Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
137123/16.0YIPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ARTUR DIONÍSIO OLIVEIRA
Descritores: DOCUMENTOS PARTICULARES
PRESUNÇÃO
CONFISSÃO EXTRAJUDICIAL
OBJECTO DO NEGÓCIO
Nº do Documento: RP20230328137123/16.0YIPRT.P1
Data do Acordão: 03/28/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE; DECISÃO CONFIRMADA.
Indicações Eventuais: 2. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – A força probatória plena dos documentos particulares atribuída pelo artigo 376.º, n.º 1, do CC, reporta-se à materialidade das declarações documentadas e não à sua exactidão.
II – O artigo 376.º, n.º 2, do CC, consagra uma presunção ilidível de veracidade dos factos compreendidos na declaração que sejam desfavoráveis ao declarante, por aplicação das regras da confissão.
III – A confissão extrajudicial em documento particular apenas terá força probatória plena se for feita à parte contrária ou a quem a represente (artigo 373.º do CC).
IV – A força probatória plena da confissão pode ser afastada pela prova de algum vício invalidante da confissão (artigo 359.º do CC), a fazer-se por qualquer meio de prova legalmente admissível.
V – A jurisprudência vem admitindo que aquela força probatória plena pode ser afastada pela prova da inveracidade da declaração confessória (artigo 347.º do CC), mas sem possibilidade de recurso à prova testemunhal ou por presunções judiciais (artigos 351.º e 393.º, n.º 2, do CC), a não ser que exista outro meio de prova que torne verosímil aquela inveracidade, admitindo-se então a prova testemunhal ou o recurso a presunções judiciais como complemento daquele começo de prova.
VI – O artigo 280.º do CC admite que o objecto do negócio seja indeterminado, desde que possa ser determinado segundo um critério estabelecido no contrato ou na lei, apenas sancionando com a nulidade o negócio cujo objecto seja indeterminável, ou seja, que, no momento da sua concretização, a prestação debitória não esteja definida e do contrato não resultem quaisquer critérios ou limites que a permitam definir ou delimitar no futuro.
VII – Tanto a lei fundamental como a lei ordinária impedem que alguém se obrigue perante outra ou outras pessoas, de forma genérica, a não recorrer aos tribunais para defender os direitos e interesses, mas já não de renunciarem a esse direito relativamente a questões concretas devidamente individualizadas, como sucede nas situações de remissão abdicativa.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 137123/16.0YIPRT.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro – Juízo Central Cível de Aveiro – Juiz 2


Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório
A...., com sede na Rua ..., ..., em Aveiro, intentou contra B..., S.A., com sede em Rua ..., em Aveiro, procedimento de injunção para cobrança da quantia de 306.270,44€, correspondente ao preço dos serviços de consultoria, projetos e licenciamentos que prestou à requerida e que esta não pagou, acrescida de juros de mora vencidos, no montante de 40.514,44€, e vincendos, bem como da quantia de 200,00€ a título de despesas com a cobrança extrajudicial da dívida.
A requerida deduziu oposição, na qual arguiu a ineptidão da petição inicial por falta de causa de pedir e alegou o não cumprimento dos quatro contratos de prestação de serviços invocados pela requerente, afirmando que esta executou alguns serviços de forma defeituosa e não realizou outros, não obstante ter sido interpelada pela requerida, por várias vezes, para terminar tais serviços, pelo que as facturas emitidas não correspondem aos serviços prestados. Concluiu pugnando pela improcedência da acção e pela sua absolvição do pedido.
Após distribuição dos autos como acção com processo comum, a autora exerceu o contraditório em relação à ineptidão, pugnando pela sua improcedência.
O Tribunal a quo convidou a ré a aperfeiçoar o seu articulado de oposição, concretizando as conclusões vertidas nos artigos 28.º e 29.º desse articulado, o que a ré fez.
Foi realizada audiência prévia, na qual a autora exerceu o contraditório em relação ao incumprimento/cumprimento defeituoso invocado pela ré, juntando documentos para comprovar a sua versão dos factos.
A ré pronunciou-se sobre estes documentos.
Foi proferido despacho saneador, no qual se julgou improcedente a alegada ineptidão da petição inicial, foi fixado o objecto do litígio e foram enunciados os temas da prova.
Realizada a a audiência de julgamento, no decurso da qual foi determinada a realização de prova pericial, veio a ser proferida sentença, que termina com o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto, na parcial procedência da acção, condeno a ré a pagar à autora a quantia de €306.270,00 (trezentos e seis mil, duzentos e setenta euros), a título de capital, acrescido de juros de mora vencidos e vincendos, calculados 30 dias após a data de emissão de cada uma das facturas identificadas no artigo 6º dos factos provados, até efectivo pagamento, à taxa legal prevista para os juros comerciais.
Julgar improcedente o pedido de condenação da ré no pagamento da quantia de 200,00€, por despesas extrajudiciais, absolvendo-a deste pedido.
Julgar improcedente o incidente de litigância de má-fé.
Custas pela autora e pela ré na proporção do seu decaimento (artigo 527º, ns.º 1 e 2 do C.P.C.).
Registe e notifique.»
*
Inconformada, a ré apelou da sentença, formulando as seguintes conclusões:
«A. Vem o presente recurso interposto da mui Douta Sentença proferia pelo tribunal a quo a qual, condena a aqui Recorrente a pagar à Recorrida da quantia de €306.270,00 (trezentos e seis mil, duzentos e setenta euros), a título de capital, acrescido de juros de mora vencidos e vincendos, calculados 30 dias após a data de emissão de cada factura constante dos autos.
B. Contudo, impunha-se objectivamente decisão diversa da que foi ora proferida, dado ter existido erro na apreciação da matéria de facto e de Direito, não tendo o Tribunal a quo adequado a aplicação do direito aos factos, não dando cumprimento ao que se encontra preceituado no artigo 607º do Código de Processo Civil (C.P.C), nomeadamente, aos seus nºs 3, 4 e 5, retirando ilações e conclusões que nada têm que ver com os factos apurados ou com as regras da experiência.
C. O Tribunal a quo não deu igualmente cumprimento ao estatuído no nº 2 do artº 5º do C.P.C., e quando o fez, não foi realizada justiça.
D. A Sentença proferida representa para Ré, uma ilegalidade e uma injustiça já que a condena a pagar serviços/ferramentas que o Tribunal a quo não deu como provado que lhe foram entregues.
E. A decisão judicial, enquanto prestação do dever de julgar, deve conter-se dentro do perímetro objetivo e subjetivo da pretensão deduzida pelo autor, em função do qual se afere também o exercício do contraditório por parte do réu, não sendo lícito ao tribunal desviar-se desse âmbito ou desvirtuá-lo.
F. Um adequado enquadramento dos factos abalará seguramente o sentido da sentença proferida adequando-a à Doutrina, à Jurisprudência, às regras da experiência comum, ao bom senso, ao raciocínio lógico e à JUSTIÇA.
G. Na verdade, o Tribunal a quo não apreciou devidamente a prova produzida, seja a que resulta do Relatório Pericial, seja a que resultou das audiências de julgamento, nomeadamente dos depoimentos de parte e das testemunhas, não tendo feito, em consequência, uma correcta interpretação da matéria de facto e da aplicação do Direito,
H. A prova produzida, seja testemunhal e a prestada através dos depoimentos de parte, assim como todo o Relatório Pericial e posteriores esclarecimentos prestados, apontam no sentido diametralmente oposto àquele que resulta da sentença proferida, a qual terá de ser revogada.
I. A decisão proferida, e os fundamentos que nela estão vertidos, concretizam-se na valoração de factos inteiramente supostos que não encontram na realidade qualquer grau de correspondência.
J. A sentença recorrida não atendeu ao teor do Relatório Pericial e, quando dele se socorre, entra em clara contradição com o seu teor, deturpando-o, sendo tal facto contribuído para o teor da decisão proferida, o que não se pode aceitar.
K. A perícia foi realizada porque o Tribunal a quo entendeu (conforme despacho de 04 de Outubro de 2018) que nos autos se discutia matéria da área da informática, a qual reveste especial complexidade técnica, pelo que o Sr. Perito iria coadjuvar o Tribunal no total entendimento sobre os factos em discussão.
L. Contudo, a Peritagem foi realizada, o Sr. Perito emitiu o seu Relatório no qual consta um conjunto de conclusões claras e evidentes, tendo o Tribunal a quo feito completa tábua rasa, o que não se pode aceitar, dado que, por essa via, o Tribunal não decidiu em razão de ciência, nem alicerçada por parecer técnico idóneo, mas baseado em meras conjecturas e ilações não fundamentadas, não provadas e que não podem, por isso, manter-se.
Senão vejamos,
M. A Ré, por Requerimento datado de 20.12.2017, com a Refª 27692799, fez prova, que não foi impugnada pela Autora e portanto terá de ser dado como assente, que no passado recente a Ré pagou à Autora facturas muito para além do seu prazo de vencimento, o que foi, inclusivamente, confirmado pelo depoimento de parte da Autora, pelo que terá de ser retirado dos factos não provados e incluído nos factos provados que foram emitidas e pagas as facturas identificadas pela Ré no artigo 3º do requerimento datado de 20.12.2017, com a Refª 27692799.
N. Terá de ser igualmente inserido como facto provado que o representante legal da Ré ao responder ao e-mail da A. constante de fls. 101-101 verso, nos termos em que o fez na reposta datada de 22-04-2015, isto é, “(...) ainda não recebemos do QREN (...)”, está apenas a referir-se um outro projecto denominado Interactive Whiteboard Software for Next Generation, que estava dependente de recebimento de quantias provenientes do QREN, ao contrário do que acontecia com os quatro projectos dos autos, como bem sabia a Autora.
O. Nada no e-mail da Autora indicia que reclama o pagamento das facturas objecto dos autos, nem a resposta da Ré indicia estar a referir-se ao pagamento dessas facturas.
P. O Tribunal a quo fez assim uma inaceitável extrapolação do teor dos documentos extraindo factos que deles não resultam, devendo por isso expurgar-se dos factos provados os nº 10º, 11º e 12º
Acresce que,
Q. A Autora não prestou os serviços que resultam dos 4 contratos objecto dos autos, a saber: Portal do Município, Mesas Interactivas, SEI & SIGA e Framework Collab.
R. Como se referiu, o Tribunal a quo fez uma interpretação errónea dos factos, não atendeu à prova produzida, nem ao teor do Relatório Pericial.
Na verdade,
S. Ao longo do Relatório Pericial, assim como dos esclarecimentos prestados pelo Sr. Perito, seja por escrito, seja em sede de audiência de julgamento, resulta claro que não há evidências de que os códigos de qualquer um dos contratos tenha sido criado para a Ré ou que os mesmos lhe tenham sido entregues por qualquer meio.
T. Apenas o projecto denominado Framework Collab foi iniciado pela Autora e apresentado à Ré, em fase de testes, muito embora nunca tenha funcionado correctamente, devendo, assim, e em consequência, ser retirada dos Factos não provados a matéria constante da alínea a) do aperfeiçoamento à contestação de 17 de Julho de 2017, incluindo-a nos factos provados, pois tal factualidade resulta como provada pelo e-mail datado de 19 de Abril de 2016 junto pela Autora na audiência de partes realizada em 12 de Dezembro de 2017.
U. Não existe qualquer outra referência ou documento nos autos que indicie que os restantes 3 projectos tenham atingido qualquer fase de desenvolvimento ou sequer que se tenham sequer iniciado.
V. Em depoimento de parte, o administrador da Ré admitiu que o projecto denominado Framework Collab tivessse sido desenvolvido em cerca de 70% a 80%.
W. É que ao contrário dos outros três Projecto, o Framework Collab consistia numa plataforma disponibilizada via Web (através da internet), ao qual a Ré teve acesso através de um link facultado pela Autora (www.....pt), estando essa plataforma alojada nos servidores da Autora, como foi referido pelo Gerente AA no depoimento de parte que prestou e que supra se transcreveu.
X. Isso mesmo resulta também dos documentos junto aos autos, nomeadamente, o e-mail datado de 19 de Abril de 2016 junto pela Autora na audiência de partes realizada em 12 de Dezembro de 2017, no qual o representante legal da Ré afirma “Já está no ar”, após ter demonstrado, nesse mesmo e-mail com um print screen, que o serviço estava indisponível: “503 Service Unvailable”.
Y. Contudo, e porque a Ré nunca dispôs de todas as ferramentas para que o Framework Collab passasse da fase de testes e experimentação, não liquidou as facturas enviadas pela Autora quanto a este Projecto, não sendo as mesmas devidas, nem na sua totalidade, nem com juros vencidos ou vincendos.
Portanto,
Z. Quando na sentença é referido que: “...se a ré admite que o projecto “Collab” foi entregue, parece-nos decorrer da lógica que nenhuma razão existe para considerar que os outros não o foram...”, é um entendimento que não estando assente em qualquer base factual, não pode proceder pois encerra um erro de análise e de julgamento, retirando o Tribunal a quo uma ilação que integra a fundamentação e a motivação da sentença, que tem necessariamente de ser revogada por via do presente recurso.
AA. Ainda assim, e sem prescindir, sempre se dirá que quanto ao Projecto Framework Collab, seria expectável que face ao supra referido, que o Tribunal a quo desse como provado que, embora de forma defeituosa, o contrato foi parcialmente cumprido em 80%, e por essa via condenasse a Ré a pagar apenas o preço desse especifico contrato, em conformidade com essa proporcionalidade, sem juros, solução que a Ré aqui admite que poderia ter resultado da decisão do Tribunal a quo, a qual não será desproporcional caso, em alternativa à absolvição da Ré do pedido, vier a ser decidida pelo Tribunal ad quem após o reexame da sentença, absolvendo, necessariamente, a Ré do pagamento dos demais projectos.
BB. Quanto ao contrato das Mesas Interactivas, as datas das reuniões, assim como os intervenientes identificadas no Relatório Pericial, apontam para o ano 2011 e 2012, portanto muito antes da celebração do respectivo contrato (...14), nada tendo que ver com este.
CC. Por outro lado, é identificada a CM... (Câmara Municipal 1...) como participante nessas reuniões, entidade com a qual a Ré nunca teve qualquer relacionamento nem as mesas Interactivas se destinavam a esse Município, mas sim ao Município 2..., devendo ser retirada da fundamentação e motivação que foram realizadas reunião prévias entre Autora e Ré, pois tais reuniões nunca existiram.
DD. Quanto ao contrato do Portal do Município afirma o Sr. Perito em resposta ao ponto 8.1.4 d) – Pág. 18 do Relatório Pericial que:
“Não nos foram disponibilizados quaisquer registos de trocas de informação relativas à definição dos elementos supra identificados.”
EE. Não só são mencionadas datas que se situam em termos temporais muito antes da celebração do contrato, como é também identificada uma plataforma (programa) que nada tem que ver com qualquer uma das que estão a ser discutidas nos autos, não restando dúvidas de que o trabalho devolvido pela Autora não era destinado à Ré.
FF. Quanto ao Contrato SEI & SIGA (Cartão do Cidadão), o Sr. Perito não tem dúvidas que: “Não existe sistema de base de dados propriamente dito associado ao protótipo. Apenas um ficheiro denominado "UserDatabase.xml" o qual aparentemente não era usado em nenhuma parte do código."
GG. Perguntado se existem registos informáticos referente à troca de informação entre interlocutores técnicos de A. e R. na definição dos elementos supra identificados, responde o Sr. Perito que: “Não nos foram facultados quaisquer registos de trocas de informação relativas à definição dos elementos supra identificados.”
HH. No que respeita à entrega das ferramentas à Ré e respectivo suporte que foi alegadamente utilizado pela Autora (CD´s) responde o Sr. Perito: “Segundo a informação que nos foi transmitida durante a visita às instalações da A...., as ferramentas informáticas foram entregues por A. a R., num suporte CD. No entanto, não existe nenhuma evidência dessa entrega.”
II. Em todos os contratos, à excepção do Framework Collab, conforme supra se referiu, a conclusão do Sr. Perito sobre a forma de entrega das ferramentas correspondentes aos 3 contratos é, invariavelmente a seguinte:
“Segundo a informação que nos foi transmitida durante a visita às instalações da A...., as ferramentas informáticas foram entregues por A. a R., num suporte CD. No entanto, não existe nenhuma evidência dessa entrega.”
JJ. A não entrega dos Cd´s com as ferramentas à Ré, importa, por si só, a absolvição da Ré por não dispor dos elementos que foram contratualizados, não tendo, por isso, qualquer obrigação de pagar o preço de serviços que não lhe foram entregues, importando por si só expurgar o artº 13º dos factos provados.
KK. Não havendo cumprimento da obrigação por parte do prestador de serviços, aplica-se a excepção de não cumprimento, conforme previsto no artº 428º do C.C.
LL. “A “exceptio non adimpleti contractus” constitui uma excepção peremptória de direito material, cujo objectivo e funcionamento se ligam ao equilíbrio das prestações contratuais, valendo – tipicamente – no contexto de contratos bilaterais, quer haja incumprimento ou cumprimento defeituoso.” – cfr. Acórdão nº STJ_07A1651 de 19-06-2007.
MM. Assim sendo, e quanto aos contratos referentes ao Portal do Município, Mesas Interactivas e SEI & SIGA (Cartão do Cidadão), a Autora não prestou qualquer serviço, não executou qualquer trabalho, e não entregou códigos ou outras ferramentas à Ré.
NN. Não tendo a Autora cumprido as obrigações assumidas no contrato, não tem a Ré de pagar o preço.
OO. Assim, e em consequência, deve-se expurgar dos factos provados a matéria constante do nº 13º e, em consequência, ser dado como provado o teor do artº 28º da contestação da Ré, assim como a matéria constante da alínea b) do aperfeiçoamento da contestação da Ré de 17 de Julho de 2017, retirando-a dos factos não provados.
PP. Sem prescindir, e não tendo o Tribunal a quo dado como provado que os Cd’s foram entregues, ou seja, não tendo ficado provado que a Ré tenha recebido da Autora as ferramentas correspondentes aos quatro Projectos nos termos que a Autora alegou e pugnou nos autos, e tendo o Tribunal a quo chegado à conclusão, ainda que errada, que a autora prestou os serviços à ré, então deveria e poderia o Tribunal a quo ter ordenado a Autora a entregar as ferramentas à Ré, condicionando o pagamento das facturas a tal entrega.
QQ. Os 4 termos de aceitação sobre os projectos objecto desses contratos, datados de 30 de Abril de 2015 “não primam pela total clareza.”, como refere a sentença, pelo que deveria o Tribunal a quo de os desconsiderar na fundamentação que levou à prolação da sentença, até porque, em abono da verdade, nenhuma das partes os conseguiu explicar de forma clara, tendo cada uma a sua interpretação.
RR. No entanto, o Tribunal a quo não pode ser permeável a tal indefinição, e uma vez que os termos de aceitação foram considerados pelo Tribunal a quo, terão de ser necessariamente interpretados pelo seu integral conteúdo, o que se requer que seja feito caso venham tais Termos a ser considerados de igual forma pelo Tribunal ad quem.
Na verdade,
SS. Ao contrário do referido pelos Gerentes da Autora, não corresponde à verdade que tais documentos se destinavam a fixar prazos de garantia ou a exigir o pagamento das facturas à Ré, pois nada consta nos documentos que apontem em qualquer um daqueles sentidos.
TT. Os documentos têm um conteúdo preciso e definido, e não versam, nem mesmo superficialmente, nenhuma daquelas matérias.
UU. Por isso, andou mal o Tribunal ao interpretar os documentos ao abrigo das regras previstas no artº 236º nº 1 e 2, pois retirou apenas dos Termos que os projectos estavam cumpridos de acordo com a Cláusula 6ª. Interpretação em “sentido único” que não se pode aceitar e que tem de ser alterada.
VV. Na verdade, aquela conclusão não é a única que resulta dos Termos, e não será, por isso, aquele o único sentido que um declaratário normal concluiria ao interpretar os Termos na sua integralidade.
WW. Por isso, assumindo ambas as Partes a posição de declarante e declaratário, caberia ao tribunal interpretar os documentos de acordo com o previsto no artº 237º do C.C, no sentido de conduzir ao maior equilíbrio da prestações
XX. Portanto, se por um lado, ambas as outorgantes daqueles Termos declaram que os projectos se encontram definitiva e satisfatoriamente cumpridos, e que as tarefas se encontram concluídas, também declaram que nada têm a exigir uma da outra e, por isso (o texto é claro neste sentido) renunciam ao direito de acção.
YY. Nessa senda, a renúncia ao direito de acção constante dos termos de aceitação subscritos pelas partes é lícita, constituindo um direito que no caso concreto estava na disponibilidade das partes, devendo, em consequência, ser tida em conta na apreciação da matéria de direito, devendo também nesta parte alterar-se a sentença recorrida desconsiderando-se a nulidade de tal declaração, e declarando-se a mesma como válida, com as devidas consequências legais, ou seja, a Ré ser absolvida do pedido e condenada a Autora como litigante de má-fé.
Por fim,
ZZ. Refere o Tribunal que reforçou a sua convicção sobre a realização dos trabalhos por parte da autora, valorando o depoimento da testemunha da Ré, BB.
AAA. No entanto, o que resulta do depoimento desta testemunha, conforme transcrições supra, é que no que toca aos contratos onde teve intervenção (Portal do Município e Mesas Interactivas) a Autora nada fez, nada entregou à Ré. Assim, extrair deste depoimento mais do que isso, é manifestamente excessivo tendo de ser desconsiderada a conclusão do Tribunal a quo nesta matéria.
Concluindo,
BBB. A Autora não prestou os serviços à Ré identificados nos contratos dos autos, litiga de má-fé uma vez que por um lado renunciou de forma licita o direito de acção, mas não se inibiu a intenta-la, no pedido que formula peticiona valores referentes a trabalhos que não executou para a Ré e que não lhe entregou, bem sabendo que ao peticionar da forma que o fez, deduz pretensão que licitamente renunciou e cuja falta de fundamento não poderia ignorar.
CCC. Ao julgar procedente a acção, o Tribunal a quo, proferiu uma decisão injusta e é firme convicção da Recorrente que após reexame do Tribunal Superior, será revertido o sentido da mesma, julgando totalmente improcedente o pedido da Autora, absolvendo a Ré do pedido.
Face ao exposto,
No uso dos poderes que lhe são atribuídos pelo n.º 1 do artigo 662.º do Código de Processo Civil, quando esteja em causa a impugnação de determinados factos cuja prova tenha sido sustentada em meios de prova submetidos a livre apreciação, o Tribunal da Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa da alcançada pelo tribunal de 1.ª instância, o que aqui se requer, por tal se mostrar amplamente demonstrado nas presentes alegações.
Assim,
a) Deve conceder-se provimento ao presente recurso, e em consequência deve a sentença sob recurso ser revogada pois não apreciou devidamente a toda a prova produzida e vertida nos autos, nem aplicou devidamente o Direito, não servindo a justiça, substituindo-se por outra que julgue a acção totalmente improcedente, revogando a sentença que condena a Ré a pagar à Autora a quantia de €306.270,00 (trezentos e seis mil, duzentos e setenta euros), a título de capital, acrescido de juros de mora vencidos e vincendos, calculados 30 dias após a data de emissão de cada uma das facturas identificadas no artigo 6º dos factos provados, até efectivo pagamento, à taxa legal prevista para os juros comerciais;
b) Caso assim não se entenda, deverá ser considerada como lícita a declaração de renuncia do direito de acção da Autora, absolvendo-se a Ré do pedido e condenar a Autora como litigante de má-fé pois renunciou, de forma licita, ao direito de acção, mas não se inibiu a propô-la;
c) Caso também assim não se entenda, deverá, em alternativa, o Tribunal ad quem substituir a sentença recorrida por outra que venha a condenar a Ré a pagar apenas 80% do valor referente ao contrato denominado “Framework Collab”, excluindo-se os juros vencidos e vincendos dado que o mesmo não passou da fase de testes e não foi integralmente entregue à Ré, absolvendo-se, em consequência, a Ré do pagamento dos 20% remanescentes do valor deste projecto, absolvendo-a, ainda, do pagamento de todos os demais montantes peticionados respeitantes aos outros três Projectos em discussão nos autos;
d) Finalmente, e caso ainda assim também não se entenda, o que aqui apenas por mera cautela de patrocínio se admite, deverá a sentença recorrida ser substituída por outra que condicione o pagamento do valor liquido das facturas, ou seja, sem quaisquer juros vencidos ou vincendos, à entrega integral de todos os projectos e ferramentas que foram objecto dos quatro contratos em discussão nos presentes autos, não havendo, em consequência, qualquer obrigação de pagamento por parte da Ré, seja a que título for, até que tal entrega não se mostre efectuada com todas as ferramentas/executáveis dos Projectos em pleno funcionamento.»
*
A autora apresentou resposta à alegação da recorrente onde, para além de preconizar a total improcedência do recurso, pugnou:
- Pela rejeição do recurso relativamente à matéria de facto, com fundamento no incumprimento dos ónus consagrados no artigo 640.º, n.º 1, alíneas a) e c), do Código de Processo Civil (CPC);
- Pela extemporaneidade do recurso, por ter sido interposto para além do limite de 30 dias consagrado no artigo 638.º, n.º 1, 1.ª parte, do CPC, sem que a recorrente possa beneficiar do alargamento deste prazo nos termos previstos no n.º 7 do mesmo artigo 638.º.
*
Cumprido o disposto no artigo 655.º do CPC, a recorrente pugnou pela tempestividade do recuso, afirmando que deu cumprimento aos ónus consagrados no artigo 640.º do CPC.
*
II. Questão Prévia
Da tempestividade do recurso
Como vimos, por despacho proferido pelo relator deste aresto em 23.01.2023, foi a recorrente notificada para se pronunciar sobre a rejeição do recurso da matéria de facto, com fundamento no incumprimento dos ónus consagrados no artigo 640.º do CPC, propugnada pela recorrida, bem como sobre a extemporaneidade do recurso, eventualmente decorrente daquela rejeição, por ter sido deduzido para além do prazo geral de 30 dias previsto no artigo 638.º, n.º 1, do CPC, e o recorrente não beneficiar do alargamento previsto no n.º 7 do mesmo artigo.
A recorrente pronunciou-se, considerando tempestivo o recurso por si interposto.
Independentemente da admissibilidade do recurso sobre a matéria de facto, a apreciar em sede própria, desde já se adianta ter razão a recorrente a respeito da tempestividade do recurso.
Na verdade, o incumprimento dos ónus consagrados no artigo 640.º do CPC é insusceptível de influir no prazo aplicável à interposição do recurso, como cremos ser hoje jurisprudência dominante, ainda que o alargamento do prazo previsto no artigo 638.º, n.º 7, do CPC, esteja intimamente relacionado com a necessidade de cumprimento daqueles ónus.
Como se escreve no ac. do STJ, de 15.11.2017 (proc. n.º 461/14.0T8VFR.P1.S1, rel. Olindo Geraldes, disponível em www.dgsi.pt, onde se pode encontrar a demais jurisprudência citada sem indicação da fonte), «[e]ste benefício no prazo justifica-se, inicialmente, pelo ónus que recaía sobre o recorrente de “proceder à transcrição, mediante escrito dactilografado, das passagens da gravação em que se funda” (art. 690.º-A do CPC/1961, introduzido pelo DL n.º 39/95, de 15 de fevereiro) e tem razão de ser, posteriormente, de forma a permitir o cumprimento do ónus de alegação consagrado no art. 640.º, n.º 2, alínea a), do CPC, para o qual, evidentemente, é indispensável a audição da prova gravada (LOPES DO REGO, Comentários ao Código de Processo Civil, Volume I, 2.ª edição, 2004, págs. 594 e 595, e AMÂNCIO FERREIRA, Manual dos Recursos em Processo Civil, 2000, pág. 138)».
Mas, como se acrescenta no ac. do STJ de 22.10.2015, citado no ac. do mesmo Supremo Tribunal de 14.09.2021 (proc. n.º 18853/17.1T8PRT.P1.S1, rel. Tibério Silva), aquela prorrogação «não depende, nem está condicionada, pelo efectivo conhecimento – e muito menos pela procedência – da impugnação deduzida pelo recorrente em sede de decisão sobre a matéria de facto; tal como não depende de um integral cumprimento dos ónus secundários (por visarem apenas a localização no suporte que contém a gravação dos depoimentos invocados) decorrente do preceituado na al. a) do n.º 2 do art. 640.º, cuja utilidade e funcionalidade só ganham sentido se a Relação for efectivamente reapreciar as provas”».
Assim, no caso de o recorrente ter impugnado a decisão da matéria de facto mas sem cumprir algum dos ónus a que a mesma está sujeita, depois de admitido o recurso – o que naturalmente pressupõe a verificação do cumprimento do respectivo prazo – o recurso da matéria de facto é rejeitado, conhecendo-se apenas do recurso da matéria de direito. Neste sentido, escreve-se no acórdão anteriormente citado que «há que distinguir entre a questão de saber se está configurado o recurso de modo a que se conclua que do seu objecto faz parte a reapreciação da prova gravada – o que leva ao acréscimo do prazo de 10 dias – e a de apurar se estão preenchidos os requisitos da impugnação da decisão da matéria de facto previstos no art. 640º do CPC, problema que se coloca em momento subsequente ao da admissão do recurso e que pode motivar a rejeição da impugnação, com o consequente não conhecimento, nesse aspecto, do objecto do mesmo recurso».
No mesmo sentido se pronunciou Abrantes Geraldes, ob. cit., p. 166, nota 271, e pp. 171 e ss., onde é citado o ac. do STJ de 28.04.2016, relatado pelo referido autor (proc. n.º 1006/12.2TBPRD.P1.S1).
No caso dos autos, é manifesto que o recurso da matéria de facto tem por objecto a reapreciação de prova gravada, nomeadamente os depoimentos parcialmente transcritos na alegação da recorrente, pelo que esta beneficia do alargamento do prazo previsto no artigo 638.º, n.º 7, do CPC, ainda que o recurso da matéria de facto seja rejeitado por incumprimento dos ónus previstos no artigo 640.º do CPC.
Em conclusão, o recurso é tempestivo, nada obstando ao conhecimento do seu mérito.
*
III. Objecto do Recurso
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, como decorre do disposto nos artigos 635.º, n.º 4, e 639.º do Código de Processo Civil (CPC), não podendo o Tribunal conhecer de quaisquer outras questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso (cfr. artigo 608.º, n.º 2, do CPC). Não obstante, o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e é livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do citado diploma legal).
As questões a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pela recorrente, são as seguintes:
1. O erro no julgamento da matéria de facto no que concerne aos seguintes pontos: 10 a 13 dos factos provados; artigo 28.º da contestação; alíneas a) e b) do articulado de aperfeiçoamento da contestação; a emissão e pagamento das facturas identificadas no artigo 3.º do requerimento de 20.12.2017; artigo 39.º deste mesmo requerimento.
2. A improcedência (total ou, pelo menos, parcial) da acção com fundamento na alteração da decisão sobre a matéria de facto.
3. A licitude renúncia do direito de acção da autora.
4. A litigância de má-fé da autora.
*
IV. Fundamentação
A. Decisão sobre a matéria de facto na primeira instância
1. Factos Provados
São os seguintes os factos julgados provados pelo tribunal de primeira instância:
«1.º A autora e a ré no exercício das suas actividades comerciais outorgaram entre si 4 contratos denominados por: “Contrato de Prestação de Serviços”, a autora na qualidade de primeira outorgante e a ré na qualidade de segunda outorgante, que se passam a identificar;
2.º “Contrato de prestação de prestação de serviços” assinado em 01 de Julho de 2014, constante de fls. 62 a 67 e anexos de fls. 68 a 69 e do qual constam, de entre outras, as seguintes cláusulas:
“(…)
Cláusula 1ª
Âmbito
O âmbito do presente contrato é a prestação de serviços de licenciamento vitalício da framework Coollab pela A....
(…)
Cláusula 3ª
Competências e Atribuições
1. À B... compete:
- A gestão e implementação do projecto, dirigindo e promovendo a intervenção dos seus profissionais, por forma a assegurar a prossecução dos objectivos previstos;
- Fornecer à primeira outorgante todas as informações e meios técnicos próprios necessários à boa execução do projecto;
- O pagamento da quantia acordada.
2. À A... compete:
- Proceder à execução das tarefas identificadas no presente contrato, disponibilizando os recursos adequados às exigências do trabalho a desenvolver, nos termos contratualizadas.
Cláusula 4ª
Organização/relação entre as entidades envolvidas
A B... obriga-se perante a A... a:
- Fornecer todas as informações necessárias à execução das tarefas contratadas;
- Informar sobre qualquer alteração ou ocorrência que possa afectar o regular
funcionamento do projecto.
(…)
Cláusula 6ª
Descrição da solução contratualizada
A solução contratualizada deverá materializar-se sob a forma de uma framework de partilha de recursos em tempo real. Esta framework deverá potenciar o desenvolvimento de soluções Web que disponibilizam funcionalidades de colaboração em tempo real. Pretende-se que através desta tecnologia se possa desenvolver por exemplo uma solução web de partilha de uma tela de desenho em tempo real entre múltiplos utilizadores. Todas as operações realizadas nesta tela interactiva serão transmitidas em tempo real para todos os utilizadores sendo os conflitos que originam das mesmas resolvidas automaticamente durante este processo. Toda esta lógica de partilha e resolução de conflitos deverá ser implementada pela framework ficando desta forma transparente para futuras soluções que a utilizem. Descreve-se em maior detalhe a referida framework no anexo 1 do presente contrato.
(…)
Cláusula 9ª
Preços e condições de pagamento
1. O valor a pagar pela segunda outorgante à primeira é de €120.000,00 (…).
2. No que diz respeito às condições de facturação e pagamento, acordam as outorgantes no seguinte:
. A primeira outorgante procederá à facturação de 30% do montante global acordado (€36.000,00) até final do mês de Outubro de 2014, comprometendo-se a segunda outorgante a proceder ao pagamento de tal factura no máximo de 30 dias após o recebimento da mesma;
. A primeira outorgante procederá à facturação de 20% (…) (€24.000,00) até ao final de Novembro de 2014, comprometendo-se a segunda outorgante a proceder ao pagamento de tal factura no máximo de 30 dias após o recebimento da mesma;
. A primeira outorgante procederá, ainda, à facturação de 20% (…) (€24.000,00) até ao final do mês de Dezembro de 2014, comprometendo-se a segunda outorgante a proceder ao pagamento de tal factura no máximo de 30 dias após o recebimento da mesma;
.Finalmente, a primeira outorgante procederá à facturação dos remanescentes 30% (…) (€36.000,00) até 31 de Março de 2015, comprometendo-se a segunda outorgante a proceder ao pagamento de tal factura no máximo de 30 dias após o recebimento da mesma;
3. Aos valores apresentados acresce IVA (…)
(…)
Cláusula 11ª
Vigência do Contrato
1. O presente contrato entra em vigor na data da sua assinatura e vigora até à completa execução do seu objecto que se prevê ocorrerá em 2015-03-31.
(…)”
2.1º De acordo com o Anexo I ao contrato mencionado no artigo anterior e referido na sua cláusula 6ª, junto aos autos de fls. 68 a 70 e cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido a “(…) framework deverá ser composta por duas componentes distintas mas que integram entre si:
- Serviço Central: Consiste numa aplicação Java que deverá ser alojada e instalada numa máquina com a qual todas as instâncias que pretendem utilizar as funcionalidades da framework possam estabelecer um canal de comunicação (…)
- Cliente web:Consiste na implementação recorrendo a GWT que implementa toda a lógica associada ao estabelecimento e manutenção de um canal de comunicação com o serviço central (…)”
3.º “Contrato de prestação de prestação de serviços”, assinado em 01 de Setembro de 2014, constante de fls. 56 a 61 e do qual constam, de entre outras, as seguintes cláusulas:
“(…)
Cláusula 1ª
Âmbito
O âmbito do presente contrato é a prestação de serviços de consultoria especializada pela A.... no âmbito das plataformas SEI & SIGA e de um módulo de integração do cartão de cidadão.
(…)
Cláusula 3ª
Competências e Atribuições
2. À B... compete:
- A gestão e implementação do projecto, dirigindo e promovendo a intervenção dos seus profissionais, por forma a assegurar a prossecução dos objectivos previstos;
- Fornecer à primeira outorgante todas as informações e meios técnicos próprios necessários à boa execução do projecto;
- O pagamento da quantia acordada.
2. À A... compete:
- Proceder à execução das tarefas identificadas no presente contrato, disponibilizando os recursos adequados às exigências do trabalho a desenvolver, nos termos contratualizadas.
Cláusula 4ª
Organização/relação entre as entidades envolvidas
A B... obriga-se perante a A... a:
- Fornecer todas as informações necessárias à execução das tarefas contratadas;
- Informar sobre qualquer alteração ou ocorrência que possa afectar o regular funcionamento do projecto.
(…)
Cláusula 6ª
Descrição da solução contratualizada
1. A solução objecto do presente contrato visa unicamente a prestação de serviços de consultoria para a integração da autenticação do utilizador com base no cartão do cidadão nas plataformas Web SEI e SIGA da Segunda outorgante.
2. Para efeitos de aferição da efectiva prestação, por parte da primeira outorgante, de tais serviços ora contratualizados, estabelece-se como critério a disponibilização à segunda outorgante de um módulo de software para a autenticação com o cartão do cidadão e a entrega do manual de instalação e configuração do módulo de autenticação com o cartão de cidadão.
(…)
Cláusula 9ª
Preços e condições de pagamento
4. O valor a pagar pela segunda outorgante à primeira é de €34.500,00 (…).
5. No que diz respeito às condições de facturação e pagamento, acordam as outorgantes no seguinte:
- A primeira outorgante procederá à facturação de 30% do montante global acordado (€10.350,00) até final do mês de Outubro de 2014, comprometendo-se a segunda outorgante a proceder ao pagamento de tal factura no máximo de 30 dias após o recebimento da mesma;
- A primeira outorgante procederá à facturação de 20% (…) (€6.900,00) até ao final de Dezembro de 2014, comprometendo-se a segunda outorgante a proceder ao pagamento de tal factura no máximo de 30 dias após o recebimento da mesma;
. A primeira outorgante procederá, ainda, à facturação de 20% (…) (€6.900,00) até ao final do mês de Janeiro de 2015, comprometendo-se a segunda outorgante a proceder ao pagamento de tal factura no máximo de 30 dias após o recebimento da mesma;
.Finalmente, a primeira outorgante procederá à facturação dos remanescentes 30% (…) (€10.350,00) até 31 de Março de 2015, comprometendo-se a segunda outorgante a proceder ao pagamento de tal factura no máximo de 30 dias após o recebimento da mesma;
6. Aos valores apresentados acresce IVA (…)
(…)
Cláusula 11ª
Vigência do Contrato
2. O presente contrato entra em vigor na data da sua assinatura e vigora até à completa execução do seu objecto que se prevê ocorrerá em 2015-03-31.
(…)”
4.º “Contrato de prestação de prestação de serviços”, assinado em 1 de Outubro de 2014, constante de fls. 12 a 17 e do qual constam, de entre outras, as seguintes cláusulas:
“(…)
Cláusula 1ª
Âmbito
O âmbito do presente contrato é a prestação de serviços de consultadoria especializada pela A.... no âmbito de um projecto que visa a implementação de uma solução “Portal do Município” e o desenvolvimento de uma Aplicação para um Guia Turístico. (…)
Cláusula 3ª
Competências e Atribuições
1. A B... compete:
- A gestão e implementação do projecto, dirigindo e promovendo a intervenção dos seus profissionais, por forma a assegurar a prossecução dos objectivos previstos;
- Fornecer à primeira outorgante todas as informações e meios técnicos próprios necessários à boa execução do projecto;
- O pagamento da quantia acordada.
2. À A... compete:
- Proceder à execução das tarefas identificadas no presente contrato, disponibilizando os recursos adequados às exigências do trabalho a desenvolver, nos termos contratualizadas.
Cláusula 4ª
Organização/relação entre as entidades envolvidas
A B... obriga-se perante a A... a:
- Fornecer todas as informações necessárias à execução das tarefas contratadas;
- Informar sobre qualquer alteração ou ocorrência que possa afectar o regular funcionamento do projecto. (…)
Cláusula 6ª
Descrição da solução contratualizada
1. A solução objecto do presente contrato visa o desenvolvimento de duas componentes distintas, uma vez que, por um lado, envolverá o trabalho de consultadoria no auxílio à equipa da Segunda outorgante responsável pela conceptualização da arquitectura e pela especificação do Portal do Município e, por outro lado, envolverá o desenvolvimento, por parte da Primeira outorgante, de uma aplicação móvel Android e do respectivo back-office para a gestão de conteúdos.
2. No que diz respeito ao desenvolvimento da aplicação móvel Android a mesma deverá ter os seguintes componentes:
- Pontos de Interesse e Serviços do Concelho (…);
- Eventos no Concelho (…)
- Alertas de proximidade (…);
- Listagem de rotas (…);
- Conteúdos multimédia – Áudio, Vídeo e Imagens (…)
3. Relativamente ao Back-office para a gestão de conteúdos o mesmo deverá disponibilizar as seguintes funcionalidades: sincronização de conteúdos com a aplicação móvel (…)
5. A Primeira outorgante, uma vez concluída e integralmente paga pela segunda outorgante a solução objecto do presente contrato de prestação de serviços compromete-se a disponibilizar à Segunda outorgante a aplicação móvel (apk) para submissão na app store, comprometendo-se a entregar à Segunda Outorgante a máquina virtual com a instalação do back-office e compromete-se igualmente a entregar o manual de instalação, configuração e de utilização do back-office de gestão de conteúdos.
(…)
Cláusula 9ª
Preços e condições de pagamento
1. O valor a pagar pela segunda outorgante à primeira é de € 49.500,00 (…).
2. No que diz respeito às condições de facturação e pagamento, acordam as outorgantes no seguinte:
- A primeira outorgante procederá à facturação de 30% do montante global acordado (€14.850,00) até finaldo mês de Outubro de 2014, comprometendo-se a segunda outorgante a proceder ao pagamento de tal factura no máximo de 30 dias após o recebimento da mesma;
- A primeira outorgante procederá à facturação de 45% (…) (€22.275,00) até ao final de Dezembro de 2014, comprometendo-se a segunda outorgante a proceder ao pagamento de tal factura no máximo de 30 dias após o recebimento da mesma;
. Finalmente, a primeira outorgante procederá à facturação dos remanescentes 25% (…) (€12.375,00) até 31 de Março de 2015, comprometendo-se a segunda outorgante a proceder ao pagamento de tal factura no máximo de 30 dias após o recebimento da mesma;
3. Aos valores apresentados acresce IVA (…)
(…)
Cláusula 11ª
Vigência do Contrato
1. O presente contrato entra em vigor na data da sua assinatura e vigora até à completa execução do seu objecto que se prevê ocorrerá em 2015-03-31.
(…)”
5.º “Contrato de prestação de prestação de serviços”, assinado em 15 de Outubro de 2014, constante de fls. 18 a 23 e do qual constam, de entre outras, as seguintes cláusulas:
“(…)
Cláusula 1ª
Âmbito
O âmbito do presente contrato é a prestação de serviços especializados pela A.... de um projecto que visa o desenvolvimento de uma aplicação para mesas interactivas e respectiva solução de gestão de conteúdos (back-office)
(…)
Cláusula 3ª
Competências e Atribuições
3. À B... compete:
- A gestão e implementação do projecto, dirigindo e promovendo a intervenção dos seus profissionais, por forma a assegurar a prossecução dos objectivos previstos;
- Fornecer à primeira outorgante todas as informações e meios técnicos próprios necessários à boa execução do projecto;
- O pagamento da quantia acordada.
2. À A... compete:
- Proceder à execução das tarefas identificadas no presente contrato, disponibilizando os recursos adequados às exigências do trabalho a desenvolver, nos termos contratualizadas.
Cláusula 4ª
Organização/relação entre as entidades envolvidas
A B... obriga-se perante a A... a:
- Fornecer todas as informações necessárias à execução das tarefas contratadas;
- Informar sobre qualquer alteração ou ocorrência que possa afectar o regular funcionamento do projecto.
(…)
Cláusula 6ª
Descrição da solução contratualizada
3. A solução objecto do presente contrato visa o desenvolvimento de uma aplicação que permite a interação através da mesa interactiva com mapa demonstrativo da região, textos, imagens e vídeos demonstrativos da riqueza cultural e natural bem como o back-office para a gestão de conteúdos.
4. A aplicação da mesa interactiva disponibilizará 4 áreas funcionais, designadamente a descrição do concelho e informação institucional, o mapa da região e informação turística, a agenda municipal e os jogos com componente de turismo.
5. Relativamente ao Back-office para a gestão de conteúdos o mesmo deverá disponibilizar as seguintes funcionalidades: sincronização de conteúdos com a aplicação da mesa interactiva; a criação, edição e eliminação de pontos de interesse e serviços georreferenciados, eventos, informação do concelho e institucional; e a associação de conteúdos multimédia (áudio, vídeo, imagens) a pontos de interesse e serviços
6. (…)
7. A Primeira outorgante, uma vez concluída e integralmente paga pela segunda outorgante a solução objecto do presente contrato de prestação de serviços compromete-se a disponibilizar à Segunda outorgante o executável da aplicação da mesa interactiva, a máquina virtual com a instanciação do back-office e o Manual de instalação, configuração e de utilização do back-office de gestão de conteúdos.
(…)
Cláusula 9ª
Preços e condições de pagamento
7. O valor a pagar pela segunda outorgante à primeira é de €45.000,00 (…).
8. No que diz respeito às condições de facturação e pagamento, acordam as outorgantes no seguinte:
. A primeira outorgante procederá à facturação de 30% do montante global acordado (€13.500,00) até final do mês de Outubro de 2014, comprometendo-se a segunda outorgante a proceder ao pagamento de tal factura no máximo de 30 dias após o recebimento da mesma;
. A primeira outorgante procederá à facturação de 40% (…) (€18.000,00) até ao final de Dezembro de 2014, comprometendo-se a segunda outorgante a proceder ao pagamento de tal factura no máximo de 30 dias após o recebimento da mesma;
. Finalmente, a primeira outorgante procederá à facturação dos remanescentes 30% (…) (€13.500,00) até 31 de Março de 2015, comprometendo-se a segunda outorgante a proceder ao pagamento de tal factura no máximo de 30 dias após o recebimento da mesma;
9. Aos valores apresentados acresce IVA (…)
(…)
Cláusula 11ª
Vigência do Contrato
3. O presente contrato entra em vigor na data da sua assinatura e vigora até à completa execução do seu objecto que se prevê ocorrerá em 2015-03-31.
(…)”
6.º A autora enviou à ré as facturas constante de fls. 75 a 88, que as recebeu, não devolveu e das mesmas não reclamou, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido e relativas ao preço acordado entre as partes em relação aos 4 contratos de prestação de serviços referidos nos artigos anteriores, em concreto:
a) Factura 2014/171 no valor de € 10.350,00 + €2.380,50 (IVA) = €12.730,00;
b) Factura 2014/183 no valor de € 22.275,00 + €5.123,25 (IVA) = €27.398,25;
c) Factura 2014/184 no valor de €18.000,00 + €4.140,00 (IVA) = €22.140,00;
d) Factura 2014/185 no valor de €6.900,00 + €1.587,00 (IVA) = €8.487,00;
e) Factura 2015/3 no valor de €36.000,00 + €8.280,00 (IVA) = €44.280,00;
f) Factura 2015/4 no valor de €13.500,00 + €3.105,00 (IVA) = €16.605,00;
g) Factura 2015/5 no valor de €12.375,00 + €2.846,25 (IVA) = €15.221,25;
h) Factura 2015/7 no valor de €6.900,00 + €1.587,00 (IVA) = €8.487,00;
i) Factura 2015/8 no valor de €24.000,00 + €5.520,00 (IVA) = €29.520,00;
j) Factura 2015/21 no valor de €24.000,00 + €5.520,00 (IVA) = €29.520,00;
l) Factura 2015/26 no valor de €10.350,00 + €2.380,50 (IVA) = €12.730,50;
m) Factura 2015/27 no valor de €36.000,00 + €8.280,00 (IVA) = €44.280,00;
7.º Com data de 30 de Abril de 2015, autora e ré assinaram quatro documentos denominados por “Termo de Aceitação e Conclusão do Projecto” constantes de fls. 98 a 100, dos quais consta:
A) “Primeira Outorgante: A... Lda. (…) e
Segunda Outorgante: B... S. A. (…)
Subscrevem o presente termo de aceitação e conclusão do projecto referente ao contrato de prestação de serviços de licenciamento vitalício da framework Coollab, formalizado no dia 01 de Julho de 2014, o qual é assinado de livre vontade e de boa fé, compreendendo integralmente as partes outorgantes o alcance que do mesmo resulta, nomeadamente no sentido de considerarem, ambas as outorgantes, que o referido projecto se encontra definitiva e satisfatoriamente cumprido, ambas declarando que, especificamente no que diz respeito à solução melhor descrita na cláusula sexta e no Anexo I do referido contrato de prestação de serviços, todas as tarefas aí elencadas se encontram concluídas e todas as funcionalidades se encontram operacionais, nada mais sendo de exigir a cada uma das outorgantes, pelo que ambas vêm, renunciar ao direito de acção contra a contraparte por qualquer questão respeitante ao referido contrato de prestação de serviços.”
B) “Primeira Outorgante: A... Lda. (…) e
Segunda Outorgante: B... S. A. (…)
Subscrevem o presente termo de aceitação e conclusão do projecto referente ao contrato de prestação de serviços de consultadoria especializada no âmbito das plataformas SEI & SIGA e de um módulo de integração do cartão de cidadão, formalizado no dia 01 de Setembro de 2014, o qual é assinado de livre vontade e de boa fé, compreendendo integralmente as partes outorgantes o alcance que do mesmo resulta, nomeadamente no sentido de considerarem, ambas as outorgantes, que o referido projecto se encontra definitiva e satisfatoriamente cumprido, ambas declarando que, especificamente no que diz respeito à solução melhor descrita na cláusula sexta do referido contrato de prestação de serviços, todas as tarefas aí elencadas se encontram concluídas e todas as funcionalidades se encontram operacionais, nada mais sendo de exigir a cada uma das outorgantes, pelo que ambas vêm, renunciar ao direito de acção contra a contraparte por qualquer questão respeitante ao referido contrato de prestação de serviços.”
C) “Primeira Outorgante: A... Lda. (…) e
Segunda Outorgante: B... S. A. (…)
Subscrevem o presente termo de aceitação e conclusão do projecto referente ao contrato de prestação de serviços para a implementação de uma solução “Portal do Município” e o desenvolvimento de uma Aplicação para um Guia Turístico, formalizado no dia 01 de Outubro de 2014, o qual é assinado de livre vontade e de boa fé, compreendendo integralmente as partes outorgantes o alcance que do mesmo resulta, nomeadamente no sentido de considerarem, ambas as outorgantes, que o referido projecto se encontra definitiva e satisfatoriamente cumprido, ambas declarando que, especificamente no que diz respeito à solução melhor descrita na cláusula sexta do referido contrato de prestação de serviços, todas as tarefas aí elencadas se encontram concluídas e todas as funcionalidades se encontram operacionais, nada mais sendo de exigir a cada uma das outorgantes, pelo que ambas vêm, renunciar ao direito de acção contra a contraparte por qualquer questão respeitante ao referido contrato de prestação de serviços.”
D) “Primeira Outorgante: A... Lda. (…) e
Segunda Outorgante: B... S. A. (…)
Subscrevem o presente termo de aceitação e conclusão do projecto referente ao contrato de prestação de serviços para o desenvolvimento de uma aplicação para mesas interactivas e respectiva solução de gestão de conteúdos (back-office), formalizado no dia 15 de Outubro de 2014, o qual é assinado de livre vontade e de boa fé, compreendendo integralmente as partes outorgantes o alcance que do mesmo resulta, nomeadamente no sentido de considerarem, ambas as outorgantes, que o referido projecto se encontra definitiva e satisfatoriamente cumprido, ambas declarando que, especificamente no que diz respeito à solução melhor descrita na cláusula sexta do referido contrato de prestação de serviços, todas as tarefas aí elencadas se encontram concluídas e todas as funcionalidades se encontram operacionais, nada mais sendo de exigir a cada uma das outorgantes, pelo que ambas vêm, renunciar ao direito de acção contra a contraparte por qualquer questão respeitante ao referido contrato de prestação de serviços.”
8.º Para além dos 4 contratos identificados nos artigos 2º a 5º, autora e ré já tinham anteriormente colaborado entre si, nomeadamente através do contrato de prestação de serviços outorgado no dia 2 de Dezembro de 2013 e constante de fls. 122 tendo por objecto:
“(…)
Cláusula 1ª
Âmbito
1. O âmbito do presente contrato é a prestação de serviços de assistência técnica especializada pela A... Lda. no âmbito do projecto Interactive Whiteboard Software for Next-Generation (projecto promovido pela segunda outorgante, aprovado com o n.º 33993, no âmbito do Aviso de Concurso n.º 2012/SI/07 – QREN SI I&DT Projectos Individuais)”.
9.º De acordo com a cláusula 7ª desse contrato o preço acordado foi de € 43.900,00, mais IVA e seria pago se uma só vez, facturado na totalidade a 31-12-2013 (fls. 115)
10.º Com data de 20 de Abril de 2015 a autora, através do seu legal representante, enviou à ré o email constante de fls. 101-101 verso com o seguinte teor: “Preciso que me indiques que facturas é que podes pagar até ao final do corrente mês/início de Maio (atendendo ao que me tinhas dito pessoalmente) de forma a eu planear a tesouraria (tenho vários pagamentos a efectuar e também existe a questão do IVA das várias facturas da B...);
11.º Em resposta de 22-04-2015 a ré, através do seu legal representante, referiu: “Estou no estrangeiro e ainda não te consigo dar uma resposta concreta, ainda não recebemos do QREN e estou a aguardar um pagamento do cliente que te falei. Conto fazer-te pagamentos como disse, mas peço que voltes a questionar os valores mais para meio da próxima semana. Para o dia 27. (…)” (fls. 101);
12.º Por “email” de 27-04-2015 a autora voltou a interpelar a ré: “Conforme combinado, volto a questionar-te sobre datas e valores que irás pagar nos próximos dias. (…)” (fls. 101)
13.º A autora prestou à ré os serviços identificados nos contratos mencionados nos pontos 2º a 5º, nomeadamente os identificados nas cláusulas sextas de cada contrato;
14.º Por algumas vezes a ré comunicou à autora que, em relação à aplicação da “framework Collab”, o serviço “caía”, situações que a autora resolveu;»
*
2. Factos Não Provados
O tribunal recorrido julgou não provados os seguintes factos:
«PI:
- A autora despendeu a quantia de € 200,00 com despesas para cobrança extrajudicial do crédito reclamado nestes autos.
Resposta da autora, constante da audiência prévia, às excepções invocadas pela ré:
- A entrega das “deliverables” foi feito em CD;
Contestação:
Artigo 28º
Artigo 29º
Aperfeiçoamento da contestação de 17 de Julho de 2017:
Alínea a)
Alínea b)
Alínea c)
Alínea d)
Requerimento da ré de 20 de Dezembro de 2017:
- Em relação ao contrato de 2 de Dezembro de 2013 e referido no artigo 8º dos factos provados, foram emitidas e pagas as facturas identificadas pela ré no artigo 3º do requerimento supra mencionado;
Artigo 7º
Artigo 39º.»
*
B. Fundamentação de Direito
1. Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto
A impugnação da decisão sobre a matéria de facto está expressamente consagrada e regulada no CPC actualmente vigente, nomeadamente nos seus artigos 640.º e 662.º.
1.1. Resulta do n.º 1, do primeiro destes preceitos que o recorrente deve obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, (a) os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, (b) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa da recorrida, e (c) a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes, conforme preceitua a al. a), do n.º 2, do mesmo artigo.
Concatenando estes ónus, a cargo do recorrente que impugne a decisão sobre matéria de facto, com o ónus de alegar e formular conclusões consagrado no artigo 639.º do CPC, que impende sobre o recorrente independentemente do recurso visar a matéria de facto e/ou a matéria de direito, Abrantes Geraldes (Recursos em Processo Civil, 6.ª ed., Coimbra 2020, pp. 196 e s.) sintetiza assim o sistema que vigora sempre que a apelação envolva a impugnação da decisão sobre a matéria de facto:
- O recorrente deve indicar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões;
- Deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos;
- Relativamente aos factos cuja impugnação se funde em prova gravada, deve indicar com exactidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes (podendo proceder à transcrição dos excertos que considere oportunos);
- O recorrente deve ainda deixar expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
No caso vertente, a recorrida pugnou pela rejeição do recurso da matéria de facto, com fundamento no incumprimento dos ónus (primários) consagrados no artigo 640.º, n.º 2, al. a) a c), do CPC.
Importa, nestes termos, analisar o cumprimento dos referidos ónus.
As normas dos artigos 640.º e 662.º do CPC concretizam o papel que o legislador pretendeu atribuir aos tribunais de segunda instância no âmbito da reapreciação da matéria de facto, assumindo-a como uma função normal da Relação, por contraste com a excepcionalidade que, no passado, a caracterizava, mas rejeitando soluções maximalistas que a transformassem numa repetição do julgamento, rejeitando igualmente a possibilidade de interposição de recursos genéricos sobre a matéria facto.
Assim se compreendem as exigências em que se traduzem os ónus primários acima descritos, previstos no n.º 1, do artigo 640.º, do CPC, os quais devem ser interpretados à luz do aludido papel ou função.
Tais exigências visam, portanto, uma dúplice função: por um lado, delimitar com rigor o âmbito da impugnação da matéria de facto, pois não cabe ao Tribunal ad quem fazer essa delimitação em substituição do recorrente, ainda que por via da interpretação da alegação de recurso que se revele ambígua ou inconclusiva a respeito dos factos que pretende impugnar, dos meios de prova em que fundamenta essa impugnação e/ou da decisão que reputa mais adequada; por outro lado, permitir à contraparte o exercício esclarecido e pleno do contraditório.
Deste modo, vem sendo reafirmado pela jurisprudência que as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Como escreve Abrantes Geraldes (cit., p. 200), «[t]rata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da autorresponsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo».
Mas, pelas mesmas razões, associadas à impossibilidade de proferir despacho de aperfeiçoamento relativamente ao recurso da decisão da matéria de facto (cfr. artigo 639.º, n.º 3, do CPC), o Supremo Tribunal de Justiça vem alertando para a necessidade de não se exponenciarem os apontados requisitos formais e de se compaginar a sua interpretação e aplicação com os princípio da proporcionalidade e da razoabilidade.
No caso vertente, pese embora a prolixidade da alegação, mormente das suas conclusões, bem como a (pelo menos aparente) confusão que por vezes aí é feita entre a decisão da matéria de facto e a fundamentação dessa decisão, factores que muito prejudicaram a compreensão do objecto do recurso e os seus fundamentos, podemos afirmar com segurança que a recorrente considera incorrectamente julgados os pontos 10 a 13 dos factos provados, bem como os seguintes factos não provados: o artigo 28.º da contestação, as alíneas a) e b) do articulado de aperfeiçoamento da contestação, a emissão e pagamento das facturas identificadas no artigo 3.º do requerimento de 20.12.2017 e o artigo 39.º deste mesmo requerimento. Na verdade, todos estes pontos estão indicados – ainda que nuns casos por referência à sua numeração na decisão recorrida e noutros pelo seu teor – tanto na motivação como nas conclusões da alegação de recurso.
Perante o teor da referida alegação, poderíamos ser tentados a equacionar se a recorrente pretendeu levar mais longe a impugnação da matéria de facto.
Sucede que, em parte, esta impugnação assenta na já aludida confusão entre a matéria de facto e a respectiva fundamentação. A título de exemplo, a recorrente afirma que terá de ser retirado dos factos provados que o e-mail da autora (referindo-se ao e-mail mencionados no pontos 10 dos factos provados) visa a reclamação do pagamento das facturas objecto dos autos; contudo, isto não resulta dos factos julgados provados, pelo que não se compreende o que deles deve ser retirado. Noutros pontos da alegação é, mesmo, solicitado que sejam retirados da fundamentação da decisão determinados excertos, o que naturalmente não configura uma impugnação de factos concretos.
Seja como for, na falta de uma indicação precisa dos demais factos concretos eventualmente visados neste recurso, não cabe a este Tribunal ad quem estender o seu conhecimento para além dos concretos pontos de facto antes discriminados, sob pena de se estar a substituir à recorrente na delimitação do objecto do recurso da matéria de facto e de estar a apreciar matéria de facto que a mesma pode não ter pretendido impugnar.
Para além de ter indicado os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, a recorrente indicou, igualmente, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre cada um desses factos: que se julguem não provados os factos que o Tribunal a quo considerou provados sob os pontos 10 a 13 e que se julguem provados os factos descritos no artigo 28 da contestação, nas alíneas a) e b) do aperfeiçoamento daquela contestação, a emissão e pagamento das facturas identificadas no artigo 3.º do requerimento de 20.12.2017 e o facto descrito no artigo 39.º deste requerimento.
Por fim, como melhor decorrerá da exposição subsequente, a recorrente fundamentou a sua discordância quanto à decisão do Tribunal a quo nos concretos meios de prova que refere e analisa na motivação das suas alegações e que também menciona nas respectivas conclusões.
Por fim, no que concerne à prova gravada, indicou com exactidão as passagens da gravação em que se baseia.
Nos termos e com os limites assim expostos, impõe-se considerar cumpridos os ónus ou requisitos formais de que depende o conhecimento do recurso da decisão sobre a matéria de facto.
1.2. Dispõe, por sua vez, o artigo 662.º, n.º 1, do CPC, que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
A análise e a valoração da prova na segunda instância está, naturalmente, sujeita às mesmas normas e princípios que regem essa actividade na primeira instância, nomeadamente a regra da livre apreciação da prova e as respectivas excepções, nos termos previstos no artigo 607.º, n.º 5, do CPC, conjugado com a disciplina adjectiva dos artigos 410.º e seguintes do mesmo código e com a disciplina substantiva dos artigos 341.º e seguintes do Código Civil (CC).
É consabido que a livre apreciação da prova não se traduz numa apreciação arbitrária, pelo que, nas palavras de Ana Luísa Geraldes (Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Volume I, pág. 591), «o Tribunal ao expressar a sua convicção, deve indicar os fundamentos suficientes que a determinaram, para que através das regras da lógica e da experiência se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento dos factos provados e não provados, permitindo aferir das razões que motivaram o julgador a concluir num sentido ou noutro (…), de modo a possibilitar a reapreciação da respectiva decisão da matéria de facto pelo Tribunal de 2ª Instância». De resto, como escrevem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, Vol. I – Parte Geral e Processo de Declaração, Coimbra 2019, p. 720), o juiz deve «expor a análise crítica das provas que foram produzidas, quer quando se trate de prova vinculada, em que a margem de liberdade é inexistente, quer quando se trate de provas submetidas à sua livre apreciação, envolvendo os motivos que o determinaram a formular o juízo probatório relativamente aos factos considerados provados e não provados».
Mas não podemos olvidar que, por força da imediação, da oralidade e da concentração que caracterizam a produção da prova perante o juiz da primeira instância, este está numa posição privilegiada para apreciar essa prova, designadamente para surpreender no comportamento das testemunhas elementos relevantes para aferir a espontaneidade e a credibilidade dos seus depoimentos, que frequentemente não transparecem na gravação. Por esta razão, Ana Luísa Geraldes (ob. cit. página 609) salienta que, em caso de dúvida, «face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte».
Já vimos quais factos que a recorrente pretende ver alterados e em que sentido. Vejamos se lhe assiste razão.
1.2.1. É a seguinte a redacção dos pontos 10 a 12 dos factos julgados provados na decisão recorrida:
10.º Com data de 20 de Abril de 2015 a autora, através do seu legal representante, enviou à ré o email constante de fls. 101-101 verso com o seguinte teor: “Preciso que me indiques que facturas é que podes pagar até ao final do corrente mês/início de Maio (atendendo ao que me tinhas dito pessoalmente) de forma a eu planear a tesouraria (tenho vários pagamentos a efectuar e também existe a questão do IVA das várias facturas da B...);
11.º Em resposta de 22-04-2015 a ré, através do seu legal representante, referiu: “Estou no estrangeiro e ainda não te consigo dar uma resposta concreta, ainda não recebemos do QREN e estou a aguardar um pagamento do cliente que te falei. Conto fazer-te pagamentos como disse, mas peço que voltes a questionar os valores mais para meio da próxima semana. Para o dia 27. (…)” (fls. 101);
12.º Por “email” de 27-04-2015 a autora voltou a interpelar a ré: “Conforme combinado, volto a questionar-te sobre datas e valores que irás pagar nos próximos dias. (…)” (fls. 101)
O Tribunal a quo fundamentou a sua decisão quanto a estes factos «nos documentos expressamente mencionados nos artigos em causa, documentos aceites por autora e ré», ou seja, no documento junto pela autora na audiência prévia com o n.º 6.
Analisado esse documento, verifica-se que o seu teor corrobora a descrição vertida naqueles pontos 10 a 12. Acresce que, no requerimento em que exerce o contraditório relativamente a esse documento, a ré não põe em causa o envio e recebimento dos e-mails em causa, nem o seu teor, limitando-se a afirmar que as facturas aí aludidas não são as reclamadas nos presentes autos, pelas razões que explica.
Ora, dos factos descritos nos pontos 10 a 12, por si só, não decorre que as facturas aí aludidas correspondam aos serviços cujo pagamento é reclamado nestes autos ou, pelo contrário, correspondam aos serviços referidos no ponto 8 dos factos provados.
Perante o exposto, duas ilações se revelam incontestáveis: os factos descritos nos pontos 10 a 12 dos factos provados correspondem à verdade aceite por ambas as partes; todavia, tais factos são, por si só, pouco ou nada relevantes para a decisão da causa. Na verdade, o que as partes discutiram nos requerimentos acima aludidos (o requerimento que a autora formulou na audiência prévia e o requerimento por via do qual a ré respondeu àquele e se pronunciou sobre os documentos juntos com o mesmo) e continuam a discutir neste recurso é se os e-mails descritos nos pontos 10 a 12 dos factos provados confirmam ou não a prestação dos serviços cujo pagamento é reclamado nestes autos. Ou seja, o que a recorrente põe em causa é, verdadeiramente, o facto descrito no ponto 13 dos factos provados. De resto, toda a prova que a recorrente invoca a propósito dos aludidos pontos 10 a 12 e a análise crítica que faz da mesma tem exclusivamente em vista demonstrar que os serviços descritos no ponto 13 não foram cabalmente prestados.
Em suma, pode legitimamente questionar-se a técnica adoptada pelo Tribunal a quo, de incluir na descrição da matéria de facto apurada factos que, mais do que instrumentais, se limitam a descrever meios de prova. O que não se pode questionar é a veracidade dos factos assim descritos, ou seja, o envio/recebimento da correspondência electrónica ali descrita.
Todavia, o Tribunal a quo foi mais longe e incluiu nos factos não provados a matéria alegada no artigo 39.º do requerimento de 20.12.2017, que tem o seguinte teor:
39 – Nessa conformidade, o administrador da A., no e-mail que enviou ao administrador da R. (Doc. 6), estava a referir-se ao pagamento da última factura referente ao contrato QREN supra identificado, a qual, de facto, só foi liquidada em 07.08.2105, daí o envio do e-mail da A. (20.04.2017) e a reposta da R. (22.04.2017), e a insistência da A. em 27.04.2017.
Esta alegação padece de um manifesto lapso de escrita, visto que os e-mails que integram o referido documento n.º 6 são de 2015 e não de 2017.
Em todo o caso, nada na prova produzida, a não ser as declarações de parte do administrador da ré, permitem afirmar que, na correspondência electrónica em causa, designadamente no e-mail referido no ponto 11, as partes se estão a referir ao pagamento da última factura relativa ao projecto mencionado no ponto 8 dos factos provados. Mas aquelas declarações de parte, para além de serem naturalmente parciais, não são confirmadas por qualquer outro meio de prova. Pelo contrário, o teor da referida correspondência electrónica aponta exactamente no sentido contrário, tornando inverosímeis as declarações do administrador da ré. Note-se que o e-mail da ré referido no ponto 11 (de 22.04.2015) surge como resposta ao e-mail da autora referido no ponto 10 (de 20.04.2015), onde esta pergunta àquela que facturas – no plural – é que a mesma poderá pagar até ao final de Abril ou início de Maio, mais aludindo à questão do IVA “das várias facturas da B...”, nunca aludindo a alguma factura em concreto e não fazer qualquer discriminação entre as facturas em dívida, sendo certo que nessa altura também já estavam emitidas e vencidas as facturas em cobrança nestes autos. O facto de a ré ter respondido que ainda não recebeu do QREN não nos permite concluir que as partes se estavam a referir apenas à factura ou facturas relativas ao contrato descrito no ponto 8 dos factos provados (no qual se alude ao QREN, ao contrário do que sucede nos contratos em discussão nestes autos). Ao responder que ainda não recebeu do QREN e que está a aguardar um pagamento de um cliente, a ré está apenas a explicar as suas dificuldades de tesouraria, não estabelecendo uma relação necessária entre a ou as facturas em dívida e o contrato referido em 8.
Pelas razões expostas, impõe-se julgar improcedente a impugnação da matéria de facto no que concerne aos pontos 10 a 12 dos factos provados e ao artigo 39.º do requerimento de 20.12.2017, sem prejuízo da análise que se segue a respeito da demais factualidade impugnada.
1.2.2. Do exposto já decorre ser totalmente irrelevante para a apreciação da causa o alegado a respeito do pagamento das facturas discriminadas no artigo 3.º do requerimento de 20.12.2017, irrelevância que se tornará ainda mais clara ao longo da exposição subsequente. Na verdade, saber quando foram emitidas e pagas as facturas respeitantes a um contrato relativamente ao qual nada é pedido nesta acção e cujo cumprimento ou incumprimento não é passível de condicionar ou de alguma forma afectar a pretensão deduzida nestes autos, é matéria insusceptível de influir na decisão da presente causa. Ora, é jurisprudência pacífica que a Relação não deve reapreciar a matéria de facto se a alteração pretendida for inócua para a decisão da causa, ou seja, se for insusceptível de fundamentar a sua alteração, tendo em conta as específicas circunstâncias em causa, sob pena de levar a cabo uma actividade processual inconsequente e inútil que, por isso, lhe está vedada pela lei (artigo 130.º do CPC). Neste sentido, a título de mero exemplo, vide os acórdãos do TRC de 16.02.2017 (proc. n.º 52/12.0TBMBR.C1, disponível em www.dgsi.pt, onde pode ser consultada a demais jurisprudência citada sem indicação da fonte), do TRL de 26.09.2019 (proc. n.º 144/15.4T8MTJ.L1-2) e do STJ de 14.07.2021 (proc. 65/18.9T8EPS.G1.S1).
Pelas razões expostas, está prejudicado o conhecimento, nesta parte, da impugnação da decisão da matéria de facto.
1.2.3. É a seguinte a redacção da restante factualidade impugnada pela recorrente:
Artigo 13.º dos factos provados:
A autora prestou à ré os serviços identificados nos contratos mencionados nos pontos 2º a 5º, nomeadamente os identificados nas cláusulas sextas de cada contrato;
Artigo 28.º da contestação:
Por motivos exclusivamente imputáveis à Requerente, esta não conseguiu cumprir com o que foi acordado, ou seja, por um lado, executou alguns serviços de forma defeituosa, e por outro, entendeu deixar de prestar serviços sem que os mesmos se mostrassem integralmente realizados.
Alíneas a) e b) do aperfeiçoamento da contestação:
a) A A. executou de forma deficiente, incompleta e ineficaz os serviços a que se obrigou com a celebração do contrato datado de 01 de Julho de 2014, junto aos autos como Doc. 4, uma vez que a aplicação da Framework Coollab é um produto desenhado para correr via WEB, ou seja, através da internet, que se encontra domiciliado no servidor da A., estando este em constante colapso e intermitência, porque o serviço “cai”, não sendo, por isso, possível aceder à aplicação, o que não só impede como impossibilita o seu funcionamento e utilização;
Por outro lado, a A. obrigou-se, por força do referido contrato (Anexo I), a fazer as “Deliverables do projecto”, a saber:
- “Release da Framework coollab 1.0”;
- Manual de instalação e configuração do serviço central;
- Documentação do cliente Web;
Não obstante, nenhuma destas 3 “Deliverables” foram entregues à R.
b) A A. não executou nenhum dos serviços constantes contratos juntos aos presentes autos como Docs. 1, 2 e 3, ou seja, nenhum dos serviços elencados nesses contratos e que a A. se obrigou a prestar foram prestados;
Na sua essência, os factos descritos no artigo 28.º da contestação e nas alíneas a) e b) do aperfeiçoamento, que o Tribunal a quo julgou não provados, são o contrário do facto descrito no ponto 13, que o Tribunal a quo julgou provado.
A decisão recorrida fundamentou assim o ponto 13 dos factos provados:
Em relação ao projecto “Collab”, o primeiro contrato celebrado entre as partes e referido no ponto 2º dos factos provados, a ré admite, na sua contestação e o legal representante também admitiu no seu depoimento, que o serviço foi prestado, apesar de referirem que não o foi integramente.
Mesmo que não o admitisse, resulta da correspondência trocada entre as partes de fls. 96 e 97 que este projecto foi entregue e usado pela ré, que relatou problemas de acesso que terão sido resolvidos, como da correspondência resulta e foi confirmada pelos legais representantes nas suas declarações.
A prova da prestação deste serviço contribuiu para a credibilização da versão da autora e dos depoimentos das suas testemunhas em detrimento da versão da ré e das suas testemunhas, totalmente oposta, como iremos explicitar.
A autora alegou que realizou todos os trabalhos contratualizados.
A ré alegou que apenas o projecto Collab foi entregue e com defeitos e/ou incompleto (sem, no entanto, identificar defeitos ou concretizar o que estaria em falta), mas que todos os outros não foram realizados.
Perante posições opostas deve o tribunal socorrer-se de outros meios de prova.
A prova pericial sobre a qual se tinha a expectativa de resolver de forma clara e cabal a questão (foi essa a expectativa quando a determinamos), deparou-se com grandes problemas, como do relatório resulta, não tendo sido capaz de dar uma resposta sem dúvidas, como foi mencionado pelo Sr. Perito no seu relatório e nos esclarecimentos que prestou em audiência.
Não existem provas físicas de que os projectos tenham sido entregues em suporte de CD ou DVD, referindo o legal representante da autora que entregou em CD ao legal representante da ré que, por sua vez, negou e não existem testemunhas ou outro meio de prova, sobre a forma como ocorreu a entrega.
No entanto e apesar das muitas dificuldades encontradas, resulta de forma clara da perícia que a autora tinha todos as “ferramentas” para desenvolver todos os projectos, admitindo a perícia que a autora tinha o software capaz para responder ao que era pretendido (veja-se a título de exemplo as respostas de fls. 171, 181, 186) e admite que a autora os desenvolveu, antes dos contratos, tendo encontrado provas de que essas ferramentas eram anteriores aos contratos outorgados entre as partes. Esse facto não é totalmente estranho, na medida em que foi mencionado pelas partes nos seus depoimentos que correram, antes dos contratos, várias reuniões, referindo o Sr. Perito no seu relatório que se apercebeu, da análise que fez, que existia uma grande cumplicidade entre as partes e uma relação de confiança, verificando que os projectos, apesar de contratualmente estarem delimitados, não era assim tratados na prática.
Mas também resultou da perícia, e que, nesta parte, confirmou o que os legais representantes da autora referiram, assim como as testemunhas da autora, que esta comercializava e adaptada as suas “ferramentas” a cada um dos clientes, procedendo, por via da comercialização das ferramentas que criava, à “replicação” do “software”, prática habitual, referindo os legais representantes que era uma forma de rentabilizar o trabalho de criação inicial.
Resultou assim, da perícia, que, apesar das dificuldades encontradas, a autora dispunha de ferramentas que eram adequadas a dar satisfação ao que foi contratado pela ré.
Com base na prova pericial pode admitir-se como possível que os projectos foram executados, desenvolvidos e eram capazes de satisfazer o que constava das cláusulas sextas de cada contrato.
Ora, as dificuldades encontradas pelo Sr. Perito são transversais a todos os projectos e se a ré admite que o projecto “Collab” foi entregue, parece-nos decorrer da lógica que nenhuma razão existe para considerar que os outros não o foram, com o argumento de não foram encontrados registos de adaptação das ferramentas após a data da assinatura dos contratos. Se assim o fosse também não se poderia dizer que o projecto “Collab” foi realizado e esse foi, não só porque a ré o admitiu, mas também porque é o que resulta da correspondência provada e constante de fls. 96-97.
A perícia, em relação a todos os projectos, mencionou que encontrou, quer o código fonte, quer o executável e que foram desenvolvidas pela autora, resultando da análise que fez, que a autora dispunha de um conjunto de tecnologias/códigos/ferramentas chave na qual baseava as soluções que desenvolvia para os diferentes clientes, adaptando-as, o que dificultou o trabalho do perito e os objectivos pretendidos com a perícia, mas permite concluir pela existência das ferramentas necessárias para que a autora realizasse os projectos a que se comprometeu e que nos convencemos de que foram executados e disponibilizados, apesar da ausência de prova cabal sobre o concreto meio em que essa entrega se materializou. Com efeito, é também mencionado na perícia que foram encontrados dados relativos a todo o ciclo de desenvolvimento dos projectos, nas suas diferentes fases e apesar de cronologicamente anteriores eram adequadas e podiam dar cumprimento às finalidades pretendidas pela ré, resposta comum a todos os projectos.
Mas não foi apenas a prova pericial a contribuir para a nossa convicção.
A ré assinou 4 termos de aceitação e conclusão sobre os projectos objecto desses contratos, em 30 de Abril de 2015, termos mencionados nos factos provados, tendo todos os contratos como termo de conclusão Março de 2015.
Os documentos foram assinados pelas duas partes e a versão alegada pela ré quanto à justificação para a sua assinatura não se provou, não sendo sequer consistente o que a ré alegou para justificar a assinatura do documento e o conteúdo do mesmo.
O documento está assinado e sendo um documento particular, aplica-se a regra prevista pelo artigo 376º, n.ºs 1 e 2 do C. Civil.
Os documentos não primam pela total clareza, mas devem ser interpretados de acordo com as regras previstas pelo 236º, n.ºs 1 e 2 do C. Civil.
Ora, tendo presente a sua data, próxima da data da conclusão de todos os projectos, o seu título – termo de aceitação e conclusão do projecto – e o facto de em todos os termos ser feita expressa menção à clausula 6ª dos contratos – cláusula que fixa o objecto de cada contrato – podemos considerar que, para qualquer destinatário normal que assinasse esses documentos consideraria que os projectos foram entregues e concluídos. O termo é claro ao restringir-se “especificamente” à cláusula 6ª.
Desses documentos e ao contrário do defendido pela ré, não se pode retirar que a autora esteja a renunciar a qualquer pagamento, nem que se possa sequer considerar que a ré tenha pago os projectos.
Quanto ao pagamento é a própria ré que refere nada ter pago, o que foi confirmado pelas declarações do seu legal representante, devendo, nessa parte, ter-se em consideração o n.º 2 do citado artigo 236º do C. Civil, na medida em que se conhece a vontade real do declarante – ré – de que com esse documento não está a dar qualquer quitação à autora, nem esta está a renunciar a qualquer pagamento.
Sem prejuízo, em caso de dúvida, deve prevalecer a regra do equilíbrio das prestações, prevista pelo artigo 238º do C. Civil, equilibro que determina que nos contratos onerosos seja pago o preço acordado entre as partes.
Acresce que uma cláusula genérica em que autora e a ré declararam que renunciam ao direito de acção, é nula dada a sua ambiguidade e indeterminabilidade, nos termos do artigo 280º do C. Civil, o que determina a sua exclusão da declaração, mantendo-se válido apenas o restante conteúdo da declaração (porque cindível), operando-se a redução da declaração nos termos do artigo 292º do mesmo diploma.
Ainda em reforço da nossa convicção sobre a realização e execução dos trabalhos pela autora, valoramos o depoimento da testemunha da ré, BB, funcionário da ré, que se pronunciou sobre o contrato relativo ao “Portal do Município” e aplicação móvel correspondente, referindo de forma espontânea e clara que em 29 de Maio de 2015 foi lançado pela ré essa ferramenta em relação ao Município 3.... Este depoimento é contrário ao referido pelo legal representante da ré que referiu, por um lado, que a autora nada fez, tendo sido a ré a desenvolver o projecto e que o mesmo demoraria a realizar vários meses – 3 a 4. O representante referiu que, quanto a este projecto, determinou que a sua empresa o desenvolvesse em meados de 2015 (o que significa que apenas estaria pronto 3 a 4 meses depois) o que é de todo incompatível com o que o seu funcionário disse.
A falta de credibilidade na versão da ré assenta também no facto de resultar dos vários contratos que os pagamentos eram faseados e mesmo em relação ao projeto Collab, de maior valor e que a ré admite ter sido realizado, nada ter sido pago, nem sequer as primeiras prestações.
Acresce ainda e também em reforço e conjugação com toda a restante prova já mencionada, o facto de que todos os contratos tinham como prazo de termo o mês de Março de 2015. Ora, segundo os depoimentos das testemunhas da ré e seus funcionários, teriam recebido ordens para começar a trabalhar nos projectos (os que tinham sido contratualizados com a autora) logo em finais de 2014 o que não é de todo credível na medida em que o prazo para a autora realizar os projectos só terminava em Março de 2015, inexistindo qualquer fundamento para que a ré os desenvolvesse em simultâneo com a autora, a quem os tinha encomendado.
Ainda acresce, a inexistência por parte da ré de qualquer interpelação da autora sobre a não execução dos projectos, mesmo em relação ao Collab.
Por todos os motivos expostos, da conjugação dos meios de prova enunciados, consideramos como provada e credível a versão dos factos alegada pela autora e não credível a versão da ré.
Em relação aos factos não provados, a decisão recorrida acrescentou ainda o seguinte:
A ré não apresentou qualquer prova credível sobre o alegado nos artigos em causa. Para que se pudesse concluir pela existência de defeitos, era pressuposto que a ré os identificasse e os tivesse denunciado, o que não ocorreu. Sobre a alegada não conclusão dos projectos, não se provou, remetendo-se para a motivação do artigo 13º dos factos provados.
Pelas razões que melhor se compreenderão no decurso da exposição subsequente, impõe-se que comecemos a nossa análise pelos documentos descritos no ponto 7 dos factos provados, a que a decisão recorrida deu amplo destaque.
Cremos que a análise feita pelo Tribunal a quo ficou aquém do que a lei prevê, o mesmo sucedendo com a análise preconizada pelas partes, inclusivamente no âmbito deste recurso. Na verdade, embora a decisão recorrida aluda às regras de direito probatório material que regulam a força probatória dos documentos particulares, não extrai das mesmas todas as suas consequências e omite as regras respeitantes à confissão, sendo certo que, em ambos os casos, não rege o puro princípio da livre apreciação da prova, importando ter em conta as regras legais de valoração dessa prova, cujo conhecimento sempre seria do conhecimento oficioso deste Tribunal ad quem, como claramente decorre do disposto no artigo 662.º, n.º 1, do CPC.
Nestes termos, comecemos por analisar o valor probatório dos documentos em causa.
1.2.3.1. Não suscita qualquer dúvida que tais documentos se enquadram na categoria residual de documentos particulares, prevista na parte final do artigo 363.º, n.º 2, do Código Civil (CC), por não terem sido exarados por qualquer autoridade pública, notário ou outro oficial público.
Nos termos do artigo 374.º, n.º 1, do CC, «[a] letra e a assinatura, ou só a assinatura, de um documento particular consideram-se verdadeiras, quando reconhecidas ou não impugnadas pela parte contra quem o documento é apresentado, ou quando esta declare não saber se lhe pertencem, apesar de lhe serem atribuídas, ou quando sejam havidas legal ou judicialmente como verdadeiras» (por via do incidente previsto no artigo no artigo 444.º do CPC).
Decorre, por sua vez, do artigo 376.º, n.º 1, do CC, que o documento particular cuja autoria seja reconhecida nos termos da norma antes citada (bem como da norma do artigo 375.º do CC) faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento.
O n.º 2, do mesmo artigo 376.º, acrescenta que «[o]s factos compreendidos na declaração consideram-se provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante; mas a declaração é indivisível, nos termos prescritos para a prova por confissão».
De acordo com este regime legal, o valor probatório dos documentos particulares cuja letra e/ou assinatura sejam reconhecidas pela contraparte, nos termos previstos no artigo 374.º, n.º 1, do CC, releva em duas vertentes ou dimensões distintas, ainda que complementares, e com alcances diferenciados. O seu valor probatório formal, regulado no artigo 376.º, n.º 1, do CC, diz respeito ao conteúdo extrínseco do documento, isto é, à proveniência ou autoria do mesmo e, por conseguinte, à materialidade das declarações nele vertidas. O seu valor probatório material, regulado no n.º 2, do mesmo artigo 376.º, embora seja consequente ao referido valor probatório formal, diz respeito ao conteúdo intrínseco do documento, isto é, ao valor ou veracidade das referidas declarações. Como é fácil de ver, é este valor probatório material que se relaciona directamente com o thema probandum.
Ainda de acordo com o regime legal em análise, a força probatória plena (no sentido de que cede apenas mediante a prova do contrário, nos termos previstos no artigo 347.º do CC, por contraposição à prova bastante, que cede mediante contraprova, nos termos previstos no artigo 346.º do mesmo código, e à prova pleníssima, que não cede sequer perante a prova do contrário) dos documentos particulares, consagrada no artigo 376.º, n.º 1, do CC, opera apenas quanto o seu conteúdo extrínseco, só podendo ser contrariada pela arguição e prova da falsidade do documento, por via do incidente previsto no artigo 446.º do CPC.
Neste sentido, escreve-se o seguinte no sumário do ac. do STJ, de 23.11.2005 (proc. n.º 05B3318, rel. Araújo de Barros, disponível em www.dgsi.pt, onde se pode encontrar a demais jurisprudência citada): «1. A força ou eficácia probatória plena atribuída pelo n.º 1 do artigo 376.º do C.Civil às declarações documentadas limita-se à materialidade, isto é, à existência dessas declarações, não abrangendo a exactidão das mesmas. 2. Ainda que um documento particular goze de força probatória plena, tal valor reporta-se tão só às declarações documentadas, ficando por demonstrar que tais declarações correspondiam à realidade dos respectivos factos materiais e, sobretudo, não se excluindo a possibilidade de o seu autor demonstrar a inveracidade daqueles factos por qualquer meio de prova».
Assim, como se afirma no ac. do TRC, de 10.05.2022 (proc. n.º 73700/20.YIPRT.C1, rel. Luís Cravo), «apesar de demonstrada a autoria de um documento, daí não resulta, necessariamente, que os factos compreendidos nas declarações dele constantes se hajam de considerar provados, o mesmo é dizer que daí não advém que os documentos provem plenamente os factos neles referidos».
Este entendimento é, tanto quanto sabemos, unívoco na jurisprudência dos tribunais superiores. A título meramente exemplificativo, para além da jurisprudência já citada, vide: ac. do STJ, de 20.09.2020 (proc. n.º 2453/11.2TBEVR-C.E.1.S1, rel. Fernando Samões); ac. do TRL, de 26.04.2016 (proc. n.º 6982/12.2YYLSB-A.L1-7, rel. Maria do Rosário Morgado); o ac. TRG, de 04.10.2017 (proc. n.º 941/16.3T8BCL.G1, rel. Antero Veiga).
No mesmo sentido se pronuncia, na doutrina, Luís Filipe Pires de Sousa (Direito Probatório Material Comentado, 2.ª ed., Almedina, pp. 171-172), que conclui a sua análise da seguinte forma: «Em suma, a força probatória atribuída pelo art. 376.º, n.º 1, reporta-se à materialidade das declarações documentadas e não à sua exatidão. Saber se as declarações documentadas vinculam o seu autor é questão que não respeita à força probatória do documento mas sim à eficácia da declaração. As declarações só vinculam o seu autor se forem verdadeiras».
Nestes termos, só depois de confirmada a força probatória plena do documento, ou seja, depois de provada a materialidade das declarações constantes do documento particular, é que poderá ser aferida a eficácia dos factos aí mencionados, à luz do artigo 376.º, n.º 2, do CC.
De acordo com esta norma, o valor probatório material dos factos documentados restringe-se aos que sejam desfavoráveis ao declarante, o que se compreende «porquanto, tratando-se de declarações de ciência, ninguém pode ser testemunha em causa própria e, tratando-se de declarações de vontade, ninguém pode constituir um título a seu favor» (Luís Filipe Pires de Sousa, cit., p. 171).
Na esteira do ac. do TRC de 10.05.2022, antes citado, cremos que esta norma consagra, antes de mais, uma presunção ilidível da veracidade dos factos desfavoráveis ao declarante. Como escreve Vaz Serra (RLJ, 110, p. 85), «[a] regra do n.º 2 do artigo 376.º constitui uma presunção fundada na regra de experiência de que quem afirma factos contrários aos seus interesses o faz por saber que são verdadeiros; essa regra não tem, contudo, valor absoluto, pois pode acontecer que alguém afirme factos contrários aos seus interesses apesar de eles não serem verdadeiros e que essa afirmação seja divergente da sua vontade ou se ache inquinada de algum vício do consentimento».
Segundo o mesmo autor «o facto declarado no documento considera-se verdadeiro, embora não o seja, por aplicação das regras da confissão, podendo, porém, o declarante, de acordo com as regras desta, valer-se dos respetivos meios de impugnação. Pode, por isso, provar o declarante que a sua declaração não correspondeu à sua vontade ou que foi afetada por algum vício do consentimento (cfr. art. 359.º)».
Atento o exposto, não cremos que da norma do artigo 372.º, n.º 2, do CC, se possa extrair directamente que o documento particular, cuja autoria esteja demonstrada nos termos do n.º 1 do mesmo artigo, prova plenamente, em quaisquer circunstâncias, os factos desfavoráveis ao declarante. Como se afirma no ac. do TRG acima citado e está subjacente ao pensamento de Vaz Serra, a força probatória consagrada naquela norma «decorre do facto de se estar perante uma verdadeira confissão, daí que a mesma apenas se verifica em relação ao declaratário e não relativamente a terceiros, nos termos do artigo 358.º, 2 do CC». Citando Lebre de Freitas (A Falsidade no Direito Probatório, Almedina, p. 56), afirma-se no mesmo acórdão que «o documento particular “não prova plenamente os factos que nele sejam narrados como praticados pelo seu autor ou como objeto da sua perceção direta”, o âmbito da sua força probatória é mais restrito que a dos documentos autênticos. O âmbito dessa força probatória (resultante do n.º 2 do artigo 376.º do CC), não abrange o “problema da eficácia da declaração de ciência constante do documento enquanto meio de confissão dos factos”».
Nestes termos, sem prejuízo da já mencionada presunção de veracidade dos factos contrários aos interesses do declarante, cremos que a (eventual) consideração da prova plena destes factos deverá basear-se nas regras próprias da confissão enquanto meio de prova.
Note-se que esta questão não releva apenas no plano conceptual. É certo que tanto a presunção iuris tantum como a prova legal plena apenas são abaladas mediante prova do facto contrário, nos termos previstos nos artigos 350.º, n.º 2, e 347.º do CC, respectivamente. Mas são distintos os meios probatórios admissíveis para fazer essa prova do facto contrário, revelando-se a lei mais restritiva a respeito da prova plena, como veremos.
O artigo 352.º do CC define confissão como «o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária», acrescentando o artigo 355.º que esta pode ser judicial, quando é feita em juízo, ou extrajudicial, quando é feita de outro modo (n.ºs 1, 2 e 4).
Nos termos do disposto no artigo 358.º, n.º 2, do CC, «[a] confissão extrajudicial, em documento autêntico ou particular, considera-se provada nos termos aplicáveis a estes documentos e, se for feita à parte contrária ou a quem a represente, tem força probatória plena».
Nestes termos, confissão extrajudicial em documento particular (que preencha os respectivos requisitos legais – cfr. artigo 373.º do CC) apenas terá força probatória plena «se for feita à parte contrária ou a quem a represente». Se for feita a terceiro, se não for dirigida a nenhuma pessoa ou se o documento não preencher os requisitos legais, a confissão fica sujeita à regra geral da livre apreciação da prova, sem prejuízo da presunção que se possa fundar no artigo 376.º, n.º 2, do CC, nos termos já antes expostos. Neste sentido, vide o já citado ac. do STJ de 29.09.2020, bem como o ac. do TRP, de 23.09.2021 (proc. n.º 100156/19.2YIPRT.P1, rel. Filipe Caroço), no qual, citando-se a jurisprudência do STJ, se escreve o seguinte: «“A solução legal compreende-se bem: desde que esteja estabelecida a autoria do documento, e nele se contenha uma declaração, feita ao declaratário, contrária ao interesse do declarante, tal declaração representa uma confissão do seu autor, pelo que a esse documento particular deve ser atribuído nas relações entre ambos, valor probatório pleno (art.º 352º e seguintes do Código Civil). Essa força probatória significa que os factos não carecem de outra prova para se terem como demonstrados, mas não implica que o declarante não possa impugnar a sua validade, nos termos gerais, por falta ou vícios da vontade, precisamente como acontece com a declaração confessória (art.º 359º do Código Civil), e designadamente provando, por exemplo, que a declaração resultou de erro (cf. Prof. Vaz Serra, Provas, no Boletim do Ministério da Justiça, nº 112, pág. 69, nota 800-a)”. Ou, como refere Vaz Serra, “nessa medida o documento pode ser invocado, como prova plena, pelo declaratário, contra o declarante”».
Já vimos que, nos termos do disposto no artigo 347.º do CC, a prova legal plena só pode ser contrariada por meio de prova que mostre não ser verdadeiro o facto objecto da mesma, à semelhança do que sucede com as presunções judiciais. Mas, ao contrário destas, a prova legal plena nunca pode ser contrariada por meio de testemunhas ou presunções judiciais, atento o disposto nos artigos 351.º e 393.º, n.º 2, do CC, a não ser que apenas esteja em causa a simples interpretação do contexto do documento (cfr. artigo 393.º, n.º 3, do CC).
Porém, diversa doutrina e jurisprudência vem defendendo que, tratando-se de confissão com força probatória plena, o confitente apenas poderá impugnar tal prova plena demonstrando, cumulativamente, que o facto confessado não corresponde à verdade e que ocorrem os pressupostos que conduzem à nulidade ou anulabilidade da confissão, como decorre conjugação do disposto nos artigos 347.º (maxime a sua parte final) e 359.º, do CC. Neste sentido, Luís Filipe Pires de Sousa, ob. cit., pp. 101 e 104. No mesmo sentido parecem pronunciar-se Pires de Lima e Antunes Varela, Vaz Serra e Lebre de Freitas, citados no ac. do TRG antes referido.
Neste mesmo sentido se pronunciou o ac. do STJ, de 08.01.2019 (proc. n.º 3696/16.8T8VIS.C1.S1, rel. Ana Paula Boularot), onde se afirma que «o confitente não pode infirmar a força probatória da confissão com a simples prova que o facto confessado extrajudicialmente não corresponde à verdade, apesar do art.º 347.º do C. Civil dispor que a prova legal plena pode ser contrariada por meio de prova que mostre não ser verdadeiro o facto que dela for objecto. Isto porque a parte final deste preceito salvaguarda a possibilidade de existirem outras restrições especialmente previstas na lei. E uma dessas restrições especialmente previstas é precisamente a prova que resulta de uma declaração confessória. Esta só pode ser derrubada pelo reconhecimento da nulidade ou pela anulação judicial da confissão, por falta ou vícios da vontade, conforme prevê o art.º 359.º do C. Civil, o que inclui, necessariamente, a prova do contrário do que foi declarado».
Em contrapartida, tem-se entendido que a prova do vício da confissão – que naturalmente acarreta a prova da inveracidade do facto confessado – pode fazer-se por qualquer meio, incluindo prova testemunhal e por presunções judiciais, sem prejuízo do disposto nos artigos 244.º, n.º 2, 351.º e 394.º, n.º 2, a respeito do acordo simulatório e da reserva mental (sobre esta questão vide Luís Filipe Pires de Sousa, ob. cit., pp. 104 e seguintes, e a doutrina e jurisprudência aí citadas).
No âmbito deste debate, tem assumido alguma autonomia e destaque a questão de saber se a declaração confessória do recebimento do preço é impugnável e em que termos o é. Podemos encontrar uma resenha dos diferentes entendimentos preconizados a este respeito no ac. do TRG, de 10.07.2014 (proc. n.º 741/13.2TBVVD.G1, rel. Filipe Caroço) e na obra de Luís Filipe Pires de Sousa que vimos citando (pp. 106 e seguintes).
A tese que parece colher mais apoio é a que autor acima citado resume nestes termos: «entende-se que recai sobre o confitente o ónus da prova da inveracidade da declaração confessória, defrontando-se com as limitações ao nível do direito probatório material no que concerne à apresentação de prova testemunhal ou ao uso de presunções judiais (arts. 393.º, n.º 2, e 351.º), sendo que tais limitações apenas cedem quando exista outro meio de prova, maxime prova documental, que torne verosímil a inveracidade da declaração, servindo, então, a prova testemunhal ou o recurso a presunções judiciais como complemento dessa prova indiciária». Próximo deste, embora mais flexível ou abrangente, é o entendimento preconizado no acórdão acima citado – aparentemente com um alcance mais amplo do que sugere o enunciado desta “subquestão” –, em cujo sumário se pode ler o seguinte: «A doutrina e a jurisprudência têm divergido entre a possibilidade ou a impossibilidade da parte usar de prova testemunhal para a destruição dos efeitos da confissão, entendendo grande parte, porventura a maior parte, que essa prova deve ser admitida quando seja acompanhada de circunstâncias objetivas que tornem verosímil a convenção contrária ao documento que com ela se pretende demonstrar ou no caso de existir um começo de prova por escrito que a prova testemunhal vise completar».
Não vemos qualquer razão válida para cingirmos este debate à declaração confessória do recebimento do preço ou das tornas. Independentemente de a declaração incidir sobre estes ou outros factos desfavoráveis ao declarante, a sua força probatória rege-se pelas mesmas normas de direito probatório material, pelo que as soluções jurídicas hão-de ser as mesmas.
Nestes termos, em síntese conclusiva, cremos que a prova por testemunhas e por presunções judiciais será admissível nas duas situações acima referidas: para prova do vício da vontade de que possa enfermar a declaração confessória e para prova da inveracidade da declaração confessória, quando existir outro meio de prova, maxime prova documental, que torne verosímil essa inveracidade.
Feito este excurso teórico, importa reverter ao caso concreto.
1.2.3.2. O valor probatório formal dos documentos referidos no ponto 7 dos factos provados não suscita, in casu, qualquer dúvida.
O reconhecimento da autoria do documento, enquanto critério normativo da paternidade das declarações nele vertidas, pode assumir várias modalidades: reconhecimento expresso, reconhecimento tácito ou reconhecimento judicial, nos termos previstos no artigo 374.º do CC, a que acresce o reconhecimento presencial, nos termos previstos no artigo 375.º do mesmo código (a este respeito, vide Luís Filipe Pires de Sousa, ob. cit., pp. 161 e seguintes).
No caso concreto, autoria das assinaturas apostas nos referidos documentos foi objecto de reconhecimento expresso pela ré, que assim aceitou a paternidade das declarações nele vertidas, conforme afirmado por esta no seu requerimento de 20.12.2017.
Nestes termos, os referidos documentos fazem prova plena da materialidade das declarações da ré vertidas nos mesmos, nos termos disposto no artigo 376.º, n.º 1, do CC.
Mas o mesmo sucede relativamente à materialidade das declarações da autora vertidas nos mesmos documentos, pois estão igualmente assinados por esta, tendo sido a autora quem invocou tais documentos e os juntou aos autos.
Embora a sentença recorrida não o afirme de modo explícito, não restam dúvidas de que foi em obediência a esta prova legal plena que o Tribunal a quo julgou provada a factualidade descrita no ponto 7, como se infere da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, nomeadamente da seguinte passagem: «Os factos constantes dos artigos, 1º, 2º, 2º.1, 3º, 4º, 5º, 7º, 8º, 9º, 10º, 11º, 12º, foram considerados como provados com base nos documentos expressamente mencionados nos artigos em causa, documentos aceites por autora e ré».
1.2.3.3. No que respeita ao valor probatório material dos referidos documentos, embora a sentença recorrida afirme que os mesmos «não primam pela total clareza», não existe qualquer dúvida quanto aos factos, compreendidos nas declarações da ré vertidas naqueles documentos, que se mostram contrários aos interesses desta: que os projectos a que se reporta cada um dos 4 acordos descritos nos pontos 2 a 5 dos factos provados se encontram definitiva e satisfatoriamente cumpridos e que todas as tarefas elencadas na cláusula sexta de cada um desses contratos se encontram concluídas e todas as funcionalidades se encontram operacionais. A natureza confessória destas declarações não pode suscitar dúvidas, na medida em se reportam a factos que desfavorecem a declarante e favorecem a parte contrária, sendo certo que, como ensina Vaz Serra (Provas – Direito Probatório Material, BMJ, 111, 16), «a força probatória plena, atribuída pela lei à confissão judicial e a certas confissões extrajudiciais, é independente da intenção do confitente».
Em face do que ficou exposto na análise do regime legal vigente, não temos dúvidas em afirmar que a confissão dos referidos factos faz prova plena dos mesmos, à luz do disposto nos artigos 358.º, n.º 2, e 376.º, n.º 2, do CC, tendo em conta que tal confissão foi feita à parte contrária. Tais factos correspondem, precisamente, ao ponto 13.º dos factos julgados provados na decisão recorrida e contradizem frontalmente os factos descritos nos pontos 28 da contestação e nas alíneas a) e b) do aperfeiçoamento da contestação, julgados não provados pelo Tribunal a quo.
Deste modo, ainda em consonância com exposição antecedente, tal força probatória só pode ser abalada mediante a prova de algum vício invalidante da declaração confessória e, concomitantemente, de que a mesma não corresponde à verdade, ou apenas mediante prova desta inveracidade, mas com os limites probatórios decorrentes do disposto nos artigos 393.º e 351.º do CC, que apenas cedem se existir outro meio de prova – não testemunhal ou por presunções judiciais – que torne verosímil aquela inveracidade, admitindo-se então a prova testemunhal ou o recurso a presunções judiciais como complemento desta prova indiciária.
A decisão recorrida julgou não provados os factos alegados pela recorrente a respeito do contexto e das razões que levaram à elaboração e à subscrição dos documentos que vimos analisando, mais concretamente os factos alegados no ponto 7 do requerimento de 20.12.2017, sem que a recorrente tenha posto em causa tal decisão sobre esse concreto ponto de facto. Deste modo, cotejada a restante matéria de facto apurada, nada permite afirmar a ocorrência de algum vício invalidante das declarações confessórias.
Não obstante, a recorrente alegou a inveracidade das suas declarações confessórias, pelo que importa indagar se fez prova dessa inveracidade em termos processualmente aptos para afastar a prova plena assente naquelas declarações confessórias.
Já vimos que, não se discutindo alguma causa de nulidade ou anulabilidade da confissão, a prova da inveracidade da declaração confessória dotada de força probatória plena não pode ser feita por testemunhas ou presunções judiciais, a não ser que exista outro meio de prova que torne verosímil aquela inveracidade ou, pelo menos, que a prova testemunhal ou por presunções judiciais seja acompanhada de circunstâncias objetivas que tornem verosímil a convenção contrária àquela declaração confessória.
No caso concreto, não existe prova (distinta da prova testemunhal ou por presunções judiciais) que demonstre a inveracidade dos factos confessados, tal como não existe prova indiciária dessa inveracidade que possa ser complementada pela prova testemunhal ou por presunções judiciais, não ocorrendo igualmente circunstâncias objectivas que confiram verosimilhança àquela inveracidade.
Afigura-se evidente que as declarações de parte prestadas pelo próprio representante da ré/recorrente em audiência de julgamento, pela sua natureza, sempre seriam insuficientes para contrariar a prova legal plena das suas declarações confessórias espontâneas ou mesmo para constituir um começa de prova da inveracidade dessas anteriores declarações confessórias.
Quanto às declarações de parte prestadas pelos representantes da autora/recorrida, é manifesto que dos mesmos não resulta algo diverso da confissão da ré que vimos analisando. Pelo contrário, estes mantiveram que todos os serviços contratados foram totalmente prestados.
Resta a prova pericial realizada por iniciativa do Tribunal a quo, a que tanto a motivação da decisão da matéria de facto como a alegação da recorrente conferem amplo destaque, bem como a prova documental junta aos autos.
Mas, uma vez mais, nenhum destes meios de prova demonstra ou indicia a inveracidade dos factos confessados.
É o que sucede, desde logo, com os e-mails já analisados. Independentemente de quais sejam as facturas neles aludidas, tais documentos nada nos revelam sobre a prestação dos serviços que estão a ser cobrados nestes autos. Mesmo que o Tribunal se tivesse convencido de que tais e-mails se reportam apenas aos serviços respeitantes ao contrato referido no ponto 8 dos factos provados – o que, como vimos, não sucede – daí não decorreria, ainda que indiciariamente, que os serviços a que se referem as facturas em cobrança nestes autos não tivessem sido prestados.
O mesmo sucede com o e-mail de 19.04.2016, junto pela autora em sede de audiência prévia como documento n.º 1. A correspondência electrónica constante desse documento revela apenas que no dia 19.04.2016, pelas 12h13, o legal representante da ré, CC, comunicou ao legal representante da autora, DD, que não conseguia aceder ao site da ..., que pelas 13h17 do mesmo dia este solicitou ao seu funcionário e aqui testemunha EE que visse o que se passava e que pelas 14h10 o próprio legal representante da autora comunicou aos referidos DD e EE que o site “já está no ar”. Deste modo, tal documento não só não infirma como acaba por corroborar a prestação de (parte) dos serviços em causa.
Por fim, o relatório pericial e os esclarecimentos posteriormente prestado pelo seu autor, tanto por escrito como em sede de audiência de julgamento, também não constituem prova suficiente ou, sequer, início de prova do alegado incumprimento dos acordos celebrados entre as partes, referidos nos pontos 2 a 5 dos factos provados.
Ainda que se admita que esta prova pericial, isoladamente considerada, é insuficiente para se julgar demonstrada a prestação dos serviços acordados, só indiciariamente apontando nesse sentido, parece-nos absolutamente claro que a mesma não constitui sequer princípio de prova do incumprimento das prestações acordadas.
O que o perito acabou por concluir foi que, não havendo elementos que permitam afirmar com segurança a entrega dos serviços acordados, também nada permite afirmar que não o tenham sido, havendo sinais de que a autora desenvolveu produtos, maxime códigos fonte, que lhe permitiam cumprir as soluções contratualizadas e descritas na cláusula 6.ª de cada um dos acordos escritos acima mencionados – ainda que essa descrição seja ambígua (revelando, no seu entender, grande cumplicidade ou entendimento entre as partes), o que também dificultou a realização da peritagem – acrescentando que os referidos códigos fonte podiam ser gravados num suporte físico e entregues à ré.
Acresce que, analisadas as referidas cláusulas 6.ª, verificamos que algumas entregas a fazer no âmbito dos contratos referidos nos pontos 4 (“Portal do Município”) e 5 (“Mesas Interactivas”) estavam dependentes do prévio pagamento do preço acordado (cfr. cláusula 6.ª, n.º 5, do acordo descrito no ponto 4 e cláusula 6.ª, n.º 7, do acordo descrito no ponto n.º 5).
Em suma, ainda que não tivesse confirmado o cumprimento integral das prestações devidas pela autora, o perito não apurou quaisquer indícios do seu incumprimento.
Por outro lado, a ré recorrente não juntou aos autos qualquer prova de ter recusado as facturas emitidas pela autora – as quais terão sido integradas na sua contabilidade, o que terá determinado o pagamento do IVA, conforme aludido num dos e-mails antes analisados –, tal como não juntou aos autos qualquer prova de alguma reclamação por atrasos ou não prestação dos serviços acordados.
Nestes termos, a ré confitente não logrou impugnar o valor probatório das suas declarações confessórias, pelo que se mantém a força probatória plena dessas confissões, reportadas à factualidade descrita no ponto 13 dos factos provados e contrárias a factualidade descrita no artigo 28.º da contestação e nas alíneas a) e b), do requerimento de aperfeiçoamento da contestação.
1.2.4. Em conclusão, mantém-se na íntegra a decisão da primeira instância quanto à matéria de facto.
*
2. O Direito
Em face da improcedência da impugnação da matéria de facto, está naturalmente prejudicado o conhecimento da maior parte das questões de direito suscitadas pela recorrente, importando apenas conhecer da alegada licitude da renúncia do direito de acção da autora.
2.1. Já vimos que os documentos referidos no ponto 8 dos factos provados, antes analisados, (também) fazem prova plena da materialidade das declarações da autora vertidas nos mesmos, nos termos disposto no artigo 376.º, n.º 1, do CC.
No que respeita ao seu valor probatório material, os documentos em causa não fazem prova (muito menos prova plena) do pagamento do preço devido pelos serviços acordados. Desde logo porque nenhum desses documentos contém uma declaração confessória do recebimento do preço. O que as partes declararam em tais documentos é que todas as tarefas elencadas nos contratos em litígio «se encontram concluídas e todas as funcionalidades se encontram operacionais, nada mais sendo de exigir a cada uma das outorgantes» (itálico acrescentado). Mas declarar que nada mais é de exigir a cada uma das outorgantes não equivale a declarar que o preço foi pago e recebido. São realidades distintas, sendo equacionáveis muitas razões diferentes do pagamento para as partes declararem que nada têm a exigir uma da outra. Ora, como preceitua o artigo 357.º, n.º 1, do CC, a declaração confessória deve ser inequívoca.
De todo o modo, a ré confessou nesta acção que o preço não está pago, pelo que sempre estaria afastada qualquer conclusão contrária baseada nos referidos documentos.
De resto, a própria recorrente não invoca uma qualquer confissão do recebimento do preço, mas sim uma renúncia recíproca aos direitos decorrentes para cada uma das partes dos quatro contratos em litígio. Tal renúncia encontra apoio na letra das declarações proferidas pelas partes nos documentos em análise, mais concretamente quando aí afirmam que todas as tarefas elencadas nos referidos contratos «se encontram concluídas e todas as funcionalidades se encontram operacionais, nada mais sendo de exigir a cada uma das outorgantes, pelo que ambas vêm, renunciar ao direito de acção contra a contraparte por qualquer questão respeitante ao referido contrato de prestação de serviços» (itálico acrescentado).
O Tribunal a quo entendeu que «uma cláusula genérica em que autora e a ré declararam que renunciam ao direito de acção, é nula dada a sua ambiguidade e indeterminabilidade, nos termos do artigo 280º do C. Civil, o que determina a sua exclusão da declaração, mantendo-se válido apenas o restante conteúdo da declaração (porque cindível), operando-se a redução da declaração nos termos do artigo 292º do mesmo diploma».
Não cremos, porém, que uma tal cláusula se possa considerar indeterminável e, por essa razão, nula.
Como é pacificamente aceite pela doutrina e pela jurisprudência e, de resto, decorre da lei (veja-se, por exemplo, o artigo 400.º do CC), o artigo 280.º do CC admite que o objecto do negócio seja indeterminado, desde que possa ser determinado. Como ensina Mota Pinto (Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª ed., Coimbra 1990, p. 548), «[o] objecto negocial deve estar individualmente concretizado no momento do negócio ou poder vir a ser individualmente determinado, segundo um critério estabelecido no contrato ou na lei». A referida norma apenas sanciona com a nulidade o negócio cujo objecto seja indeterminável, o que sucede «sempre que, no momento da sua concretização, a prestação debitória não esteja definida e do contrato não resultem quaisquer critérios ou limites que a permitam definir ou delimitar no futuro» (ac. do TRP, de 08.03.2021, proc. n.º 760/18.2T8ILH.P1, rel. Pedro Damião e Cunha, bem como a doutrina e demais jurisprudência aí citada).
Esta questão tem sido amplamente debatida a respeito da determinabilidade da fiança. De acordo com o acórdão do TRP antes citado, «[t]êm sido indicados diversos critérios de determinabilidade, como a existência de limites temporais, de limites máximos, a indicação da fonte das obrigações (operações a efectuar), o especial conhecimento das operações comerciais a realizar e, bem assim, o controlo ou influência do fiador sobre o devedor».
Ao contrário do que sucedeu no situação apreciada nesse acórdão – onde estava em causa a renúncia a todos os direitos e acções de que a ré fosse ou viesse a ser detentora –, no caso vertente as declarações (negociais) de renúncia mostram-se delimitadas, desde logo no concerne à sua fonte, pois decorre de forma expressa e clara de cada uma dessas declarações que a renúncia ao direito de acção contra a contraparte abrange apenas as questões respeitantes ao contrato de prestação de serviços referido em cada um desses documentos, não assumindo tais renúncias um carácter genérico, o que também as coloca a salvo da ilicitude decorrente da violação do comando constitucional ínsito no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa (CRP).
Na verdade, tanto a lei fundamental como a lei ordinária impedem que alguém se obrigue perante outra ou outras pessoas, de forma genérica, a não recorrer aos tribunais para defender os direitos e interesses, mas já não de renunciarem a esse direito relativamente a questões concretas devidamente individualizadas, como sucede com muito frequência a respeito dos direitos fundados em determinada relação laboral finda.
É, precisamente, o que sucede nas situações de remissão abdicativa, prevista e regulada nos artigos 863.º e seguintes do CC.
Diz-se no n.º 1 desse artigo 863.º que o credor pode remitir a dívida por contrato com o devedor, acrescentando o n.º 2 do mesmo artigo que, quando tiver o carácter de liberalidade, a remissão por negócio entre vivos é havida como doação, na conformidade dos artigos 940.º e seguintes.
Nestas situações, a extinção da obrigação não ocorre em virtude da realização da prestação, mas por força da própria renúncia.
Mas, conforme sublinha Antunes Varela (Das Obrigações em Geral, vol. II, 4ª ed., p. 236), a remissão necessita de revestir a forma de contrato, quer se trate de remissão donativa, quer de remissão puramente abdicativa. Não basta, por conseguinte, a declaração abdicativa ou renunciativa do credor para extinguir a obrigação. Esse efeito só resulta do acordo entre os dois titulares da relação creditória. É importante dizer, no entanto, que a lei não exige que o consentimento do devedor seja manifestado por forma expressa, estando, portanto, sujeito às regras gerais dos artigos 217.º e 218.º do CC sobre declarações negociais (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, volume II, 1968, p, 108).
Nos termos expostos, importa verificar se as declarações subscritas por ambas as partes a que nos vimos referindo se subsumem a esta figura da remissão abdicativa, ou seja, se por via dessas declarações as partes – maxime a autora/recorrida – quiseram renunciar a exigir judicialmente os direitos emergentes dos contratos referidos em cada uma das mencionadas declarações, ou seja, dos contratos referidos nos pontos 2 a 5 dos factos provados, mormente o direito a exigir o recebimento do preço estipulado em cada um desses contratos, afastando definitivamente da sua esfera jurídica os instrumentos de tutela desse direito, conforme acentua Antunes Varela (Das Obrigações em Geral, 2.º volume, 7.ª edição, p. 243).
Tal pressupõe a interpretação das declarações negociais em causa, em conformidade com os critérios previstos nos artigos 236.º e seguintes do CC, sendo certo que nessa tarefa interpretativa contamos apenas com os textos das declarações em causa e com as circunstâncias em que as mesmas foram elaboradas e subscritas e que estão descritas na demais factualidade apurada.
Não restam dúvidas de que as renúncias em análise decorrem de acordos celebrados entre as partes, escritos e subscritos por ambas, de sendo, de resto, recíprocas. Dito de outro modo, as renúncias de cada parte (maxime da autora/recorrida) foram feitas com a aquiescência da contraparte, expressa no mesmo documento.
Tais declarações negociais – é disso que se trata – valem com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante – artigo 236.º, n.º 1, do CC. No dizer de Mota Pinto (cit., pp. 447 e 448), «[r]eleva o sentido que seria considerado por uma pessoa normalmente diligente, sagaz e experiente em face dos termos da declaração e de todas as circunstâncias situadas dentro do horizonte concreto do destinatário, isto é, em face daquilo que o concreto destinatário da declaração conhecia e daquilo até onde ele podia conhecer». Mas, de acordo com o n.º 2 do mesmo preceito legal, sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é esta que prevalece, ainda que haja divergência entre a mesma e a resultante da aplicação da teoria da impressão do destinatário.
No caso concreto, nada se apurou sobre a real vontade das partes, sendo certo que o Tribunal a quo julgou não provado o contexto alegado no artigo 7.º do requerimento de 20.12.2017 e que ambas as partes se conformaram com esta apreciação. Valerá, portanto, o sentido decorrente da regra geral da impressão do destinatário consagrada no n.º 1, do artigo 236.º, do CC.
Perante o teor das declarações da autora e da ré em análise, temos como certo que um declaratário normal, colocado na posição de cada uma das partes, entenderia que a contraparte quis renunciar a qualquer direito decorrente do contrato de prestação de serviços identificado no respectivo documento, aí se incluindo o direito de exigir o pagamento da retribuição acordada pela prestação de tais serviços.
Poderia equacionar-se se as partes não pretenderam limitar esta renúncia ao direito de exigir o cumprimento das obrigações decorrentes da cláusula sexta de cada um dos contratos, pois, nas declarações em causa, as partes começam por afirmar que o projecto a que respeita cada um dos contratos «se encontra definitiva e satisfatoriamente cumprido, ambas declarando que, especificamente no que diz respeito à solução melhor descrita na cláusula sexta do referido contrato de prestação de serviços, todas as tarefas aí elencadas se encontram concluídas e todas as funcionalidades se encontram operacionais, nada mais sendo de exigir a cada uma das outorgantes». Se a declaração terminasse aqui, admite-se que a remissão abdicativa estivesse cingida à conclusão e operacionalidade da aludida solução. Mas a verdade é que as partes acrescentaram ainda que «ambas vêm, renunciar ao direito de acção contra a contraparte por qualquer questão respeitante ao referido contrato de prestação de serviços». Ora, a referência a qualquer questão respeitante ao contrato de prestação de serviços, em vez de qualquer questão respeitante à conclusão e à operacionalidade dos serviços, é naturalmente entendida por um declaratário normal como abrangendo todos os direitos decorrentes do contrato em causa, inclusivamente o direito a exigir a retribuição acordada.
De resto, alguns dos serviços elencados nas cláusulas sextas de dos dois contratos em referência, que as partes declararam terem sido integralmente prestados, pressupunham o prévio pagamento do preço, nos termos já antes referidos.
Acresce que as demais circunstâncias apuradas não só não contrariam, como acabam por corroborar, esta interpretação.
Em primeiro lugar, os quatro contratos de prestação de serviços referidos nas declarações que vimos analisando previam que a sua completa execução ocorresse em 31.05.2025 (cfr. cláusula 11.ª de cada um desses contratos). Em segundo lugar, nos dias 20 e 27 de Abril de 2015 a autora havia instado a ré a informar que facturas esta iria pagar até ao final desse mês ou início do mês de Maio, sem excluir as facturas em cobrança nestes autos (cfr. pontos 10 a 12 dos factos provados). Em terceiro lugar, na data de emissão das referidas declarações todas as facturas cujo pagamento aqui é pedido estavam emitidas e vencidas (cfr. ponto 6 dos factos provados e documentos aí referidos). Neste contexto, a declaração de renúncia ao direito de acção por qualquer questão respeitante aos referidos contratos de prestação de serviços só pode ser entendida como abarcando o direito de exigir a retribuição acordada.
Em conclusão, os “Termos de Aceitação e Conclusão do Projecto” referidos no ponto 7 dos factos provados configuram verdadeiras remissões abdicativas, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 863.º, n.º 1, do CC, extintivas da obrigação da ré de pagar as retribuições acordadas.
Nestes temos, só a demonstração de algum vício invalidante das declarações que integram aquelas remissões abdicativas poderia obstar a este efeito extintivo. Mas já vimos anteriormente que tal não ficou demonstrado, sendo aqui aplicáveis todas as considerações que então aduzimos sobre o valor probatório dos documentos que vimos analisando.
Impõe-se, assim, revogar a sentença recorrida e julgar improcedente o pedido da autora, com fundamento na excepção peremptória de remissão abdicativa.
Consequentemente, as custas da acção e do recurso serão suportadas pela recorrida, nos termos do disposto no artigo 527.º do CPC.
2.2. Veio a recorrente pedir a condenação da recorrida como litigante de má-fé, por ter proposta esta acção apesar de renunciado de forma lícita ao direito de acção.
De acordo com o disposto no artigo 542.º, n.º 2, do CPC, diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave: a) tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b) tiver alterado a verdade dos factos ou tiver omitido factos relevantes para a decisão da causa; c) tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; d) tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
A má-fé a que se reportam as referidas alíneas a) e b) é a má fé material ou substancial, aquela que se refere à relação jurídica material (vide, Alberto dos Reis, CPC Anotado, II, 3ª ed., p. 264). As restantes alíneas respeitam à chamada má fé instrumental.
A litigância de má-fé surge como um instituto processual, de tipo público e que visa o imediato policiamento do processo. Não se trata de uma manifestação de responsabilidade civil, que pretenda suprimir danos, ilícita e culposamente causados a outrem, através de actuações processuais. Antes corresponde a um subsistema sancionatório próprio, de âmbito limitado e com objectivos muito práticos e restritos.
No essencial, não relevam aí todas e quaisquer violações de normas jurídicas, mas apenas as actuações tipificadas nas diversas alíneas do citado artigo 542.º, n.º 2, do CPC; não é requerido dano: a conduta é punida em si, independentemente do resultado; exige-se dolo ou grave negligência, e não culpa lato sensu, em moldes civis; as consequências são apenas multa e, nalguns casos, indemnização calculada em moldes especiais (artigos 542.º, n.º 1, e 543.º, do CPC).
Tem-se entendido que a conclusão no sentido da litigância de má-fé não se pode extrair, mecanicamente, da simples alegação de factos pessoais que não se provaram ou da negação de factos pessoais que vieram a provar-se (acs. do STJ de 20.10.98 e da Relação do Porto de 24.10.02, disponíveis em www.dgsi.pt, nºs conv. 34689 e 35094, respectivamente).
Acresce que a má-fé processual não opera no domínio da interpretação e aplicação das regras do direito, mas no domínio dos factos; como se diz no ac. do STJ de 03.01.2007, in www.dgsi.pt, a sustentação de posições jurídicas, porventura desconformes com a correcta interpretação da lei, não basta à conclusão da litigância de má fé de quem as sustenta.
No caso concreto, a pretensão da autora baseou-se, para além do mais, no entendimento de que ainda lhe era possível exigir o pagamento da retribuição devida, sabendo-se que esse pagamento não chegou a ser feito, sendo ainda certo que aquela não só não omitiu, como ela própria alegou e juntou aos autos a celebração dos “termos de aceitação e conclusão dos projectos” antes analisados.
Afigura-se, assim, manifesto que a sua conduta, ainda que juridicamente infundada, não se integra em algum dos comportamentos relevantes para os efeitos da norma citada. Dito de outro modo, a sua conduta assenta numa determinada interpretação da lei, com a qual se não concorda, mas que é insuficiente para configurar uma litigância de má fé.
Desta forma, impõe-se julgar improcedente os pedidos de condenação como litigante de má fé.
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III. Decisão
Pelo exposto, na procedência da apelação, os Juízes desta 2.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto revogam a decisão recorrida e julgam a acção totalmente improcedente, absolvendo a ré do pedido.

Custas pela autora/recorrida.

Registe e notifique.
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Sumário (artigo 663.º, n.º 7, do CPC):
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Porto, 28 de Março de 2023
Artur Dionísio Oliveira
Maria Eiró
João Proença