Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
390/16.3GAVGS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULO COSTA
Descritores: CRIME DE VIOLAÇÃO
TENTATIVA
MEDIDA DA PENA
Nº do Documento: RP20210113390/16.3GAVGS.P1
Data do Acordão: 01/13/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFERÊNCIA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - No âmbito das exigências de prevenção geral, que a concreta actuação do arguido, dada a forma de execução do facto, corresponde a um tipo de conduta relativamente ao qual o sentir comunitário reflete uma necessidade acrescida de ver restabelecida a confiança na norma infringida – trata-se de uma tentativa de violação.
II - Relativamente às exigências de prevenção especial, as características do arguido, que revela imaturidade, dificuldades na regulação de emoções e compreensão limitada do risco em situações sociais, sendo de recear o cometimento de novos ilícitos, designadamente em situações similares.
III - No âmbito do grau de ilicitude do facto, que a concreta conduta do arguido implicou a prática de vários atos que, autonomamente considerados, se integram no conceito de ato sexual de relevo – porquanto, além de agarrar a assistente, de a fazer tombar ao chão e de se manter sobre ela para evitar que fugisse, bem como de lhe dirigir ameaças e lhe causar efetivas lesões físicas, tentou beijá-la na boca, apalpou-a nos seios e na vulva, tendo tentado introduzir-lhe os dedos na vagina – o que traduz um grau de ilicitude já distanciado pelo mínimo pressuposto pela moldura penal aplicável.
IV - Quanto à censurabilidade da conduta, que o arguido abordou a vítima quando esta se encontrava num terreno de cultivo, a hora tardia, de forma inesperada, diminuindo a possibilidade de reação de defesa desta e de obtenção de socorro por terceiros, bem como que o arguido agiu com dolo intenso, persistindo no seu propósito apesar de aquela se ter debatido e mesmo após se ter conseguido libertar por mais de uma vez do arguido.
V - No tocante às consequências dos factos, a efetiva violência física exercida sobre a assistente e as expressões de cariz ameaçador que a esta foram dirigidas, a causar várias lesões corporais e receio pela sua integridade física – sendo consideradas de gravidade assinalável tais consequências da sua conduta.
VI - Sopesadas todas as circunstâncias vindas de enunciar, afigura-se justa e equilibrada a quantia de 5.000,00 € a título de indemnização pelos danos morais sofridos pela lesada arbitrada pelo Tribunal a quo, tanto mais que, sem prejuízo da sua entrega na totalidade, lhe foi permitido em sede de suspensão da pena de prisão, pagar parte de tal quantia em prestações de 500,00€ em cada semestre, o que significa um esforço suportável de € 83,33 por mês, permitindo-lhe ainda juntar o restante para pagamento integral dos €5.000,00, ou seja, restando ainda 1.500,00€ por pagar, se juntar mais cerca de €35,71 por mês, saldará integralmente a dívida. O arguido auferindo o Salário Mínimo Nacional a que acresce, ainda e complementarmente, os rendimentos resultantes da sua dedicação a trabalhos de limpeza de terras e quintais na área da sua residência, tem condições para o fazer, juntando cerca de 120,00 mensais, assim se compensando devidamente a assistente pelo sofrimento e vergonha que lhe causou, não esquecendo que quando uma mulher é vitima de comportamentos similares, nunca mais é a mesma, viverá com esse trauma até ao seu último suspiro e sentir-se-á sempre insegura e receosa.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 390/16.3GAVGS.P1

Acordam, em conferência, na 1.ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório
No âmbito do Processo Coletivo, a correr termos no Juízo Central Criminal de Aveiro-Comarca de Aveiro-J2, foi proferida decisão, na qual se decidiu:

A) – Condenar o arguido, B…, pela prática, em autoria material, sob a forma tentada, do crime de violação, previsto e punido pelos artigos 22.º, 23º, n.ºs 1 e 2, 73.º, n.º 1, als. a) e b), 164.º, n.º 1, al. a), do Código Penal na redação dada pela Lei n.º 83/2015, de 05.08 [e 164º, n.º 2, al. a), na redação conferida pela Lei n.º 101/2019, de 06.09], na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 50º, nºs 2 e 3, 51º, n.º 1, al. a), 52º, n.ºs 1, al. c), e 4, 53º, e 54º do Código Penal, mediante:
a) - Regime de prova, a definir pela Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, através de plano de reinserção social a submeter à homologação do Tribunal, nos termos do art. 494º, n.º 2, do Código de Processo Penal, que deverá contemplar, como áreas de prioritárias de intervenção, o emprego/autonomia económica do arguido, a ocupação construtiva dos tempos livres, o reforço das competências pessoais, da interação e relacionamento/comportamento interpessoal, consequências para os outros da sua conduta delituosa e a promoção e fiscalização da comparência em consultas de psiquiatria/psicologia, tal como sugerido no relatório pericial e no relatório social;
b) - Regra de conduta consistente na obrigação de se submeter a avaliação/diagnóstico médico, com vista a apurar a necessidade de ter acompanhamento em consultas de psiquiatria/psicologia, tal como sugerido no relatório pericial e no relatório social, e aderir a eventuais intervenções que lhe venham a ser propostas nesse âmbito;
c) - Dever de comprovar nos autos o pagamento semestral à assistente/lesada da quantia de 500,00 € (quinhentos euros) em cada semestre, que constitui uma parte do valor da indemnização infra arbitrada – sem prejuízo do pagamento voluntário da totalidade ou de a aquela lançar mão de expediente processual com vista à sua cobrança coerciva.
B) – Condenar o arguido no pagamento de 3 UC de taxa de justiça, bem como nos encargos a que a sua actividade deu lugar (artigos 513º, n.ºs 1, 2 e 3, e 514º, n.º 1, do Código de Processo Penal e 8º, n.º 5, do Regulamento das Custas Processuais).”

Inconformado, o arguido interpôs recurso, invocando as seguintes conclusões da sua motivação (transcrição):
“1º O Recorrente considera que a pena de prisão de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, ainda que suspensa na sua execução, por igual período, é manifestamente excessiva.
2º A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade – vide artigo 40.º, n.º 1 do Código Penal. Por sua vez, o artigo 71.º do mesmo diploma legal estabelece o critério da determinação da medida concreta da pena, dispondo que, dentro dos limites definidos na lei, essa determinação é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
3º Dispõe expressamente o n.º 1 do artigo 40.º do Código Penal vigente que a aplicação das penas visa a proteção de bens jurídicos, entendida como tutela de crença e confiança da comunidade na ordem jurídico-penal (prevenção geral positiva) e a reintegração do agente na sociedade (prevenção especial positiva).
4º Considerando os critérios estabelecidos no artigo 71º do Código Penal, militam a favor do arguido:
a) No entender do recorrente o grau de ilicitude é moderado atendendo ao grau de violência exercido;
b) Atendendo ao tipo de crime em causa e em comparação com outros crimes da mesma natureza, entende o recorrente que, no caso concreto, os atos praticados e as consequências podem considerar-se de menor gravidade;
c) Dos factos considerados provados não se pode concluir da existência de premeditação;
d) O arguido aquando do cometimento do crime padecia de incapacidade intelectual ligeira com prejuízo da capacidade de determinação, ou seja, apresentava uma imputabilidade diminuída, refletindo-se num menor grau de culpa (uma culpa diminuída);
e) Inexistência de perigosidade social;
f) Tratar-se de um ato isolado, não sendo conhecidas ao arguido práticas de idêntica natureza nem antes nem após os factos;
g) Não possui antecedentes criminais;
h) Quanto às condições pessoais do arguido, retiram-se várias ilações constantes da douta sentença: Referenciação como sendo uma pessoa espetacular e generosa, capacidade de trabalho;
i) Estar socialmente integrado na sociedade, existindo mais boas referências quenegativas, havendo boa aceitação dele e da família;
j) Face ao presente processo, o arguido apresenta-se intimidado, com uma atitude de preocupação e de receio de perder o trabalho que tanto valoriza e de privação da liberdade.
5º É entendimento do Recorrente que o Tribunal deverá condenar o arguido numa pena mais harmoniosa, proporcional e justa face às circunstâncias acima expostas, de acordo com o disposto no Artigo 71.º do Código Penal. Atendendo à moldura penal abstracta aplicável ao caso concreto [prisão de 7 meses e 6 dias a 6 anos e 6 meses] a pena não deverá ultrapassar 1 ano e suspensa na sua execução, por entender que desta forma se realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, a proteção dos bens jurídicos ofendidos e a reintegração do agente na sociedade.
6º O Tribunal a quo violou o disposto no artigo 71º do Código Penal.
7º Para compensar os danos não patrimoniais sofridos pela demandante/lesada C…, o tribunal a quo fixou a indemnização a pagar pelo demandado/arguido em 5.000,00 €(cinco mil euros) fundamentando tal valor “nos concretos danos sofridos pela lesada” e“na humilde condição económica do arguido”.
8º Com todo o respeito, não é de todo um montante indemnizatório justo e equitativo.
9º De harmonia com o estatuído no artigo 496, nº 4, do Código Civil na fixação da indemnização por danos não patrimoniais, o julgador deve nortear-se por critérios de equidade, tendo em conta, as circunstâncias referidas no artigo 494º do mesmo Código,ou seja, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado, e as demais circunstâncias do caso.
10º No caso vertente, ponderando os enunciados critérios, designadamente:
- Os concretos danos morais sofridos pela demandante/lesada, acima elencados, no entender do Recorrente, não são tão modo graves e extensos que justifiquem o montante indemnizatório fixado pelo tribunal a quo;
- A culpa do demandado/arguido, que se mostra diminuída, aquando da prática dos factos e que no entender do Recorrente não foi valorada pelo tribunal a quo na fixação do quantum indemnizatório;
- A situação económica do demandado/arguido que é precária auferindo remuneração de valor correspondente ao salário mínimo nacional, reside em casa dos pais e colabora no orçamento familiar.
11º Entende o Recorrente que o montante indemnizatório arbitrado pelo Tribunal a quo, à demandante/lesada, se mostra excessivo, devendo ser reduzido, tendo-se por ajustado, em termos de equidade, uma indemnização em montante não superior a 1.500,00 € (mil e quinhentos euros).
12º Na fixação da indemnização, a decisão recorrida não procedeu a uma justa e equitativa valoração dos factos provados, violando designadamente os artigos 494º e 496º nº 1 e 4 do Código Civil.”

O Ministério Público respondeu ao recurso, concluindo:
“Dada a factualidade dada como provada, a decisão recorrida, quanto à espécie e medida da pena, não merece qualquer reparo, dado ser adequada às finalidades de prevenção e de reintegração do agente pelo que bem andou o Tribunal a quo ao condenar o arguido-recorrente na pena de 3 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução nos termos melhor explicitados no acórdão condenatório.
Dado o tipo de crime que está em causa, na sua forma tentada, está em causa uma moldura penal abstracta de prisão de 7 meses e 6 dias a 6 anos e 6 meses.
A pena concreta achada, situa-se num ponto bem distante daquele limite máximo,para o que contribuiu, como se assinalou o limite oferecido pelo concreto grau de culpa verificado.
Dadas as demais circunstâncias acima enunciadas, situar tal pena em medida inferior colocaria em causa as exigências de prevenção que se fazem sentir no caso concreto.
Conclui-se, pois, que o Tribunal a quo fez correcta interpretação e aplicação das normas jurídicas aplicáveis no caso concreto em apreciação, nomeadamente as dos citados artigos 40º, nºs 1 e 2, e 71º, nºs 1 e 2, do Código Penal.”
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Neste Tribunal da Relação do Porto, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer onde acolheu a posição do M.P. a quo na resposta ao recurso, pugnando igualmente pela respetiva improcedência.
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É do seguinte teor o elenco dos factos provados e não provados e respectiva motivação constantes da decisão recorrida (transcrição):
1.
“Da discussão da causa, resultam provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
1. - No dia 28 de outubro de 2016, cerca das 19h00, a assistente, C…, deslocou-se de bicicleta a um terreno agrícola, de sua propriedade, contíguo à rua …, em …, Vagos, que distava cerca de quinhentos metros da sua residência, com o propósito de fechar o portão do referido terreno.
2. Quando a assistente se encontrava naquele local, foi abordada pelo arguido, B…, que para ali se deslocou numa bicicleta elétrica, de cor não concretamente apurada.
3. A assistente perguntou ao arguido o que fazia ali, no seu terreno agrícola, àquela hora, tendo aquele proferido a seguinte expressão:”tu não vais embora, daqui não sais”.
4. Ato contínuo, o arguido aproximou-se da assistente e agarrou-a com ambas as mãos a fim de impedir que ela fugisse.
5. Ao sentir-se agarrada e assustada com a situação, a assistente gritou e tentou fugir, mas o arguido agarrou-a com mais força, tendo aquela tombado para trás e caído no chão, ficando o arguido por cima dela.
6. Nesse circunstancialismo, o arguido aproximou a sua cara da cara da assistente e tentou, pelo menos uma vez, beijá-la na boca, o que não conseguiu em virtude de esta tentar repeli-lo e libertar-se das mãos dele, tendo causado um ferimento no lábio superior daquela.
7. O arguido manteve a assistente segura pelos braços, impedindo que a mesma se libertasse, continuando esta a debater-se para se libertar daquele, sem sucesso.
8. A assistente pediu ao arguido que a libertasse e gritou por ajuda para que fosse ouvida por alguém que viesse em seu socorro, tendo-lhe aquele de imediato tapado a boca com uma das mãos, ao mesmo tempo que dizia “quem manda aqui sou eu, tu não vais gritar nada, caladinha”.
9. Enquanto o arguido permanecia com o seu corpo sobre o da assistente, que continuava deitada no chão e assim não conseguia resistir, meteu as mãos dentro da roupa dela e apalpou-lhe os seios.
10. Depois, o arguido meteu uma das mãos dentro das calças e das cuecas da assistente, apalpando-lhe a vulva e tentou introduzir-lhe os dedos na vagina, de forma tão violenta que lhe provocou fortes dores.
11. A assistente conseguiu libertar-se das mãos do arguido e tentou fugir do seu alcance.
12. Porém, o arguido alcançou a assistente e agarrou-a, colocando um braço à volta do seu pescoço e com a outra mão segurou-a na zona das nádegas e levantou-a, dizendo-lhe “não vais nada, não foges nada, anda cá que quem manda aqui sou eu”. 13. Tendo conseguido libertar-se do arguido, a assistente fugiu para a estrada de saibro, mas o arguido agarrou-a novamente e fê-la tombar com os dois joelhos no chão, causando-lhe ferimentos.
14. A assistente, temendo pela sua integridade física, continuou a debater-se com o arguido, conseguindo libertar-se das suas mãos, fugiu do mesmo, alcançou o seu telemóvel e telefonou para a sua filha a pedir auxílio.
15. O arguido, ao aperceber-se que a assistente tinha efetuado uma chamada telefónica a pedir auxílio, deixou de a perseguir.
16. A assistente conseguiu sair do local, deslocando-se na sua bicicleta, e dirigiu-se junto do D…, onde solicitou auxílio a, pelo menos, uma pessoa que ali se encontrava.
17. A assistente foi assistida no Centro Hospitalar …, onde apresentava duas escoriações nos joelhos, equimose no joelho direito, e uma laceração no lábio superior.
18. Como consequência direta e necessária da conduta do arguido, a assistente sofreu diversas lesões, apresentando, em 31.10.2016, quando foi observada: no membro superior direito escoriação na face anterior do punho, medindo 0,5 x 0,1 cm, no membro inferior direito escoriação no quadrante supero-medial da região glútea medindo 1,5 cm x 0,5 cm, equimose arroxeada no terço distal da face medial da coxa, medindo 1 cm de diâmetro, equimose arroxeada na face anterior do joelho medindo 3 cm x 2 cm, no membro inferior esquerdo equimose arroxeada no quadrante supero-lateral da região glútea medindo 12 cm x 5 cm; na zona genital, pequeno ponto avermelhado de dimensões milimétricas ao nível do bordo inferior do meato uretral, com discreto edema a esse nível, e congestão da mucosa que reveste a face medial dos pequenos lábios.
19. O arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, com o propósito de manter relações de cópula com a assistente contra a vontade desta, utilizando a força física para concretizar os seus intentos, que só não alcançou devido ao facto de aquela ter conseguido libertar-se e fugir.
20. Mais sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.
21. O arguido padece de deficiência mental ligeira e, ao longo da vida, teve necessidade de frequentar consultas de psiquiatria e de ser medicado por alterações do comportamento enquadráveis num atraso de desenvolvimento intelectual.
22. No entanto, trabalha há, pelo menos, seis anos e executa igualmente tarefas extras em limpezas de quintais e terrenos, aumentando assim a sua autos suficiência.
23. Apresenta imaturidade, dificuldades na regulação de emoções e compreensão limitada do risco em situações sociais.
24. Contudo, o arguido ocultou e confabulou conscientemente as circunstâncias que conduziram à acusação o que demonstra que tem consciência do ato ilícito e das suas consequências.
25. À data dos factos supra descritos, padecia de incapacidade intelectual ligeira com prejuízo da capacidade de determinação.
26. Não oferece perigosidade desde que tenha seguimento pela Direção Geral de Reinserção Social e Serviços Prisionais e frequente consultas de psiquiatria/psicologia.
27. Após os factos supra descritos, a assistente foi assistida no Centro Hospitalar …, EPE, apresentando, a nível sacrococcigio, à direita, hematoma como cerca de 2 cm, nos joelhos duas escoriações e, no lábio superior, uma pequena laceração.
28. Com a descrita atuação, o arguido, além das lesões mencionadas, causou ainda dores à assistente.
29. A conduta do arguido fez a assistente temer pela sua integridade física bem como pela sua própria vida.
30. A assistente sentiu, como ainda hoje sente, humilhação e vergonha, tanto perante a sua filha como perante as pessoas da aldeia onde vive que, pelo menos então, comentaram o sucedido.
31. Em consequência da descrita atuação do arguido, a assistente sente-se receosa, ansiosa, nervosa e insegura.
32. Sempre que tem de sair de sua casa, a assistente sente-se insegura e com receio de poder vir a passar novamente pelo sofrimento que vivenciou.
33. A assistente passou a dormir mal, tendo frequentes pesadelos noturnos, acordando frequentemente aos gritos e a suar.
34. A assistente passou a repudiar qualquer contacto físico com as pessoas que não lhe são próximas e deixou de conseguir sair à rua sozinha.
35. O arguido é natural …, aldeia da freguesia …, concelho de …, sendo o mais novo de um casal de filhos, tendo falecido um irmão mais velho. Os pais são agricultores e atualmente sexagenários.
36. A situação económica da família era muito precária, padecendo a progenitora de problemas de saúde mental. O relacionamento entre os pais é pelo arguido referenciado como normal.
37. O arguido frequentou uma escola primária do ensino regular, mas dadas as acentuadas dificuldades de aprendizagem foi mais tarde integrado na CERCI de …, localizada em …, para efeito de formação profissional. Sensivelmente dos 17 aos 21 anos, de 2000 a 2004, frequentou um curso de Horticultura, com colocação em posto de trabalho.
38. Nesta fase de formação profissional, o arguido foi sujeito a avaliação psicológica na citada instituição, sendo diagnosticada uma capacidade intelectual significativamente inferior à média do seu grupo etário, que corresponde, em termos classificativos, à Deficiência Mental Ligeira. A progenitora, bem como a irmã e um sobrinho apresentam igualmente um diagnóstico de deficiência mental ligeira.
39. Em seguida, o arguido trabalhou em vários locais e não se conseguiu adaptar por causa da sobrecarga física, pelos turnos noturnos ou por não lhe pagarem. Ainda teve experiência laboral na pintura, mas ficava alterado da cabeça com os cheiros das tintas. Mais tarde, há cerca de 6 anos, conseguiu trabalho na empresa D…, de produção de pás eólicas em …, na área das limpezas, onde aufere o ordenado mínimo nacional. Como realizou um curso de manuseamento de máquinas, dedica-se complementarmente a trabalhos de limpeza de terras e quintais na área de residência.
40. Ainda criança, o arguido foi vítima de um atropelamento com traumatismo craniano. Mais recentemente, o arguido foi vítima de um acidente ao conduzir a bicicleta elétrica quando se dirigia para o trabalho às 7 horas da manhã, tendo sido hospitalizado dada a gravidade do mesmo. Em tempos foi clinicamente acompanhado no Hospital …, com prescrição de medicação diária, tipo calmante, que toma de manhã e à noite. Posteriormente, teve alta clínica e passou a ser seguido pelo médico de família do Centro de Saúde …, sendo igualmente assistido em sede de medicina do trabalho na empresa onde trabalha, E….
41. Relativamente à ocupação dos tempos livres, gosta de andar de bicicleta, de ouvir música, de participar nas festas locais em agosto, onde dança com colegas e também frequenta atividade de Karaoke, com amigos. Não gosta dos colegas do clube de futebol, que não frequenta, nem dos que lhe ficam a dever dinheiro.
42. Em termos de relacionamentos, nos últimos dois anos manteve uma relação de namoro com uma jovem, de …, que conhecia de frequentar a CERCI de …. Ultimamente, pretende encetar relação de namoro e, mais tarde, união de facto com uma jovem residente na zona de Vagos e funcionária numa loja F….
43. No meio social de …, o arguido é considerado integrado, existindo mais boas referências que negativas, havendo boa aceitação dele e da família. Em situações específicas, tais como combinarem pagar-lhe pelo trabalho realizado um montante e depois darem-lhe um montante menor, ou quando contrariado, o arguido tem comportamentos de agressividade verbal.
44. Na família é caracterizado, por um lado, como uma pessoa espetacular e generosa e, por outro, como muito nervoso, pois vai na conversa dos outros e mete-se com quem não se deve meter, tratando mal a família quando chega a casa, que já aprendeu a lidar com ele, isto é, deixam-no ficar sozinho e não falam para ele, nem o contrariam, até estabilizar.
45. Atualmente, o arguido mantém-se a residir em casa dos pais, pequena habitação composta por três quartos, cozinha, casa de banho e cá fora construiu mais um quarto.
46. Os pais são reformados, apesar do pai ainda trabalhar numa vacaria e realizar outros trabalhos indiferenciados. A irmã vive maritalmente com um senhor numa outra casa e o casal tem dois filhos, com 19 e 14 anos de idade. A irmã e o sobrinho mais velho do arguido frequentam curso de formação profissional na CERCI de ….
47. O arguido colabora no orçamento familiar, circunscrevendo-se as áreas de despesas mensais fixas ao gás butano, à eletricidade, ao telemóvel e combustível, na medida em que utilizam lenha como fonte de aquecimento numa bailarina e a água para consumo provém de um furo artesiano.
48. O arguido mantém o mesmo trabalho na empresa E…, de que gosta particularmente, e as mesmas ocupações complementares.
49. Nos últimos dois anos, e nomeadamente após os factos pelo qual se encontra acusado, a situação social e familiar do arguido manteve-se nos mesmos moldes acima descritos.
50. Em termos de futuro, considera que, para se manter bem integrado socialmente, tem de ter um bom trabalho, onde possa ganhar bom dinheiro para pagar as despesas de sua casa e ajudar na casa da mãe.
51. Face ao presente processo, o arguido apresenta-se intimidado, com uma atitude de preocupação e de receio de perder o trabalho que tanto valoriza e de privação da liberdade.
52. O arguido não tem antecedentes criminais registados.
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B) – FACTUALIDADE NÃO PROVADA
Não se provaram quaisquer outros factos suscetíveis de influírem na decisão, designadamente os que resultem excluídos em face dos provados, que estejam em oposição com aqueles e os seguintes:
a) - Antes dos factos supra descritos, a assistente era uma pessoa tranquila, alegre, sociável e trabalhadora;
b) - A assistente não mais conseguiu exercer qualquer atividade profissional em consequência dos factos praticados pelo arguido.
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C) – MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
Os factos supra exarados como provados ou não provados resultaram da ponderação de toda prova – constituída nos autos e produzida em audiência de julgamento –, de acordo com os princípios que enformam o direito processual penal, designadamente os da concentração, do contraditório, da imediação e da investigação da verdade material.
No que concerne ao critério norteador da formação da convicção do Tribunal, rege o art. 127º do Código de Processo Penal, dispondo que “salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”2. 2 Uma das exceções consagradas é a referente à prova pericial, que se presume subtraída à livre apreciação do julgador, nos termos do art. 163º, n.º 1, do Código Penal.
Como decorrência do princípio da livre apreciação da prova ali consagrado, no processo de formação da convicção do julgador, as primeiras regras a observar são, naturalmente, as da lógica, seguidas pelas regras da experiência, que resultam da estrutura nomológica da realidade física e emergem, fundamentalmente, da intervenção do princípio da causalidade.
No caso vertente, a prova oral mostra-se gravada em sistema digital e os documentos constam dos autos, incluindo os relatórios periciais, pelo que de seguida limitar-nos-emos a salientar, de forma resumida, em que medida alguns recortes probatórios, conjugados entre si, permitiram formar convicção positiva ou negativa sobre os factos em discussão.
O arguido, no exercício de faculdade legal, remeteu-se ao silêncio, não tendo prestado quaisquer declarações.
Por seu lado, a assistente prestou declarações de forma emotiva mas escorreita apesar de já terem decorrido aproximadamente três anos e meio sobre os factos. Narrou as circunstâncias de tempo e lugar em que ocorreram os factos, a razão pela qual se deslocou ao terreno a hora tardia, como o arguido a abordou, a agarrou, os concretos atos com vista a manter relação sexual de cópula com ela, como conseguiu libertar-se, telefonar para a filha, fugir do local, pedir ajuda e como recebeu assistência hospitalar, apresentou queixa criminal e foi examinada medico-legalmente. Referiu, ainda, situações ocorridas antes e após os factos em que se sentiu perseguida e/ou ameaçada pelo arguido e relatou as repercussões que para si advieram da atuação do arguido.
Como sucede habitualmente neste tipo de situações, para além das duas pessoas envolvidas nos eventos passíveis de integrarem crimes contra a autodeterminação sexual, ninguém assistiu aos mesmos, pelo que inexistem testemunhas com conhecimento direto e presencial de tais factos.
A assistente foi, assim, a única pessoa que descreveu os factos ocorridos tendo conhecimento direto dos mesmos. Afastado que está no nosso ordenamento jurídico o aforismo testis unus, testis nullus, uma vez que a prova não é tarifada ou legal, antes sujeita à livre apreciação e convicção do julgador, importa refletir sobre as razões que levaram o Tribunal a valorar privilegiadamente as declarações da assistente.
Desde logo, temos que estar cientes de que, em matéria de crimes sexuais, as declarações da vítima têm um valor especial, dado o ambiente de segredo que rodeia o cometimento dos mesmos, em regra em privado, sem testemunhas presenciais e, muitas vezes, sem deixar vestígios que permitam a realização de uma perícia (neste sentido, acórdão da Relação de Guimarães de 12.04.2010, disponível para consulta no sítio da internet http://www.dgsi.pt; acórdão da Relação do Porto de 06.03.1991, in CJ, XIII, Tomo 2, 287, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02.02.2004, apud acórdão da Relação de Coimbra de 09.03.2005, in CJ XXX, tomo 2, 38, e acórdão da Relação de Coimbra de 22.02.2009, disponível para consulta no sítio da internet http://www.dgsi.pt).
Como se refere no aludido acórdão da Relação de Guimarães, um único testemunho, ainda que da vítima, pode ser suficiente para desvirtuar a presunção de inocência desde que ocorram as seguintes circunstâncias:
a) - A ausência de incredibilidade subjetiva derivada das relações entre o arguido e a vítima ou denunciantes que possam conduzir à dedução de existência de um móbil de ressentimento ou inimizade; b) - A verosimilhança, ou seja, o depoimento da testemunha tem que estar rodeado de certas corroborações periféricas de caráter objetivo que o dotem de aptidão probatória; e
c) - A persistência da incriminação prolongada no tempo e reiteradamente expressa e exposta sem ambiguidades ou contradições.
No caso dos autos, a assistente prestou declarações de forma expressiva e impressiva, como apenas a imediação permite percecionar, tendo em conta as suas espontâneas linguagem corporal e expressão fisionómica. Como se disse, descreveu o contexto espaciotemporal em que o arguido a atacou, os atos por este perpetrados e as consequências dos mesmos, designadamente a nível físico. Mais relatou que encetou contacto telefónico para a sua filha, a testemunha G…, e como se dirigiu a um campo de futebol, onde pediu ajuda a pessoa que lá trabalhava, a testemunha H…, para a acompanhar a casa. Mais referiu que, por insistência da filha, foi para o Hospital, onde recebeu assistência, tendo sido encaminhada para o serviço de Medicina Legal, tendo, ainda, apresentado a pertinente queixa junto do órgão de polícia criminal.
Conquanto nenhum meio de prova incida diretamente sobre os atos perpetrados pelo arguido na pessoa da assistente, são múltiplos os elementos de prova que os comprovam.
Apesar de revelar alguma confusão quanto ao concreto conteúdo da comunicação telefónica, compreensível em face do lapso de tempo entretanto decorrido e da aflição que terá vivenciado nessa ocasião, a testemunha G…, filha da assistente, confirmou que estava a jantar com amigos quando recebeu uma chamada telefónica da sua mãe, que estava apavorada e a chorar, que lhe disse que estava a ser perseguida pelo I…, como o arguido é conhecido no local e foi reconhecido pelo mesmo aquando da sua identificação. Pese embora a testemunha tenha referido que a assistente lhe disse que já estava no campo da bola e a ser ajudada pelo H…, divergindo do mencionado pela assistente a este respeito, que disse que ligou à filha quando se conseguiu libertar do arguido e ainda estava no terreno, cremos que a G… se terá equivocado neste conspecto, tendo o telefonema ocorrido no circunstancialismo descrito pela sua mãe pois só assim se compreende que aquela se dirigisse ao terreno para ajudar a mãe, e não ao campo de futebol, como a própria referiu. Tal equívoco não belisca, porém, a credibilidade do depoimento da testemunha G… que se revelou estar de boa fé.
Ademais, a G… afirmou que quando se dirigiu a casa, onde a mãe já se encontrava, verificou que esta apresentava marcas vermelhas no pescoço, estava toda transpirada e suja de terra e ervas, tendo insistido com ela para que fosse ao hospital.
Também a testemunha H… confirmou que quando estava a trabalhar no campo de futebol ali surgiu a assistente a pedir ajuda. Apesar de ter efetuado um depoimento contido, afirmou que a assistente estava aflita e pediu-lhe para a acompanhar a casa, alegando que andava alguém atrás dela, o que fez sem a questionar sobre a identidade da pessoa que a perseguia ou sobre o que sucedera; referiu que quando chegaram a casa da assistente esta mencionou o nome I…, que não associou a ninguém em concreto; mais disse que não se apercebeu que a assistente se apresentasse com ferimentos e suja porque estava escuro.
Do relatório do episódio de urgência n.º …….., a fls. 28 e 29, resulta que a assistente foi assistida no Centro Hospitalar …, EPE, em 28.10.2016, pelas 22h33m, queixando-se de ter sido vítima de agressão /tentativa de violação, referindo que o agressor lhe apetou o pescoço e agarrou pelas costas, tendo caído de joelhos, observando-se, a nível sacrococcigio, à direita, hematoma como cerca de 2 cm, nos joelhos duas escoriações e, no lábio superior, uma pequena laceração.
Por seu lado, do relatório pericial do exame médico legal de fls. 71 a 73 resulta a descrição das lesões que a assistente apresentava quando foi observada, em 31.10.2016, concluindo-se, além do mais, “as lesões objetivas descritas na superfície corporal em geral terão resultado de traumatismo de natureza contundente, que é compatível com a informação” e que “as discretas lesões traumáticas de caraterísticas recentes observadas a nível da região genital (vulva) são compatíveis com práticas sexuais (manipulação da região genital) em concordância com a informação prestada pela examinanda.
Conclui-se, assim, que a narrativa da assistente quanto aos factos de que foi vítima nas circunstâncias de tempo e lugar descritas na factualidade provada mostra-se corroborada por vários e distintos meios de prova – testemunhal, documental e pericial.
Por outro lado, das declarações da assistente não transpareceu que algo a movesse contra o arguido de modo a imputar-lhe falsamente a autoria de tais factos. Com efeito, apesar de ter referido que já algumas vezes antes tinha notado a presença daquele em locais onde também ela se encontrava, tal facto apenas ajuda a compreender que o arguido tivesse surgido, nas circunstâncias de tempo descritas na factualidade, num terreno agrícola onde aquela se dirigiu já em hora tardia.
A relutância da assistente em dirigir-se ao hospital, o que apenas fez por insistência da filha, como referiu e foi corroborado por esta, é reveladora de que não tinha qualquer interesse em prejudicar o arguido.
Aliás, apesar de se ter constituído assistente e de ter deduzido pedido de indemnização civil, a assistente conhece o arguido e as condições de vida deste, estando, pois, ciente de que se trata de pessoa com deficiência mental e débil capacidade económica.
Atento o contexto em que foi despoletado o presente processo e apesar do notório trauma que os factos que lhe estão subjacentes causaram na assistente, conclui-se que esta logo aquando da apresentação da queixa a assistente indicou de forma espontânea o arguido como autor dos factos de que foi vítima, contextualizando a atuação deste, manteve essa identificação de forma consistente e não demonstra ressentimento para além da mágoa compreensível neste tipo de situações.
Mais se conclui que são várias as corroborações periféricas de caráter objetivo que conferem força probatória ao depoimento da vítima, constatando-se, igualmente, que esta relatou os factos de forma globalmente unívoca, quer aos médicos, quando foi observada, no serviço de urgência e no Instituto de Medicina Legal, no mesmo dia em que ocorreram e poucos dias depois, quer ao Tribunal quando prestou declarações em audiência, aproximadamente três anos e meio depois.
Por fim, é de assinalar que perpassa das declarações da assistente o sofrimento emocional que a assistente, apesar do lapso temporal entretanto decorrido, ainda vivencia quando teve que relatar os factos ocorridos e quando questionava sobre como se sentia em virtude dos mesmos.
Tudo isto reforça a consistência das declarações da vítima, contribuindo para a credibilidade das mesmas.
Mostram-se, pois, verificados in casu os requisitos que conferem a consistência necessária para que seja atribuído um valor especial ao depoimento da vítima, em consonância com a orientação jurisprudencial supra mencionada.
Pelo exposto, da conjugação de todos os elementos de prova, tendo em conta, designadamente, os recortes probatórios supra salientados, não ficaram dúvidas de que o arguido praticou os factos descritos na factualidade provada.
Os factos relativos às repercussões dos factos na vida da assistente, extraídos do pedido de indemnização civil, resultaram da conjugação das declarações daquela com os depoimentos das testemunhas que a esse respeito depuseram, na medida em que aquelas se mostraram congruentes em face das regras da experiência comum e sustentadas pelos referidos depoimentos.
Com efeito, tendo em consideração os concretos atos de que a assistente foi alvo, que consubstanciam uma agressão de natureza sexual, o contexto em que ocorreram – à noite, num terreno agrícola, quando aquela estava sozinha e vulnerável –, algumas das emoções, sentimentos e alterações de comportamento quotidiano que aquela referiu são perfeitamente compreensíveis, correspondendo à reação normal de uma mulher perante tal adversidade, afigurando-se, por isso, coerentes. Ademais, foram corroboradas por testemunhas que se relacionam de modo muito próximo com a assistente, como é o caso de G…, filha, e J…, mãe, que com aquela coabitam.
Contudo, pese embora tais testemunhas tenham afirmado que, antes da data em que ocorreram os factos que constituem o objeto do processo, a assistente era pessoa tranquila, alegre e sociável, certo é que a própria admitiu que há muitos anos teve problemas de natureza psicológica – esgotamento nervoso e depressão –, fazendo os documentos clínicos alusão a acompanhamento psiquiátrico. Ademais, a testemunha K…, amiga de infância da assistente, de forma espontânea referiu que esta sempre foi pessoa doente e triste.
Por outro lado, a assistente afirmou que deixou de conseguir trabalhar por causa dos factos perpetrados pelo arguido, alegando que à data desempenhava atividade laboral na área florestal, que explicitou. Contudo, as testemunhas G… e J… mencionaram que a assistente apenas “fazia umas horas” em limpeza doméstica, clarificando que há muitos anos que esta não trabalhava na área florestal. Acresce que os certificados de incapacidade temporária para o trabalho remontam ao ano de 2018, ou seja, período muito posterior aos factos.
Pelo conjunto de razões expostas, não ficou o Tribunal convencido que a inatividade laboral da assistente, independentemente do tipo, seja consequência da atuação do arguido.
No que concerne aos factos atinentes ao quadro mental e psíquico do arguido, que se inscrevem no foro interior, nos domínios cognitivo e volitivo, atentámos no relatório pericial de exame às faculdades mentais, que conclui que aquele padece de incapacidade intelectual ligeira, tendo havido prejuízo da capacidade de determinação, sendo de presumir pela inexistência de perigosidade considerando que se tratou de um ato isolado e desde que tenha seguimento pela Direção Geral de Reinserção Social e Serviços Prisionais e frequente consultas de psiquiatria/psicologia.
Não obstante, o circunstancialismo em que foram praticados os factos e a postura processual assumida pelo arguido, designadamente em audiência de julgamento, indiciam claramente que este agiu de forma livre, deliberada e consciente, com a intencionalidade descrita nos factos provados e a consciência da ilicitude da sua conduta. Com efeito, os factos objetivos descritos, analisados à luz das regras da experiência comum, não permitem outra conclusão – o arguido abordou a assistente quando esta se deslocou a um terreno agrícola, fora da sua área de residência, pelo que muito provavelmente tê-la-á seguido, a uma hora tardia, diminuindo a possibilidade de por ali passarem pessoas, atacando-a de forma violenta, acompanhada de expressões que são expressivas da sua determinação de com ela manter relacionamento sexual sem que pudesse ser socorrida por terceiros, como é o caso de “tu não vais embora, daqui não sais”. Ademais, quando a assistente conseguiu libertar-se e telefonar para a filha, o arguido deixou de a atacar e, como se faz notar no relatório pericial, este ocultou e confabulou os factos perante o perito e, em audiência de julgamento, remeteu-se o silêncio, o que demonstra que tem consciência da ilicitude e da punibilidade dos mesmos,
Tais factos objetivos, em face dos padrões de normalidade e das regras da experiência comum, permitem conclusão pelo processo cognitivo e volitivo que lhes subjaz.
No que tange aos factos atinentes ao percurso e condições de vida do arguido, baseámo-nos no teor do relatório social elaborado pela Direção Geral de Reinserção Social e Serviços Prisionais e no depoimento da testemunha L…, vizinho, amigo e que foi responsável pela empresa para a qual o arguido trabalhou.
Quanto à ausência de antecedentes criminais registados, analisámos o certificado de registo criminal do arguido, meio probatório idóneo à sua comprovação.»

2.
Medida concreta da pena e pedido cível.
B) – DETERMINAÇÃO DA NATUREZA E MEDIDA DA PENA
1. Efetuada a qualificação jurídica dos factos praticados pelo arguido e verificada a sua punibilidade, cumpre, agora, proceder à determinação da natureza e medida concreta da sanção a aplicar-lhe.
Atentemos, antes de mais, na especificidade da situação do arguido, por força do reconhecimento da imputabilidade diminuída, que, como vimos, tanto pode conduzir à atenuação da culpa e da pena como à agravação das mesmas. É que na determinação do grau de culpa na imputabilidade diminuída há que levar em conta as qualidades pessoais do agente, refletidas no facto; quando estas se revelarem especialmente desvaliosas do ponto de vista do direito, estaremos perante uma culpa agravada, a que corresponderá uma pena necessariamente mais grave10; no caso inverso, estaremos perante uma culpa diminuta, a justificar uma pena mais leve.
10 Neste sentido, cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 03.07.2014, 26.06.2013 e 13.04.2011, acessíveis no sítio da internet http://www.dgsi.pt
11 Disponível para consulta no sítio da internet http://www.dgsi.pt
Como decidiu o Supremo Tribunal de Justiça no acórdão de 27.05.2010 (processo n.º 6/09.4JAGRD.Cl.Sl11), a imputabilidade diminuída deve entrar, na determinação da pena, conjuntamente com todas as demais circunstâncias, na ponderação global a que se refere o n.º 2 do art. 71º do Código Penal, ou inclusivamente na avaliação do circunstancialismo que fundamenta a atenuação especial da pena, nos termos do art. 72º do mesmo diploma.
Dispõe o n.º 1 do último artigo citado que o tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existam circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam de forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena.
O n.º 2 do referido preceito enumera algumas circunstâncias que podem ser consideradas para o efeito de diminuir de forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa ou a necessidade da pena, ou seja, também diminuição das exigências de prevenção.
Assim, para além dos casos para os quais a lei expressamente determine uma pena especialmente atenuada – v. g., tentativa (art. 23º, n.º 2), cumplicidade (art. 27º, n.º 2) –, o que, em termos gerais, conduzirá o Tribunal a atenuar especialmente a pena será a constatação de uma acentuada diminuição da ilicitude do facto, da culpa do agente ou da necessidade da pena, decorrente de circunstâncias anteriores, contemporâneas ou posteriores ao crime, nomeadamente das que, exemplificativamente, se apontam no n.º 2 do preceito.
Pressuposto material da atenuação da pena, autónomo ou integrado pela intervenção valorativa das situações exemplificativamente enunciadas, é a acentuada diminuição da culpa ou das exigências de prevenção.
Mas acentuada diminuição significa casos extraordinários ou excecionais, em que a imagem global do facto se apresenta com uma gravidade tão específica ou diminuída, que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em tais hipóteses quando estatuiu os limites normais da moldura do tipo respetivo12.
12 Cfr. Jorge Figueiredo Dias, "Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime", 1990, pág. 306, e acórdãos do STJ de 18.10.2001 e de 30.10.2003, in CJ (STJ), ano XI, tomo III, pág. 208 e ss., e de 03.11.2004, in CJ (STJ), Ano XII, tomo III, pág. 217
Ora, no caso vertente, o arguido padece apenas de incapacidade intelectual ligeira, trabalha há, pelo menos, seis anos e executa igualmente tarefas extras em limpezas de quintais e terrenos, aumentando assim a sua autos suficiência.
Não cremos, pois, que se justifique a atenuação especial da pena nos termos previstos no art. 72º do Código Penal, devendo, antes, a imputabilidade diminuída ser considerada conjuntamente com as demais circunstâncias a atender no âmbito do estatuído no art. 71º, n.º 2, do mesmo diploma.
Posto isto, vejamos a concreta medida da pena a aplicar tendo em perspetiva a moldura abstrata de prisão de 7 meses e 6 dias a 6 anos e 6 meses.
Estatui o art. 40º, n.º 1, do Código Penal que a aplicação de penas e de medidas de segurança tem como finalidade “a proteção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”.
A proteção de bens jurídicos consubstancia-se na denominada prevenção geral, enquanto a reintegração do agente na sociedade, ou seja, o seu regresso à comunidade lesada pela sua atuação, se reporta à denominada prevenção especial.
O legislador quis, desta forma, oferecer ao julgador critérios seguros e objetivos de individualização da pena, quer na escolha, quer na dosimetria, sempre no pressuposto irrenunciável, de matriz constitucional, de que em caso algum a pena pode ultrapassar a culpa. Em conformidade, dispõe o n.º 2 do art. 40º que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”.
Em consonância com estes princípios dispõe o artigo 71º, n.º 1, do mesmo código que “a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”.
Conforme ensina Figueiredo Dias, “… a medida da pena há de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto e referida ao momento da sua aplicação, proteção que assume um significado prospetivo que se traduz na tutela das expectativas da comunidade na manutenção (ou mesmo no reforço) da validade da norma infringida. Um significado, deste modo, que por inteiro se cobre com a ideia da prevenção geral positiva ou de integração que vimos decorrer precipuamente do princípio político-criminal básico da necessidade da pena”13.
13 “Lições ao 5.º ano da Faculdade de Direito de Coimbra”, 1998, págs. 279 e ss.
Como salienta o mesmo autor, in “Direito Penal II”, pág. 229, dentro do binómio culpa/prevenção há que ter em conta que a medida da pena não poderá ultrapassar a medida da culpa; a verdadeira função desta na teoria da medida da pena reside efetivamente numa incondicional proibição de excesso, pois a culpa constitui um limite inultrapassável de todas e quaisquer questões preventivas, sejam de prevenção a nível geral positiva ou negativa, de integração ou intimidação, sejam de prevenção, neutralização ou pura defesa social.
Anabela Miranda Rodrigues – in “O Modelo de Prevenção na Determinação da Medida Concreta da Pena”, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 12, n.º 2, Abril/Junho de 2002, págs. 147 e ss. –, defende que a medida da pena há de ser encontrada dentro de uma moldura de prevenção geral positiva e que será definida e concretamente estabelecida em função de exigências de prevenção especial, nomeadamente de prevenção especial positiva ou de socialização; a pena, por outro lado, não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa. Adiantando que é o próprio conceito de prevenção geral de que se parte proteção de bens jurídicos alcançada mediante a tutela das expectativas comunitárias na manutenção (e no reforço) da validade da norma jurídica violada – que justifica que se fale de uma moldura de prevenção. Proporcional à gravidade do facto ilícito, a prevenção não pode ser alcançada uma medida exata, uma vez que a gravidade do facto ilícito é aferida em função do abalo daquelas expectativas sentido pela comunidade. A satisfação das exigências de prevenção terá certamente um limite definido pela medida da pena que a comunidade entende necessária à tutela das suas expectativas na validade das normas jurídicas: o limite máximo da pena, que constituirá, do mesmo passo, o ponto ótimo de realização das necessidades preventivas da comunidade, que não pode ser excedido em nome de considerações de qualquer tipo, ainda quando se situe abaixo do limite máximo consentido pela culpa, mas abaixo daquela medida (ótima) de pena (da prevenção), outras haverá que a comunidade entende que são ainda suficientes para proteger as suas expectativas na validade das normas – até ao que considere que é o limite do necessário para assegurar a proteção dessas expectativas. Aqui residirá o limite mínimo da pena que visa assegurar a finalidade de prevenção geral.
Em suma, as exigências de prevenção geral definirão o limite mínimo da pena e a culpa o limite máximo criando, assim, a moldura dentro da qual se hão de fazer sentir as exigências de prevenção especial ou de ressocialização.
A nível concetual, a culpa traduz-se essencialmente na consciência por parte do agente do carácter proibido da sua conduta. O grau de consciência que o agente tem da positividade ou negatividade da sua atuação determina o grau de culpa que lhe é imputável, na medida da sua capacidade e vontade de atingir aquele fim proibido.
A prevenção geral positiva ou de integração é dirigida à satisfação da consciência coletiva, com o objetivo de repor a conformidade para com o Direito. Atende, fundamentalmente, ao sentimento que o crime causa na comunidade, tendo em conta diversos índices, designadamente a frequência com que o crime ocorre, o espaço onde se verifica e o alarme que esteja a provocar na comunidade. Neste âmbito, importa determinar o mínimo da pena, aquele limite absoluto e intransponível que satisfará a consciência coletiva.
A prevenção especial ou de ressocialização, por seu lado, serve, essencialmente, o escopo de reintegração do agente na comunidade, tentando evitar a quebra da sua inserção nessa mesma comunidade, o que se traduz, em última análise, na ideia base da ressocialização. Na tarefa de determinação das exigências de prevenção especial, atende-se a diversas variáveis atinentes à conduta do agente, idade, vida familiar e profissional, entre outras.
Em consonância com o preceituado no n.º 2 do art. 71º do Código Penal, na determinação da medida concreta da pena deverão considerar-se, ainda, todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal de crime, deponham a favor do agente ou contra ele, nomeadamente as ali elencadas de forma exemplificativa:
a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b) A intensidade do dolo ou da negligência;
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
Apreciando o caso concreto à luz dos enunciados princípios e critérios temos o seguinte quadro relevante:
O grau de ilicitude é acentuado porquanto o arguido perpetrou vários atos sexuais de relevo, tendo, além do mais, agarrado a assistente, manteve-se em cima dela, quando esta tombou no chão, para evitar que fugisse, tentou beijá-la na boca, apalpou-a nos seios e na vulva, tendo tentado introduzir-lhe os dedos na vagina.
O modo de execução dos factos é extremamente censurável, uma vez que o arguido abordou a vítima quando esta se encontrava num terreno de cultivo, a hora tardia, de forma inesperada, diminuindo a possibilidade de reação de defesa desta e de obtenção de socorro por terceiros. Além de usar de violência física sobre a assistente, dirigiu-lhe expressões de cariz ameaçador, causando-lhe várias lesões corporais e receio pela sua integridade física, sendo, pois, graves as consequências da sua conduta. Agiu com dolo direto e intenso pois toda a sua atuação revela premeditação, por forma a surpreender a assistente e retirar-lhe capacidade de defesa e/ou de auxílio, persistindo no seu propósito criminoso apesar de aquela se ter debatido e de se ter conseguido libertar por mais de uma vez, apenas tendo deixado de a molestar quando ela conseguiu telefonar para a filha a pedir auxílio.
Porém, padecendo o arguido de atraso mental, ainda que de grau ligeiro, com prejuízo da capacidade de determinação, fazendo dele um agente imputável, conhecendo a ilicitude dos seus atos, mas com imputabilidade atenuada, tal circunstância tem uma inegável influência na culpa, diminuindo-a de forma relativamente acentuada.
No que respeita aos sentimentos manifestados no cometimento do crime, destaca-se a ostensiva indiferença pela vontade e liberdade sexual da assistente.
Relativamente aos fins ou motivos do agente, apenas podemos concluir que o arguido agiu de forma egoísta, para satisfação do seu impulso sexual, o que é extremamente censurável.
Quanto à conduta anterior aos factos, releva a ausência de antecedentes criminais do arguido.
No que tange à conduta posterior, há que registar que o arguido não adotou qualquer postura que traduza arrependimento pela sua atuação delituosa e nada fez para reparar as consequências da mesma.
No que concerne às condições pessoais do arguido, é de relevar o contexto sociofamiliar adverso em que cresceu que, conjugado com o atraso mental de que padece, propiciaram uma trajetória de vida desfavorecida, conforme melhor descrito na factualidade provada.
O tipo de crime em causa e a forma da sua execução reclamam particulares exigências de prevenção geral, ligadas à satisfação do interesse público de defesa da sociedade que, pela natureza e gravidade dos factos, sente uma necessidade acrescida de ver restabelecida a confiança na norma infringida, protetora de valor nuclear – a liberdade sexual.
Por seu turno, as exigências de prevenção especial também revestem considerável intensidade uma vez que o arguido revela imaturidade, dificuldades na regulação de emoções e compreensão limitada do risco em situações sociais, pelo que é de recear o cometimento de novos ilícitos, designadamente em situações similares. Note-se que, no relatório pericial, conclui-se que o arguido não oferece perigosidade [risco de cometimento de factos da mesma natureza] desde que tenha seguimento pela Direção Geral de Reinserção Social e Serviços Prisionais e frequente consultas de psiquiatria/psicologia.
Tudo ponderado, e sopesada a imputabilidade diminuída que mitiga a culpa, por reduzir a capacidade de determinação de acordo com a avaliação da ilicitude da conduta, as fortes exigências de prevenção geral, que, todavia, terão de ser limitadas pela culpa, e as também consideráveis exigências de prevenção especial, que contribuirão, dentro dos limites consentidos pela culpa e pelas exigências mínimas de prevenção geral para fixar a pena concreta – tendo em perspetiva a predita moldura abstrata –, afigura-se-nos justa e proporcionada a pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão.
Dispõe o art. 50º do Código Penal que “O Tribunal suspende a execução da prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
A filosofia político-criminal subjacente ao instituto é a de que a pena principal aplicada não tem que executar-se sempre, sendo admissível a renúncia à sua execução se esta não é indispensável do ponto de vista da prevenção geral e não está indicada na perspetiva preventivo-especial ou ressocializante.
A suspensão da execução da pena constitui, pois, um poder-dever, um poder vinculado do julgador que terá, obrigatoriamente, de suspender a execução da pena de prisão sempre que concorram os requisitos previstos no enunciado preceito legal.
Mas, estando dependente da verificação concreta desses requisitos, o julgador apenas deve optar por essa medida quando for possível formular um juízo de prognose favorável, centrado na pessoa do arguido e no seu comportamento futuro. A suspensão da pena tem um sentido pedagógico e reeducativo, norteado pelo desiderato de afastar o delinquente da senda do crime, tendo em conta as concretas condições do caso. É necessário que o tribunal se convença, face à personalidade do arguido, ao seu comportamento global (anterior e posterior aos factos), às condições da sua vida, à natureza e circunstâncias do crime e à sua adequação àquela personalidade, que o facto cometido não está de acordo com a mesma e foi simples acidente de percurso, esporádico, e que a ameaça da pena, como medida de reflexos sobre o seu comportamento futuro, evitará a repetição de comportamentos delituosos, afastando-o da criminalidade.
Naturalmente, não se exige que esse juízo de prognose corresponda a uma certeza, mas antes a uma esperança fundada de que a socialização em liberdade se consiga realizar. Trata-se, por conseguinte, de uma convicção subjetiva do julgador que não pode deixar de envolver um risco, derivado, para além do mais, dos elementos de facto mais ou menos limitados a que se tem acesso. O tribunal deverá correr um risco prudente, uma vez que esperança não é seguramente certeza e, se tem sérias dúvidas sobre a capacidade do arguido para compreender a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, a prognose deve ser negativa.
Para decidir sobre a suspensão da execução da pena, o tribunal começará, pois, por um juízo de prognose sobre o comportamento futuro do agente, decidindo depois em conformidade com o que resultar dessa previsão, só devendo decretar a suspensão da execução quando concluir, face aos apontados elementos, reportados ao momento da decisão, que essa é a medida adequada a afastá-lo da criminalidade.
O Tribunal deve, porém, assegurar-se que a suspensão da execução da pena de prisão não colide com as finalidades da punição. Por um lado, numa perspetiva de prevenção especial, deverá mesmo favorecer a reinserção social do condenado. E por outro lado, tendo em conta as necessidades de prevenção geral, importa que a comunidade não encare, no caso, a suspensão como sinal de impunidade, retirando toda a sua confiança ao sistema repressivo penal. Ou seja, é necessário que a suspensão da pena não coloque irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafáctica das expetativas comunitárias, isto é, o sentimento de reprovação social do crime e de confiança na intervenção do sistema judicial penal, como repositor da justiça e promotor da repressão daqueles que prevaricam, comprometendo a paz social.
Com relevo para este conspecto, apurou-se que o arguido não tem antecedentes criminais registados, encontra-se integrado em termos laborais, trabalhando há cerca de 6 anos na empresa E…, de produção de pás eólicas em Vagos, na área das limpezas, onde aufere o ordenado mínimo nacional, e como realizou um curso de manuseamento de máquinas, dedica-se complementarmente a trabalhos de limpeza de terras e quintais na área de residência, reside com os pais e colabora no orçamento familiar. No meio social de …, o arguido é considerado integrado, existindo mais boas referências que negativas, havendo boa aceitação dele e da família.
O arguido apresenta, assim, importantes fatores de integração, a nível laboral, familiar e social.
Ademais, o arguido apresenta-se intimidado pelo presente processo, com uma atitude de preocupação e de receio de perder o trabalho que tanto valoriza e de se ver privado da liberdade.
Perante o quadro assim traçado afigura-se-nos que a simples censura do facto e a ameaça da pena de prisão, acompanhadas de regime de prova, deveres e regras de conduta, serão suficientes para o dissuadir da prática de novos ilícitos no futuro.
Não olvidamos as prementes exigências de prevenção geral que se fazem sentir no caso do crime de violação, nem que o arguido apresenta fragilidades pessoais que potenciam o perigo de praticar factos ilícitos de idêntica natureza.
Contudo, cremos que a suspensão da execução da pena de prisão nos moldes mencionados satisfará o interesse comunitário na reafirmação da norma jurídica violada e na reintegração social do condenado. Relembre-se, no relatório pericial, conclui-se que o arguido não oferece perigosidade [risco de cometimento de factos da mesma natureza] desde que tenha seguimento pela Direção Geral de Reinserção Social e Serviços Prisionais e frequente consultas de psiquiatria/psicologia.
Por todo o exposto, é nossa convicção que a suspensão da execução da pena de prisão, acompanhada de regime de prova e mediante a imposição de deveres e regras de conduta a cujo cumprimento fica sujeito o arguido – sendo certo que o mesmo declarou aceitar a sua eventual imposição, conforme consta da ata da audiência de julgamento –, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 50º, nºs 2 e 3, 51º, n.º 1, al. a), 52º, n.º 1, al. c), 53º, e 54º do Código Penal, realizam de forma adequada as apontadas exigências de prevenção geral e especial.
O regime de prova, a definir pela Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, mediante a elaboração de plano de reinserção social a submeter à homologação do Tribunal, nos termos do art. 494º, n.º 2, do Código de Processo Penal, deverá contemplar, como áreas de prioritárias de intervenção, o emprego/autonomia económica do arguido, a ocupação construtiva dos tempos livres, o reforço das competências pessoais, da interação e relacionamento/comportamento interpessoal, consequências para os outros da sua conduta delituosa e a promoção e fiscalização da comparência em consultas de psiquiatria/psicologia, tal como sugerido no relatório pericial e no relatório social.
Concomitantemente, impõe-se ao arguido a seguinte regra de conduta – a obrigação de se submeter a avaliação/diagnóstico médico, com vista a apurar a necessidade de ter acompanhamento em consultas de psiquiatria/psicologia, tal como sugerido no relatório pericial e no relatório social, e aderir a eventuais intervenções que lhe venham a ser propostas nesse âmbito.
A Direção Geral de Reinserção Social e Serviços Prisionais deverá apoiar e fiscalizar o arguido no cumprimento da regra de conduta imposta (n.º 4 do art. 52º do Código Penal), que mais não é que o reforço de uma das vertentes sobre as quais deve incidir o plano de reinserção social.
Mais se impõe o dever de comprovar nos autos o pagamento semestral à assistente/lesada da quantia de 500,00 € (em cada semestre), que constitui uma parte do valor da indemnização infra arbitrada – sem prejuízo do pagamento voluntário da totalidade ou de a aquela lançar mão de expediente processual com vista à sua cobrança coerciva –, valor que se nos afigura que não excede a sua capacidade económica mas que representa, ao mesmo tempo, um sacrifício acentuando a vertente punitiva.
Atento o quadro traçado e o disposto no n.º 3 do art. 50º do Código Penal, afigura-se-nos que o período de suspensão deverá ser igual ao da pena, sendo indiferente a alteração introduzida pela Lei n.º 94/2017, de 23.08.
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C) – PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
C… deduziu pedido de indemnização civil contra o arguido, alegando, em suma, que em consequência direta da atuação deste descrita na acusação sofreu diversos padecimentos para cujo ressarcimento peticiona a quantia 20.000,00 €, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a notificação até integral pagamento.
Dispõe o art. 129º do Código Penal que “a indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil”, remetendo, pois, para o instituto da responsabilidade civil, a qual emerge quando “uma pessoa deve reparar um dano sofrido por outra” 14.
14 Cfr. Almeida Costa, in “Direito das Obrigações”, 5ª ed., p. 415
15 Vide Dário M. Almeida, “Manual de Acidentes de Viação”, 3ª ed., pág. 49
No âmbito da responsabilidade civil derivada de factos ilícitos – que para o caso releva –, o princípio basilar encontra-se plasmado no art. 483º, nº 1, do Código Civil, que dispõe que “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.
São, assim, pressupostos cumulativos de cuja verificação depende a aludida forma de responsabilidade civil: (1) a existência de um facto voluntário do lesante; (2) a ilicitude da conduta; (3) o nexo de imputação do facto ao lesante (culpa); (4) a existência de dano; (5) o nexo de causalidade entre o facto e o dano15.
Analisando em concreto, ainda que sumariamente, cada um dos referidos pressupostos, dir-se-á o seguinte:
No que concerne ao facto voluntário do lesante, pressupõe-se um facto voluntário violador de um dever geral de abstenção ou uma omissão que viola um dever jurídico de agir, isto é, um facto objetivamente controlável pela vontade, excluindo-se assim os casos de força maior ou por circunstâncias fortuitas.
A ilicitude da conduta consiste na violação de direitos subjetivos (reais, de personalidade, familiares) ou de leis que protegem interesses alheios, particulares ou coletivos, (vg. a prática de crimes, a ofensa de normas estradais, contraordenacionais, etc.), desde que esses interesses caibam no âmbito de previsão da norma violada e sejam objeto da sua tutela, exprimindo a ilicitude fundamentalmente um juízo de reprovação e prevenção.
O nexo de imputação do facto ao lesante traduz a necessidade de o agente ter agido com culpa, maxime que a violação ilícita tenha sido praticada com dolo ou mera culpa, sendo certo que o juízo de censura só é possível se o agente for imputável, isto é, for capaz de prever os efeitos e medir o valor dos seus atos, determinando-se de acordo com o juízo que acerca deles faça. A culpa encontra-se graduada em duas formas distintas: o dolo e a mera culpa ou negligência, sendo aferida face a um tipo abstrato de indivíduo, em conformidade com o estabelecido no art. 487º, n.º 2, do Código Civil, nos termos do qual, “a culpa é apreciada, na falta de outro critério, pela diligência do bom pai de família em face das circunstâncias do caso”.
Por sua vez, o dano traduz-se na perda sofrida por alguém em consequência do facto, seja o dano patrimonial ou não patrimonial (moral). Na perspetiva da responsabilidade civil, dano ou prejuízo é toda a ofensa a bens ou interesses alheios protegidos pela ordem jurídica16.
16 Cfr. Almeida Costa, “Direito das Obrigações”, 5ª ed., pág. 477.
17 Cfr. Pires de Lima/Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, vol. I, 1987, pág. 579; Pessoa Jorge, “Ensaio Sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil”, 1969, pág. 377; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23.05.1978, BMJ, nº 277, p. 258
O dano pode revestir natureza patrimonial ou não patrimonial ou moral.
O dano patrimonial compreende os prejuízos emergentes e os lucros cessantes, entendendo-se os primeiros como os que se traduzem numa diminuição do património relativamente ao seu estado anterior e estes últimos como ganhos que se frustraram17.
Mais concretamente, o dano emergente tanto pode consistir numa diminuição do ativo como num aumento do passivo, em consequência dos gastos realizados por causa do evento ilícito. Por seu lado, o lucro cessante abrange os benefícios que o lesado deixou de obter por causa do facto ilícito, mas a que ainda não tinha direito à data da lesão. Ao incluir os benefícios e vantagens que o lesado deveria ter obtido e não obteve, tem de ser determinado segundo critérios de verosimilhança ou de probabilidade.
Nesta sede, prevalece o princípio da reposição natural, consagrado no art. 562º do Código Civil – “quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”, sendo que, quando esta não for possível, não for bastante, ou não for idónea (cfr. art. 566º, n.º 1, do Código Civil), há que lançar mão da indemnização em dinheiro, a fixar de acordo com a teoria da diferença (cfr. art. 566º, n.º 2, do Código Civil), em que a indemnização tem como medida, em princípio, a diferença entre a situação patrimonial real do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal (a do encerramento da discussão em 1ª instância, conforme estipulado pelo art. 611º, n.º 1, do Código de Processo Civil) e a situação hipotética que teria, nessa data, se não tivesse ocorrido o facto lesivo gerador do dano.
No que concerne aos danos não patrimoniais ou morais, que são os prejuízos insuscetíveis de avaliação pecuniária porque atingem bens que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização.
Com efeito, o dano não patrimonial não assume uma feição reparatória, mas antes compensatória ou sancionatória, na medida em que não se está perante uma indemnização em dinheiro de valor equivalente aos danos, mas antes uma compensação.
Assim, a atribuição de uma soma pecuniária visa proporcionar ao lesado um montante que lhe proporcione satisfações que de algum modo o faça esquecer a dor e/ou o desgosto sofridos em consequência da atuação do lesante e sancionar a este por essa conduta lesiva.
No âmbito dos danos não patrimoniais não há uma indemnização verdadeira e própria, mas antes uma reparação, a atribuição de uma soma em dinheiro que se julga adequada para, de algum modo, compensar e reparar dores e sofrimentos mediante a proporcionação de certo número de alegrias e satisfações que os minorem ou façam esquecer. A indemnização não visa, aqui, propriamente ressarcir ou tornar indemne o lesado, mas tão somente atribuir-lhe uma compensação que contrabalance o mal sofrido18.
18 Cfr. Rui Alarcão, “Direito das Obrigações”, pág. 270
Segundo o art. 496º, n.º 1, do Código Civil apenas são atendíveis os danos morais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, ou seja, aqueles que afetem profundamente os valores ou interesses da personalidade moral. A gravidade do dano mede-se, pois, por um padrão objetivo, embora atendendo às circunstâncias do caso concreto.
Como decorrência, o montante dos danos morais deve ser fixado por recurso a juízo de equidade, como expressão da justiça num caso concreto. O valor compensatório deve ser determinado equitativamente, tendo em atenção o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso, designadamente a sensibilidade do indemnizando e o sofrimento por ele suportado (art. 494º ex vi do art. 496º, nº 3, ambos do Código Civil). Mais haverá que atender aos padrões geralmente adotados pela jurisprudência e às flutuações do valor da moeda, devendo a compensação ter um alcance “significativo e não meramente simbólico”, conforme vem acentuando a jurisprudência.
Importa, ainda, notar que o Tribunal pode, ainda, na fixação da indemnização, atender aos danos futuros desde que estes sejam previsíveis, conforme previsão do art. 564º, n.º 2, do Código Civil.
Finalmente, no que concerne ao pressuposto do nexo de causalidade entre o facto e o dano, exige-se que entre um e o outro exista um nexo de causalidade, uma vez que não há que ressarcir quaisquer danos que sobrevenham ao facto ilícito, mas tão somente os que ele tenha efetivamente ocasionado, que sejam sua consequência (art. 563º do Código Civil). Ou seja, a lei exige uma causalidade adequada no sentido de que se exige que o facto tenha atuado como condição do dano e que, em abstrato, o facto seja uma causa adequada de produção desse dano.
Em face dos factos provados, mostram-se claramente verificados os requisitos da assinalada obrigação de indemnizar decorrente da aludida forma de responsabilidade civil.
Com efeito, dúvidas não se colocam sobre a verificação do facto voluntário ou comportamento humano controlável pela vontade – traduzido na conduta do arguido que consubstancia ilícito criminal – consistente na violação de direitos da vítima – nomeadamente os seus direitos de personalidade (à liberdade sexual e à integridade física e psíquica) –, bem como da existência de danos, correspondentes às dores, sofrimento e abalo psicológico, coevo ao evento e futuro, decorrentes da tentativa de violação de que foi alvo, havendo inequívoco nexo de causalidade entre tais condutas e estes danos. Estão em causa, pois, danos morais19 emergentes do sofrimento físico e psicológico vivenciado pela vítima em consequência da concreta atuação do arguido e repercussões da mesma na vida quotidiana daquela. Concretamente, provou-se que, em consequência da conduta ilícita do arguido, após os factos a lesada/assistente foi assistida no Centro Hospitalar …, EPE, apresentando, a nível sacrococcigio, à direita, hematoma como cerca de 2 cm, nos joelhos duas escoriações e, no lábio superior, uma pequena laceração; além das lesões mencionadas, aquela sentiu dores; a conduta do arguido fez a assistente temer pela sua integridade física bem como pela sua própria vida; a assistente sentiu, como ainda hoje sente, humilhação e vergonha, tanto perante a sua filha como perante as pessoas da aldeia onde vive que, pelo menos então, comentaram o sucedido; sente-se receosa, ansiosa, nervosa e insegura; sempre que tem de sair de sua casa, sente-se insegura e com receio de poder vir a passar novamente pelo sofrimento que vivenciou; passou a dormir mal, tendo frequentes pesadelos noturnos, acordando frequentemente aos gritos e a suar; passou a repudiar qualquer contacto físico com as pessoas que não lhe são próximas e deixou de conseguir sair à rua sozinha.
Nesta sede, para além dos concretos danos sofridos pela lesada, há que atentar na humilde condição económica do arguido, alcançando um valor compensatório à luz de juízos de equidade, nos preditos termos.
Sopesadas todas as circunstâncias vindas de enunciar, afigura-se-nos justa e equilibrada a quantia de 5.000,00 € a título de indemnização pelos danos morais sofridos pela lesada.
Tendo o valor da indemnização sido fixado segundo um juízo atualista de equidade, os juros de mora são devidos só a partir da presente decisão e até integral pagamento20, calculados, à taxa legal de 4% (art. 559º do Código Civil e Portaria n.º 291/03, de 08/04).”
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II. Apreciando e decidindo:
Questões a decidir no recurso
É pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação que apresenta que se delimita o objeto do recurso, devendo a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas, sem prejuízo do dever de se pronunciar sobre aquelas que são de conhecimento oficioso[1].
As questões que o recorrente coloca à apreciação deste Tribunal de recurso são as seguintes:

Excesso da pena concreta e do montante indemnizatório.
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O arguido-recorrente insurge-se contra a concreta medida da pena de prisão em que foi condenado – entendendo que a mesma é demasiado onerosa e que o Tribunal a quo deveria ter aplicado pena não superior a um ano de prisão, suspensa na sua execução.
Para tanto, invoca diversas circunstâncias que entende militarem a seu favor.

Na determinação da medida concreta da pena impõe-se ao julgador que tenha em consideração o disposto em três normas fundamentais nesta matéria, os arts. 40.º, 70.º e 71.º do CPenal.
Dispõe o primeiro dos indicados preceitos, com a epígrafe “Finalidades das penas e das medidas de segurança”, que:
«1 - A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
2 - Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.
3 - A medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente.»

Tendo presente estas finalidades, deve o julgador de seguida, na operação de escolha da pena, ter em atenção a regra ínsita no art. 70.º do CPenal, segundo o qual:
«Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.»

Por fim, especifica a terceira das indicadas normas (art. 71.º do CPenal) que na determinação da medida concreta da pena deve o julgador ter em atenção que:
«1 - A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
2 - Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente:
a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b) A intensidade do dolo ou da negligência;
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
3 - Na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena.»

Nas palavras sempre atuais de Figueiredo Dias[2], «A exigência legal de que a medida da pena seja encontrada pelo juiz em função da culpa e da prevenção é absolutamente compreensível e justificável. Através do requisito de que sejam levadas em conta as exigências da prevenção, dá-se lugar à necessidade comunitária da punição do caso concreto e, consequentemente, à realização in casu das finalidades da pena. Através do requisito de que seja tomada em consideração a culpa do agente, dá-se tradução à exigência de que a vertente pessoal do crime – ligada ao mandamento incondicional de respeito pela eminente dignidade da pessoa do agente – limite de forma inultrapassável as exigências de prevenção.»

Para além destas indicações é preciso não perder de vista que «A necessidade, proporcionalidade e adequação são princípios orientadores que devem presidir à determinação da pena aplicável à violação de um bem jurídico fundamental.»[3]

A medida concreta da pena tem, pois, de ser fixada de modo a permitir a satisfação das exigências de prevenção geral, salvaguardando as expectativas da comunidade na validade e manutenção/reforço da norma violada – o que constitui o seu limite mínimo, abaixo do qual não estão a ser cumpridas as finalidades da punição –, embora sem ultrapassar a medida da culpa – que funciona como limite máximo da medida da sanção, sob pena de ser posta em causa a dignidade da pessoa do delinquente –, devendo a concretização da pena, a fixar entre tais limites mínimo e máximo, corresponder ao necessário e suficiente para a reintegração do agente, aí sendo realizado o juízo de ponderação das exigências de prevenção especial.

São estes parâmetros de concretização da pena que é aplicada ao arguido condenado que devem estar explicitados na sentença, permitindo aos destinatários da mesma acompanhar o percurso decisório do julgador na 1.ª Instância.
Em função dos critérios legais enunciados, o Tribunal a quo, na fixação da pena concreta aplicada ao arguido-recorrente e com fundamento nos factos dados como provados, considerou:
No âmbito das exigências de prevenção geral, que a concreta atuação do arguido, dada a forma de execução do facto, corresponde a um tipo de conduta relativamente ao qual o sentir comunitário reflete uma necessidade acrescida de ver restabelecida a confiança na norma infringida – a apontar para uma maior exigência de reafirmação da norma jurídica violada.
Relativamente às exigências de prevenção especial, as características do arguido, que revela imaturidade, dificuldades na regulação de emoções e compreensão limitada do risco em situações sociais, sendo de recear o cometimento de novos ilícitos, designadamente em situações similares – a revelar a considerável intensidade das exigências de prevenção especial.
No âmbito do grau de ilicitude do facto, que a concreta conduta do arguido implicou a prática de vários atos que, autonomamente considerados, se integram no conceito de ato sexual de relevo – porquanto, além de agarrar a assistente, de a fazer tombar ao chão e de se manter sobre ela para evitar que fugisse, bem como de lhe dirigir ameaças e lhe causar efetivas lesões físicas, tentou beijá-la na boca, apalpou-a nos seios e na vulva, tendo tentado introduzir-lhe os dedos na vagina – o que traduz um grau de ilicitude já distanciado pelo mínimo pressuposto pela moldura penal aplicável.
Quanto à censurabilidade da conduta, que o arguido abordou a vítima quando esta se encontrava num terreno de cultivo, a hora tardia, de forma inesperada,diminuindo a possibilidade de reação de defesa desta e de obtenção de socorro por terceiros, bem como que o arguido agiu com dolo intenso, persistindo no seu propósito apesar de aquela se ter debatido e mesmo após se ter conseguido libertar por mais de uma vez do arguido – a revelar um grau censurabilidade que também se destaca do mínimo apontado pela moldura penal estatuída para o tipo de crime em análise.
No tocante às consequências dos factos, a efetiva violência física exercida sobre a assistente e as expressões de cariz ameaçador que a esta foram dirigidas, a causar várias lesões corporais e receio pela sua integridade física – sendo consideradas de gravidade assinalável tais consequências da sua conduta.
Diz a decisão: “Provou-se, em resumo, que nas circunstâncias de tempo e lugar descritas na factualidade provada quando a assistente se encontrava num terreno agrícola, de sua propriedade, que distava cerca de quinhentos metros da sua residência, foi abordada pelo arguido, o qual, tendo-lhe aquela perguntou o que fazia ali, àquela hora, proferiu a seguinte expressão:”tu não vais embora, daqui não sais”; ato contínuo, o arguido aproximou-se da assistente e agarrou-a com ambas as mãos a fim de impedir que ela fugisse; ao sentir-se agarrada e assustada com a situação, a assistente gritou e tentou fugir, mas o arguido agarrou-a com mais força, tendo aquela tombado para trás e caído no chão, ficando o arguido por cima dela; nesse circunstancialismo, o arguido aproximou a sua cara da cara da assistente e tentou, pelo menos uma vez, beijá-la na boca, o que não conseguiu em virtude de esta tentar repeli-lo e libertar-se das mãos dele, tendo causado um ferimento no lábio superior daquela; o arguido manteve a assistente segura pelos braços, impedindo que a mesma se libertasse, continuando esta a debater-se para se libertar daquele, sem sucesso; a assistente pediu ao arguido que a libertasse e gritou por ajuda para que fosse ouvida por alguém que viesse em seu socorro, tendo-lhe aquele de imediato tapado a boca com uma das mãos, ao mesmo tempo que dizia “quem manda aqui sou eu, tu não vais gritar nada, caladinha”; enquanto o arguido permanecia com o seu corpo sobre o da assistente, que continuava deitada no chão e assim não conseguia resistir, meteu as mãos dentro da roupa dela e apalpou-lhe os seios; depois, o arguido meteu uma das mãos dentro das calças e das cuecas da assistente, apalpando-lhe a vulva e tentou introduzir-lhe os dedos na vagina, de forma tão violenta que lhe provocou fortes dores; a assistente conseguiu libertar-se das mãos do arguido e tentou fugir do seu alcance; porém, o arguido alcançou a assistente e agarrou-a, colocando um braço à volta do seu pescoço e com a outra mão segurou-a na zona das nádegas e levantou-a, dizendo-lhe “não vais nada, não foges nada, anda cá que quem manda aqui sou eu”; tendo conseguido libertar-se do arguido, a assistente fugiu para a estrada de saibro, mas o arguido agarrou-a novamente e fê-la tombar com os dois joelhos no chão, causando-lhe ferimentos; a assistente, temendo pela sua integridade física, continuou a debater-se com o arguido, conseguindo libertar-se das suas mãos, fugiu do mesmo, alcançou o seu telemóvel e telefonou para a sua filha a pedir auxílio; o arguido, ao aperceber-se que a assistente tinha efetuado uma chamada telefónica a pedir auxílio, deixou de a perseguir; como consequência direta e necessária da conduta do arguido, a assistente sofreu diversas lesões, discriminadas na factualidade provada.”
Ademais, considerou o Tribunal a quo, no que respeita à conduta anterior aos factos, que o arguido-recorrente não tem antecedentes criminais.
No âmbito das condições pessoais do arguido-recorrente, foi considerado o seu percurso de vida (marcado pelo contexto sociofamiliar adverso em que cresceu que, conjugado com o atraso mental de que padece, a propiciar uma trajetória de vida desfavorecida) e a sua inserção profissional (o mesmo trabalha há, pelo menos, seis anos e executa igualmente tarefas extras em limpezas de quintais e terrenos, aumentando assim a sua autos suficiência).
Não deixou, igualmente, o Tribunal a quo de relevar, em benefício do arguido, que o mesmo padece de atraso mental, ainda que de grau ligeiro, com prejuízo da capacidade de determinação – bem como que, no relatório pericial de psiquiatria forense, se realça que aquele não oferece perigosidade [risco de cometimento de factos da mesma natureza] desde que tenha seguimento pela Direção Geral de Reinserção Social e Serviços Prisionais e frequente consultas de psiquiatria e/ou psicologia.
Assim, bem considerou o Tribunal a quo que tal condição, fazendo dele um agente imputável, conhecendo a ilicitude dos seus atos, lhe determina uma imputabilidade diminuída, com inegável influência na culpa, diminuindo-a de forma relativamente acentuada e a oferecer um limite intransponível às exigências de prevenção especial e geral verificadas.

O tribunal a quo explicou o motivo pelo qual optou pela dosimetria da prisão e o motivo por que a suspendeu. Considerou tudo o que era de relevante considerar, dando-lhe o peso devido.

O tribunal a quo de forma ponderada e equilibrada explicou a razão das suas opções, concordando-se.
Neste contexto, não vislumbramos como é que apena de prisão que lhe foi fixada possa ser considerada exagerada.
O arguido No que respeita aos sentimentos manifestados no cometimento do crime, destaca-se a ostensiva indiferença pela vontade e liberdade sexual da assistente.
Relativamente aos fins ou motivos do agente, apenas podemos concluir que o arguido agiu de forma egoísta, para satisfação do seu impulso sexual, o que é extremamente censurável.
Quanto à conduta anterior aos factos, releva a ausência de antecedentes criminais do arguido.
No que tange à conduta posterior, há que registar que o arguido não adotou qualquer postura que traduza arrependimento pela sua atuação delituosa e nada fez para reparar as consequências da mesma.”

Nesta operação de detalhe das opções levadas a cabo pelo Tribunal a quo na determinação da escolha e medida concreta da pena não detetamos qualquer falha formal a imputar à decisão recorrida, conforme consta da parcela respetiva citada supra.
O Tribunal a quo identificou a moldura penal abstrata que é de 07 (sete)meses e 06 (seis) dias a 6 (seis) anos e 06 (seis) meses de prisão, correspondente ao tipo de crime pelo qual o arguido recorrente foi condenado, tentativa de violação, e concretizou com a pormenorização necessária, em face dos factos dados como provados e dos preceitos supramencionados, as circunstâncias que depunham em favor e desfavor do arguido, fixando a pena que face aos elementos indicados considerou adequada ao caso concreto e que se situa sensivelmente a meio da moldura abstrata.
Com referência à fundamentação ínsita no acórdão em crise, considera-se aabsoluta adequação da medida da pena fixada, seja quanto à sua natureza seja quanto à sua medida e suspensão determinada sujeita ao regime de prova estipulado, sopesando os critérios determinantes conformes ao disposto no artigo 71.º, do Código Penal, interpretando a conduta do arguido, à luz de tais critérios, que nos escusamos a transcrever,circunstanciar ou confrontar com as alegações do recorrente.
Cumpre necessariamente reconhecer o enquadramento efetuado na decisão em crise, com referência aos critérios determinantes da natureza e da medida da pena,onde foram valorados os devidos condicionantes legais, concluindo-se pela suficiência e acerto da pena para alcançar as finalidades punitivas.
Apena de 03 (três) anos e 06 (seis) meses de prisão aplicada é fundada, proporcional e adequada aos factos e conduta dada como provada, estribada nos critérios legais enunciados no artigo 71.º,do Código Penal, e de acordo com os factos dados como provados.
Considerado o fim das penas, corresponde, de forma eficaz e vantajosa, à convicção generalizada de que constitui o meio, único e adequado, para satisfazer ou restaurar o sentimento de segurança da comunidade afetado pela ocorrência do crime (“estabilização contrafáctica das suas expectativas, abaladas pelo crime”) e, simultaneamente, para proceder à socialização do delinquente, no sentido de “condução de vida «de forma socialmente responsável” (ver Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, Parte GeralII – As consequências Jurídicas do Crime, ed. Aequitas, Editorial Notícias – §§ 112 e115).
Não existe qualquer fundamento para uma condenação em pena mais reduzida.

Não se encontra, pois, fundamento, quer nos factos provados, quer nas alegações em resposta, para considerar exagerada a pena determinada nos autos.

Do pedido cível.
Tendo presente o art. 496º, n.º 1, do Código Civil em que apenas são atendíveis os danos morais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, ou seja, aqueles que afetem profundamente os valores ou interesses da personalidade moral. A gravidade do dano mede-se, pois, por um padrão objetivo, embora atendendo às circunstâncias do caso concreto.
Como decorrência, o montante dos danos morais deve ser fixado por recurso a juízo de equidade, como expressão da justiça num caso concreto. O valor compensatório deve ser determinado equitativamente, tendo em atenção o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso, designadamente a sensibilidade do indemnizando e o sofrimento por ele suportado (art. 494º ex vi do art. 496º, nº 3, ambos do Código Civil). Mais haverá que atender aos padrões geralmente adotados pela jurisprudência e às flutuações do valor da moeda, devendo a compensação ter um alcance “significativo e não meramente simbólico”, conforme vem acentuando a jurisprudência.
Estão em causa, pois, danos morais emergentes do sofrimento físico e psicológico vivenciado pela vítima em consequência da concreta atuação do arguido e repercussões da mesma na vida quotidiana daquela.
Concretamente, provou-se que, em consequência da conduta ilícita do arguido, após os factos a lesada/assistente foi assistida no Centro Hospitalar …, EPE, apresentando, a nível sacrococcigio, à direita, hematoma como cerca de 2 cm, nos joelhos duas escoriações e, no lábio superior, uma pequena laceração; além das lesões mencionadas, aquela sentiu dores; a conduta do arguido fez a assistente temer pela sua integridade física bem como pela sua própria vida; a assistente sentiu, como ainda hoje sente, humilhação e vergonha, tanto perante a sua filha como perante as pessoas da aldeia onde vive que, pelo menos então, comentaram o sucedido; sente-se receosa, ansiosa, nervosa e insegura; sempre que tem de sair de sua casa, sente-se insegura e com receio de poder vir a passar novamente pelo sofrimento que vivenciou; passou a dormir mal, tendo frequentes pesadelos noturnos, acordando frequentemente aos gritos e a suar; passou a repudiar qualquer contacto físico com as pessoas que não lhe são próximas e deixou de conseguir sair à rua sozinha.
Nesta sede, para além dos concretos danos sofridos pela lesada, há que atentar na humilde condição económica do arguido, alcançando um valor compensatório à luz de juízos de equidade, nos preditos termos.
Sopesadas todas as circunstâncias vindas de enunciar, afigura-se-nos justa e equilibrada a quantia de 5.000,00 € a título de indemnização pelos danos morais sofridos pela lesada arbitrada pelo Tribunal a quo, tanto mais que, sem prejuízo da sua entrega na totalidade, lhe foi permitido em sede de suspensão da pena de prisão, pagar parte de tal quantia em prestações de 500,00€ em cada semestre, o que significa um esforço suportável de € 83,33 por mês, permitindo-lhe ainda juntar o restante para pagamento integral dos €5.000,00, ou seja, restando ainda 1.500,00€ por pagar, se juntar mais cerca de €35,71 por mês, saldará integralmente a dívida. O arguido auferindo o Salário Mínimo Nacional a que acresce ainda e complementarmente, os rendimentos resultantes da sua dedicação a trabalhos de limpeza de terras e quintais na área da sua residência, tem condições para o fazer, juntando cerca de 120,00 mensais, assim se compensando devidamente a assistente pelo sofrimento e vergonha que lhe causou, não esquecendo que quando uma mulher é vitima de comportamentos similares, nunca mais é a mesma, viverá com esse trauma até ao seu último suspiro e sentir-se-á sempre insegura e receosa.
Bem andou o tribunal a quo.
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III. Decisão:
Face ao exposto, acordam os Juízes desta 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido B… e, em consequência confirmar na íntegra o acórdão recorrido.

Custas a cargo do arguido que fixo em 4Ucs (arts. 513.º, n.º 1, do CPPenal).

Sumário:
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Porto, 13 de janeiro de 2021
(Texto elaborado e integralmente revisto pelo relator)
Paulo Costa
Nuno Pires Salpico
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[1] É o que resulta do disposto nos arts. 412.º e 417.º do CPPenal. Neste sentido, entre muitos outros, acórdãos do STJ de 29-01-2015, Proc. n.º 91/14.7YFLSB.S1 - 5.ª Secção, e de 30-06-2016, Proc. n.º 370/13.0PEVFX.L1.S1 - 5.ª Secção.
[2] Direito Penal Português, Parte Geral II, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas/Editorial Notícias, 1993, pág. 215.
[3] Acórdão do STJ de 22-11-2017, Proc. n.º 731/15.0JABRG.G1.S1 - 3.ª secção, acessível inwww.stj.pt (Jurisprudência/Acórdãos/Sumários de Acórdãos).