Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
344/23.3YRPRT
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MENDES COELHO
Descritores: SENTENÇA ARBITRAL
RECORRIBILIDADE DA DECISÃO
Nº do Documento: RP20240506344/23.3YRPRT
Data do Acordão: 05/06/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – No nº4 do art. 39º da Lei da Arbitragem Voluntária (Lei 63/2011, de 14/12) acolhe-se uma regra de irrecorribilidade da decisão arbitral, já que esta só é suscetível de recurso para o tribunal estadual competente no caso de as partes terem expressamente previsto tal possibilidade na convenção de arbitragem.
II – Exige-se, por via daquele preceito, uma afirmação ou tomada de posição expressa por ambas as partes na convenção de arbitragem quanto à admissão da impugnabilidade da decisão arbitral através de recurso jurisdicional, “não podendo valer como tal, assim, inferências ou extrapolações feitas ou extraídas do silêncio, ou de meros comportamentos ou atitudes havidos e que não hajam sido materializados e verbalizados sob forma expressa, mormente, inferidos implicitamente da prática de atos em processo arbitral e adesão a determinado regulamento”.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº344/23.3YRPRT
(recurso de sentença arbitral)

Relator: António Mendes Coelho
1º Adjunto: Maria Fernanda Fernandes de Almeida
2º Adjunto: Miguel Fernando Baldaia Correia de Morais

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I Relatório

AA, tendo aderido ao serviço de mediação e arbitragem do Centro de Informação, Mediação e Arbitragem de Seguros (CIMPAS), em sede de processo arbitral que neste teve lugar reclamou junto da “A..., Companhia de Seguros S.A.”, com quem celebrou um contrato de seguro na modalidade “multirriscos habitação” titulado pela apólice nº ..., o pagamento da quantia de 5.400,00 euros a título de indemnização por danos por si sofridos com o furto de bens ocorrido na sua casa de habitação a 22/2/2019.
O reclamante e a seguradora supra identificada, em documentos autónomos que só diferem quanto à identificação do declarante e da contraparte, subscreveram – o reclamante em 9 de junho de 2022 e a seguradora em 13 de maio de 2022 – convenção de arbitragem com o seguinte conteúdo:
… (nome)…, declara aderir ao Centro de Informação, Mediação e Arbitragem de Seguros (CIMPAS), autorizado por Despacho nº4407/2018, publicado no Diário da República, 2ª série, nº86, de 4 de maio de 2018, no âmbito do Decreto-Lei nº425/87, aceitando a Arbitragem como forma de resolução do litígio que corre termos sob o número de processo ..., em que é Reclamante (…) / em que é parte Reclamada (…).
Mais declara aceitar, como regras do processo a observar na Arbitragem, as constantes dos Regulamentos aprovados por este Centro.
A reclamada “A..., Companhia de Seguros S.A.” apresentou contestação, na qual declinou a sua responsabilidade pela indemnização daqueles danos, argumentando para tal não haver prova inequívoca da existência nem da propriedade dos bens alegadamente furtados.
Procedeu-se a audiência de julgamento em 10/2/2023, com a presença do mandatário do reclamante e da mandatária da reclamada, tendo na sequência da mesma sido proferida sentença que julgou parcialmente procedente a reclamação e condenou a reclamada a pagar ao reclamante a quantia de 2.800,00 euros.
De tal sentença veio a reclamada interpor recurso, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:






















































Não foram apresentadas contra-alegações.

Foram dispensados os vistos ao abrigo do art. 657º nº4 do CPC.

Considerando o objeto do recurso delimitado pelas suas conclusões (arts. 635º nº4 e 639º nº1 do CPC) e o conhecimento oficioso das situações que obstam ao conhecimento do mesmo (art. 652º nº1 b) do CPC), são as seguintes as questões a tratar:
a) – da recorribilidade da decisão sob recurso;
Caso se conclua pela recorribilidade,
b) – da alteração da matéria de facto propugnada pela recorrente;
c) – da repercussão da reapreciação da decisão da matéria de facto na solução jurídica do caso.
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II – Fundamentação

Apuremos da recorribilidade da decisão.
Não obstante não se ter utilizado a previsão do art. 655º do CPC para decidir da mesma através de despacho, tal, naturalmente, não obsta ao conhecimento dessa mesma questão em sede de acórdão, pois o despacho de admissão do recurso proferido pelo tribunal arbitral não vincula este tribunal da Relação (art. 641º nº5 do CPC) e o despacho liminar do relator já proferido nos autos em 15/4/2024 (“Recurso próprio e no efeito devido”) é meramente tabelar e não aborda a questão em causa.
Assim, nesta sede já de acórdão, passa-se a conhecer da mesma.
No Regulamento do Centro de Informação, Mediação e Arbitragem de Seguros (em vigor desde 1 de junho de 2019, conforme deliberação do Conselho Diretivo do CIMPAS), prevê-se, sob o seu art. 29º nº2, que “Da decisão arbitral cabem para o Tribunal da Relação os mesmos recursos que caberiam da sentença proferida pelo tribunal de comarca”.
Porém, como se prevê no nº4 do art. 39º da Lei da Arbitragem Voluntária, aprovada pela Lei nº63/2011, de 14 de dezembro, em vigor desde 15 de março de 2012, a sentença arbitral “só é susceptível de recurso para o tribunal estadual competente no caso de as partes terem expressamente previsto tal possibilidade na convenção de arbitragem e desde que a causa não haja sido decidida segundo a equidade ou mediante composição amigável” (sublinhado e negrito nossos).
Na convenção de arbitragem subscrita pelas partes, como dela se vê (consta transcrita no relatório deste acórdão), não consta qualquer menção à recorribilidade da sentença arbitral.
De tal convenção apenas consta a adesão de cada uma das partes ao Centro de Informação, Mediação e Arbitragem de Seguros (CIMPAS), aceitando a arbitragem como forma de resolução do litígio existente e ainda, “como regras do processo a observar na Arbitragem”, as constantes dos Regulamentos aprovados por aquele Centro, mas nada ali se diz quanto à possibilidade de recurso da decisão arbitral que ali viesse a ser proferida.
No âmbito da anterior lei da arbitragem (Lei 31/86, de 29 de agosto) não era preciso constar da convenção de arbitragem a expressa possibilidade de recurso da decisão, pois, então, como se previa no seu art. 29º nº1, desde que as partes não tivessem renunciado aos recursos, da decisão caberia recurso para a Relação nos mesmos termos que caberiam da sentença proferida pelo tribunal da comarca.
Havia assim uma regra supletiva de recorribilidade da decisão arbitral.
Com a atual Lei 63/2011, e por via do preceituado no referido nº4 do seu art. 39º, tal situação alterou-se, passando a acolher-se uma regra de irrecorribilidade da decisão arbitral, já que esta “só é” suscetível de recurso para o tribunal estadual competente “no caso de as partes terem expressamente previsto tal possibilidade na convenção de arbitragem e desde que a causa não haja sido decidida segundo a equidade ou mediante composição amigável”.
Tal alteração – como se dá conta no Acórdão do STA de 20/6/2017 (proc. nº0112/17, relator Carlos Carvalho, disponível em www.dgsi.pt) – resultava aliás enunciada na exposição de motivos da proposta de lei n.º 22/XII [XII Legislatura - 1.ª Sessão Legislativa] [consultável in: «www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa»], a qual veio a culminar na aprovação daquela Lei da Arbitragem Voluntária, quando ali se afirmou que “inverte-se da regra supletiva relativa à recorribilidade da sentença final proferida no processo arbitral. De acordo com o presente diploma, salvo se as partes tiverem expressamente estipulado na convenção de arbitragem que da sentença final cabe recurso nos termos previstos na lei processual aplicável, tal sentença é irrecorrível, sem prejuízo de a mesma poder ser impugnada mediante pedido de anulação, e a que as partes não podem renunciar antecipadamente”.
Como se diz naquele acórdão do STA, exige-se, por via daquele nº4 do art. 39º da LAV, uma afirmação ou tomada de posição expressa por ambas as partes quanto à admissão da impugnabilidade da decisão arbitral através de recurso jurisdicional, “não podendo valer como tal, assim, inferências ou extrapolações feitas ou extraídas do silêncio, ou de meros comportamentos ou atitudes havidos e que não hajam sido materializados e verbalizados sob forma expressa, mormente, inferidos implicitamente da prática de atos em processo arbitral e adesão a determinado regulamento”. Isto é, diz-se ali também, “o legislador, quanto à exigência em causa, não se bastou com uma mera atitude silente ou implícita a extrair ou inferir de determinados atos ou comportamentos havidos ou desenvolvidos, mormente, em decorrência de eventuais previsões normativas existentes em determinados regulamentos, mas que não hajam sido materializados e verbalizados, sob forma expressa, numa afirmação clara e inequívoca que explicite de forma direta a existência no caso de recurso jurisdicional da decisão que seja tomada pelo tribunal arbitral”.
Também no sentido de que só a menção expressa da possibilidade de recurso da decisão arbitral na adesão à convenção de arbitragem pelas partes torna esta recorrível (note-se que a adesão à convenção de arbitragem é integrante desta mesma convenção), vide ainda o acórdão desta mesma Relação de 2/12/2019 (proc. nº296/19.4YRPRT, relator Jorge Seabra, disponível em www.dgsi.pt).
Assim sendo – e como supra já se referiu –, não constando da convenção de arbitragem subscrita pelas partes qualquer menção à recorribilidade da decisão arbitral que veio a ser proferida, há que concluir, com base na previsão do nº4 do art. 39º da Lei 63/2011, que tal decisão não é suscetível de recurso para este tribunal.
Como tal, não há que conhecer do mesmo.

Face ao ora decidido, ficam prejudicadas as restantes questões enunciadas (arts. 663º nº2 e 608º nº2 do CPC).

As custas do recurso ficam a cargo da recorrente, que nele decaiu (art. 527º, nºs 1 e 2, do CPC).
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Sumário (da exclusiva responsabilidade do relator – art. 663 º nº7 do CPC):
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III – Decisão
Por tudo o exposto, acorda-se em não conhecer do objeto do recurso.
Custas pela recorrente.
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Porto, 6/5/2024
Mendes Coelho
Fernanda Almeida
Miguel Baldaia de Morais