Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0051708
Nº Convencional: JTRP00031609
Relator: BRAZÃO DE CARVALHO
Descritores: DEFEITO DA OBRA
DENÚNCIA
PRAZO
CONTAGEM DOS PRAZOS
Nº do Documento: RP200103120051708
Data do Acordão: 03/12/2001
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: 3 J CIV STO TIRSO
Processo no Tribunal Recorrido: 611/99
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO. CONFIRMADA A DECISÃO.
Área Temática: DIR CIV - DIR RESP CIV.
Legislação Nacional: CCIV66 ART1220 N1 ART1225.
Sumário: No que respeita a imóveis de longo duração, o dono da obra tem que denunciar os defeitos dentro do prazo de um ano após o conhecimento e pedir a indemnização no ano seguinte.
Não prescreve o respectivo normativo (artigo 1225 do Código Civil) qual o momento do início do prazo de um ano para o exercício do direito de denúncia, mas dada a similitude de situações, deve aplicar-se, por analogia, o disposto no n.1 do artigo 1220, daquele Código, e considera-se que esse prazo se inicia no momento da descoberta dos defeitos.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

I.
No -º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Santo Tirso, João...... e mulher intentaram acção ordinária contra C......., requerendo que seja condenada a reconhecer que não cumpriu o contrato de empreitada estabelecido com os AA., uma vez que a obra por si executada apresentava defeitos. E ainda que seja condenada a pagar a quantia de 3.300.000$00 para os ressarcir do que tiveram de pagar a outro empreiteiro, bem como as custas do processo.
Alegam para tanto que a obra apresentava graves defeitos, nomeadamente alto teor de humidade nas paredes e soalhos, por inexistente impermeabilização das mesmas. Fundamentam a presente acção nos arts. 798º, 799º e 566º do C. Civil.
Contestou a R., arguindo a excepção peremptória de caducidade, alegando que os AA. não exerceram o seu direito de indemnização dentro do prazo de um ano previsto no art. 1225º, nº. 2 do C. Civil, uma vez que tiveram conhecimento dos alegados defeitos em Fevereiro de 1994 e somente deram entrada da acção em Fevereiro de 1999.
Os AA. responderam na réplica, sustentando que não se verifica a alegada excepção.
II.
Elaborou-se Despacho Saneador que julgou procedente a excepção peremptória de caducidade e, em consequência, absolveu a R. do pedido formulado pelos AA..
III.
Inconformados com o Despacho Saneador vieram os AA. interpor recurso de apelação, concluindo do seguinte modo:
1. A presente acção, em que os AA. pedem ao empreiteiro com quem celebraram um contrato de empreitada, uma indemnização correspondente a reparações feitas por um terceiro de defeitos da empreitada foi julgada improcedente no despacho saneador por duas razões:
a). os AA. não podiam, salvo se estivessem em estado de necessidade ou de manifesta urgência, recorrer aos serviços de outro empreiteiro, mas apenas exigir judicialmente do primitivo empreiteiro a indemnização dos defeitos;
b). tendo os AA. Formulado o pedido indemnizatório em 1999, caducara já o direito de acção, que ocorrera pelo menos em 9 de Janeiro de 1997.
2. A nosso ver, erradamente se decidiu, pois o processo não contém ainda elementos suficientes para uma decisão conscienciosa no despacho saneador, nem quanto à questão da indemnização dos defeitos feita por um terceiro, nem quanto à caducidade.
3. É que, sendo certo que se alegou que o contrato de empreitada foi celebrado em 1990, que a empreitada foi concluída em 1992, que em Fevereiro de 1994 os AA. se aperceberam dos defeitos da obra consistentes em altos índices de humidade, que logo fizeram à R. a denúncia desses defeitos, pedindo a reparação, que ante a recusa pela R. da reparação, ao AA., com vista a certificarem os seus direitos, pediram ao Instituto de Construção do Porto um relatório técnico que lhes foi remetido em 9/11/96, parte em Agosto de 1996, confirmando os defeitos apontados, a responsabilidade da R. empreiteira, e indicando as medidas a adoptar, sendo certo que após a análise desse relatório a R. continuou a recusar fazer reparações, mas aceitou a sua responsabilidade, não apenas era legítimo aos AA. mandarem efectuar as reparações por um terceiro e pedirem à R. a respectiva indemnização, como, com aquele reconhecimento do direito, ficava impedida a caducidade nos termos do art. 331º, nº. 2 do Código Civil.
4. Com efeito, a jurisprudência tem entendido e do mesmo passo a doutrina (cfr. Ac. Rel. Porto de 22/1/96 in Col Jur. XXI, I, 202 e Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso, em especial na compra e venda e na empreitada, 1994, pág. 389) que, ocorrendo uma colisão de direitos entre o direito do dono da obra de a recebê-la sem defeitos e o direito do empreiteiro de ser ele a repará-los, aquele direito do dono da obra é superior e prevalece sobre o do empreiteiro quando o empreiteiro esteja em mora quanto ao seu dever de eliminar os defeitos e a eliminação destes for urgente, pelo que, nessa hipótese, o dono da obra pode eliminar por si os defeitos e exigir, depois, do empreiteiro indemnização das despesas feitas, constituindo abuso de direito a pretensão do empreiteiro de, nessas circunstâncias, se pretender prevalecer do seu direito de ele próprio eliminar os defeitos.
5. No caso sul judice não obsta, aliás, à existência de urgência na reparação, o facto de os AA. só a terem feito mais de dois anos após a verificação dos defeitos, porquanto tiveram eles de estar à espera de um relatório credível que não apenas descrevesse as patologias verificadas no prédio, como indicassem o nome do responsável, uma vez que até este era questionável, já que tinha havido vários empreiteiros sucessivamente ocupados da obra.
6. Por outro lado, a própria circunstância de se alegar que o prédio revelava enormes humidades e estando os AA. a habitá-lo, demonstra a extrema urgência na realização das obras, porque uma casa húmida tem francas condições de inabitabilidade, com risco de saúde dos seus habitantes, que evidentemente tornam urgente a eliminação das causas desses defeitos.
7. Tendo sido alegado que só a partir de 9/01/96 os AA. ficaram a saber em definitivo (arts. 26º e sgs. da petição e documentos aí citados) quais as deficiências concretas que o prédio sofria, o modo de as superar e quem era o empreiteiro responsável por essas deficiências, tendo Também sido alegado e em parte aceite pela própria R. (cfr. art. 41º da contestação) que a R. depois de ver o relatório citado, ou seja, depois de Janeiro e Agosto de 1996 se considerava, pelo menos em parte, responsável pelas reparações que os AA. exigiam (art. 10º da réplica) não era possível julgar-se caduco o direito de acção, sem prova complementar, nos termos do art. 1225º, nº. 2 do Código Civil, só porque a acção entrou em Fevereiro de 1999.
8. Com efeito, não apenas a caducidade só pode começar a correr no momento em que o direito puder ser exercido, ou seja a partir de Agosto de 1996, como o prazo aludido naquele normativo para a propositura da acção é de dois anos (denúncia no prazo de um ano e indemnização no ano seguinte à denúncia) e, por último, impede a verificação da caducidade o reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deve ser exercido (art. 331º, nº. 2 do Código Civil).
9. O despacho saneador recorrido violou, pois, o comando dos arts. 1221º, 1225º, 331º, nº. 2, 329º e 335º do Código Civil.
A R. contra-alegou e pugnou pela manutenção do despacho saneador recorrido.
IV.
Colhidos os vistos cumpre decidir:
São as conclusões de recurso que, em princípio, delimitam o seu objecto – arts. 684º, nº. 3 e 690º, nº. 1 do CPC – e a questão que se coloca é a de saber se se verifica a excepção peremptória da caducidade do exercício do direito a indemnização pela eliminação de defeitos na empreitada por terceiro.
Nos termos do art. 1207º do C. Civil empreitada é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação a outra a realizar certa obra, mediante um preço.
Como ensina Pedro Romano Martinez, Empreitada, 1994, 184 e 185, e refere Rosendo Dias José, Responsabilidade Civil do Construtor de Imóveis, pág. 10/11, “em linhas gerais o empreiteiro, antes da entrega, está sujeito aos princípios comuns da responsabilidade. As suas obrigações principais são executar o trabalho prometido e efectuar a entrega logo que ele esteja terminado ou no prazo convencionado. A inexecução de qualquer destas obrigações constitui responsabilidade contratual com fundamento na falta cometida...”. E mais adiante: “Se o empreiteiro não faz a obra ou cai em mora o dono da obra valer-se-á dos meios comuns do credor”.
Já o art. 1222º disciplina a responsabilidade do empreiteiro após a entrega da obra (Rosendo Dias José, ob. citada, pág. 14 e ss.) pressupondo, pois, que o empreiteiro entregue pronta uma obra que não tenha sido realizada nos termos devidos, ou seja, uma obra que tenha defeitos (Col. 95, I, 144).
No que respeita a imóveis de longa duração o dono da obra tem que denunciar os defeitos dentro de um ano após o conhecimento e pedir a indemnização no ano seguinte, art. 1225º do C. Civil.
Não prescreve o nº. 2 do mesmo normativo qual o momento do início do prazo de um ano para o exercício do direito de denúncia, mas dada a similitude de situações, deve aplicar-se, por analogia, o disposto no nº. 1 do art. 1220º do C. Civil e considerar-se que esse prazo se inicia no momento da descoberta dos defeitos, logo Fevereiro de 1994.
Logo nesta altura os AA. deram conhecimento à R. para eliminar o defeito, mas esta declinou toda e qualquer responsabilidade, recusando-se repará-lo.
Quid Iuris?
Do conjunto de direitos conferidos pelos arts. 1221º a 1223º do C. Civil resulta que não é arbitrário para o dono da obra o exercício de qualquer um deles, antes devendo seguir a ordem estabelecida na lei, só podendo passar ao seguinte no caso de se revelar inviável o anterior (Ac. do STJ de 14/3/95, BMJ 445-464).
Deveriam os AA. ter procedido à execução específica ou exigir a redução do preço e, porventura, a indemnização pelo interesse contratual positivo, como sustenta a decisão recorrida.
Assim, tinham os AA., ora apelantes, até Fevereiro de 1995 para fazer a denúncia e até Fevereiro de 1996 para pedir a indemnização, sendo que este regime de prazos também é aplicável ao direito à eliminação dos defeitos previsto no art. 1221º do C. Civil.
Alegam os apelantes que só em Setembro de 1996 obtiveram um relatório técnico de detecção dos defeitos. Mesmo que considerássemos que só nesta altura tomaram conhecimento efectivo dos defeitos tinham o prazo de um ano para os denunciar, até Setembro de 1997, e tinham mais um ano para intentar a correspondente acção a exigir a eliminação/reparação ou redução e indemnização, ou seja, até Setembro de 1998. Acontece que a presente acção deu entrada no Tribunal em Fevereiro de 1999.
Não vale aqui o prazo de 5 anos do 1225º, nº. 1 do C. Civil, porque este conta-se da entrega (1992) e não da denúncia. E, além disso, os AA. não propuseram uma acção de eliminação/reparação ou redução, mas mandaram efectuar a obra por terceiro e vêm agora peticionar o custo da mesma, alegando urgência na eliminação dos defeitos.
Ora é ponto assente que não pode o dono da obra eliminar por si ou mandar eliminar por outro empreiteiro os defeitos para pedir depois ao primitivo empreiteiro o custo do que pagou por essa eliminação, nem sequer pode pedir, em acção ou reconvenção, a condenação do empreiteiro a pagar-lhe a quantia, a indemnização que entende necessária para o efeito.
Em caso de urgência na eliminação dos defeitos “seria abusiva a invocação pelo empreiteiro do seu direito de eliminar ele próprio os defeitos para se furtar a indemnizar o dono da obra, quando este só os eliminou porque o empreiteiro se colocou em mora no seu correspondente dever e a eliminação era urgente para o dono da obra” (Ac. da RP, Col. 96, I, 203).
Também Pedro Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso, pág. 389, ensina que “Todavia, em casos de manifesta urgência, e para evitar maiores prejuízos, é admissível que o credor (que aqui é o dono da obra), directamente e sem intervenção do poder judicial, proceda à eliminação dos defeitos, exigindo, depois, as respectivas despesas. Esta ilação tem por base o princípio do estado de necessidade (339º)”.
Mais uma vez concordamos com a decisão recorrida, pois, “na verdade, se urgência houvesse na imediata correcção dos defeitos, não estariam os AA. à espera do relatório técnico que haviam encomendado, cerca do dois anos, e mais alguns meses para contratar um novo empreiteiro para realizar tal obra de correcção”. Acresce a isto que os AA. teriam tido tempo suficiente para intentar uma acção judicial em que peticionassem o cumprimento e no decurso da qual aliás poderia ser realizada peritagem, não tendo que aguardar dois anos pelo relatório referido.
Alegam ainda os apelantes um impedimento à caducidade – o reconhecimento por parte do empreiteiro da sua responsabilidade.
Equivale à denúncia o reconhecimento, por parte do empreiteiro, da existência dos defeitos (art. 1220, nº. 2), desde que o faça posteriormente à aceitação da obra. O decurso do prazo implica caducidade dos direitos do dono da obra, cumprindo ao empreiteiro o ónus da prova da excepção –342º, nº. 2 do C. Civil (Col. STJ 94 – III – 93).
Todavia, são os próprios AA. a reconhecerem no art. 23º da P. I. que a R. “declinou toda e qualquer responsabilidade, recusando repará-lo”. Não têm, também aqui, razão os apelantes.
Assim, face ao exposto, acorda-se em negar provimento à apelação, confirmando-se o despacho saneador recorrido.
Custas pelos apelantes.
Porto, 12 de Março de 2001
Adérito Pereira Brazão de Carvalho
Manuel David da Rocha Ribeiro de Almeida
Bernardino Cenão Couto Pereira