incorreu no mesmo raciocínio, pois, na penúltima página, começa por afirmar: “Assim sendo, tendo-se provado que a autora era arrendatária rural do bem vendido há mais de dois anos, cumpre apenas apreciar se exerceu o seu direito em tempo ou se, conforme propugnam os réus, o direito se extinguiu por caducidade” e, desenvolvendo a fundamentação quanto à caducidade, termina “Sucede que se nos afigura que a autora, sabedora da data em que se finalizaria o leilão eletrónico, por força da notificação que recebeu, optou por não comparecer no serviço de finanças a fim de exercer o seu direito. Por força de tal opção, não pode deixar de se entender que renunciou à preferência e, consequentemente, improcede a sua pretensão deduzida nestes autos”. Ora, como vimos o decurso dos prazos para o exercício (do direito ou da ação) determinam a caducidade e não a renúncia abdicativa que consiste num ato jurídico, uma posição expressa ou tácita do preferente no sentido de desistir do direito. No caso, a A. nunca exprimiu, expressa ou tacitamente, a intenção de abdicar do seu direito, tendo-o, quando muito, exercido fora de prazo. Nesse caso, o que dizer da perspetiva deixada no acórdão de 2021 sobre a relação entre a execução e ação de preferência, sabendo nós que nem sequer seria necessária essa referência ou manifestação para resolver o objeto do recurso aí apresentado pela A.? A primeira resposta que se impõe é a de que essa menção era absolutamente desnecessária, penitenciando-se a relatora pelo excesso de argumentação que conduziu a adentrar inutilmente na relação de mérito, ou seja, na defesa apresentada pelos RR., tendo, por isso, condicionado a sentença de mérito que veio posteriormente a ser proferida. Depois, há que observar, com Castro Mendes, que não têm força de caso julgado “quaisquer considerandos que o juiz faça (em princípio indevidamente) e que não sejam peça do raciocínio que conduz à decisão. Sejam, por conseguinte, aquilo que em terminologia anglo-saxónica se denomina usualmente dicta ou obter dicta; declarações incidenter tantum, declarações enunciativas ou opinativas, resolução de questões impertinentes. Como diz Redenti, nunca pode ter força de caso julgado «uma qualquer afirmação de carácter narrativo, ou uma argumentação que o juiz, que como sabemos tem obrigação de motivar, insira per incidens ou per occasionem na sua motivação” (Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil, Colecção Jurídica Portuguesa. Ed. Ática, p. 203). O caso julgado, como se sabe, refere-se a uma decisão sobre o pleito (processual ou de mérito), mas não a qualquer argumento que se utilize e, menos ainda, a argumento que nem respeite sequer à decisão final que vem a ser proferida. Com efeito, como se refere no ac. do STJ, de 12.4.2023, Proc. 979/21.9T8VFRP1.S1, «o caso julgado não se estenda aos fundamentos de facto e de direito, “a força do caso julgado material abrange, para além das questões diretamente decididas na parte dispositiva da sentença, as que sejam antecedente lógico necessário à emissão da parte dispositiva do julgado” – Proc. N.º 241/07.0TTLSB.L1.S1, Ac. do STJ de 20 de junho de 2012». Deste modo, importa revisitar o acórdão de 2021 e o que se ali decidiu sobre litispendência e sua não verificação, aí se dizendo: A esta luz, o que sucede é que, caso o tribunal de recurso mantenha a decisão de primeira instância do TAF de Aveiro, a A. vê aí negado o direito de preferência que exerceu em processo executivo posto que não observou os prazos aí previstos. Mas isso não a impede de ver aqui apreciada a sua pretensão, sem risco de existir contrariedade de julgados (e desde que não se aprecie se exerceu tempestivamente o direito de preferência no processo de execução e sem prejuízo do abuso de direito), uma vez que os requisitos da preferência não foram aí apreciados e os prazos de caducidade do Código Civil também o não foram, nem a questão da renúncia abdicativa e a do conhecimento tardio do programa negocial e das condições de venda. Está, assim afastada a exceção de litispendência. Quer isto dizer que a defesa excetiva (caducidades e renúncia abdicativa) não foi conhecida naquele acórdão e nem poderia sê-lo, pois não era objeto da sentença recorrida. E, mesmo a considerar-se ter-se aí decidido sobre tal defesa, sempre ali se salvaguardou estarem por decidir várias questões, entre as quais a renúncia abdicativa e o conhecimento tardio do programa negocial e condições da venda, de modo que, ao contrário do que entende a recorrente, a decisão sobre a renúncia abdicativa e/ou caducidades tomada na sentença agora sob recurso nunca violaria o acórdão anterior, por nele se haver ressalvado exatamente esses temas como sendo aqueles que estavam por conhecer. Depois, a decisão final daquele acórdão, ao julgar suspensa esta ação, ao abrigo do disposto no art. 272.º, n.º 1 CPC, não dependeria, como é óbvio, do conhecimento de tal matéria e, por isso, nunca sobre a mesma poderia formar caso julgado. Improcede, assim, a primeira linha argumentativa da A. O que dizer da sua pretensão nesta ação e das defesas encetadas? Em primeiro lugar, importa considerar não existir na lei nenhuma norma que estatua que o não exercício do direito de preferência dentro do prazo (ou no ato da venda ou adjudicação, no caso da venda executiva fiscal ou processual civil) importa a extinção do direito de preferência. Neste aspeto concordamos com Jorge Lopes de Sousa que o afirma, na p. 125, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, IV Volume, 6.ª Ed., ao anotar o art. 249.º do CPPT, em particular o seu n.º 7: “Não se prevê em qualquer destas Portarias [512/2006, de 5.6 e 331-B/2009] qualquer forma especial de exercício do direito de preferência, pelo que ele deverá ser assegurado, no processo de execução fiscal, através do regime geral do art. 249.º, n.º 7, do CPPT, em que se estabelece que os titulares do direito de preferência na alienação dos bens são notificados do dia e hora da entrega dos bens ao proponente, para poderem exercer o seu direito no acto de adjudicação. De qualquer modo, independentemente da regulamentação aplicável, não parece razoável nem constitucionalmente aceitável, à face dos princípios da legalidade e da confiança, impor ao titular do direito de preferência a aplicação de um regime de preclusão de um direito sem disposição legal que claramente o prescreva, pelo que terá sempre de ser assegurada a possibilidade de exercício do direito de preferência”. Estamos, por isso, com o ac. do STA, de 8.10.2014, Proc. 0893/14, segundo o qual I - Os titulares do direito de preferência na alienação dos bens são notificados do dia e hora da entrega dos bens ao proponente, para poderem exercer o seu direito no acto de adjudicação - artº 249º, nº 7 do Código de Procedimento e Processo Tributário. II - Não está fixada nem no Código de Procedimento e Processo Tributário nem no Código de Processo Civil qualquer prazo de antecipação a cumprir relativamente a essa notificação, pelo que a formalidade legal se mostrará integralmente cumprida quando o titular do direito de preferência haja tido conhecimento desse dia e dessa hora da entrega dos bens com a antecedência que lhe permita nele estar presente. III - O preferente, que não exerceu o seu direito no momento da adjudicação de bens ao proponente, não fica impedido de fazer valer o seu direito potestativo de preferência, estabelecido no artigo 1091.º, n.º 1, al. a), do Código Civil, numa acção de preferência que, a ser julgada procedente, provocará a substituição do proponente que adquiriu o imóvel neste processo de execução fiscal pelo recorrente na titularidade do direito de propriedade aquele bem. Repetindo: a lei não faz corresponder ao não exercício tempestivo do direito de preferência a sua extinção automática, pois nenhuma norma expressamente prevê tal sanção para o titular. O que resulta da lei são prazos (ou datas) para o exercício desse direito cujo incumprimento determina a caducidade do mesmo, caducidade que, contudo, não é de conhecimento oficioso, encontrando-se na disponibilidade das partes (art. 333.º CPC). Não é por um direito estar caducado que o respetivo titular o não exercita, podendo bem suceder que a contraparte sequer invoque a caducidade que, como vimos, não é de conhecimento oficioso. Sendo assim, nada na lei impede o titular de um direito de preferência que o não exerceu em tempo de intentar ação de preferência. Arrisca-se o mesmo, apenas, que venha a ser considerada procedente a exceção de caducidade. E, no caso, foram invocadas duas exceções de caducidade: - a que decorre do decurso do prazo de seis meses previsto no art. 1410.º, n.º 1, CC, que nunca foi conhecida nesta ação (sendo omissa a sentença nesse ponto, nulidade que não foi arguida por nenhuma das partes)[4]; - a que resulta do não exercício tempestivo do direito no ato de abertura de propostas na venda em leilão, notificado ao preferente, a 18.2.2019. Todavia, para que esta exceção pudesse ser procedente seria necessário que a notificação para preferir (a denuntiatio) tivesse cumprido as formalidades exigidas por lei. Ora, a A. invoca aqui não ter sido efetuada corretamente a notificação para preferir (era distinto o pedido formulado no processo administrativo posto que o que aí estava em causa era saber se o serviço de Finanças poderia revogar, sem mais, um despacho anterior no qual reconhecera à A. o direito de preferência), pois só a 11.5.2019 teve conhecimento do valor da venda e da identidade do adquirente. É, pois, a notificação para preferir e a sua regularidade que está em causa e aqui não existem dúvidas que o recurso à ação de preferência é admissível. No que respeita à venda em processo executivo, judicial ou administrativo, a lei refere qual o conteúdo que deve constar do ato de citação/notificação pessoal a remeter ao preferente. O art. 249.º, n.º 7 CPPT, alude à indicação e hora da entrega dos bens ao proponente, para que aí o preferente possa exercer o seu direito. No caso, foi designado leilão eletrónico. Quer isto dizer que o titular do direito de preferência é notificado para a exercer a opção no dia e hora de entrega dos bens ao proponente. Tal como acontece para a notificação noutros casos de preferência legal ou convencional, nos termos do art. 416.º, n.º 1, CPC (o n.º 2 estabelece o prazo de 8 dias para o exercício do direito de preempção, sob pena de caducidade), a função da denunctiatio é a de dar a conhecer ao preferente que o sujeito passivo pretende celebrar o contrato objeto da prelação e comunicar-lhe as condições em que pode exercer o seu direito, indicando, designadamente, qual o preço da venda, pois só conhecendo qual o valor pelo qual o terceiro adquirente está disposto a adquirir poderá o preferente ponderar se o negócio lhe interessa ou não. Quanto à identificação do terceiro adquirente, as opiniões dividem-se sobre a necessidade de tal elemento constar da notificação, sendo certo que a norma não o exige expressamente. No caso da venda em ação executiva cível, o art. 819.º CPC estabelece que a notificação para preferir deve indicar o dia e hora da abertura das propostas, mais exigindo que à notificação se apliquem as regras da citação, razão por que Lebre de Freitas et alt. (CPC Anotado, vol. 3.º, 3.ª Ed., p. 780) explicam: “Esta notificação, sendo pessoal, há de ser feita segundo as regras da citação (art. 250.), sendo excluída a notificação edital (n.º 3). Cabe fazê-la ao agente da execução (art. 719-1), que, nos termos do art. 227-2, devidamente adaptado, dá conhecimento ao preferente de que pode exercer o seu direito no ato de abertura e aceitação das propostas e de que, não o fazendo, deixará de o poder exercer no processo executivo, salvo na situação do art. 825-3[5]”. E continuam, “se o não fizer [se não arguir a nulidade da notificação na ação executiva] e se não se apresentar no ato de abertura de propostas, o preferente pode, na subsequente ação de preferência, alegar e provar que não teve conhecimento atempado da venda, por para ela não ter sido regularmente notificado ou não ter chegado ao seu conhecimento” (p. 781). São assim distintas as ocasiões processuais para o exercício do direito de opção no processo executivo civil e no processo executivo fiscal: o primeiro determina a notificação do preferente para a data da abertura de propostas, mas admite que este, não tendo estado presente, ainda possa exercer a preferência no prazo de cinco dias, após a notificação de que foi aceite uma determinada proposta (o n.º 2 do art. 824.º CPC ordena que se lhe faça notificação com esse conteúdo); no processo fiscal, não está expressa esta segunda possibilidade mas a notificação para estar presente e preferir não é feita para o dia e hora da apresentação de propostas, mas para o ato da entrega dos bens ao proponente, o que é distinto do ato de aceitação das propostas. Quanto ao ato da entrega dos bens ao proponente, em execução fiscal, o art. 6.º, n.º 1 da Portaria 219/11, de 11.6, dispõe que o órgão de execução fiscal decidirá sobre a adjudicação de bens. Ora, o momento de entrega dos bens ao proponente só pode acontecer em ato seguido ao leilão, se for paga imediatamente a totalidade do preço e as obrigações fiscais relativas à transmissão. No caso, à A. não foi notificado o dia e hora da entrega do bem, pelo preço arrematado, ao proponente. Também lhe não foi dito na notificação que a abertura de propostas poderia ter lugar imediatamente na sequência da licitação. Não foi sequer assinalado – como se exige para a notificação pessoal (equiparada à citação) – que a sua ausência no momento da abertura de propostas ou no momento da entrega ao proponente determinaria a extinção do seu direito. Aliás, se atentarmos no ato de abertura de propostas de 10.5.2019, verificamos que nele sequer foi entregue o bem ao proponente, tendo-se aí consignado o seguinte: “Declarando-se encerrado o presente auto de abertura de propostas em carta fechada, seguir-se-á a tramitação subsequente com vista a adjudicação do bem (253.º, 254.º e 256.º CPPT). Além disso, nem o preço da compra nem a liquidação do IMT e do Imposto de Selo, tiveram lugar naquele ato, pelo que a adjudicação nunca ali poderia ocorrer. Sendo assim, não sabemos sequer quando teve lugar o ato de adjudicação a que alude o art. 249.º, n.º 7, e, menos ainda se alegou ter sido esta data notificada à A., sendo certo que a notificação de fevereiro foi para a venda e não para a adjudicação. A notificação é, pois, irregular e, sendo-o, não há que aludir a caducidade e, menos ainda, a renúncia abdicativa. Ademais, nos termos do art. 2.º al. e) do CPPT, aplicam-se subsidiariamente as normas do CPC pelo que, mesmo a considerar ser suficiente a notificação para a abertura de propostas – e não é, desde logo, porque não foi acompanhada de qualquer cominação para a falta do preferente, como se exige para uma notificação pessoal – sempre seria de aplicar a norma do art. 824.º, n.º 2 CPC que dispõe que, aceite uma proposta, é o preferente notificado para, no prazo de 15 dias, depositar, numa instituição de crédito, a totalidade ou parte do preço em falta, pois só aí o preferente passaria a conhecer o preço da venda (não bastando, obviamente, o valor base anunciado, que pode vir a ser ultrapassado de tal modo que ao preferente deixe de interessar o negócio), aplicando-se depois o n.º 3 do art. 825.º CPC. Julgam-se, desta forma, improcedentes as exceções de caducidade e de renúncia abdicativa. Uma palavra para a conclusão K das contra-alegações do 2.º R: não está provado o facto aí referenciado e nem o mesmo, na sequência do que se expôs quanto às exigências legais para a comunicação de preferência, teria qualquer virtualidade para lograr desfecho diferente do ora exposto. Este mesmo R., nas suas contra-alegações alega abuso de direito por parte da A., e, de facto, poderia bem cogitar-se o exercício ilegítimo do direito de preferir acaso se tivesse demonstrado poder a A. saber, ou ter obrigação de saber, atempadamente, quando foi efetuada a adjudicação do bem ao R., mas, como vimos, continuamos ignorando tal circunstância, verificando-se que, na execução fiscal a A. viu até ser-lhe reconhecida a preferência por despacho de 22.5.2019 – doc. 11 junto com a contestação da AT –, decisão que, por ser no âmbito do processo fiscal, se considera equiparada à função jurisdicional, e revogada cerca de dois meses depois pelo mesmo serviço, em contrariedade com o anteriormente decidido no mesmo processo. Não se verifica, deste modo, qualquer excesso abusivo no exercício da ação de preferência. É, assim, procedente a presente ação, cabendo a substituição do R. AA, pela A., na aquisição que o mesmo efetuou do bem descrito no ponto 1 dos factos provados, no âmbito da execução fiscal identificada no ponto 2, pelo preço de € 6.501, 00. Nos termos do art. 31.º, n.º 6, do Regime do Arrendamento Rural, o preço é pago ou depositado, dentro de 30 dias após trânsito deste acórdão, sob pena de caducidade do direito de preferência e do arrendamento. Improcedem os pedidos de cancelamento dos registos prediais posteriores à propriedade da antiga senhoria e executada (não presente na ação), porquanto esta ou outros titulares de quaisquer direitos reais entretanto adquiridos não exerceram aqui qualquer contraditório. O pedido formulado em e) é inócuo relativamente ao reconhecimento de preferência. Dispositivo Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar o recurso procedente e, consequentemente, revogar a sentença recorrida, reconhecendo à A. direito de preferência na venda do imóvel identificado em 1 dos factos provados, ordenando-se a substituição do R. AA pela A., na posição de compradora, na venda descrita em 2 dos factos provados. O preço da aquisição (€ 6.501, 00) deverá pago ou depositado pela A., dentro de 30 dias após trânsito deste acórdão, sob pena de caducidade do direito de preferência e do arrendamento. Custas pelos RR. Porto, 27.11.2021 Fernanda Almeida Augusto de Carvalho Mendes Coelho ______________ [1] Reproduzimos aqui parte da contestação da 1.ª Ré: 47.º - De facto, a A. enquanto inquilina dos aludidos prédios rústicos foi notificada pela aludida carta registada com aviso de receção, da marcação daquela venda em execução fiscal, e do respetivo preço base. 48.º - Mas não exerceu o seu direito de preferência na compra desses prédios no prazo previsto nos arts. 249.º, n.º 7, do CPPT, e 6.º da Portaria n.º 219/2011, de 01/06 – aprovada em cumprimento do disposto no artigo 248.º, n.º6, do Código de Procedimento e Processo Tributário. 49.º - Ficou, assim, precludido o exercício desse direito. [2] Para melhor compreensão passamos a reproduzir o doc. em causa: [3] O doc. é o seguinte: [4] Diga-se, em todo o caso, que tal exceção seria improcedente pois que, tendo-se o ato que se invoca – a venda – realizado a 10.5.2019, a A. viu-lhe reconhecido o direito de preferência por despacho administrativo de 22.5.2019, e só em 18.7.2019, veio aquele despacho a ser revogado. Por isso, até, pelo menos, esta última data, a ação de preferência não podia ser intentada (art. 329.º CC) ou o prazo de caducidade esteva impedido por a AT ter reconhecido o direito da A. (art. 331.º, n.º 2 CC). A considerar que se teria iniciado o prazo de seis meses em 18.7.2019, a ação poderia ser instaurada até janeiro de 2020. [5] Norma que dispõe: “O preferente que não tenha exercido o seu direito no ato de abertura e aceitação das propostas pode efetuar, no prazo de cinco dias, contados do termo do proponente ou preferente faltoso, o depósito do preço por este oferecido, independentemente de nova notificação, a ele se fazendo a adjudicação”. |