Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
5293/24.5Y9PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS GIL
Descritores: CERTIDÃO DE DÍVIDA PREVISTA NO ARTIGO 185.º-A DO CÓDIGO DA ESTRADA
CONTEÚDO
Nº do Documento: RP202510135293/24.5Y9PRT.P1
Data do Acordão: 10/13/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIAL
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A certidão de dívida prevista no artigo 185.º-A do Código da Estrada deve conter a descrição da infração, incluindo dia, hora e local em que foi cometida.
II - A mera referência à imputação contraordenacional, ainda que localizada espácio-temporalmente, não observa o disposto na alínea b) do nº 2 do artigo 185.º-A do Código das Estrada.
III - A certidão de dívida prevista no artigo 185.º-A do Código da Estrada deve conter a concreta ação do executado violadora das regras do Código da Estrada e, se assim não suceder, padece de insuficiência suprível ou com uma certificação complementar ou mediante o oferecimento de certidão do auto de notícia que deu origem ao processo contraordenacional em que veio a ser proferida a decisão administrativa titulada pela certidão exequenda.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo: 5293/24.5Y9PRT.P1

Sumário do acórdão proferido no processo nº 5293/24.5YIPRT.P1 elaborado pelo relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil:

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Acordam os juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:

1. Relatório

Em 20 de dezembro de 2024, com referência à Unidade Central da Comarca do Porto, o Digno Magistrado do Ministério Público instaurou ação executiva para pagamento de quantia certa contra AA a fim de obter o pagamento coercivo de coima aplicada por entidade administrativa e no montante de quarenta e cinco euros.

Os autos foram distribuídos ao Juízo de Pequena Criminalidade do Porto e em 07 de janeiro de 2025 foi proferido o seguinte despacho[1]:

Foi dada à execução, como título executivo, uma certidão nos termos do art.º 185.º-A do Código da Estrada.

Ora, a ação executiva baseia-se, necessariamente, num documento (título), que nesta espécie de ações constitui um pressuposto específico daquela ação. O título executivo assume, assim, a dupla qualidade de ser condição necessária e suficiente da ação executiva.

Por um lado, é condição necessária na medida em que não pode haver ação executiva sem título executivo; por outro lado, é também condição suficiente porque basta a existência do título para promover a execução, sem necessidade de indagação, por meio de ação declarativa, acerca da existência do direito material que se pretende efetivar.

Verifica-se, pois, que a ação executiva não pode ser intentada sem que o exequente esteja munido de um título executivo – nulla executio sine titulo. Por outras palavras, o título executivo constitui “a chave que abre a porta da execução”. O título executivo pressupõe necessariamente a afirmação de um direito em benefício de uma pessoa e a constituição de uma obrigação a cargo de outra – cfr. A. Reis, in Processo de Execução, Vol. I, 3ª ed., pág. 147.

A existência de título executivo é, então, um pressuposto formal para o exercício do respetivo direito de ação (Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, vol. I, pg. 147), correspondendo o título à “causa de pedir” da ação declarativa, donde resulta que o título consigna a obrigação, ou seja, faz as vezes do direito que vai ser realizado e se lhe substitui, não podendo, por isso, reduzir-se à natureza de um simples meio de prova (cf. Anselmo de Casto, A Ação executiva, pg. 15).

O título executivo consiste, pois, num documento que faz prova documental simples de um ato ou de um negócio jurídico constitutivo ou certificativo de uma relação jurídica de natureza real ou obrigacional e que, só por si, permite que o credor desencadeie a atividade jurisdicional visando a realização coativa da prestação que lhe é devida.

Pode dizer-se que “é o meio legal de demonstração da existência do direito do exequente, ou que estabelece, de forma ilidível, a existência daquele direito, cujo lastro corpóreo ou material é um documento (v.g. sentença, documento particular), que a lei permite que sirva de base à execução” - Cfr., a este propósito, J.P. Remédio Marques, in Curso de Processo Executivo Comum, à face do código revisto, 1ª edição, págs. 55/56, e José Lebre de Freitas, A Acão Executiva Depois da Reforma, 4.ª edição, pág. 33, citado no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 14/12/2005, processo n.º3365/05, n.º convencional JTRC, Relator Dr. António Piçarra, disponível para consulta em www.dgsi.pt.

Constituem títulos executivos, nomeadamente, os documentos a que, por força de disposição especial, seja atribuída força executiva - art.º 46. º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Penal.

Ora, nos presentes autos, tal como referido, o exequente Ministério Público, apresenta à execução, como título executivo, uma certidão nos termos do art.º 185.º-A do Código da Estrada, nos termos do qual:

“1 - Quando se verifique que a coima ou as custas não foram pagas, decorrido o prazo legal de pagamento, contado a partir da data em que a decisão se tornou definitiva, é extraída certidão de dívida com base nos elementos constantes do processo de contraordenação. 2 - A certidão de dívida é assinada e autenticada pelo presidente da entidade competente para o processamento e aplicação da coima, ou pelo órgão ou agente em quem aquele tenha delegado essa competência, e contém os seguintes elementos: a) Identificação do agente da infração, incluindo o nome completo ou denominação social, a residência ou sede social, o número do documento legal de identificação, o domicílio fiscal e o número de identificação fiscal; b) Descrição da infração, incluindo dia, hora e local em que foi cometida; c) Número do processo de contraordenação; d) Proveniência da dívida e seu montante, especificando o montante da coima e o das custas; e) A data da decisão condenatória da coima ou custas, a data da sua notificação ao devedor e a data em que a decisão condenatória se tornou definitiva; f) Quaisquer outras indicações úteis para o eficaz seguimento da execução. 3- A assinatura da certidão de dívida pode ser efetuada por assinatura autógrafa autenticada com selo branco ou por assinatura digital qualificada com certificado digital. 4 - A certidão de dívida serve de base à instauração do processo de execução a promover pelos tribunais competentes (….)”.

Em face do exposto, resulta que a certidão de dívida é o documento essencial sem o qual não é possível instaurar a execução sendo curial a respetiva apreciação oficiosa, até porque somente com o mesmo é que se sabe ao certo quem é o devedor, qual a proveniência da dívida, o seu valor, entre outros elementos mencionados no sobredito art.º 185º-A do Código da Estrada.

Aliás, a necessidade da existência de um título executivo, decorre da obrigatoriedade das menções que no mesmo devem constar, ou seja, do preenchimento dos respetivos requisitos, conforme previsto no aludido normativo.

É que, sem título executivo ou sem a presença neste dos seus requisitos essenciais, não é possível assegurar que a execução esteja devidamente instaurada, atenta a dupla função que assume no processo de execução, como seja, assegurar à entidade perante quem corre a execução, a possibilidade de verificar se estão reunidas as condições para prosseguir com o processo, em que se incluem as de se estar perante uma dívida certa, líquida e exigível. Por outro lado, têm também a função de informar o executado sobre a dívida que se executa, por forma a poder organizar a sua defesa, se assim o entender.

Deste modo, se não é apresentado o título executivo ou se este não existe mesmo, é impossível verificar se estão reunidas as condições para instaurar o processo de execução. A este propósito, Alberto dos Reis, no processo de execução, vol. 1.º, Coimbra Editora, págs. 107 e 108, refere o seguinte: “Como opera o título executivo no processo de execução?

Opera nos seguintes termos: força o órgão executivo a exercer a sua atividade, sem lhe deixar liberdade alguma de apreciação nem quanto ao facto, nem quanto ao direito. O tribunal de execução, colocado perante o título executivo, desde que se assegure de que o título satisfaz aos requisitos exigidos pela lei para ter eficácia executiva, nada mais precisa de averiguar, nem pode averiguar: tem de proceder, tem de pôr à mercê do exequente os meios executivos. (…) Em relação ao órgão, o título executivo vale muito mais do que qualquer instrumento de prova legal, porque, ou seja, uma sentença, ou seja, um título negocial, torna certos o facto e o direito”.

Deste modo, estando em causa um título executivo que não é um título complexo (entende-se como título complexo quando a exequibilidade do título é resultado da conjugação de elementos documentais dispersos - cfr. entre outros, o decidido no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 25/03/2014, processo n.º 102/11.8TBTMR-A.C1, Relator Dr. Fontes Ramos, disponível para consulta em www.dgsi.pt) não é aplicável o disposto no art.º 707.º do Código de Processo Civil, exigindo a lei que da mesma certidão constem os elementos a que alude o art.º 185.º-A, n.º 2, do Código da Estrada, dele devendo constar todos os elementos – e, não apenas alguns deles - da obrigação exequenda, considerando-se que tal constitui garantia de segurança suficiente para o devedor.

Com efeito, neste conspecto, note-se que a lei não refere que a menção apenas é obrigatória “se possível”, “sempre que possível”, conforme o faz, por exemplo, nos art.ºs 552.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil e 88.º, n.º2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, por razões óbvias, segundo cremos, porquanto, em momento anterior à emissão de certidão a que alude o art.º 185.º-A do Código da Estrada, pendeu na entidade administrativa procedimento para identificação do infrator e condenação do mesmo e, como tal, não é descabida essa obrigatoriedade.

Essa obrigatoriedade permite com certeza, segurança, identificar o devedor, a infração que esteve na origem da coima aplicada e dada à execução e permitir o eficaz seguimento da execução (cfr. o disposto na alínea f), do n.º 2 do art.º 185.º-A do Código da Estrada).

No caso dos autos, analisada a certidão dada à execução, constata-se que a mesma no que concerne à descrição da infração apenas descreve a contra-ordenação que deu lugar à aplicação da coima, data, hora e local em que a mesma se verificou sem identificar como devia o veículo com que a mesma foi praticada, sendo que, tal é requisito essencial do título executivo, por forma a que da sua leitura o executado obtenha a informação suficiente para saber com segurança qual é a dívida e a que o título se refere, de forma a estarem assegurados eficazmente os seus direitos de defesa.

É que, não obstante encontrarmo-nos numa fase executiva precedida pela notificação ao executado da contra-ordenação praticada, e bem assim da faculdade legal de a impugnar judicialmente, a verdade é que, sendo dada à execução a dita certidão, que constitui o título executivo, por razões de certeza e de segurança jurídica, deve dela constar uma descrição completa da infração cometida, não bastando em nosso modesto entendimento e, com o devido respeito por opinião contrária, a mera indicação do dia, hora e local sem identificação da matrícula do veículo com o qual a infração ali descrita que determinou a aplicação da coima cuja execução se pretende, tanto mais se considerarmos que, tal identificação é imprescindível para que o executado saiba de que veículo se trata.

Esta necessidade, compreende-se pelo aquilo que aludimos, designadamente que a apresentação do título executivo tem uma função garantística, ou seja, a de informar o executado sobre a dívida em concreto em cobrança de modo a que o mesmo possa exercer a sua defesa.

E, consideramos nós que, para que tal suceda necessário se torna que da certidão conste a descrição factual completa da infração cometida, como seja, a identificação do veículo com a qual a mesma foi praticada.

Só dessa forma é que o título executivo revelará com segurança a existência do crédito em que assenta o valor reclamado na execução, permitindo ao executado a possibilidade de contestar a existência da dívida.

Deste modo, se da certidão da dívida constar a data, hora, local e a identificação da matrícula do veículo utilizado na prática da infração, então estar-se-á indubitavelmente a facultar ao executado a informação suficiente para saber com segurança qual é a dívida a que o título se refere, de forma a serem assegurados os seus direitos de defesa, caso deles pretenda lançar mão.

Essa identificação do veículo, pelas sobreditas razões, deve ser feita pela entidade que emitiu a certidão não se mostrando possível colmatá-la, porquanto o título – in casu, a certidão - deve existir, na data da propositura da execução e se a mesma não contiver todos os elementos que dela obrigatoriamente devem constar, estaremos perante a inexistência de título, não importando convidar o exequente a juntar uma certidão corrigida, uma vez que a suficiência do título traduz a exigência de que a obrigação dele conste sem necessidade de indagação, sendo a sua existência por ele presumida.

Com efeito, neste sentido, pode ler-se no Acórdão da Relação de Guimarães de 28/10/2021, processo n.º7091/15.8T8VNF-E.G1, Relatora Dra Ana Cristina Duarte, disponível em www.dgsi.pt, que “Sendo caso de inexistência de título executivo, não deve o exequente ser notificado para proceder à junção do título uma vez que a “suficiência do título traduz a exigência de que a obrigação dele conste sem necessidade de indagação, sendo a sua existência por ele presumida”.

Deste modo, ante o exposto, constatando-se que a certidão de dívida que foi dada à execução e à qual a lei confere força executiva, nos sobreditos termos, não contém todos os elementos que dela necessária e obrigatoriamente devem constar, como seja, a identificação do veículo, designadamente da sua matrícula com o qual foi praticada a infração que deu origem à aplicação da coima dada à execução e, porque essa menção deve ser feita pela entidade que emitiu a certidão, não se mostra possível colmatar tal omissão, porquanto, o título executivo deve existir, na data da propositura da execução, conforme aludido. Pelo que, temos de concluir que a execução não poderá prosseguir pois o exequente não está munido de um título executivo – nulla executio sine titulo.

Deste modo, decorrendo do disposto no art.º 726º, n.ºs 1 e 2, al a) do Código de Processo Civil, que a falta de título executivo dá lugar ao indeferimento liminar do requerimento executivo, o que pode ser oficiosamente conhecido, até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados (o que, no caso, ainda não ocorreu), nos termos do preceituado no art.º 734º, n.º 1 do Código de Processo Civil e sem necessidade de assegurar o contraditório, face à simplicidade, da ausência de título (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 16/05/2023, processo n.º12021/22.8T8PRT-A, P1, Relator Dr Rui Moreira, disponível para consulta em www.dgsi.pt) rejeita-se a presente execução.

Face ao que antecede, não interessa a realização de penhora/s e, caso já tenham sido efetuada/s, deve proceder-se ao seu levantamento apenas e quando se mostrar integralmente decorrido o prazo de recurso.

Sem custas por delas estar isento o Digno Exequente.

Notifique.

Em 31 de janeiro de 2025, inconformada com a decisão que precede, a Digna Magistrada do Ministério Público interpôs recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

1. Resulta dos presentes autos que no dia 20 dezembro de 2024 foi instaurada execução pelo não pagamento da coima no valor de €45,00, em que AA havia sido condenado no processo de contraordenação número ... da Câmara Municipal ..., tendo sido para o efeito apresentado como título executivo a certidão enviada pela entidade administrativa elaborada em 21 de novembro de 2024, nos termos do disposto no artigo 185.º-A, do Código da Estrada.

2. Na aludida certidão consta que no dia 22 de abril de 2022, pelas 15h56m, na Rua ..., lado oposto ..., no Porto, AA estacionou o seu veículo em violação da indicação dada pelo sinal de proibição C15 – estacionamento proibido, tendo sido proferida decisão no dia 27 de março de 2023 a condenar o mesmo na coima de €45,00, decisão essa que lhe foi comunicada em 14 de abril de 2023 e que se tornou definitiva em 9 de maio de 2023.

3. Nos presentes autos foi proferido despacho que decidiu extinguir a ação executiva, por meio de rejeição, por considerar que o título executivo que foi junto, a certidão, não contém todos os elementos que dela necessária e obrigatoriamente devem constar, como seja, a identificação do veículo, designadamente da sua matrícula com o qual foi praticada a infração que deu origem à aplicação da coima dada à execução, nos termos do disposto no artigo 726.º, nºs 1 e 2, alínea a), do Código de Processo Civil e artigo 734.º, n.º 1, do mesmo diploma normativo.

4. O requerimento executivo foi apresentado em 20 de dezembro de 2024, sendo o título junto aos autos na aludida data.

5. Dispõe o artigo 185.º-A do Código da Estrada que: “1 - Quando se verifique que a coima ou as custas não foram pagas, decorrido o prazo legal de pagamento, contado a partir da data em que a decisão se tornou definitiva, é extraída certidão de dívida com base nos elementos constantes do processo de contraordenação. 2 - A certidão de dívida é assinada e autenticada pelo presidente da entidade competente para o processamento e aplicação da coima, ou pelo órgão ou agente em quem aquele tenha delegado essa competência, e contém os seguintes elementos: a) Identificação do agente da infração, incluindo o nome completo ou denominação social, a residência ou sede social, o número do documento legal de identificação, o domicílio fiscal e o número de identificação fiscal; b) Descrição da infração, incluindo dia, hora e local em que foi cometida; c) Número do processo de contraordenação; d) Proveniência da dívida e seu montante, especificando o montante da coima e o das custas; e) A data da decisão condenatória da coima ou custas, a data da sua notificação ao devedor e a data em que a decisão condenatória se tornou definitiva; f) Quaisquer outras indicações úteis para o eficaz seguimento da execução. 3 - A assinatura da certidão de dívida pode ser efetuada por assinatura autógrafa autenticada com selo branco ou por assinatura digital qualificada com certificado digital. 4 – A certidão de dívida serve de base à instauração do processo de execução a promover pelos tribunais competentes, nos termos do regime geral das contraordenações.”

6. Nos presentes autos e compulsada a certidão emitida, título que suporta a instauração da execução, verificamos que a mesma contém: - a identificação do agente da infração, o nome completo – AA; - a residência – Rua ..., ... ...; - o número do documento legal de identificação – ...; - o domicílio fiscal e o número de identificação fiscal – Rua ..., ... ... e NIF ...; - descrição da infração, incluindo dia, hora e local em que foi cometida – estacionamento de veículo em desrespeito da indicação dada pelo sinal de proibição C15, no dia 22 de abril de 2022, pelas 15h56m, na Rua ..., lado oposto ..., no Porto; - número do processo de contraordenação – ...; - proveniência da dívida e seu montante – coima, no valor de quarenta e cinco euros; - data da decisão condenatória da coima – 27 de março de 2023; - a data da sua notificação ao devedor – 14 de abril de 2023 e - a data em que a decisão condenatória se tornou definitiva – 9 de maio de 2023 e quaisquer outras indicações úteis para o eficaz seguimento da execução – auto elaborado nos termos do disposto 171.º, n.º 2, do Código da Estrada.

7. É certo que não possui a matrícula do veículo, mas será que não contendo tal elemento se poderá considerar que inexiste título.

8. Cremos que não.

9. Na verdade, o artigo 185.º-A, do Código da Estrada não refere expressamente que a identificação da matrícula do veículo é elemento imprescindível que se possa considerar tal título como válido.

10. Não poderemos descurar que os veículos podem não possuir matrícula aposta e não é por tal motivo que nos termos do Código da Estrada que os seus proprietários ou condutores não deixam de ser punidos a título contraordenacional.

11. Por outro lado, a mesma matrícula de identificação de um veículo pode constar de vários processos de contraordenação distintos, por terem sido praticadas diversas infrações na condução do mesmo veículo, em dias distintos ou até no mesmo dia.

12. Elemento essencial é o número de processo de contraodenação, uma vez que é nos aludidos autos que o executado nestes, aí com a figura de arguido, foi notificado do auto de contraordenação, com os necessários elementos para realizar a sua defesa escrita se assim o entendesse, posteriormente notificado da decisão administrativa final condenatória, da qual também poderia ter sido interposto o necessário recurso se não se confomasse com a mesma.

13. Em nenhum momento ficam prejudicados os direitos de defesa do executado por a certidão de dívida não conter a matrícula do veículo.

14. Por outro lado, nada obsta a que caso tal se mostre necessário, seja por entendimento do Tribunal, seja por requerimento apresentado pelo executado nos legais termos, seja notificado o exequente para juntar aos autos a decisão administrativa condenatória proferida, constando da mesma a matrícula do veículo.

15. Assim, é nosso entendimento que o título dado à execução apresenta as características de que a lei faz depender a sua exequibilidade, sendo o mesmo título executivo suficiente para a presente execução, pois descreve a infração.

16. Ora, no caso em apreço, a decisão de rejeição da execução com fundamento na circunstância de o título executivo não possuir a identificação do veículo, matrícula, pressupõe a existência da infração.

17. Assim, entendemos que a decisão recorrida não andou bem ao concluir, de forma oficiosa e ao abrigo do artigo 734º, do Código de Processo Civil, que, no título executivo “obrigatoriamente devem constar, como seja, a identificação do veículo, designadamente da sua matrícula com o qual foi praticada a infração que deu origem à aplicação da coima dada à execução e, poque essa menção deve ser feita pela entidade que emitiu a certidão”, subsumindo tal situação àquela causa de indeferimento liminar do requerimento executivo. Uma vez que no artigo 726º, nº 2, alínea a), do Código de Processo Civil, o legislador estabeleceu a possibilidade de indeferimento liminar do requerimento executivo quando ocorra manifesta insuficiência do título executivo. Porém, entendemos que o legislador exige, para o indeferimento liminar, que aquela insuficiência seja necessariamente evidente, incontroversa, insuprível, definitiva, excepcional – ou seja, que seja manifesta.

18. A rejeição oficiosa da execução tem de ser encarada com parcimónia por parte do juiz, ponderando sempre o facto de ao executado ter sido dada a oportunidade de deduzir oposição e reservando a actuação de natureza complementar para situações-limite em que a irregularidade da acção executiva não deixe margem para dúvidas.

19. Assim, forçoso é concluir que o caso dos autos não se subsume a uma manifesta, evidente, incontroversa, insuprível, definitiva e excepcional insuficiência do título executivo, que justifique legalmente a rejeição oficiosa da execução ao abrigo do artigo 734º, do Código de Processo Civil.

20. Tendo em consideração tudo o que anteriormente se referiu, não estamos perante situação enquadrável no artigo 726º, nº 2, alínea a), do Código de Processo Civil (aplicável, reforça-se, apenas aos casos em que seja manifesta, evidente, irremediável a insuficiência do título executivo), pelo que é evidente a falta de fundamento para uma rejeição oficiosa.

21. Assim por todo o exposto, entendemos que o presente recurso de apelação deve ser julgado procedente, e, em consequência, ser revogada a decisão de rejeição da execução, que deve ser substituída por outra que determine o prosseguimento dos normais e ulteriores termos do processo.

O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo da decisão.

Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, foram os mesmos distribuídos à secção criminal, emitindo a Digna Magistrada do Ministério Público junto desta Relação parecer no sentido de ser dado provimento ao recurso e admitindo que a secção criminal declare a sua incompetência material para conhecer deste recurso.

Em 20 de fevereiro de 2025 foi proferida decisão sumária que declarou a incompetência material das secções criminais para julgar o recurso interposto nestes autos e ordenou a distribuição dos autos às secções cíveis, após trânsito em julgado.

Recebidos estes autos, cumpre agora apreciar e decidir e, com a anuência dos restantes membros do coletivo, atenta a natureza estritamente jurídica do objeto do recurso e a sua relativa simplicidade, dispensaram-se os vistos.

2. Questões a decidir tendo em conta o objeto do recurso delimitado pela recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nºs 3 e 4 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil), por ordem lógica e sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil

A única questão a apreciar é a da falta ou insuprível insuficiência do título exequendo.

3. Fundamentos de facto

Os fundamentos de facto constam do relatório deste acórdão e resultam dos próprios autos que, nesta vertente estritamente adjetiva, têm força probatória plena, não se reproduzindo nesta sede por evidentes razões de economia processual a que se adita o teor da certidão dada à execução também constante destes autos, com a aludida força probatória:

“Nos termos e para os efeitos previstos no art.º 185.º-A do Código da Estrada, certifica-se que:

IDENTIFICAÇÃO DO DEVEDOR

Descrição sumária: Não cumprimento da indicação dada pelo sinal de proibição C15 – estacionamento proibido. Auto elaborado ao abrigo do Art. 171º nº 2 do CE.

Dia da prática da infração: 22-04-2022

Hora da prática da infração: 15:56

Local da prática da infração: Rua ... (Lado Oposto) ... Porto, Distrito de Porto

Data da Decisão Administrativa:2023-03-27

Data da notificação da Decisão: 2023-04-14

Data da definitividade da Decisão Administrativa:2023-05-09”

4. Fundamentos de direito

O Ministério Público pugna pela revogação do despacho recorrido porque, na sua perspetiva e em síntese, a certidão exequenda descreve sumariamente a infração cometida, não sendo manifesta a insuficiência do título.

Cumpre apreciar e decidir.

A presente ação executiva para pagamento de quantia certa segue a forma sumária (artigo 550º, nº 2, alínea d), do Código de Processo), sendo o contraditório do executado diferido (artigo 855º, nº 3, do Código de Processo Civil).

Atendendo a que a penhora tem uma função de garantia que pode ser frustrada pela citação prévia (vejam-se os nºs 1 e 2 do artigo 727º do Código de Processo Civil), entende-se que a previsão do nº 7 do artigo 641º do Código de Processo Civil deve ser aplicada ao caso dos autos, por identidade de razão.

O título dado à execução é uma certidão emitida nos termos do disposto no artigo 185.º-A do Código da Estrada.

O conteúdo da certidão de dívida, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 185º-A do Código da Estrada é o seguinte:

“2 - A certidão de dívida é assinada e autenticada pelo presidente da entidade competente para o processamento e aplicação da coima, ou pelo órgão ou agente em quem aquele tenha delegado essa competência, e contém os seguintes elementos:

a) Identificação do agente da infração, incluindo o nome completo ou denominação social, a residência ou sede social, o número do documento legal de identificação, o domicílio fiscal e o número de identificação fiscal;

b) Descrição da infração, incluindo dia, hora e local em que foi cometida;
c) Número do processo de contraordenação;

d) Proveniência da dívida e seu montante, especificando o montante da coima e o das custas;

e) A data da decisão condenatória da coima ou custas, a data da sua notificação ao devedor e a data em que a decisão condenatória se tornou definitiva;

f) Quaisquer outras indicações úteis para o eficaz seguimento da execução.”

Na certidão exequenda, na parte referente à descrição da infração e sua localização espácio-temporal, consta o seguinte:

“Descrição sumária: Não cumprimento da indicação dada pelo sinal de proibição C15 – estacionamento proibido. Auto elaborado ao abrigo do Art. 171º nº 2 do CE.

Dia da prática da infração: 22-04-2022

Hora da prática da infração: 15:56

Local da prática da infração: Rua ... (Lado Oposto) ... Porto, Distrito de Porto”.

Será este segmento da certidão exequenda suficiente para observar o disposto na alínea b) do nº 2 do artigo 185.º-A do Código da Estrada?

A certidão exequenda identifica o dia, a hora e o local[2] em que terá sido cometida a infração rodoviária imputada ao executado.

A localização espácio-temporal da infração imputada ao devedor é um mais relativamente à descrição da conduta integradora da contraordenação por que foi processado o agora executado.

No que respeita à descrição da infração, a certidão exequenda apenas contém a indicação da violação cometida, mas não enuncia, ainda que de forma sumária, os factos constitutivos da infração imputada ao executado.

De facto, atentando na certidão exequenda fica-se sem se saber como foi concretamente cometida a infração, nomeadamente, com que veículo, ou seja, se foi um veículo automóvel, um velocípede com motor, um motociclo ou um qualquer outro veículo.

Apenas se sabe que terá sido cometida com um veículo a motor provido de chapa de matrícula, pois que, doutra forma, não seria possível lavrar auto nos termos previstos no nº 2 do artigo 171º do Código da Estrada (vejam-se os artigos 117º e 118º, ambos do Código da Estrada).

A circunstância de a infração estradal imputada ao executado ter sido objeto de decisão administrativa com força de caso decidido, fazendo fé no que consta da certidão exequenda, não dispensa o exequente de descrever aquela infração.

Ora, na nossa perspetiva, a descrição da infração imputada ao executado constante da certidão exequenda, é insuficiente para caraterizar a concreta ação do executado violadora das regras do Código da Estrada.

Esta insuficiência é facilmente suprível, seja com uma certificação complementar, seja mediante o oferecimento de certidão do auto de notícia que deu origem ao processo contraordenacional em que veio a ser proferida a decisão administrativa titulada pela certidão exequenda.

Por isso, visto o disposto no nº 4 do artigo 726º do Código de Processo Civil, deve o exequente ser convidado a suprir a apontada insuficiência do título exequendo mediante o oferecimento de uma certificação complementar ou mediante o oferecimento de certidão do auto de notícia que deu origem ao processo contraordenacional em que veio a ser proferida a decisão administrativa titulada pela certidão exequenda.

Nestes termos, o recurso merece parcial provimento, sendo as custas do recurso da responsabilidade do exequente que porém não as paga dada a isenção de que beneficia (artigo 4º, nº 1, alínea a) do Regulamento das Custas Processuais).

5. Dispositivo

Pelo exposto, os juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pelo Ministério Público e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida proferida em 07 de janeiro de 2025, que se substitui por decisão que convida o exequente a oferecer no prazo de dez dias uma certificação complementar ou uma certidão do auto de notícia que deu origem ao processo contraordenacional em que veio a ser proferida a decisão administrativa titulada pela certidão exequenda, nos termos antes enunciados, começando o prazo a correr com a notificação da baixa destes autos ao tribunal a quo.

Sem custas, dada a isenção de que beneficia o recorrente (artigo 4º, nº 1, alínea a) do Regulamento das Custas Processuais).


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O presente acórdão compõe-se de onze páginas e foi elaborado em processador de texto pelo primeiro signatário.


Porto, 13/10/2025
Carlos Gil
Eugénia Cunha
Nuno Marcelo de Nóbrega dos Santos de Freitas Araújo
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[1] Notificado ao exequente em 08 de janeiro de 2025.
[2] O local poderia ser indicado de forma mais precisa, por exemplo, referindo o número de porta frente ao qual foi cometida a infração.