Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
18287/20.0T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS GIL
Descritores: PROVA TESTEMUNHAL
ADMISSIBILIDADE DA PROVA TESTEMUNHAL
ABUSO DE DIREITO
Nº do Documento: RP2023031318287/20.0T8PRT.P1
Data do Acordão: 03/13/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Se a declaração negocial por disposição da lei ou estipulação das partes, houver de ser reduzida a escrito ou necessitar de ser provada por escrito, não é admissível prova testemunhal e ainda que exista um começo de prova por escrito.
II - Se no âmbito do nº 1 do artigo 393º do Código Civil fosse admitida a flexibilização probatória que tem vindo a admitir-se no domínio do nº 1 do artigo 394º do mesmo diploma legal, a exigência de forma legal ou convencional seria preterida, comprometendo-se os interesses subjacentes a tais exigências.
III - Tal como se pode provar testemunhalmente a celebração de um contrato nulo por inobservância da formal legal escrita para que se possam produzir os efeitos próprios da declaração de nulidade, tem vindo a admitir-se em certas circunstâncias, ao abrigo do instituto do abuso do direito (artigo 334º do Código Civil), de conhecimento oficioso, que a falta de observância da forma legal ou convencional seja paralisada mediante a figura da inalegabilidade formal.
IV - De acordo com o disposto no artigo 368º do Código Civil, as reproduções fotográficas ou cinematográficas, os registos fonográficos e, de um modo geral, quaisquer outras reproduções mecânicas de factos ou de coisas fazem prova plena dos factos e das coisas que representam, se a parte contra quem os documentos são apresentados não impugnar a sua exactidão.
V - O abuso do direito é de conhecimento oficioso.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 18287/20.0T8PRT.P1

Sumário do acórdão proferido no processo nº 18287/20.0T8PRT.P1 elaborado pelo seu relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil:
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Acordam os juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:

1. Relatório
Em 02 de novembro de 2020, no Juízo Local Cível do Porto, Comarca do Porto, AA instaurou ação declarativa sob forma comum contra A..., Lda. e BB pedindo a condenação solidária das rés a:
a) procederem ao pagamento ao a. da quantia de € 8.000,00 (oito mil euros) relativo aos meses de renda em falta, até final do contrato, nos termos supra requeridos;
b) procederem à reparação do locado, deixando o mesmo, nas exatas condições em que
o receberam e, caso tal reparação não seja possível, procederem ao pagamento ao a. do valor necessário para o efeito e que deverá ser fixado em € 15.175,00 (quinze mil cento e setenta e cinco euros)”.
Para fundamentar as suas pretensões, o autor alegou, em síntese, que em 01 de agosto de 2015, enquanto dono e possuidor, deu de arrendamento à primeira ré a fração P destinada a comércio e serviços do prédio urbano sito na Rua ..., em Matosinhos, inscrito na matriz sob o artigo ... da União de Freguesias ... e ..., para fins não habitacionais, pelo período de um ano renovável por iguais períodos, pela renda mensal de mil euros, assumindo a segunda ré a qualidade de fiadora da primeira ré; em janeiro de 2020, sem qualquer comunicação prévia, a primeira ré entregou ao autor as chaves do locado; aquando da celebração do arrendamento, a fração locada encontrava-se em perfeitas condições; aquando da entrega do arrendado, este tinha as tomadas, louças e as portas do WC arrancadas, tendo desaparecido o cilindro e bem assim uma das paredes, estando a reparação do locado orçada no montante de € 15.175,00.
Citadas, as rés contestaram excecionando a ilegitimidade ativa do autor em virtude de não oferecer certidão do registo predial referente ao locado para comprovar a sua invocada qualidade de dono da fração arrendada e impugnaram alguma da factualidade articulada na petição inicial, referindo que em meados de novembro de 2019 a primeira ré comunicou ao autor que tinha arrendado outro espaço e que iria entregar o arrendado ao autor em janeiro de 2020, tendo pago as rendas até ao final de fevereiro de 2020 e tendo o autor ido buscar as chaves do locado às novas instalações da primeira ré; quando a loja foi arrendada à primeira ré tinha lá montada uma espécie de café com salão de jogos, tendo a primeira ré adaptado o locado à atividade de academia canina; o autor exigiu à primeira ré que deixasse o espaço locado totalmente amplo, tendo esta despendido a quantia de € 1.783,50 para que a loja ficasse ampla como pedido pelo autor; as rés negaram que tivessem sido retirados do locado quaisquer tomadas, interruptores ou um cilindro; a segunda ré alegou nunca ter sido interpelada para qualquer pagamento ou para qualquer questão, apenas tendo sido identificada no contrato de arrendamento como fiadora, não se fazendo qualquer referência à mesma ao longo do contrato, suscitando, em consequência, a sua ilegitimidade para a ação; concluem ambas as rés pela sua absolvição dos pedidos.
O autor foi notificado para, querendo, se pronunciar sobre a matéria de exceção invocada na contestação das rés e não tomou qualquer posição.
Dispensou-se a realização de audiência prévia, fixou-se o valor da causa no montante indicado pelo autor (€ 23.175,00), proferiu-se despacho saneador tabelar, identificou-se o objeto do litígio, enunciaram-se os temas da prova e admitiram-se as provas oferecidas pelas partes.
A audiência final realizou-se em duas sessões.
Em 20 de julho de 2022 foi proferida sentença[1] que julgou a ação totalmente improcedente, absolvendo as rés de todos os pedidos.
Em 29 de agosto de 2022, inconformado com a decisão que precede, AA interpôs recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
1. A prova do ponto 5º da sentença não pode ser testemunhal, uma vez que quer o contrato quer a Lei exigem que a referida comunicação seja formal.
2. Na Cláusula Primeira do contrato de arrendamento, ponto único, lê-se que “É válida a denúncia do contrato que for efetuada, por escrito registado, com a antecedência mínima de 90 dias tendo em conta o termo do prazo inicial ou da sua renovação.”
3. Ora, a prova testemunhal com base na qual o tribunal considerou provado o ponto 5 é, assim, inadmissível, por violação do art. 393º do Código Civil.
4. Nos termos do art. 393º nº1 do CC, “Se a declaração negocial, por disposição da lei ou estipulação das partes, houver de ser reduzida a escrito ou necessitar de ser provada por escrito, não é admitida prova testemunhal.”
5. Ora, a denuncia do contrato, por estipulação das partes, tem que ser reduzida a escrito, e necessita de ser provada por escrito, sendo, reafirma-se, inadmissível a realização de prova testemunhal, sob pena de violação do art. 393º nº1 do Código Civil e do ponto único da cláusula primeira do contrato de arrendamento
6. O art. 9º do NRAU exige igualmente que as comunicações legalmente exigíveis entre as partes relativas a cessação do contrato de arrendamento, atualização da renda e obras são realizadas mediante escrito assinado pelo declarante e remetido por carta registada com aviso de receção.
7. Assim, deverá ser julgado não provado o ponto nº5 dos factos provados da sentença, por inexistir nos autos o documento legal e contratualmente exigido para fazer a sua prova.
8. Eliminando-se o ponto 5 da matéria de facto provada pela sentença, impõe-se, pois, a procedência do primeiro pedido do Autor, devendo a sentença recorrida ser revogada nesta parte, e substituída por outra que condene as Rés no referido pedido.
9. As fotografias, a cores, que o Autor juntou aos autos no requerimento com a referência Citius 31742229, de 22/3/2022, são absolutamente esclarecedoras e provam sem margem para dúvidas que a primeira ré causou danos profundos no imóvel arrendado, absolutamente incompatíveis com o prudente uso da coisa locada e que não se enquadram minimamente no ponto 10º da matéria de facto provada.
10. Assim, com base nas fotografias, não impugnadas pelos Réus, deverão dar-se como provados os pontos 11 e 13, os quais em nada são incompatíveis com o facto provado nº10.
11. Deve por isso proceder a primeira parte do pedido: serem as rés condenadas a proceder à reparação dos danos causados no locado não relacionados com prudente utilização.
12. Em face da ausência de prova produzida sobre os concretos danos existentes, tal condenação deverá ser, posteriormente, concretizada em incidente de liquidação de sentença.
A..., Lda. contra-alegou pugnando pela total improcedência do recurso.
Dispensados os vistos com o acordo dos restantes membros do coletivo, já que a reapreciação da decisão da matéria de facto requerida pelo recorrente não envolve a audição de prova gravada e o objeto do recurso se reveste de simplicidade, cumpre agora apreciar e decidir.
2. Questões a decidir tendo em conta o objeto do recurso delimitado pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nºs 3 e 4 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil), por ordem lógica e sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil
2.1 Da reapreciação do ponto 5 dos factos provados e dos pontos 11 e 13[2];
2.2 Da repercussão das alterações da decisão da matéria de facto na solução final do caso e, em todo o caso, da validade formal da extinção da relação arrendatícia.
3. Fundamentos
3.1 Da reapreciação do ponto 5 dos factos provados e dos artigos 11 e 13 da petição inicial, o primeiro apenas na sua parte final
O recorrente pugna por que se julgue não provado o ponto 5 dos factos provados em virtude de o mesmo apenas se poder provar por prova documental, prova que não foi produzida e que se julguem provados os artigos 11 e 13 da petição inicial, atento o teor das fotografias por si oferecidas com o requerimento de 22 de março de 2022 e que não foram impugnadas.
O ponto 5 dos factos provados tem o seguinte conteúdo:
- A sociedade ré comunicou ao autor, em novembro/2019, que tinha arrendado um outro espaço e que iria proceder à entrega do imóvel descrito em 1., em janeiro/2020, tendo o autor ido buscar as chaves do imóvel às novas instalações da sociedade ré em 28 de fevereiro de 2020.
Por seu turno, os artigos 11 e 13 da petição inicial têm o seguinte teor:
- No entanto, a R. para além de ter abandonado o locado sem dar o devido pré-aviso como supra referido, deixou o locado num lastimável estado de conservação (cfr. relatório fotográfico que ora se junta como doc n.º 4) (artigo 11 da petição inicial);
- Foram arrancadas tomadas, louças e portas do WC, o cilindro despareceu e uma das paredes também “despareceu” (artigo 13 da petição inicial).
O tribunal a quo motivou a sua decisão da matéria de facto, na parte pertinente ao conhecimento do objeto do recurso, da forma que segue:
A prova dos factos descritos nos ponto 5, 6 e 10 sustentou-se nos depoimentos das testemunhas CC, empreiteiro que fez as obras de remodelação nas novas instalações da ré e foi executar as obras de demolição no imóvel arrendado ao autor, sob instruções daquela de acordo com as quais deveria desmontar tudo que existisse como divisória de forma a tornar o espaço amplo, o qual descreveu os trabalhos executados e confirmou o preço cobrado e recebido e da testemunha DD, trabalhador da sociedade ré e companheiro da sua legal representante, o qual os confirmou, tendo sobre eles conhecimento direto, prestando um depoimento escorreito, simples e direto, sem hesitações e sem meias palavras ou subterfúgios. Considerou-se, ainda, o novo contrato de arrendamento celebrado pela sociedade ré os registos das chamadas telefónicas estabelecidas entre a legal representante da ré e o autor.
Quanto aos factos não provados a sua não prova ficou a dever-se à circunstância de sobre eles não terem os meios de prova produzidos logrado proceder à sua demonstração com a fiabilidade e certeza necessária à sua inclusão nos factos não provados.
(…)
Da prova produzida resultou que a sociedade ré comunicou em novembro que iria deixar o locado, que as chaves foram entregues em fevereiro de 2020 e que as rendas foram pagas até essa data, portanto não se pode afirmar que as chaves tenham sido entregues em janeiro de 2020, que o autor tivesse sido surpreendido com a mudança de instalações por parte da sociedade ré. Atente-se que também a afirmação da testemunha EE de que as chaves foram deixadas na caixa do correio da casa do autor não colhe, na medida em que esta afirmação tem origem no que lhe foi contado pelo autor e, como o disse a testemunha DD, as rés até achavam que o autor estava a viver em Vila Real.
De igual modo, sendo verdade que o imóvel sofreu obras de alteração/ adaptação à atividade que ali ia ser exercida pela sociedade ré, a qual era totalmente oposta à nele anteriormente exercida e que, por tal, as obras de adaptação foram profundas, notórias, não menos verdade é que após a sociedade ré sair do locado não foram arrancados os itens alegados pelo autor, nem uma parede desapareceu. Primeiro por causa das obras de adaptação levadas a cabo, depois porque ficou demonstrado que o autor pediu à sociedade ré que “limpasse” o espaço das suas adaptações e o tornasse amplo. Também o custo da “reparação” do locado cai por terra quando o orçamento apresentado contempla situações que o autor nem sequer alega terem sido estragadas pela sociedade ré e quando o interior do imóvel foi “demolido” a seu pedido.
Cumpre apreciar e decidir.
Uma vez que a reapreciação da prova requerida pelo recorrente não envolve a reapreciação da prova gravada, procedeu-se à análise da prova documental junta aos autos, nomeadamente, as cópias das fotografias juntas a preto e branco de folhas 381 a 402 do PDF do histórico do processo eletrónico e depois juntas a cores, a solicitação do tribunal, com o requerimento do autor de 22 de março de 2022, com a referência nº 41720302 aposta no rosto do requerimento e a referência citius 3174229, de folhas 110 a 128 do PDF do histórico do processo eletrónico, o contrato de arrendamento datado de 01 de agosto de 2015[3], as fotografias a cores de folhas 406 a 408 do PDF do histórico do processo eletrónico, o “contrato de arrendamento não habitacional com prazo certo”, celebrado com data de 18 de novembro de 2019, sendo a ré sociedade comercial locatária, junto de folhas 263 a 267 do PDF do histórico do processo eletrónico, cópia de fatura detalhada de cliente B...[4] emitida em 01 de dezembro de 2019 e 01 de março de 2020, onde constam, além do mais, os registos no dia 19 de novembro de 2019 de contactos de voz, com o nº ..., pelas 17h47, 12h58 e 13h, com as durações, respetivamente, de seis minutos, dois minutos e cinco minutos e no dia 28 de fevereiro de 2020, contacto de voz com o nº ..., pelas 10h52, com a duração de dois minutos, juntos de folhas 275 a 276 do PDF do histórico do processo eletrónico.
Iniciemos a reapreciação do ponto 5 dos factos provados, matéria que o recorrente sustenta não poder ser provada com recurso a prova documental, pois que a denúncia do arrendamento depende de forma escrita.
No caso dos autos estava em causa um arrendamento urbano para outros fins com o prazo de um ano, sucessivamente renovável. Tratava-se por isso de arrendamento com prazo certo (veja-se o nº 1 do artigo 1094º do Código Civil em conjugação com o artigo 1110º, nº 1 do mesmo diploma legal).
No arrendamento para outro fins, na falta de convenção das partes, o arrendatário pode denunciar o contrato decorrido um terço do prazo inicial do contrato ou da sua renovação, com a antecedência mínima de cento e vinte dias do termo pretendido do contrato, se o prazo deste for igual ou superior a um ano (artigos 1110º, nº 1 e 1098, nº 3, alínea a), ambos do Código Civil).
A inobservância do pré-aviso legalmente fixado não obsta à cessação do contrato, mas obriga ao pagamento das rendas correspondentes ao prazo de pré-aviso em falta, salvo se resultar de desemprego involuntário, incapacidade permanente para o trabalho ou morte do arrendatário ou de pessoa que com ele viva em economia comum há mais de um ano (artigos 1110º, nº 1 e 1098, nº 6, ambos do Código Civil).
No caso dos autos, no contrato de arrendamento celebrado pelo autor, na qualidade de senhorio e pela ré sociedade comercial, na qualidade de arrendatária as partes estabeleceram no parágrafo único da cláusula primeira que é “válida a denúncia do contrato que for efectuada, por escrito registado, com a antecedência mínima de 90 dias tendo em conta o termo do prazo inicial ou o da sua renovação.”
Aparentemente as partes fixaram assim um prazo próprio de pré-aviso de denúncia do contrato de arrendamento inferior ao supletivamente previsto e convencionaram uma forma escrita – escrito registado – menos solene do que a prevista em geral no regime do arrendamento urbano no artigo 9º, nº 1 da Lei nº 6/2006 de 27 de fevereiro.
Porém, se bem se atentar na referida cláusula contratual, não se prevê aí uma verdadeira denúncia, mas sim uma oposição à prorrogação ou renovação do arrendamento (vejam-se os artigos 1055º e 1098º, nºs 1 e 2, ambos do Código Civil), pois que opera apenas para o termo do prazo inicial ou da sua renovação, pelo que a regra a observar no caso dos autos é a do nº 1 do artigo 9º da Lei nº 6/2006 de 27 de fevereiro.
Ora, nos termos do disposto no nº 1, do artigo 393º do Código Civil, se a declaração negocial por disposição da lei ou estipulação das partes, houver de ser reduzida a escrito ou necessitar de ser provada por escrito, não é admissível prova testemunhal[5].
E poderá a prova testemunhal ser admitida sempre que, à semelhança do que se tem vindo a admitir em matéria de simulação, com a doutrina maioritária[6] e a jurisprudência[7] a flexibilizar a previsão do nº 1, do artigo 394º, do Código Civil[8], admitindo a produção de prova testemunhal nos casos aí previstos, pelo menos sempre que exista um começo de prova por escrito[9]?
Não o cremos já que as razões que sustentam a aludida flexibilização probatória se prendem, além do mais, com as dificuldades próprias da prova da simulação e não colhem nos casos de forma legal ou convencional da própria declaração negocial, como é o caso dos autos.
Atente-se ainda que nos casos previstos no artigo 394º do Código Civil está em causa a prova de convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documento autêntico ou de documento particular dotado de força probatória plena, sejam tais convenções anteriores, contemporâneas ou posteriores à formação do documento em causa enquanto no caso previsto no artigo 393º do Código Civil está em causa a prova de uma declaração negocial sujeita a forma legal ou convencional (vejam-se os artigos 220º e 223º, ambos do Código Civil).
De facto, se no âmbito do nº 1 do artigo 393º do Código Civil fosse admitida a flexibilização probatória que tem vindo a admitir-se no domínio do nº 1 do artigo 394º do mesmo diploma legal, a exigência de forma legal ou convencional seria preterida, comprometendo-se os interesses subjacentes a tais exigências.
Significa isto que o ponto 5 dos factos provados deve extirpar-se da factualidade provada, por não ter sido produzida a prova documental legalmente exigida, como pretende o recorrente?
Não o cremos e desde logo porque o referido ponto 5 contém matéria que exorbita da denúncia do contrato de arrendamento, como seja a entrega das chaves do arrendado em 28 de fevereiro de 2020.
Além disso, tal como se pode provar testemunhalmente a celebração de um contrato nulo por inobservância da formal legal escrita para que se possam produzir os efeitos próprios da declaração de nulidade, tem vindo a admitir-se em certas circunstâncias, ao abrigo do instituto do abuso do direito (artigo 334º do Código Civil), de conhecimento oficioso[10], que a falta de observância da forma legal ou convencional seja paralisada mediante a figura da inalegabilidade formal[11].
Sem prejuízo de uma análise mais circunstanciada da reunião dos pressupostos da figura que se acaba de invocar em sede de fundamentação de direito, nesta sede de reapreciação da decisão da matéria de facto, tendo em conta que resulta da factualidade apurada e que o recorrente não coloca diretamente em crise, que o termo do contrato não foi o inicialmente pretendido pela ré sociedade comercial (janeiro de 2020) e que esta pagou a renda pedida pelo autor até à entrega das chaves a este em fevereiro de 2020 (ponto 7 dos factos provados não impugnado pelo recorrente[12]) e ainda que foram ajustadas as condições em que o arrendado deveria ser entregue (veja-se o ponto 10 dos factos provados[13]), à luz do instituto do abuso do direito e das exigências do princípio da boa-fé, afigura-se-nos que é admissível a prova testemunhal para prova da matéria vertida no ponto 5 dos factos provados, no que respeita à denúncia do contrato de arrendamento.
Por isso, com a fundamentação que antecede, improcede esta pretensão recursória de extirpação do ponto 5 dos factos provados e da sua colocação na factualidade não provada.
Apreciemos agora se, como pretende o recorrente, a factualidade vertida nos artigos 11 e 13 da petição inicial, o primeiro na parte respeitante ao estado do arrendado após a sua desocupação pela ré sociedade comercial, deve julgar-se provada com base nas fotografias a cores que o recorrente ofereceu com o seu requerimento de 22 de março de 2022 e que já havia anteriormente oferecido com a sua petição inicial e que o recorrente afirma terem força probatória plena por não terem sido impugnadas pelas rés.
Antes de mais, afigura-se-nos que o segmento do artigo 11 da petição inicial que o recorrente pretende provar com os aludidos registos fotográficos, isto é que o arrendado ficou num estado lastimável de conservação, é um juízo de valor que não carece de conhecimentos especiais que os julgadores não possuem (artigo 388º do Código Civil) e, por isso, não é um facto passível de prova (vejam-se os artigos 410º e 607º, nºs 3 e 4, ambos do Código de Processo Civil).
Deste modo, nesta parte, por estar em causa matéria exclusivamente valorativa e fora do âmbito do objeto próprio da prova pericial, deve in limine indeferir-se esta pretensão da recorrente de que se julgue provado o aludido segmento do artigo 11º da petição inicial.
Debrucemo-nos agora sobre o artigo 13º da petição inicial.
Na perspetiva do recorrente, uma vez que as fotografias que ofereceu com o seu requerimento de 22 de março de 2022 não foram impugnadas pelas rés e que as mesmas se destinavam a provar essa factualidade, deve tal matéria julgar-se plenamente provada.
Será assim?
Não o cremos pelas razões que de seguida se expõem.
As aludidas fotografias foram inicialmente oferecidas com a petição inicial, ainda que a preto e branco e foram impugnadas no artigo 53º da contestação, sendo que a matéria que se destinavam a provar já havia sido impugnada no artigo 21º do mesmo articulado.
Ora, de acordo com o disposto no artigo 368º do Código Civil, as reproduções fotográficas ou cinematográficas, os registos fonográficos e, de um modo geral, quaisquer outras reproduções mecânicas de factos ou de coisas fazem prova plena dos factos e das coisas que representam, se a parte contra quem os documentos são apresentados não impugnar a sua exactidão.
Daí que, por força da posição que as rés assumiram na sua contestação, as fotografias que o recorrente pretende fazerem prova plena não tenham essa força probatória, carecendo de provas adjuvantes que o recorrente não indica nem analisa criticamente e sem as quais as mesmas não têm aptidão para representar os factos que alegadamente retratam, ainda que num juízo de livre apreciação.
Assim, pelas razões que se acabam de enunciar, improcede a pretensão do recorrente de que se julgue provada a matéria contida no artigo 13º da petição inicial.
Pelo exposto, ainda que por razões distintas das convocadas pelo tribunal recorrido, improcede totalmente a pretensão do recorrente de alteração da decisão da matéria de facto, mantendo-se intocada a decisão da matéria de facto proferida pelo tribunal recorrido.
3.2 Fundamentos de facto exarados na sentença recorrida e que se mantêm atenta a total improcedência da reapreciação da decisão da matéria de facto, nos termos que antecedem, não se divisando base legal para a sua alteração oficiosa
3.2.1 Factos provados
3.2.1.1
Encontra-se inscrita na matriz predial urbana sob o artigo ... a fração autónoma designada pela letra “P”, destinada a comércio, correspondente ao rés do chão do prédio situado na Avenida ..., em Matosinhos, com entrada pelo nº ... da Rua ....
3.2.1.2
Na Administração Tributária tal imóvel encontra-se inscrito a favor do autor.
3.2.1.3
Em 1/8/2015 o autor declarou dar de arrendamento e a sociedade ré declarou tomar [de arrendamento] a fração autónoma descrita em 1 [3.2.1.1], pelo período de 1 ano, com início em 1/8/2015 e renovável por iguais períodos, mediante a entrega mensal da quantia de 1.000,00 euros.
3.2.1.4
Nesse ato acordaram a autora e a sociedade ré que:
- “O local agora arrendado destina-se a comércio e serviços, bem como às atividades conexas com este fim”;
- “De todas as obras e reparações que o local careça, são da responsabilidade do arrendatário as interiores, além destas obras o arrendatário não poderá fazer quaisquer outras, mesmo a título de benfeitorias sem o consentimento escrito do senhorio”;
- “Ficam desde já autorizadas as necessárias para adaptar o local ao destino convencionado”;
- “Findo o contrato o arrendatário fica obrigado a entregar o local arrendado devidamente limpo, com todas as suas pertenças, em bom estado de funcionamento e sem quaisquer deteriorações, salvo as inerentes à sua ordinária e prudente utilização”.
3.2.1.5
A sociedade ré comunicou ao autor, em novembro/2019, que tinha arrendado um outro espaço e que iria proceder à entrega do imóvel descrito em 1 [3.2.1.1], em janeiro/2020, tendo o autor ido buscar as chaves do imóvel às novas instalações da sociedade ré em 28 de fevereiro de 2020.
3.2.1.6
A sociedade ré mudou de instalações no mês de janeiro de 2020.
3.2.1.7
E liquidou as rendas devidas até fevereiro/2020, conforme pedido pelo autor.
3.2.1.8
Quando a fração autónoma foi arrendada à sociedade ré tinha montado no seu interior um café com salão de jogos.
3.2.1.9
O autor era frequentador das instalações da ré, conhecendo e consentindo em todas as alterações que haviam sido feitas no seu interior.
3.2.1.10
Aquando da comunicação pela ré de que iria mudar de instalações o autor disse-lhe que queria que esta deixasse o espaço amplo, pelo que a ré contratou uma empresa de construção civil para que colocasse o imóvel como espaço amplo, no que despendeu a quantia de 1.783,50 euros.
3.2.2 Factos não provados[14]
3.2.2.1
AA é dono da fração autónoma designada pela letra “P”, destinada a comércio, correspondente ao rés do chão do prédio situado na Avenida ..., em Matosinhos, com entrada pelo nº ... da Rua ... e inscrita na matriz sob o artigo ....
3.2.2.2
Sucede que, em janeiro de 2020, sem nada que o fizesse prever, a 1.ª ré procedeu à entrega ao autor das chaves do locado.
3.2.2.3
Sem que tivesse, com isso, cumprido com a comunicação prévia a que estava contratual e legalmente obrigada.
3.2.2.4
Nesta conformidade, as rés são devedoras da quantia de € 8.000,00 (oito mil euros) relativo aos meses de janeiro, fevereiro, março, abril, maio, junho, julho e agosto de 2020.
3.2.2.5
Foram arrancadas tomadas, louças e portas do WC, o cilindro desapareceu e uma das paredes também “despareceu”.
3.2.2.6
O locado foi deixado em tal estado de conservação (ou falta dela!) que o valor necessário para reparação orçamentado ascende a € 15.175,00 (quinze mil cento e setenta e cinco euros).
3.2.2.7
O autor interpelou por diversas vezes as rés para pagamento da quantia devida pela denúncia contratual efetuado [sic] ao arrepio da lei e para pagamento do valor necessário à requalificação e recuperação do locado, mas as rés nada pagaram.
3.2.2.8
Desde logo pelo facto dos valores estarem inflacionados em cerca [do] sêxtuplo – pois para as obras ali mencionadas seria suficiente a quantia de cerca de € 2.500,00.
4. Fundamentos de direito
Da repercussão das alterações da decisão da matéria de facto na solução final do caso e, em todo o caso, da validade formal da extinção da relação arrendatícia
No caso dos autos, uma vez que a pretendida alteração da decisão da matéria de facto improcedeu e que a absolvição dos pedidos da ré pessoa singular não foi objeto de impugnação autónoma[15], cumpre agora conhecer da problemática da validade formal da extinção da relação locatícia.
Anteriormente já se constatou que não foi observada pela ré locatária a forma escrita legalmente exigida para comunicação da denúncia do mesmo.
Importa agora determinar a consequência jurídica da inobservância desta forma de comunicação da declaração de denúncia do contrato de arrendamento, tendo em consideração a globalidade da factualidade provada e à luz do instituto do abuso do direito, seja na vertente do venire contra factum proprium[16] seja tendo na mira a problemática das inalegabilidades formais.
É pacífico doutrinal e jurisprudencialmente que o abuso do direito é de conhecimento oficioso[17], pelo que ainda que as rés não tenham na contestação suscitado esta problemática, este tribunal deve e pode conhecer da mesma desde que a factualidade provada seja bastante para o efeito.
Provou-se que em novembro de 2019 a sociedade ré comunicou ao autor que tinha arrendado um outro espaço e que iria proceder à entrega do arrendado em janeiro/2020, tendo o autor ido buscar as chaves do imóvel às novas instalações da sociedade ré em 28 de fevereiro de 2020; mais se provou que a sociedade ré liquidou as rendas devidas até fevereiro/2020, conforme pedido pelo autor e que aquando da comunicação pela ré de que iria mudar de instalações o autor disse-lhe que queria que esta deixasse o espaço amplo, pelo que a ré contratou uma empresa de construção civil para que colocasse o imóvel como espaço amplo, no que despendeu a quantia de € 1.783,50.
Desta factualidade provada resulta que o autor aceitou a cessação do contrato, não obstante não tenha sido observada a forma legalmente exigida e que até a modelou no seu termo, na medida em que a ré sociedade pretendia que o contrato deixasse de produzir efeitos em janeiro de 2020, tendo o autor pedido a renda de fevereiro de 2020, pretensão que foi atendida, data em que também lhe foram entregues as chaves do arrendado (ponto 7 dos factos provados) e ainda no que respeita ao estado do arrendado no momento da restituição porquanto pediu à ré sociedade comercial que deixasse o arrendado como espaço amplo, pretensão que foi atendida, no que a locatária despendeu a quantia de € 1.783,50 (ponto 10 dos factos provados).
De toda esta factualidade provada resulta clara a aceitação da cessação da relação locatícia comunicada pela sociedade locatária, não obstante não tenha obedecido à forma legalmente estabelecida, só assim se compreendendo a modelação do tempo em que produziu efeitos e ainda os termos em que foi acordada a restituição do arrendado, acordo este que implicou um dispêndio por parte da locatária de quase dois mil euros, havendo assim um investimento de confiança por parte da sociedade ré.
A nosso ver, além da reunião dos pressupostos do abuso do direito na modalidade de venire contra factum proprium, é inequívoco que atender a inobservância da forma legal na comunicação da denúncia contratual agora suscitada pelo recorrente[18] se traduziria na tutela de uma parte que grosseiramente violou o dever de agir de acordo com os ditames da boa-fé, não observando o dever de lealdade decorrente daqueles ditames.
Por isso, entende-se que no caso concreto o vício de forma na comunicação da cessação do contrato de arrendamento por denúncia é ininvocável seja por integrar um censurável venire contra factum proprium, seja por tal invocação nas circunstâncias de facto provadas constituir uma grosseira violação das exigências da boa-fé.
Conclui-se por isso que a sentença recorrida, ainda que nesta matéria por fundamentos não inteiramente coincidentes, deve ser confirmada, improcedendo totalmente o recurso de apelação.
As custas do recurso são da exclusiva responsabilidade do recorrente pois que as suas pretensões recursórias improcederam na íntegra (artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
5. Dispositivo
Pelo exposto, os juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto por AA e, em consequência, em confirmar a sentença recorrida proferida em 20 de julho de 2022, ainda que por fundamentos jurídicos não totalmente coincidentes.
Custas do recurso a cargo do recorrente, sendo aplicável a secção B, da tabela I, anexa ao Regulamento das Custas Processuais, à taxa de justiça do recurso.
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O presente acórdão compõe-se de dezasseis páginas e foi elaborado em processador de texto pelo primeiro signatário.

Porto, 13 de março de 2023
Carlos Gil
Mendes Coelho
Joaquim Moura
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[1] Notificada às partes mediante expediente eletrónico elaborado em 21 de julho de 2022.
[2] Esta referência do recorrente aos pontos 11 e 13 é algo enigmática na medida em que nem nos factos provados, nem nos não provados constam os pontos 11 e 13. No entanto, atenta a prova que o recorrente invoca para firmar esta pretensão recursória – as fotografias a cores que retratam o estado em que o locado alegadamente ficou depois da sua entrega ao autor pela ré e oferecidos com o requerimento do autor de 22 de março de 2022, na sequência de convite do tribunal nesse sentido – parece poder concluir-se, com a necessária segurança, que se têm em vista os artigos 11 e 13 da petição inicial, o primeiro apenas na parte em que respeita ao estado do locado aquando da sua entrega ao autor. Por isso, será com este alcance que será conhecida esta pretensão do recorrente.
[3] Deste contrato, atento o objeto do recurso destaca-se a primeira cláusula, com o seguinte teor: “Primeiro – O arrendamento é celebrado por prazo certo de 1 ano com início em 01 de Agosto de 2015, renovável por períodos iguais enquanto não for validamente denunciado. § único – É válida a denúncia do contrato que for efectuada, por escrito registado, com a antecedência mínima de 90 dias tendo em conta o termo do prazo inicial ou o da sua renovação.”
[4] Desconhece-se quem é o cliente em causa e qual o número de telefone usado, tal como se desconhece quem é o titular do telefone número ....
[5] Afigura-se-nos que esta inadmissibilidade legal de prova testemunhal é de conhecimento oficioso dados os interesses de ordem pública que estão em causa, ao menos sempre que esteja em causa a forma legal, como aliás é o caso dos autos.
[6] Vejam-se: Provas (Direito Probatório Material) separata do Boletim do Ministério da Justiça, Lisboa 1962, Adriano Paes da Silva Vaz Serra, páginas 574 a 588, escrito produzido em sede de trabalhos preparatórios do atual Código Civil; Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica Portuguesa 2014, páginas 891 e 892, anotações VII e VIII. Em sentido aparentemente oposto, não admitindo qualquer flexibilização desta regra legal, pronunciam-se Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Volume I, 4ª Edição Revista e Actualizada, Reimpressão, Coimbra Editora, Fevereiro 2011, página 344, anotações 4, 5 e 6.
[7] Vejam-se os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça: de 22 de maio de 2012, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Fonseca Ramos no processo nº 82/04-6TCFUN-A.L1.S2; de 09 de julho de 2014, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Paulo Sá, no processo nº 28252/10.0T2SNT.L1.S1; de 15 de abril de 2015, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Pires da Rosa, no processo nº 28247/10.4T2SNT-A-L1.S1, todos acessíveis na base de dados da DGSI.
[8] Sublinhe-se que à luz do argumento histórico esta flexibilização é discutível. Na verdade, em consonância com o estudo já citado, o Sr. Professor Vaz Serra propunha um artigo 49º em que se admitia a prova por testemunhas para prova de convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de um documento autêntico ou de um documento particular tido como verdadeiro, fossem tais convenções anteriores, contemporâneas ou posteriores à formação dos citados documentos nos seguintes termos: “1.º - Quando, em consequência de haver um começo de prova por escrito, proveniente daquele contra quem a acção é dirigida ou do seu representante, ou da qualidade das partes, da natureza do contrato ou de outra circunstância, seja verosímil que tenham sido feitas as ditas convenções; 2.º - Quando o contraente esteve moral ou materialmente impedido de se munir de uma prova escrita das mesmas convenções.” Porém, esta normação não foi recebida no Projeto de Código Civil que viria a dar origem ao atual Código Civil (veja-se Projecto de Código Civil, Lisboa 1966, artigo 394º, páginas 115 e 116).
[9] A propósito, na doutrina, vejam-se: Da Simulação no Direito Civil, Almedina 2014, A. Barreto Menezes Cordeiro, páginas 131 a 137; Código Civil Anotado, 2ª Edição Revista e Aumentada, Almedina 2019, coordenação de Ana Prata, anotação 2 ao artigo 394º do Código Civil, da autoria de José Lebre de Freitas, página 514 e Direito Probatório Material Comentado, Almedina 2020, Luís Filipe Pires de Sousa, páginas 217 a 222; na jurisprudência vejam-se os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, todos acessíveis na base de dados da DGSI: acórdão de 17 de junho de 2003, processo nº 03A1565; acórdão de 22 de maio de 2012, processo nº 82/04-6TCFUN-A.L1.S2; acórdão de 09 de julho de 2014, processo nº 5944/07.6TBVNG.P1.S1.
[10] Veja-se Código Civil Comentado, I – Parte Geral, coordenação de António Menezes Cordeiro, Almedina 2020, páginas 941 e 942, ponto 41, XI.
[11] Sobre esta problemática veja-se Código Civil Comentado, I – Parte Geral, coordenação de António Menezes Cordeiro, Almedina 2020, página 936, VII, parágrafos 58 e 59 e páginas 639 a 643, III e IV.
[12] Este ponto tem o seguinte teor: “E liquidou as rendas devidas até fevereiro/2020, conforme pedido pelo autor.”
[13] Este ponto tem o seguinte teor: “Aquando da comunicação pela ré de que iria mudar de instalações o autor disse-lhe que queria que esta deixasse o espaço amplo, pelo que a ré contratou uma empresa de construção civil para que colocasse o imóvel como espaço amplo, no que despendeu a quantia de 1.783,50 euros.”
[14] Em observância da regra da auto-suficiência das peças processuais, reproduzem-se os pontos dos articulados a que o tribunal recorrido se refere na sua decisão da matéria de facto por simples remissão.
[15] Recorde-se que esta ré havia sido demandada como fiadora da ré sociedade comercial, qualidade em que foi identificada e outorgou o contrato de arrendamento, sem que neste exista qualquer declaração da mesma a afiançar as obrigações emergentes do contrato para a arrendatária. Como é sabido, a vontade de prestar fiança deve ser expressamente declarada (veja-se o nº 1 do artigo 628º do Código Civil).
[16] Na construção dogmática do venire contra factum proprium levada a cabo pelo Professor Baptista Machado (veja-se Tutela da Confiança e “Venire contra Factum Proprium” in João Baptista Machado, Obra Dispersa, Volume I, Scientia Iuridica, Braga 1991, páginas 415 a 419) os pressupostos que desencadeiam o efeito jurídico próprio do instituto jurídico em apreço são: a) uma situação objetiva de confiança, isto é, a confiança digna de tutela tem que assentar em algo de objetivo, numa conduta de alguém que de facto possa ser entendida como uma tomada de posição vinculante em relação a dada situação futura; b) um investimento de confiança e a irreversibilidade desse investimento; c) a boa-fé da contraparte que confiou, pelo que a confiança do terceiro ou da contraparte só merecerá proteção jurídica quando esteja de boa-fé (por desconhecer a divergência entre a aparência criada e a situação ou intenção reais) e tenha agido com cuidado e precauções usuais no tráfico jurídico.
[17] A este propósito veja-se o já citado Código Civil Comentado, I – Parte Geral, coordenação de António Menezes Cordeiro, Almedina 2020, páginas 941 e 942, ponto 41 da anotação XI.
[18] Recorde-se que o recorrente alegou na petição inicial que foi surpreendido com a entrega das chaves do locado em janeiro de 2020, sem que nada o fizesse prever (artigo 5 da petição inicial).