Decisão Texto Integral: | Processo n.º 489/22.7T8VCD-A.P1
Relator: José Eusébio Almeida; Adjuntos Carlos Gil e Ana Paula Amorim.
Acordam na 3.ª Secção Cível (5.ª Secção) do Tribunal da Relação do Porto:
I – Relatório
AA veio, “ao abrigo do disposto no artigo 44.º do RGPTC, requerer resolução de diferendo quanto a questão de particular importância para o menor BB”, sendo requerido CC, pai da criança.
Alegou, em síntese: - Encontram-se reguladas as responsabilidades parentais relativamente ao BB, com exercício comum e residência junto da mãe e do pai; - Após a separação, o BB manteve a frequência no Centro Social ...; - Se inicialmente a mãe não se opôs a manutenção desta frequência, presentemente e desde o início do ano, encontra-se a trabalhar numa empresa na Maia, com horário de entrada às 8H30, dependendo dos seus pais, em particular da sua mãe, para assegurar as deslocações do filho ao infantário; - A mãe da requerente obteve oportunidade de trabalho na mesma empresa e o infantário dista da casa do pai cerca de 300mts, mas da casa da mãe aproximadamente 20kms, circunstância muito penalizadora para o cumprimento dos horários laborais; - Com vista a acabar com esta situação, a requerente, assim que o ano letivo terminou, foi averiguar da possibilidade de obter vaga para o seu filho em estabelecimento de ensino público não tão distante, tendo obtido recente confirmação de vaga na “A...”, que dista da casa do pai e da mãe cerca de 10 m. de carro, pelo que constitui solução mais equitativa, em termos de sacrifícios pessoais e financeiros; - O requerido, sem qualquer fundamento ou abertura a solução alternativa, repudiou a autorização para a mudança, respondendo que BB só frequentará qualquer outro estabelecimento, se o Tribunal ordenar.
Atribuído caráter urgente aos autos foi designada a conferência a que alude o artigo 35 do RGPTC (ex vi artigo 44 do mesmo diploma). A 5 de setembro de 2023, teve lugar a designada conferência, ficando consignadas em ata as declarações dos progenitores [AA, progenitora e requerente: Disse que o menor frequenta o infantário B... na Póvoa de Varzim, desde que tinha um ano e dois meses. Na sua opinião e uma vez que reside em ..., é uma violência física e psicológica para o menor uma vez que tem que acordar muito cedo para estar no infantário a horas. Por esse motivo gostaria que o seu filho mudasse de infantário, nomeadamente que fosse para a “A...”, na Santa Casa da Misericórdia ..., uma vez que fica no meio caminho da casa do pai e da sua casa. Mais refere que trabalha na Maia, sendo o seu horário das 8 às 17/18 horas, e por esse motivo não pode levar o seu filho ao infantário, sendo uma sua tia que o leva. Mais refere que tem vaga no infantário da A... e que o progenitor já no ano passado não autorizou a mudança de infantário. Mais refere que paga 105 € do infantário que o menor frequenta, e que este é mais barato, não sabendo ainda quanto pagará uma vez que o progenitor não forneceu os documentos necessários à A... para proceder ao cálculo do valor a pagar. (...) CC, progenitor e requerido: Disse que o seu filho sempre frequentou este infantário e não seria benéfico para o mesmo proceder a uma alteração. Mais refere que em caso se alteração de infantário não consegue levar o seu filho, uma vez que não tem carta de condução pois não gosta de carros e apenas gosta de motas. Refere que vive com os seus pais, sendo que a única pessoa que tem carta é o pai, que leva o neto ao infantário pelas 7:30 horas/8 horas. Tem um horário de trabalha das 6:30 horas até às 17/18 horas. Opõe-se à mudança do menor para a A... pois sempre esteve no mesmo infantário na Póvoa de Varzim e dá jeito ao seu pai. O seu pai trabalha na Póvoa de Varzim das 8 às 18 horas, na empresa C...], e, findas as mesmas, foi proferido o despacho que se transcreve: “Notifique a Requerente e o Requerido para, em 48 horas, juntarem aos autos o último recibo de vencimento. Juntos tais recibos, oficie com a máxima urgência à A..., para no prazo de 5 dias esclarecer: 1 – Se o BB se encontra inscrito nesse estabelecimento de ensino, nomeadamente para o presente ano 2023/20234, e na afirmativa, face aos rendimentos mensais de cada um dos progenitores, qual o valor previsível a pagar pelo mesmo, esclarecendo que o agregado da progenitora é esta e o filho e do Requerido é este e os seus pais. 2 - Solicite para esclarecer, à A... e ao atual estabelecimento de ensino do menor, B..., qual é a oferta educativa para o BB, com menção de muito urgente. Juntas tais informações, abra vista para emissão de parecer ao Ministério Público e após conclua”.
Juntas diversas informações documentais aos autos, constatou o Ministério Público que nenhuma das instituições (B... e A...) informou as valências (oferta educativa) que dispõe, o que determinou a prolação de despacho com vista à obtenção de tais informações.
Juntas aos autos as informações pretendidas foram delas notificados, a 29.09.23, requerente e requerido. Os autos foram com vista ao Ministério Público, tendo o mesmo, a 5.10.23, emitido parecer no sentido de (citamos) “Tudo visto e ponderado, por ser a que melhor satisfaz o superior interesse do BB e, também por ser a que coloca os progenitores em maior equilíbrio, pr. se decida que o BB deve manter a inscrição e iniciar a frequência da valência de infantário (sala dos 3 anos) na Santa Casa da Misericórdia ... – ‘A...’, já a partir do presente ano letivo de 2023/2024”.
De seguida, foi proferida sentença, na qual se deu como assente a seguinte factualidade:
“1. BB, nascido a ../../2020, é filho de CC e de AA.
2. Por decisão datada de 06 de maio de 2022, foi fixado o regime provisório de regulação do exercício das responsabilidades parentais (...)
3. O BB à data da separação dos progenitores ocorrida em 19/03/2022 encontrava-se inscrito e a frequentar a Creche desde 7 de Setembro de 2021, na escola onde a progenitora trabalhava (Centro Social ...), despendendo mensalmente a quantia de €120,00.
4. Por decisão datada de 13/01/2023, transitada em julgado, proferida no âmbitos dos autos principais, foram reguladas as responsabilidades parentais relativo à criança BB, da forma seguinte (...)5. O BB frequenta o infantário do Centro Social ..., doravante designado Centro Social ..., situado na freguesia ... – Póvoa de Varzim;
6. O progenitor reside na freguesia ..., na Póvoa de Varzim, a uma distância não superior a 300 m do infantário do Centro Social ...;
7. A progenitora reside na freguesia ..., em Vila do Conde, a uma distância não superior a 18 km do infantário do Centro Social ...;
8. A ‘A...’ localiza-se no centro da cidade de Vila do Conde, a uma distância não superior a 11 km de distância da casa da progenitora e a 8 km de distância da casa do progenitor;
9. A mãe trabalha na cidade da Maia, sendo o seu horário de trabalho das 08:00 horas às 17:00 horas;
10. O pai trabalha na empresa “D... Lda.”, auferindo mensalmente a quantia de € 939,13, sendo o seu horário de trabalho das 06:30 horas às 17:00 horas.
11.O requerido não conduz automóveis e não transporta o BB ao infantário;
12. Ao longo do ano letivo de 2022/2023 foi uma tia materna quem levou o BB ao infantário do Centro Social ... nas semanas em que esteve com a mãe, indo esta buscá-lo pelas 17:30 horas;
13. Nas semanas em que esteve com o pai, quem levou e foi buscar o BB ao infantário do Centro Social ... foi a avó paterna, pelas 08:45 horas e pelas 18:30 horas, respetivamente;
14. O BB foi admitido na sala das crianças na faixa etária de 3 anos do infantário da Santa Casa da Misericórdia ... “A...”, mas ainda não iniciou a frequência, estando a aguardar a decisão do tribunal;
15. A mensalidade atualmente paga no Centro Social ... é de €.105,00 e tem como valências a creche e jardim de infância, bem como Centro de Estudos;
16. A mensalidade estimada pagar na Santa Casa da Misericórdia ... é de €.145,88;
17. A “A...” tem valência de ATL, o que permitirá que o BB mantenha o acompanhamento e apoio ao estudo, pelo menos até completar o 4.o ano de escolaridade;
18. Numa média de doze dias úteis por mês, a progenitora tem de percorrer, pelo menos, 435 km para levar e trazer o BB ao infantário do Centro Social ..., o que representa um custo médio mensal aproximado de €.60,00, que suporta sozinha”.
E, aplicando o Direito [“(...) na situação concreta resulta provado sob o ponto 4.º alíneas a) a c) que por decisão datada de 13/01/2023, transitada em julgado, proferida no âmbitos dos autos principais, foram reguladas as responsabilidades parentais relativo à criança BB, o exercício das responsabilidades parentais e todas as decisões de particular importância para a vida das crianças serão tomadas conjuntamente por ambos os progenitores; o BB, ficará a residir junto da mãe e junto do pai, passando, alternadamente, uma semana de segunda a segunda-feira, comprometendo-se cada um dos progenitores a ir buscar o menor à segunda-feira à ama, futuro infantário ou atividade que frequente, iniciando-se o regime alternado na próxima segunda-feira (dia 9 de maio de 2022) na companhia do progenitor, ficando cada um dos progenitores obrigados a assegurar a deslocação do menor às atividades extracurriculares que frequentem; e por forma a evitar qualquer rutura dos convívios entre cada um dos progenitores, à quarta-feira o progenitor que não tenha a criança na sua companhia irá buscá-lo diretamente à ama, futuro infantário ou atividade escolar ou extracurricular, pernoita com a mesmo e entrega no mesmo local na quinta-feira. Dos factos provados resulta que quando está a residir com a progenitora, o BB tem de efetuar viagens diárias de aproximadamente 36 km (18 km cada viagem) e a progenitora depende necessariamente da ajuda de terceira pessoa (no caso, uma tia) para que o BB seja levado ao infantário do Centro Social ..., sito na Póvoa de Varzim. Isto porque além de morar já no limite de Vila do Conde e quase na fronteira com o concelho da Maia, trabalha nesta cidade da Maia, que se situa na direção oposta a ..., e entra às 08:00 horas da manhã. Nas semanas em que está a residir com a mãe, esta tem de sair da Maia e fazer a viagem até ..., Póvoa de Varzim, onde vai buscar o BB ao infantário do Centro Social ... pelas 17:30 horas. Por outro lado, o progenitor nunca leva o BB ao infantário (não tem a carta de condução sequer) e, considerando que o horário de trabalho se inicia às 06:30 horas, nunca o levará, seja qual for o infantário, pois que nenhum está aberto a essa hora. Mas apesar de terminar o horário de trabalho pelas 17:00 horas, o pai também nunca vai buscar o BB, que permanece no infantário (desnecessariamente) até às 18:30 horas, quando a avó paterna o vai buscar. Em contrapartida, as instalações da ‘A...’, situadas no centro de Vila do Conde, têm a mesma valência do Centro Social ..., ficam a cerca de metade da distância da casa da progenitora e, sendo mais longe da casa do progenitor, ainda assim são mais perto da casa deste do que da casa da progenitora. Ora, a opção pela frequência da A... permitirá ao BB fazer deslocações com distâncias e tempos de viagem mais aproximados, quer quando está com o pai, quer quando está com a mãe. Acresce que, situando-se tal estabelecimento no centro de Vila do Conde é necessariamente servida por transportes públicos, caso seja necessário em alguma ocasião os progenitores deles se socorrerem (nomeadamente o pai que não conduzindo automóveis sempre poderá deslocar-se por tal meio). A mensalidade da ‘A...’ antevê-se ser €.40,00 mais cara, diferença esta que terá de ser suportada em partes iguais por ambos os progenitores (€.20,00 cada um). Mas permitirá equiparar os progenitores, na medida em que até ao momento a mãe teve de suportar, sozinha, cerca de €.60,00 mensais em despesas de deslocação para levar e buscar o BB ao infantário do Centro Social .... Finalmente, numa perspetiva de mais longo prazo, situando-se no centro de Vila do Conde e servido de escolas do 1.o ciclo com reconhecida qualidade de ensino e com a valência de ATL, a inscrição do BB na ‘A...’ permitirá que ele seja acompanhado e mantenha o grupo de amigos/colegas até completar o 4.º ano de escolaridade, o que não sucede no atual estabelecimento de ensino pré-escolar. Assim, e na esteira do defendido no parecer antecedente, será julgada procedente a pretensão da Requerente. Logo, e tendo em conta o superior interesse do BB e a ausência de circunstâncias que não justificam a manutenção do BB no estabelecimento em que se encontra, o pedido da Requerente irá proceder] foi proferida a sentença ora em recurso, dela constando o seguinte dispositivo:
“Por todo o exposto, julgo totalmente procedente, por provada, a acção que AA intentou contra CC e, em consequência, determino que o BB passará a frequentar de imediato o estabelecimento “A...”, sito em Vila do Conde, cuja mensalidade será a suportar em partes iguais por ambos os progenitores”.
II – Do Recurso
Inconformado, o requerido veio apelar. Pretendendo a revogação da sentença, formula as seguintes Conclusões:
NULIDADE PELO NÃO EXERCICIO DO CONTRADITÓRIO
I - Nos termos do artigo 44 n.º 2 do RGPTC, autuado o requerimento, seguem-se os termos previstos no artigo 35 a 40 do mesmo diploma. Por assim ser,
II - Autuado o requerimento, os pais são citados para a conferência (35 do RGPTC). Estando presentes ambos os pais, mas não chegando a acordo que seja homologado, o juiz decide provisoriamente sobre o pedido e remete para mediação ou audição técnica especializada (38 do RGPTC).
III - Finda a intervenção técnica especializada ou o processo de mediação, o juiz notifica as partes para a continuação da conferência, sendo que se os pais não chegarem a acordo, o Juiz notifica para em 15 dias apresentarem alegações ou arrolarem testemunhas e juntarem documentos. (39 n.º 4 do RGPTC).
IV - Ora, in casu, verifica-se que o recorrente não foi notificado nos termos do n.º 4 do artigo 39, pelo que ficou impossibilitado de alegar e de juntar a prova que entendesse conveniente, tendo assim sido desrespeitado, nomeadamente o artigo 3.º do CPC. Ao recorrente foi cortado do exercício do contraditório e da apresentação de prova. Acresce que,
V - O recorrente não foi notificado das promoções do MP, pelo que não pôde se pronunciar sobre as mesmas.
VI - Não pôde, nomeadamente, explicar que - apesar de resultar do site da internet consultado pela M.ª Juíza, como decorre da sentença -, tal como na A..., também na internet se pode verificar as valências do Centro Social ... (Berçário, a Creche, o Jardim de Infância, o Centro de Atividades de Tempos Livres, o Centro de Estudos e as Atividades Extracurriculares, e ainda atividades desportivas como Fitness, Futebol 11, Futsal, Atletismo e Ginástica.), bastando para tanto aceder à página...
VII - Não pôde, nomeadamente, fazer notar - apesar de resultar da pesquisa ao site Michellin - que apesar de a progenitora fazer uma distância de 17Km da sua residência ao infantário Centro Social ... e 11 km da sua residência à A..., despende em ambas 14 m. Isto porque para ir para o Centro Social ... desloca-se pela ..., não pagando portagem, e para ir para a A..., no centro da Cidade de Vila do Conde, desloca-se pela Via .... Tudo isto da análise das pesquisas no site ViaMichelin efetuado pelo MP que o recorrente não foi notificado.
DO RECURSO SOBRE MATÉRIA DE FACTO
VIII - Determinados factos considerados provados devem ser considerados provados com outra redação, por inexistência e/ou incorreta valoração da prova. Vejamos:
IX - Os pontos supra referenciados deveriam ter sido dados como provados com a seguinte redação.
Ponto 7 - A progenitora reside na freguesia ..., em Vila do Conde, a uma distância não superior a 17km do infantário do Centro Social ..., ao qual pode se deslocar pela ... (que nesse troço não tem portagem), demorando 14 m;
Ponto 8 - A “A...” localiza-se no centro de Vila do Conde, a uma distância não superior a 11 KM de distância da casa da progenitora, a qual para se deslocar demora 14m, e a 8 km de distância da casa do progenitor.
Tal factualidade que o recorrente pretende ver aditada à matéria de fato dada como provada (ponto 7 e 8), decorre da consulta da base informática disponível (guia Michelin), junta aos autos pelo MP, usado pela M.ª Juíza para fundamentar tais factos.
Ponto 10 - “O pai trabalha na empresa D..., Lda. Auferindo mensalmente o vencimento de 860€, sendo que trabalha das 08:00 às 17/18 horas.”
Para tanto basta analisar o recibo de vencimento junto aos autos a 7/9/2023, bem como as declarações do mesmo na ata de conferencia de 5/9/2023.
Ponto 13 - Nas semanas em que esteve com o pai, quem levou e foi buscar o BB ao infantário do Centro Social ... foi a avó paterna, pelas 08:45 e pelas 18:30, respetivamente, não tendo esta carta de condução.
A falta de carta de condução da avó paterna resulta das declarações do recorrente prestadas em audiência quando esclarece que apenas o seu pai tem carta de condução.
Ponto 15 - “A mensalidade atualmente paga no Centro Social ... é de €105 e tem como valência Berçário, Creche, Jardim de Infância, Centro de Atividades de Tempos Livres, Centro de Estudos e Atividades Extracurriculares, e ainda atividades desportivas como Fitness, Futebol 11, Futsal, Atletismo e Ginástica, o que permitirá que o BB mantenha acompanhamento e apoio ao estudo, pelo menos até completar o 4.º ano de escolaridade”.
Para prova de tal matéria que o recorrente ver aditada (ponto 15) basta aceder à página... , consultada pela M.ª Juíza, e referida na fundamentação da sentença.
Ponto 18 - Numa média de doze dias úteis por mês, a progenitora tem que percorrer, pelo menos, 408 Km para levar e trazer o BB ao infantário do Centro Social ..., o que representa um custo médio mensal aproximado de 53,04€. Já para levar e trazer o BB ao Centro Social ..., a progenitora tem que percorrer, pelo menos 264 Km, o que representa um custo médio mensal de 34,32. Se o BB mudar de escola a progenitora gastará menos 18,72€ mensais.
Em primeiro lugar não se compreende como alcançou a M.ª Juíza que a progenitora suporte as despesas de deslocação sozinha. A sentença ́omissa quanto a tal conclusão e nada resulta dos autos que assim o seja. Não pode a progenitora esquecer que recebe sozinha o abono da criança e que o recorrente aceitou nada pedir para, desta forma, contribuir na ajudar que esta tem nas deslocações. Em segundo lugar, como se pode verificar, a M.ª Juíza considerou o valor de 0,13€ ao Km.
Façamos então as contas: Casa da Progenitora/A... - 11 Km x2 (ida e volta) = 22 Km 22 Km x 12 = 264 Km. 264 Km x 0,13 = 34,32€. Casa da Progenitora/ Centro Social ... - 17 Km x2 (ida e volta) = 34 Km 34 Km x 12 = 408 Km. 408 x 0,13 = 53,04€. 408 - 264 = 144 km x 0,13 = 18,72€
Tais cálculos aritméticos são realizados pela consulta da base informática disponível (guia Michelin), junta aos autos pelo MP.
X - Assim, analisadas criticamente as provas, devem os factos 7, 8, 10, 15, 18 ser considerados provados com os conteúdos supra descritos.
DO RECURSO DA MATÉRIA DE DIREITO
XI - Nos presentes autos resulta provado que por acordo dos pais, desde setembro de 2022 (ponto 4.º n) dos factos provados) o BB passou a frequentar o infantário B... (infantário que já anteriormente frequentava), onde ainda se encontrava aquando da prolação da sentença (ponto 5) dos factos provados).
XII - Ora, é no Centro Social ... que o menor se encontra integrado uma vez que nele passou a maior parte do seu tempo diário, onde já se acostumou com os métodos e técnicas de Ensino, com os professores e com os amigos, consolidando as suas amizades.
XIII - Que motivos poderão então se verificar para que o BB seja retirado do seu ambiente, onde já se encontra familiarizado? Que motivos existem, para salvaguardar o superior interesso do BB, que determinem a mudança de escola)
XIV - A Centro Social ... tem valência em Berçário, Creche, Jardim de Infância, Centro de Atividades de Tempos Livres, Centro de Estudos e Atividades Extracurriculares, e ainda atividades desportivas como Fitness, Futebol 11, Futsal, Atletismo e Ginástica, o que permitirá que o BB mantenha acompanhamento e apoio ao estudo, pelo menos até completar o 4.º ano de escolaridade. (Basta aceder à página... para se tirar tal conclusão).
XV - Por assim ser a A... em nada acrescenta pois que também a Centro Social ... tem valência de ATL, o que permitirá que ele seja acompanhado e mantenha o grupo de amigos/colegas até completar o 4o ano de escolaridade.
XVI. A Centro Social ..., também reputada e reconhecida instituição, situasse no periferia da cidade da Póvoa de Varzim, também servida de escolas de 1o ciclo, 2o ciclo, 3o ciclo e secundário, com reconhecida qualidade de ensino.
XVII - Podendo assim se afirmar que o BB poderá manter o grupo de amigos até completar o 12.º ano de escolaridade. Por outro lado,
XVIII - Quando está com a progenitora o BB tem que efetuar viagens diárias de 34 Km (17 Km cada viagem) onde gasta cerca de 28m (14 m cada viagem).
XIX - Mudando de escola, o BB tem que efetuar viagens diárias de 22 KM (11 Km cada viagem), onde gasta cerca de 28 m (14m cada viagem). Isto na semana da progenitora.
XX - Isto porque para chegar da sua residência ao Centro Social ... a progenitora pode se deslocar pela auto estrada (...), troço totalmente gratuito, não apanhando qualquer trânsito.
XXI - Já para chegar à A..., no Centro de Vila do Conde, tem que se deslocar pela Nacional.
XXII - Sendo Centro da cidade com o normal transito que qualquer cidade tem, com dificuldades de estacionamento.
XXIII - Acrescido do facto de às sextas-feiras, dias de feira semanal na cidade, o transito intensificasse, pelo que pelo menos nesses dias certamente irá demorar muito mais.
XXIV - A tudo isto acrescem as viagens que tem que fazer quando está com o progenitor.
XXV - Como ficou provado, o recorrente não tem carta de condução.
XXVI - Trabalha na empresa D..., Lda.”, prestando os seus serviços nas diversas obras que a sua entidade patronal executa, sem horário certo para sair, o que o leva a socorrer-se da avó paterna para ir buscar o menor.
XXVII - Como esta não tem carta de condução, terá que o fazer socorrendo-se de transportes públicos, pelo que para ir buscar o menor gastará mais de 40m.
XXVIII - Por assim ser, nenhum benefício existe para o menor que não conseguirá fazer deslocações com tempos de viagens menores.
XXIX. Pelo contrário, o BB passará mais tempo em deslocações do que aquelas que atualmente faz.
XXX - Apesar de o importante a decidir é a solução que favoreça um equilíbrio e são desenvolvimento da criança, não podemos deixar de equacionar se para os pais se verifica alguma vantagem. Porém, nenhuma existe.
XXXI - Como supra referido, a recorrida vai continuar a despender o mesmo tempo nas deslocações. XXXII. Tem um gasto menor nas deslocações de 18,72€, mas como resulta da sentença a “mensalidade da A...” antevê-se ser 40€ mais cara, diferença esta que terá que ser suportada em partes iguais por ambos os progenitores (€20.00 cada um).”
XXXIII - Assim, nenhuma vantagem económica tem para a mãe, nem para o pai.
XXXIV. Sendo certo que assim sendo, passará a requerente a ter que dividir com o pai o respetivo
abono que até então tem recebido sozinha como ajuda pelos custos nas deslocações. Concluindo:
XXXV. Não existem qualquer circunstâncias, “tendo em conta o superior interesse do BB” que justifiquem a sua mudança de escola. Já se iniciou um novo ano, sendo preferível e mais adequado à proteção dos interesses da criança, a manutenção de rotinas e horários.
Normas jurídicas violadas: 39 n.º 4 do RGPTC e 3.º do CPC.
Apenas o Ministério Público respondeu ao recurso. Em sede de “Questão Prévia” sustenta que “O que o recorrente fez foi verter em artigos de conclusões uma larguíssima parte das respetivas alegações, violando o artigo 639, n.º 1, do Código de Processo Civil. Pelo que deverá esse Venerando Tribunal, se não rejeitar o recurso, convidar o recorrente a sintetizar as suas conclusões, sob pena de se não conhecer do recurso”. No mais, defende a improcedência da apelação, referindo, em síntese:
- Quanto à violação do contraditório importa recordar que os progenitores foram ouvidos e puderam esclarecer o tribunal sobre as os seus pontos de vista e suas razões/motivações. Na sequência dessa audição, o Tribunal notificou-os para juntarem a prova documental que entendeu ser relevante para a tomada de decisão. Antes da decisão, ambos os progenitores foram notificados do teor dos documentos juntos aos autos, o que sucedeu em 13.09.2023 e 29.09.2023. Não foi violado o contraditório previsto no artigo 3.º do Código de Processo Civil, na medida em que nada foi decidido sem que o progenitor recorrente tivesse tido a possibilidade de se pronunciar
- As alterações que pretende que sejam feitas nos pontos 7, 8, 10, 15 e 18 dos factos provados, salvo melhor opinião, não são suficientes para alterar a convicção e decisão do Tribunal.
- A decisão em crise, podendo merecer a discordância do recorrente, mostra-se bem fundamentada de facto e de direito, não violou o contraditório do artigo 3.o do Código de Processo Civil, nem o artigo 39 do RGPTC e salvaguarda o interesse do BB.
Foram dispensados os Vistos e nada observamos que obste à apreciação do mérito da apelação, cujo objeto, atentas as conclusões do apelante e a resposta do Ministério Público se traduz em saber se o recurso devia ser rejeitado ou, pelo menos, o recorrente convidado a sintetizar as suas conclusões (Questão Prévia) e 1 – Se foi cometida nulidade por violação do contraditório; 2 – Se deve conhecer-se da impugnação da decisão relativa à matéria de facto e em que sentido e 3 – Se a decisão deve ser revogada.
III – Fundamentação
III. I – Fundamentação de facto
A matéria de facto tida por assente pelo tribunal recorrido foi oportunamente transcrita. Se outra vier a ser fixada em resultado da impugnação da decisão relativa à matéria de facto, sê-lo-á após conhecimento da Questão Prévia e da Nulidade invocada pelo apelante.
Da rejeição do recurso ou, pelo menos, do convite à correção das conclusões
Nos termos do disposto no artigo 639, n.º 1 do Código de Processo Civil (CPC) “O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão”. E acrescenta o n.º 3 do mesmo normativo, para o caso de, nomeadamente, as conclusões serem complexas, o dever de o relator convidar o recorrente a sintetizá-las, “no prazo de cinco dias, sob pena de não se conhecer do recurso, na parte afetada”.
Entende o Ministério Público, na sua resposta, não tanto que o apelante haja transcrito integralmente, nas conclusões, o que no corpo da alegações escrevera (como por vezes sucede, acrescente-se), mas, ainda assim, nelas verteu uma “larguíssima parte das suas alegações”. Sustenta, por isso, a rejeição do recurso ou, pelo menos, a prolação do despacho previsto no citado n.º 3 do artigo 639 do CPC.
Diga-se, no entanto, considerando a jurisprudência constante do Supremo Tribunal de Justiça, que a rejeição do recurso em casos como o presente sempre seria de desatender. Mas também o convite para a sintetização das conclusões não se entendeu justificado. Efetivamente, mesmo que as conclusões se mostrem algo repetitivas, não entendemos que revelam complexidade bastante a justificar a prolação daquele despacho e o inerente acrescento de tempo no conhecimento do objeto do recurso.
Da nulidade invocada: Violação do contraditório
Argui o apelante a nulidade processual traduzida na violação do contraditório, uma vez que, depois de instruídos documentalmente os autos, não foi designada nova conferência de pais, não foi notificado para alegações e nem sequer foi notificado da promoção do Ministério Público, antes e apenas da sentença sob recurso.
O Ministério Público, sustentando não ter havido violação do contraditório, veio dar nota que “Antes da decisão, ambos os progenitores foram notificados do teor dos documentos juntos aos autos, o que sucedeu em 13.09.2023 e 29.09.2023”, acrescentando que “Não foi violado o contraditório previsto no artigo 3.º do Código de Processo Civil, na medida em que nada foi decidido sem que o progenitor recorrente tivesse tido a possibilidade de se pronunciar”.
Citemos a lei, para cabal compreensão da questão suscitada. De acordo com o artigo 44 do RGPTC, “1 - Quando o exercício das responsabilidades parentais seja exercido em comum por ambos os pais, mas estes não estejam de acordo em alguma questão de particular importância, pode qualquer deles requerer ao tribunal a resolução do diferendo. 2 - Autuado o requerimento, seguem-se os termos previstos nos artigos 35.º a 40.º 3 - O tribunal decide uma vez realizadas as diligências que considere necessárias”.
Os artigo 35 a 40, por sua vez, têm, no que releva, o seguinte teor:
Artigo 35: 1 - Autuado o requerimento ou a certidão, os pais são citados para conferência, a realizar nos 15 dias imediatos. (...)
Artigo 37: 1 - Estando ambos os pais presentes ou representados, o juiz procura obter acordo que corresponda aos interesses da criança sobre o exercício das responsabilidades parentais. 2 - Se conseguir obter o acordo, o juiz faz constar do auto da conferência o que for acordado e dita a sentença de homologação. 3 - Se faltarem um ou ambos os pais e não se fizerem representar, o juiz ouve as pessoas que estejam presentes, fazendo exarar em auto as suas declarações, e manda proceder às diligências de instrução necessárias, nos termos previstos no artigo 21.º e decide. 4 - A conferência não pode ser adiada mais de uma vez por falta dos pais ou seus representantes. 5 - A conferência já iniciada pode ser suspensa, estabelecendo-se, por período e condições determinados, um regime provisório, em consideração pelos interesses da criança.
Artigo 38: Se ambos os pais estiverem presentes ou representados na conferência, mas não chegarem a acordo que seja homologado, o juiz decide provisoriamente sobre o pedido em função dos elementos já obtidos, suspende a conferência e remete as partes para: a) Mediação, nos termos e com os pressupostos previstos no artigo 24.º, por um período máximo de três meses; ou b) Audição técnica especializada, nos termos previstos no artigo 23.º, por um período máximo de dois meses.
Artigo 39: 1 - Finda a intervenção da audição técnica especializada, o tribunal é informado do resultado e notifica as partes para a continuação da conferência a realizar nos cinco dias imediatos, com vista à obtenção de acordo da regulação do exercício das responsabilidades parentais. 2 - Quando houver lugar a processo de mediação nos termos previstos no artigo 24.º, o tribunal é informado em conformidade. 3 - Finda a mediação ou decorrido o prazo a que se refere a alínea a) do artigo anterior, o juiz notifica as partes para a continuação da conferência, que se realiza nos cinco dias imediatos com vista à homologação do acordo estabelecido em sede de mediação. 4 - Se os pais não chegarem a acordo, o juiz notifica as partes para, em 15 dias, apresentarem alegações ou arrolarem até 10 testemunhas e juntarem documentos. 5 - Findo o prazo das alegações previsto no número anterior e sempre que o entenda necessário, o juiz ordena as diligências de instrução, de entre as previstas nas alíneas a), c), d) e e) do n.º 1 do artigo 21.º. 6 - De seguida, caso não haja alegações nem sejam indicadas provas, ouvido o Ministério Público, é proferida sentença. 7 - Se forem apresentadas alegações ou apresentadas provas, tem lugar a audiência de discussão e julgamento no prazo máximo de 30 dias.
Artigo 40: Sentença (...)
Como decorre das normas citadas, e se bem as lemos, aquando da conferência de pais, estando ambos presentes e não sendo possível obter um acordo passível de homologação, o juiz, com base nos elementos então obtidos, deve decidir provisoriamente, remeter, ou não, as partes para a mediação ou audição técnica ou, não o fazendo, nem designado nova conferência, notificá-las para alegarem.
A possibilidade de as partes alegarem, imediatamente após a conferência, mas necessariamente antes da decisão é inequivocamente imposta no procedimento em causa, porquanto corresponde exatamente ao exercício do contraditório. Note-se que apenas para a decisão provisória o tribunal se pode bastar com as declarações das partes ou outros elementos probatórios já existentes ao tempo da conferência.
Não podemos, como decorre, acompanhar o entendimento do Ministério Público no sentido de ter sido salvaguardado o contraditório com a singela notificação às partes, nomeadamente ao requerido, dos documentos obtidos por instrução do tribunal. Note-se, aliás, que a segunda notificação relativa a esses documentos foi feita a 29.09.23 e logo aberta vista, seguida de sentença, sem que se descortine ou da notificação conste qualquer prazo razoável para a pressuposta e eventual pronúncia do requerido. Também a audição de requerente e requerido em sede de conferência de pais se mostra, por si só, insuficiente à observância e respeito do princípio do contraditório: podia ter relevo para uma eventual decisão provisória, que, no entanto, não foi proferida, não para a decisão definitiva que aqui se reaprecia.
Não se ignora que aos autos foi atribuído, justificadamente, natureza urgente, mas a urgência, sob pena de daí resultar um efeito adverso e contrário ao pretendido, não pode olvidar os princípios enformadores do processo, de qualquer processo, como é o caso, relevantemente, do princípio do contraditório.
Com efeito, importa atender (independentemente da tramitação procedimental que se mostra não ter sido observada), à questão de fundo, se assim podemos dizer, que emerge, como princípio relevante de todo o processo e não pode ser alheia num processo de jurisdição voluntária, do disposto no artigo 3.º, n.º 3 do CPC: “O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.
Efetivamente, ainda que “a necessidade de observância do contraditório seja replicada em diversos preceitos avulsos”, como, aliás, decorre da tramitação legalmente imposta aos presentes autos, a que anteriormente fizemos referência, “tal não diminui o relevo da sua enunciação como princípio geral que se impõe em todas as fases processuais”[1].
Do que referimos sobre a tramitação processual seguida - em rigor, omitida – nestes autos, parece-nos clara a conclusão de não ter sido observado o contraditório antes da prolação da decisão em recurso.
Diga-se, antes de mais, que a invocação da violação do contraditório, depois de proferida a sentença ou despacho que consubstancia essa (invocada) violação, suscita-se em via de recurso, como exatamente sucede no caso presente. Por outro lado, e muito em síntese, por não termos dúvidas de estarmos perante um entendimento consensual, o princípio do contraditório é um princípio jurídico fundamental e estrutural de qualquer processo judicial moderno, impondo a garantia, com assento constitucional[2], de ninguém poder ser atingido pelos efeitos de uma decisão judicial sem ter tido a possibilidade de intervir na sua formação, ou seja, impõe-se sempre ouvir a outra parte (Audiatur et altera pars) antes da decisão, desde que se esteja perante uma decisão que não seja de mero expediente ou inócua ao direito da parte. Importa, pois, saber qual a consequência de não ter sido dada ao recorrente a possibilidade de pronúncia, antes da decisão (realidade que os autos revelam de modo claro, como se disse) que decidiu a questão de particular importância, suscitada pela requerente, mãe da criança.
Ainda que a violação do princípio do contraditório, consubstanciando a prolação de uma decisão surpresa seja entendido por alguma doutrina e jurisprudência como correspondendo à nulidade (da sentença) por excesso de pronúncia, nos termos do disposto no artigo 615, n.º 1, alínea d), segunda parte, do CPC[3] , entendemos, com todo o respeito por outra opinião, que tal violação corresponde a uma ilegalidade, ou seja, corresponde a violação da lei (que impõe o contraditório) a qual torna a decisão ilegal, nula. Como refere Rui Pinto, “como qualquer outro ato processual, a própria decisão judicial pode padecer das nulidades inominadas do artigo 195, n.º 1. Assim, suponha-se que a sentença ou decisão é proferida parcialmente no início da audiência de julgamento, antes da produção de prova ou das alegações, ou que constitui uma decisão surpresa, com violação do artigo 3.º, n.º 3, ou que se trata de um despacho que ordena a citação do requerido para um procedimento cautelar que não admite citação prévia (cf. artigo 378). A decisão não pode deixar de ser nula.”[4]
Em consequência do que acaba de ser dito, e independentemente da natureza dos autos, temos forçosamente de concluir que a sentença recorrida, porque ilegal, é nula. Efetivamente, e repetimos, não resulta minimamente dos autos, pelo contrário, que ao requerido haja sido dada a oportunidade de se pronunciar, de alegar, de requerer o tido por conveniente, a respeito da questão que o tribunal apreciou.
Esta nulidade, no entanto, não implica, nem justifica, a substituição ao tribunal recorrido. Com efeito, o disposto no artigo 665, n.º 1 do CPC só tem cabimento nos casos de nulidade (de sentença/despacho) pelos fundamentos constantes do artigo 615 do mesmo diploma legal. Diversamente, no caso em apreço, a violação das normas processuais que impõem o contraditório, tornando a decisão ilegal, determinam a revogação e substituição desta pela determinação do cumprimento do procedimento omitido, com prejuízo dos demais atos incompatíveis praticados em primeira instância.
Considerando o quanto de vem de dizer, as demais questões suscitadas no recurso mostram-se prejudicadas, não havendo que delas conhecer.
Em conformidade, o recurso revela-se procedente. Tendo em conta a resposta ao recurso, não há lugar a custas, atenta a isenção do Ministério Público.
IV – Dispositivo
Pelo exposto, acorda-se na 3.ª Secção Cível (5.ª Secção) do Tribunal da Relação do Porto em julgar procedente o presente recurso de apelação e, em conformidade, declarando-se nula a sentença, determina-se que o tribunal recorrido venha a proferir nova decisão, após prévio cumprimento do contraditório, facultando às partes o pertinente prazo para alegações e praticando os atos destas decorrentes.
Sem custas, atenta a isenção do Ministério Público.
Porto, 5.02.2024
José Eusébio Almeida
Carlos Gil
Ana Paula Amorim
________________
[1] António Santos Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3.ª Edição, Almedina, 2022, pág. 21, anotação 10. Na mesma obra, a pág. 22 (anotação 14), acrescentam os autores: “Tal como o princípio do contraditório não deve obscurecer o objetivo da celeridade processual, também este não pode conduzir a uma dispensa do contraditório sob o pretexto da sua desnecessidade”.
[2] Citamos Jorge Miranda/Rui Medeiros (Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I – 2.ª Edição, Coimbra Editora, 2010, pág. 443), “Segundo o Tribunal Constitucional, do conteúdo do direito de defesa e do princípio do contraditório resulta, prima facie, que cada uma das partes deve poder exercer influência efetiva no desenvolvimento do processo, devendo ter a possibilidade, não só de apresentar as razões de facto e de direito que sustentam a sua posição antes de o tribunal decidir questões que lhe digam respeito, mas também de deduzir as suas razões, oferecer as suas provas, controlar as provas do adversário e tomar posição sobre o resultado de umas e outras”.
[3] V. Acórdão do STJ de 13.10.2020 [Relator, Conselheiro António Magalhães, Processo n.º 392/14.4.T8CHV-A.G1.S1, dgsi] onde se escreveu: “(...) a decisão-surpresa é uma nulidade processual nos termos do art. 195º, n.º 1 do CPC ou uma nulidade da sentença, neste caso, do acórdão, nos termos dos arts. 615º, nº 1, al. d), 666º, nº 1, e 685º do mesmo diploma. Propendemos para a segunda posição, de acordo com a orientação de Miguel Teixeira de Sousa, expressa em vátios escritos do seu blog do IPPC”.”
[4] “Os meios reclamatórios comuns da decisão civil (artigos 613.º a 617.º)”, Julgar Online, maio de 2020, pág. 31. |