Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0816766
Nº Convencional: JTRP00042051
Relator: MARIA DO CARMO SILVA DIAS
Descritores: CRIME DE COACÇÃO
Nº do Documento: RP200901070816766
Data do Acordão: 01/07/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC. PENAL.
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE.
Indicações Eventuais: LIVRO 561 - FLS. 205.
Área Temática: .
Sumário: I- No crime de coacção, o núcleo essencial da acção típica consiste na conduta de constranger (coagir) outra pessoa, mediante meios tipificados na lei, a realizar uma acção ou omissão ou a suportar uma actividade.
II- Os meios de execução do crime são o uso da violência ou de ameaça com mal importante.
III- A “violência” implica, em sentido restrito, o emprego da força física (o que se traduz num efeito corporal), podendo no entanto ser entendida de modo mais amplo, de forma a abranger a violência psíquica (traduzindo-se esta numa pressão anímica exercida sobre a vítima, anulando, ainda que parcialmente, a sua vontade ou colocando-a numa situação de inferioridade que a impede de reagir como queria).
IV- “Ameaçar” é enunciar o propósito de fazer mal a alguém, podendo abranger a coacção psicológica, traduzindo-se esta na perturbação da liberdade interior de decisão e da liberdade de acção da vítima, o que pressupõe um mal futuro que dependa (ou apareça como dependente) da vontade do agente.
V- A ameaça de mal importante deve ser adequada a constranger o sujeito passivo, de modo a prejudicar a sua liberdade de determinação. A gravidade objectiva do mal ameaçado radica na sua idoneidade para provocar na vítima um estado de temor tal, que seja induzido a escolher, como saída menos gravosa, a realização de determinado comportamento querido pelo agente.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: (proc. n º 6766/08-1)
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Acordam, em conferência, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto:
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I- RELATÓRIO
1. No Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, nos autos de processo comum (tribunal singular) nº …../07.5GAVNG a correr termos no …º Juízo Criminal, foi proferida sentença, em 4/06/2008 (fls. 136 a 142), constando do dispositivo o seguinte:
“Por tudo o exposto, decido:
Condenar o arguido B………….., pela prática, em autoria material, de um crime de coacção grave na forma tentada, p. e p. pelos artigos 154°, nºs 1 e 2 e 155º, n.° 1, al. a) do Código Penal, na pena de 18 (dezoito) meses de prisão.
Decido suspender a execução da pena de prisão aplicada ao arguido pelo período de 18 (dezoito) meses.
O arguido vai, ainda, condenado nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC, acrescida de procuradoria que se fixa em ½ (metade) de uma UC, de 1% a favor das vítimas de crimes violentos (artigo 13º do Decreto-Lei nº 423/91 de 30 de Outubro, bem como, os honorários a atribuir ao ilustre defensor oficioso em conformidade com a tabela anexa à Portaria nº 1386/04, de 10/11, a adiantar pelo C.G.T..
Notifique.
Procede-se ao depósito da sentença após a sua leitura (artigo 373º, nº 2 do Código de Processo Penal).
Após trânsito, remeta boletim ao Registo Criminal.
(…)”
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2. Não se conformando com a sentença, o arguido B…………. dela interpôs recurso (fls. 157 a 159), formulando as seguintes conclusões:
“ 1. O arguido não foi ouvido, não tendo oportunidade de exercer o contraditório.
2. A condenação foi efectuada unicamente com base nas declarações do ofendido.
3. A prova produzida tem como único fundamento a convicção pessoal do julgador, que num juízo de reconstrução da factualidade, alicerçada na sua experiência entendeu presumir a verificação dos factos.
4. As únicas declarações ouvidas foram a de quase “parte”, interessada num resultado, que em sede de julgamento entendeu afastar.
5. A decisão violou o princípio in dubio pro reo, evidenciando através da motivação da convicção do tribunal; tendo ficado num estado de dúvida, decidiu contra o arguido.
6. A conclusão retirada pelo tribunal em matéria de prova materializou-se numa decisão contra o arguido, que não foi suportada de forma suficiente – de modo a não deixar dúvidas irremovíveis quanto ao seu sentido – pela prova em que assenta a convicção.
7. Sem conceder, o tribunal a quo deveria ter entendido que a existir tutela penal para os factos alegados, nunca estes preencheriam o tipo legal de coacção, p. e p. nos arts. 154 e 155 do CP.
8. O exposto aproxima-se do tipo de ofensas à integridade física simples.
9. A aplicação de uma medida criminal divertida poderia alcançar resultados mais relevantes e socialmente credíveis.
10. O requerente não tem qualquer antecedente criminal em crimes que envolvam as restrições às liberdades individuais.”
Termina pedindo a revogação da sentença sob recurso, alterando-se a mesma e isentando de pena o arguido ou então que seja determinado o reenvio do processo para novo julgamento.
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3. Na 1ª instância o Ministério Público respondeu ao recurso (fls. 183 a 191), pugnando pelo seu não provimento.
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4. Nesta Relação, o Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer (fls. 198), concluindo pela rejeição do recurso por manifesta improcedência.
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5. Foi cumprido o disposto no art. 417 nº 2 do CPP.

6. Feito o exame preliminar e, colhidos os vistos legais, realizou-se a conferência.
Cumpre, assim, apreciar e decidir.
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7. Na sentença sob recurso:
Foram considerados provados os seguintes factos:
“1 - Com interesse directo e relevante para a decisão da causa, o tribunal tem por provada a factualidade que se segue:
2 - No dia 17 de Abril de 2007, cerca das 14.30 horas, na Rua ……., n.° ….., Vila Nova de Gaia, o arguido B…………….. tocou à campainha da residência do ofendido C……………..
3 - Após o ofendido ter aberto a porta, o arguido B………….. desferiu pelo menos um murro na face do ofendido e, empunhando uma arma de fogo de características não concretamente apuradas, apontada ao ofendido, anunciou-lhe que o mataria caso não pagasse a quantia de 1500€ que lhe devia, o que foi recusado por C……………..
4 - O ofendido logrou fugir e fechou a porta da sua residência enquanto o arguido disse que se o ofendido apresentasse queixa que iria desaparecer da face da terra e que ele mesmo o matava e que se não fosse ele alguém o faria.
5 - Ao actuar como se descreveu, o arguido fê-lo com a intenção de constranger o ofendido, através de violência física e das ameaças à vida, a entregar-lhe a quantia de 1500€ contra a sua vontade e procurando aproveitar-se do temor e dores físicas que provocou em C……………. e só não conseguiu naquele momento os seu intentos em virtude da recusa do ofendido, que reagiu à conduta do arguido e logrou que o mesmo saísse daquele local sem efectuar qualquer pagamento.
6 - O arguido agiu de sua livre vontade, conscientemente e com pleno conhecimento de que a sua conduta era proibida por lei.
7 - Do certificado de registo criminal do arguido consta que o mesmo já foi julgado e condenado em penas de multa pela prática em 17/04/2005, 19/05/2002, 29/05/2002 e 15/11/2002 dos crimes de emissão de cheque sem provisão.”

Quanto a factos não provados consignou-se:
“Não existem factos considerados não provados.
Não se logrou provar qualquer outro facto susceptível de influir na boa decisão da causa.”

No que respeita à fundamentação da decisão proferida sobre a matéria de facto, mencionou-se:
“A decisão da matéria de facto tem por base a análise critico-reflexiva do conjunto dos meios de prova produzidos em sede de audiência de julgamento, tendo tido em consideração, face à ausência do arguido:
O depoimento do ofendido, o qual de forma séria, isenta e credível confirmou os factos constantes da acusação, esclarecendo, que o arguido lhe deu um murro na face. Declarou, também, que perdoou ao arguido e que se pudesse desistia da queixa apresentada.
O teor do auto de participação, bem como, dos documentos juntos aos autos, nomeadamente, o teor do auto de denúncia e o certificado de registo criminal do arguido.”

Na fundamentação da espécie e medida da pena escreveu-se o seguinte:
“O crime de coacção em apreço é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos de prisão.
De acordo com o artigo 23º, nº 2, a tentativa é punível com a pena aplicável ao crime consumado especialmente atenuada.
Nos termos do art. 73º, nº 1º, a) do Código Penal “Sempre que houver lugar à atenuação especial da pena, observa-se o seguinte relativamente aos limites da pena aplicável: a) o limite máximo da pena de prisão é reduzido de um terço; b) o limite mínimo da pena de prisão é reduzido a um quinto se for igual ou superior a 3 anos e ao mínimo legal se for inferior; c) o limite máximo da pena de multa é reduzido de um terço e o limite mínimo é reduzido ao mínimo legal”.
A moldura abstracta do crime de coacção em apreço por aplicação do citado preceito e diploma legal, situa-se entre 1 mês e 3 anos e 4 meses.
Importa, seguidamente, determinar a medida da pena que, em concreto, se adequa ao comportamento do arguido, para o que, de acordo com o disposto no artigo 71º, do Código Penal, se tem de atender à culpa do agente e às exigências de prevenção de futuros crimes, bem como, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte dos elementos essenciais da infracção, deponham a seu favor ou contra ele.
Na determinação da medida da pena, far-se-á tendo em conta as exigências de prevenção de futuros crimes.
No domínio atinente às exigências de prevenção geral, a pena satisfaz aqui necessidades de fortalecimento da consciência jurídica comunitária, isto é, visa a estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada, sendo certo que em sede de criminalidade contra o património, se fazem sentir particulares necessidades de prevenção, atento o elevado número de crimes desta natureza.
No tocante às exigências ao nível da prevenção especial, torna-se necessário usar a pena na sua função subordinada de advertência do agente, alertando-o para uma maior conformação com os padrões axiológicos vigentes.
Em sede de culpa, importa salientar que o arguido agiu com dolo directo.
Favoravelmente ao arguido, importa ponderar a circunstância de o mesmo não possuir antecedentes criminais pela prática deste crime.
Tudo ponderado, afigura-se-nos necessário e adequado aplicar ao arguido, a pena de 18 (dezoito) meses de prisão.
O facto de o arguido não possuir antecedentes criminais pela prática deste crime e apenas ter sido condenado até ao momento por crimes de emissão de cheque sem provisão, todos eles punidos com penas de multa, consideramos que a simples censura do facto e a ameaça da pena realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Assim, nos termos do artigo 50º, nºs 1 e 5, do Código Penal (na redacção introduzida pela Lei nº 59/2007, de 04/09), decide-se suspender a execução da pena de prisão aplicada ao arguido pelo período de 18 (dezoito) meses.”
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II- FUNDAMENTAÇÃO
O objecto do recurso, demarcado pelo teor das suas conclusões (art. 412 nº 1 do CPP), suscita a apreciação das seguintes questões:
1ª - Verificar se, por o arguido não ter sido ouvido em julgamento (o qual se realizou na sua ausência), ficou impossibilitado de exercer o contraditório;
2ª - Analisar se o recorrente/arguido cumpriu os ónus previstos no art. 412 nº 3 e 4 do CPP, uma vez que discorda da decisão proferida sobre a matéria de facto;
3ª - Ver se do texto da decisão sob recurso resulta haver insuficiência de provas, errada apreciação da prova (quanto à valoração do depoimento da testemunha/ofendido), violação do disposto no art. 127 do CPP e, ainda, do princípio do in dubio pro reo;
4ª - Apurar se existe erro de interpretação na subsunção dos factos ao direito (na sua perspectiva a sua conduta apenas integraria crime de ofensa à integridade física simples);
5ª - Ponderar a medida da pena (na sua perspectiva a pena que lhe foi aplicada é excessiva, antes devendo ser imposta medida de diversão ou então ser isentado de pena).
Passemos então a apreciar cada uma das questões colocadas no recurso aqui em apreço.
1ª Questão
Invoca o recorrente que, por não ter sido ouvido em julgamento (à qual teria faltado por motivos de força maior, conforme atestado médico que junta), não teve oportunidade de exercer o contraditório.
Porém, não lhe assiste razão.
O arguido foi devidamente notificado para a audiência de julgamento a realizar em 21/5/2008, às 9h30m e, em caso de adiamento, a realizar em 28/5/2008 (fls. 68, 69 e 75).
Foi igualmente advertido que, faltando, a audiência de julgamento poderia “ter lugar na sua ausência, sendo representado para todos os efeitos possíveis pelo seu defensor” e que, na segunda data de julgamento, poderia ter lugar a sua audição, a requerimento do seu advogado ou defensor nomeado, ao abrigo do disposto no art. 333 nº 3 do CPP.
Porém, o arguido faltou quer na audiência iniciada em 21/5/2008 (sendo ali decidido que o julgamento teria lugar na ausência do arguido, por não ser essencial a sua presença – fls. 96 a 98), quer na audiência subsequente de 28/5/2008 (fls. 126 e 127), não tendo apresentado atempadamente qualquer justificação para as suas faltas (sendo certo que o atestado que junta com a motivação de recurso – independentemente da discussão que se poderia levantar quanto à oportunidade da sua junção com essa peça – se reporta ao período entre 19 e 23/5/2008, não incumbindo a este tribunal pronunciar-se sobre a pretendida justificação de falta[1]) e não tendo o respectivo defensor oficioso, que assegurou a sua defesa, requerido a sua audição nos termos do art. 333 nº 3 do CPP.
Ora, se o defensor oficioso não requereu a sua audição foi porque entendeu que isso era o melhor para a estratégia da defesa, tudo indicando, também, que o próprio arguido não lhe deu conhecimento da razão da sua falta quer à 1ª sessão, quer à 2ª sessão de julgamento (tal como não deu ao tribunal até ao momento da interposição deste recurso).
Aliás, só se pode concluir que o próprio arguido deliberadamente não quis ser ouvido em audiência: é que, sendo o atestado médico que juntou com a motivação de recurso, datado de 19/5/2008, resultando do mesmo que a impossibilidade de se ausentar do domicílio era apenas no período entre 19 e 23/5/2008, se faltou em 28/5/2008 foi porque quis e, portanto, apenas se pode deduzir que não queria ser ouvido em julgamento (cf. de resto o teor do mandado de notificação de fls. 68 e 69 onde foi esclarecido que na segunda data de julgamento, poderia ter lugar a sua audição, a requerimento do seu advogado ou defensor nomeado, ao abrigo do disposto no art. 333 nº 3 do CPP).
Por sua vez, produzida a prova em audiência de julgamento (inquirição da testemunha C…………….), o tribunal também não viu necessidade para alterar o que anteriormente decidira quanto à realização do julgamento na ausência do arguido (portanto, continuou a entender que não era necessária a presença do arguido).
Foi, portanto, observado o disposto no art. 333 nºs 1 a 3 CPP (tanto mais que o arguido havia prestado Termo de Identidade e Residência nos termos que constam de fls. 27, com observância do formalismo previsto no art. 196 do CPP), cumprido todo o formalismo legal, sendo o contraditório exercido pelo respectivo advogado que assumiu a defesa do arguido/recorrente.
Assim, improcede a argumentação do recorrente quando invoca que por não ter sido ouvido em audiência não teve oportunidade de exercer o contraditório.
2ª Questão
Analisando o texto da motivação de recurso, verifica-se que o recorrente discorda da decisão proferida sobre a matéria de facto, chegando mesmo a alegar haver insuficiência de provas, errada apreciação da prova (quanto à valoração do depoimento da testemunha/ofendido), violação do disposto no art. 127 do CPP e, ainda, do princípio do in dubio pro reo.
Essa sua discordância apoia-se em raciocínio que faz com base no teor da motivação de facto da sentença sob recurso.
Mas, no próprio texto da motivação de recurso o recorrente não indica os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, não especifica as provas que impunham decisão diversa, apenas referindo que deveria ter sido ouvida testemunha (filha menor do ofendido) que, entretanto, foi prescindida pelo Ministério Público.
Para impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto nos termos do art. 412 nº 3 e 4 do CPP importa estruturar e elaborar o recurso nessa conformidade, cumprindo todos os requisitos legais.
Como se verifica dos autos, procedeu-se à documentação (por meio de gravação em CD) das declarações prestadas oralmente em audiência de julgamento (ver acta de audiência de julgamento, realizado em 21/5/2008, constante de fls. 96 a 98), a saber, depoimento da testemunha C…………… (ofendido), sendo certo que o depoimento da testemunha de acusação D……………. (nascida em 10/10/1995, como resulta da cópia do assento de nascimento junta a fls. 113) foi prescindido pelo Ministério Público na sessão do dia 28/5/2008 (ver respectiva acta de audiência de julgamento junta a fls. 126 e 127), nada tendo sido requerido pelo advogado que assumiu a defesa do arguido.
Dispõe o art. 412 nº 3 do CPP (na versão actual aplicável no caso dos autos):
Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas.
E, nos termos do nº 4 do mesmo art. 412 do CPP:
Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.
De lembrar que a impugnação da matéria de facto em sentido amplo (isto é, com observância dos ónus previstos no art. 412 nº 3 e 4 do CPP), não se pode confundir com a invocação dos vícios previstos no art. 410 nº 2 do CPP, os quais hão-de evidenciar-se do próprio texto da decisão recorrida, por si ou conjugado com as regras de experiência comum.
Seguindo o texto da motivação do recurso, verificamos que o recorrente, para sustentar a sua tese baseia-se unicamente no que consta da motivação de facto da sentença sob recurso, retirando conclusões que não encontram suporte nessa mesma decisão.
Face ao teor do texto da motivação de recurso é manifesto que o recorrente não cumpriu os ónus previstos no nº 3 e nº 4 do art. 412 do CPP.
E, não se mostrando cumpridas essas especificações, o Tribunal de recurso (aqui esta Relação) fica sem saber, ou seja, desconhece a vontade do recorrente, sendo certo que a exigência legal, contida no art. 412 nº 3 e 4 do CPP, na versão actual, não constitui um ónus excessivamente pesado para o recorrente, já que “pretendendo impugnar a decisão da matéria de facto, forçosamente há-de saber o que nesta decisão concretamente quer ver modificado, e os motivos para tal modificação, podendo, portanto, expressá-lo na motivação”[2].
Por isso, não constando tais especificações do próprio texto da motivação recurso, é «insanável a deficiência resultante da omissão dessas especificações»[3].
Daí que nem sequer se imponha a formulação de convite para o recorrente corrigir as conclusões[4].
Assim sendo, não estando cumpridos (sequer na motivação de recurso) os ónus de impugnação da matéria de facto aludidos no art. 412 nº 3 e nº 4 do CPP, este Tribunal da Relação apenas pode sindicar a decisão proferida sobre a matéria de facto no âmbito dos vícios enunciados no art. 410 nº 2 do CPP (que são de conhecimento oficioso[5]).
3ª Questão
Invoca o recorrente que do texto da motivação de facto da decisão sob recurso resulta haver insuficiência de provas, errada apreciação da prova (quanto à valoração do depoimento da testemunha/ofendido), violação do disposto no art. 127 do CPP e, ainda, do princípio do in dubio pro reo.
Pois bem.
Dispõe o art. 410 nº 2 do CPP:
Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova.
Assim, os vícios do art. 410 nº 2 do CPP, têm forçosamente de resultar do texto da decisão recorrida na sua globalidade, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo possível, para a sua demonstração, o recurso a quaisquer elementos que sejam externos à decisão, “designadamente, a declarações ou depoimentos exarados no processo durante o inquérito ou a instrução, ou até mesmo no julgamento”[6].
A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (artigo 410 nº 2-a) do CPP) “supõe que os factos provados não constituem suporte bastante para a decisão que foi tomada, quer porque não permite integrar todos os elementos materiais de um tipo de crime, quer porque deixem espaços não preenchidos relativamente a elementos essenciais à determinação da ilicitude, da culpa ou outros necessários para a fixação da medida da pena. A insuficiência significa, por outro lado, que não seja também possível uma decisão diversa da que foi tomada; se não for o caso, os factos podem não ser bastantes para constituir a base da decisão que foi tomada, mas permitir suficientemente uma decisão alternativa, mesmo de non liquet em matéria de facto. Por fim, a insuficiência da matéria de facto tem de ser objectivamente avaliada perante as várias soluções possíveis e plausíveis dentro do objecto do processo, e não na perspectiva subjectiva decorrente da interpretação pessoal do interessado perante os factos provados e as provas produzidas que permitiram a decisão sobre a matéria de facto.”[7]
A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão (art. 410 nº 2-b) do CPP) “é somente aquela que é intrínseca ao próprio teor da sentença, “considerada como peça autónoma e não também as contradições eventualmente existentes entre a decisão e o que consta do processo, no inquérito ou na instrução”.
O erro notório na apreciação da prova (art. 410 nº 2-c) do CPP) “constitui uma insuficiência que só pode ser verificada no texto e no contexto da decisão recorrida, quando existam e se revelem distorções de ordem lógica entre os factos provados e não provados, ou que traduza uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária, de todo insustentável, e por isso incorrecta, e que, em si mesma, não passe despercebida imediatamente à observação e verificação comum do homem médio. A incongruência há-de resultar de uma descoordenação factual patente que a decisão imediatamente revele, por incompatibilidade no espaço, de tempo ou de circunstâncias entre os factos, seja natural e no domínio das correlações imediatamente físicas, ou verificável no plano da realidade das coisas, apreciada não por simples projecções de probabilidade, mas segundo as regras da "experiência comum". Na dimensão valorativa das "regras da experiência comum" situam-se, por seu lado, as descontinuidades imediatamente apreensíveis nas correlações internas entre factos, que se manifestem no plano da lógica, ou da directa e patente insustentabilidade ou arbitrariedade; descontinuidades ou incongruências ostensivas ou evidentes que um homem médio, com a sua experiência da vida e das coisas, facilmente apreenderia e delas se daria conta.”[8]
Ora, compulsado o texto da decisão recorrida, por si ou conjugado com as regras da experiência comum, este Tribunal da Relação não detecta (sem prejuízo do que adiante se dirá quanto a insuficiência de matéria de facto apurada para a decisão de determinação da medida da pena a aplicar ao arguido) qualquer dos vícios enunciados no art. 410 nº 2 do CPP em relação à decisão proferida sobre a matéria de facto quanto ao objecto do processo, mais concretamente, quanto ao que era alegado na peça acusatória.
A sentença sob recurso, nesse aspecto (quanto à matéria alegada na peça acusatória), sendo de evidente clareza, mostra coerência lógica entre os factos dados como provados, não enfermando de qualquer contradição entre a motivação e a decisão proferida e não patenteando qualquer erro de que o homem médio facilmente se desse conta.
Resulta do texto da decisão recorrida que os factos dados como provados relativos à declaração de culpabilidade, permitem ao tribunal proferir uma decisão, tendo em atenção as várias soluções possíveis e plausíveis que decorrem da delimitação do objecto do processo.
Ou seja, quanto à matéria alegada na acusação, os factos apurados são suficientes e suportam uma decisão condenatória.
Daí que, não tendo sido impugnada a decisão proferida sobre a matéria de facto (nos termos do art. 412 nº 3 e 4 do CPP), sejam inconsequentes os factos alegados em sede de recurso, relativos a insuficiência de provas (v.g. por não constar dos autos avaliação médica do “murro” que o arguido desferiu na face do ofendido C………………..).
Mas, para além disso, igualmente não se detecta qualquer contradição entre a fundamentação e a decisão (nem sequer foi exposto qualquer raciocínio ilógico ou contraditório na fundamentação que apontasse para decisão contrária à de condenação), sendo certo que o seu texto revela, quanto aos factos dados como provados nos pontos 1 a 6, que o julgador baseou a sua convicção na livre apreciação do depoimento da testemunha C…………… (que prestou depoimento “de forma séria, isenta e credível, confirmou os factos constantes da acusação, esclarecendo que o arguido lhe deu um murro na face”, acrescentando, ainda, que “perdoou ao arguido e que se pudesse desistia da queixa apresentada) e quanto ao ponto 7 fundamentou-se no teor do CRC do arguido.
A convicção do julgador, nessa matéria, assentou na articulação e apreciação conjunta daquelas provas, não se evidenciando qualquer erro de interpretação, como sugere o recorrente.
Ou seja, o tribunal a quo explicitou o processo lógico e racional que seguiu na apreciação da prova que fez e, a forma como fundamentou a sua convicção, satisfaz a exigência que decorre do n.º 2 do artigo 374.º do CPP.
Além disso, a apreciação objectiva feita pelo julgador, que consubstancia o exame crítico das provas produzidas em julgamento, não contraria as regras da experiência comum, baseando-se em opção aceite na imediação e oralidade.
Do texto da decisão recorrida não resulta que a avaliação da prova feita pelo tribunal a quo contrarie as regras da experiência comum.
Aliás, verificado o texto e o contexto da decisão não se detecta o invocado vício do "erro notório na apreciação da prova" (art. 410 nº 2-c) do CPP), v.g. quanto à apreciação que foi feita do depoimento da testemunha/ofendido.
Nem sequer há distorções de ordem lógica e tão pouco foi feita qualquer apreciação que seja ilógica, arbitrária, incongruente ou insustentável, não patenteando a decisão sob recurso qualquer erro de que o homem médio facilmente se desse conta.
Basta ler a fundamentação da convicção do tribunal, quanto à decisão sobre a matéria de facto, para logo se perceber, que não existe qualquer apreciação arbitrária, nem qualquer incongruência, atentas as regras da experiência comum.
De notar que, nada impedia o tribunal de formar a sua convicção quanto aos factos que deu como provados nos pontos 1 a 6, apoiando-se apenas naquele depoimento da testemunha, não obstante este ser o próprio ofendido.
Tão pouco invalida a apreciação feita desse depoimento, a circunstância do ofendido, para além de descrever o sucedido, ter perdoado a actuação do arguido (não tem sentido a argumentação do recorrente quando alega – sem qualquer base de sustentação – que esse “perdão” significaria ausência de “violência” pelo arguido[9]).
Daí que seja irrelevante a argumentação do recorrente quando sustenta existir insuficiência de provas e quando invoca que seria útil ouvir a testemunha, filha do ofendido (que, como acima se referiu, foi prescindida).
Se tivesse havido necessidade, para o esclarecimento dos factos alegados na acusação, ouvir a testemunha que foi prescindida (a filha menor do ofendido), o tribunal teria usado da faculdade que lhe é concedida pelo art. 340 do CPP.
Ora, tendo em atenção o que consta da motivação de facto da sentença sob recurso, é manifesto que era desnecessário produzir outras provas, não assistindo razão ao recorrente quando argumenta em sentido contrário.
Acresce que, ao contrário do que alega o recorrente, não decorre do texto da sentença sob recurso que o tribunal tivesse presumido os factos dados como provados.
O que resulta do texto da decisão impugnada é que o julgador apreciou livremente (nos termos do art. 127 do CPP) o depoimento da testemunha que ouviu em julgamento, depoimento esse que o convenceu no sentido dos factos que deu como provados sob os pontos 1 a 6.
Por isso, não há qualquer surpresa quanto ao teor da decisão proferida sobre a matéria de facto dada como provada.
E, não se diga que estamos perante uma “apreciação arbitrária, discricionária ou caprichosa da prova” ou perante uma apreciação subjectiva do julgador, incontrolável ou imotivável ou, sequer desconforme com as regras da experiência.
Como sabido, na busca do convencimento sobre o caso submetido a julgamento, funciona (também) a regra básica (herdada do sistema da prova livre), consagrada no artigo 127 do CPP, da livre apreciação da prova, a qual comporta algumas “excepções”, que se prendem com aspectos particulares da prova testemunhal, das declarações do arguido e das provas pericial e documental.
A ideia da livre apreciação da prova, «uma liberdade de acordo com um dever»[10], assenta nas regras da experiência[11] e na livre convicção do julgador.
Esse critério de apreciação da prova implica que o julgador proceda a uma valoração racional, objectiva e crítica da prova produzida.
E, foi isso o que foi feito pelo Tribunal da 1ª instância, como resulta da fundamentação de facto da decisão sob recurso, não se verificando qualquer violação do disposto no art. 127 do CPP.
Esqueceu o recorrente que o que é relevante é a convicção que o tribunal forme perante as provas produzidas em audiência, e não a sua (do recorrente) convicção pessoal[12].
O que sucede, portanto, é que o recorrente quer substituir-se ao tribunal, quando pretende impor a sua própria apreciação (subjectiva e parcial) da prova produzida em julgamento.
Isto é, o recorrente esqueceu o teor do art. 127 do CPP, sendo a sua divergência pessoal e subjectiva, carecida de relevância jurídica e, como tal, inconsequente.
Assim, as arguições do recorrente quanto à decisão proferida sobre a matéria de facto dada como provada revelam-se inconsequentes.
Também não há que convocar o princípio in dubio pro reo (princípio este que se destina «a dar solução a um problema muito preciso – o da falta de convicção suficiente do julgador relativamente à matéria de facto, objecto da prova»[13]), visto que o tribunal a quo conseguiu obter a certeza dos factos que deu como provados, como se verifica do texto da respectiva fundamentação da decisão recorrida.
Decidiu em favor da versão dos factos que deu como provados, explicando e fundamentando tal opção, que era legítima.
Não existe, pois, a invocada violação do princípio in dubio pro reo.
No entanto, a decisão recorrida, como adiante se verá (quando apreciarmos a questão relativa à medida da pena), enferma do vício previsto no art. 410 nº 2-a) do CPP, por resultar do texto da decisão a insuficiência de matéria de facto apurada para a decisão de determinação da sanção a aplicar ao arguido.
4ª Questão
Entende o recorrente que houve errada interpretação na subsunção dos factos ao direito, na medida em que não se mostrariam preenchidos os requisitos do crime de coacção na forma tentada por, a conduta apurada, não integrar qualquer dos meios de execução do crime em questão.
Ora, dispõe o art. 154 (coacção) do Código Penal na versão então vigente:
1. Quem, por meio de violência ou de ameaça com mal importante, constranger outra pessoa a uma acção ou omissão, ou a suportar uma actividade, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
2. A tentativa é punível.
3. O facto não é punível:
a) Se a utilização do meio para atingir o fim visado não for censurável; ou
b) Se visar evitar suicídio ou a prática de facto ilícito típico.
(…)
Segundo a alínea a) do nº 1 do art. 155 (coacção grave) do Código Penal na versão então vigente:
1. Quando a coacção for realizada:
a) Por meio de ameaça com a prática de crime punível com pena de prisão superior a 3 anos; ou
(…)
o agente é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos.
Actualmente, após a alteração introduzida pela Lei nº 59/2007, de 4/9, dispõe a alínea a) do nº 1 do art. 155 (agravação) do mesmo código:
1. Quando os factos previstos nos artigos 153º e 154º forem realizados:
a) Por meio de ameaça com a prática de crime punível com pena de prisão superior a 3 anos; ou
(…)
o agente é punido (…) com pena de prisão de 1 a 5 anos, no caso do nº 1 do artigo 154º.
Portanto, quanto ao crime de coacção, tendo em atenção o caso em análise, as alterações introduzidas pela citada Lei nº 59/2007 ao art. 155 do CP, acabam por não divergir do que já era estabelecido pela lei vigente à data dos factos aqui em apreço, ocorridos em 17/4/2007.
O crime de coacção[14] «constitui o tipo fundamental dos crimes contra a liberdade de decisão e de acção»[15].
Protege-se aqui a «liberdade de decisão e de acção», preenchendo-se o tipo objectivo de ilícito com a conduta de «constranger outra pessoa a adoptar um determinado comportamento: praticar uma acção, omitir determinada acção, ou suportar uma acção»[16].
O núcleo essencial da acção típica consiste na conduta de constranger (coagir) outra pessoa, mediante os meios tipificados na lei, a realizar uma acção ou omissão ou a suportar uma actividade.
Os meios de execução do crime de coacção são o uso de violência ou de ameaça com mal importante.
A “violência” implica, em sentido restrito, o emprego de força física (o que se traduz num efeito corporal, acabando - se apenas considerado nesse sentido - por reduzir a pessoa praticamente à sua estrutura biológica, podendo, no entanto, ser entendida de modo mais amplo, por forma a abranger a violência psíquica, traduzindo-se esta numa pressão anímica exercida sobre a vítima, anulando, ainda que parcialmente, a sua vontade ou colocando-a numa situação de inferioridade que a impede de reagir como queria)[17].
Claro que se pode dizer que a agressão psicológica já é intimidação, ameaça mas, o entendimento de um conceito alargado de violência tem subjacente a lesão de direitos que estão garantidos à pessoa, na sua dimensão jurídica, devendo aqui ser aferida por referência ao bem jurídico em causa, que é a liberdade de acção e de decisão que, por aquele meio, é constrangida ou limitada de forma eficaz.
Por sua vez, “ameaçar” é anunciar o propósito de fazer mal a alguém[18], podendo abranger a coacção psicológica, traduzindo-se esta na perturbação da liberdade interior de decisão e da liberdade de acção da vítima.
Com a ameaça cria-se no espírito da vítima um fundado receio de grave e iminente mal, injusto ou justo[19], capaz de, no caso concreto, paralisar a sua reacção.
O conceito de “ameaça” pressupõe, assim, um mal que seja futuro e, além disso, é essencial que a ocorrência desse “mal futuro” «dependa (ou apareça como dependente) … da vontade do agente»[20].
Diz Taipa de Carvalho[21] que a característica de que «a ocorrência de “mal futuro” dependa ou apareça como dependente da vontade do agente» estabelece a distinção entre a ameaça e o simples aviso ou advertência (…)».
Não se está, por isso, a considerar tal “dependência da vontade” no seu sentido naturalístico.
Na verdade, «a existência de uma verdadeira ameaça não exige a real dependência do “crime ameaçado” da vontade do agente, bastando que apareça ao ameaçado como dependente do ameaçador (…), nem pressupõe a intenção do agente de concretizar a ameaça, isto é, de praticar o crime objecto da ameaça (…)»[22].
O “ponto de partida para o juízo sobre a dependência ou não do mal” implica, como explica o mesmo Professor, optar por um critério objectivo-individual, no sentido de se ponderar por um lado o critério objectivo do “homem médio” e, por outro, atender às características individuais da pessoa ameaçada[23].
Dá-se uma ameaça com mal importante se a ameaça é idónea a perturbar um homem sensato na sua liberdade de decisão[24], independentemente de se traduzir na ameaça da prática de um crime.
A ameaça de mal importante há-de ser adequada a constranger o sujeito passivo, de modo a prejudicar a sua liberdade de determinação.
A gravidade objectiva do mal ameaçado radica, na sua idoneidade para provocar na vítima um estado de temor tal, que seja induzida a escolher, como saída menos gravosa, a realização de determinado comportamento (uma acção ou omissão ou a suportar uma actividade) querido pelo agente.
“Há, portanto, que relacionar a importância ou a gravidade do mal ameaçado com a exigência típica da adequação (imputação objectiva) deste a constranger o ameaçado”[25].
O conceito de “constrangimento” implica ofensa do bem jurídico liberdade, pressupondo uma pressão sobre o coagido, através dos meios típicos da violência ou de ameaça de mal importante.
Factor de agravação da pena é o “mal ameaçado constituir crime punível com pena de prisão superior a 3 anos”[26], como sucede no caso aqui em apreço.
«A consumação do crime de coacção basta-se com o simples início da execução da conduta coagida»[27], sendo a tentativa punida nos termos do nº 2 do art. 154 do CP (o mesmo sucedendo quando está em causa qualquer das circunstâncias que agravam a pena).
Por seu turno, o tipo subjectivo exige dolo e basta-se «com a consciência (representação e conformação) de que a violência que exerce ou a ameaça que faz é susceptível de constranger e com tal se conforme»[28].
Posto isto, resulta dos factos dados como provados que o arguido, por meio de violência (quando desferiu o dito “murro” na face do ofendido) e de ameaça grave (quando apontou a arma de fogo ao ofendido, anunciando-lhe que o mataria caso não pagasse a quantia de 1.500 € que lhe devia) tentou constranger o ofendido a pagar-lhe determinada quantia monetária (dívida de que o arguido era credor) e a não apresentar queixa (quando o ofendido logrou fugir, fechando a porta da sua residência), o que só não conseguiu concretizar por circunstâncias alheias à sua vontade (a referida fuga do ofendido, que lhe fechou a porta da residência).
No conceito de “violência” (um dos meios de execução do crime de coacção agravado tentado cometido pelo arguido) integra-se a ofensa à integridade física traduzida naquela agressão (com um “murro” na face) que o arguido desferiu no ofendido, crime este que não foi autonomizado (como podia ser por se verificar também a dita ameaça grave; de qualquer modo, face ao perdão do ofendido, também não subsistiria tal crime previsto no art. 143 do CP).
A liberdade de acção e de decisão do ofendido foi posta em causa com aquela actuação do arguido, só não ocorrendo a consumação do crime de coacção grave ou coacção agravada porque o ofendido conseguiu fugir, fechando a porta da sua residência.
E, não há dúvidas que aquela ameaça apontando-lhe uma arma de fogo, dizendo-lhe que o mataria caso não pagasse a quantia que lhe devia, era grave, idónea e adequada a concretizar a acção típica, a qual apenas não concretizou por o ofendido ter conseguido fugir (isto é, por circunstâncias alheias à vontade do arguido).
Assim sendo, não restam dúvidas que, com a sua conduta, o arguido constituiu-se autor material de um crime de coacção grave ou agravado tentado p. e p. à data dos factos e actualmente nos arts. 23 nºs 1 e 2, 72, 154 nº 1 e 2 e 155 nº 1-a) todos do CP.
Daí que não assista qualquer razão ao recorrente quando invoca erro de direito e quando conclui pela sua absolvição.
5ª Questão
Considera, ainda, o recorrente que face ao circunstancialismo apurado, deveria ser-lhe aplicada uma medida de diversão ou então ser isentado de pena, considerando, por isso, excessiva a pena que lhe foi aplicada.
O crime tentado cometido pelo arguido é punido em abstracto com pena de prisão de 1 mês a 3 anos e 4 meses.
O tribunal aplicou-lhe a pena de 18 (dezoito) meses de prisão, cuja execução suspendeu por igual período de tempo.
No entanto, não se percebe como é que o julgador chegou a essa pena (não só quanto aos 18 meses de prisão que aplicou como, também, quanto ao juízo de prognose favorável à suspensão[29]), uma vez que nada apurou, v.g. relativamente às condições de vida do arguido e à sua personalidade.
Como sabido, as finalidades da pena são, nos termos do artigo 40 do Código Penal, a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade[30].
Na determinação da pena, o juiz começa por determinar a moldura penal abstracta e, dentro dessa moldura, determina depois a medida concreta da pena que vai aplicar, para, de seguida, escolher a espécie da pena que efectivamente deve ser cumprida[31].
Nos termos do artigo 71º, nºs 1 e 2, do Código Penal, a determinação da medida da pena, dentro dos limites fixados na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo-se, em cada caso concreto, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a seu favor ou contra ele.
Diz Figueiredo Dias[32], que “só finalidades relativas de prevenção, geral e especial, não finalidades absolutas de retribuição e expiação, podem justificar a intervenção do sistema penal e conferir fundamento e sentido às suas reacções específicas. (...) Prevenção geral, porém, não como prevenção geral negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva ou de reintegração, isto é, de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida.”
Uma vez determinada a pena concreta, pode ainda impor-se, consoante os casos, que o tribunal pondere se a deve substituir por outra pena, dentro do leque das respectivas penas de substituição previstas na lei.
Estas operações ou fases da determinação da pena não são feitas de modo abstracto, nem com referências genéricas; antes se devem conjugar com a análise concreta dos factos pertinentes apurados em relação a cada arguido, para daí depois retirar as ilações necessárias, devendo, na decisão, ser especificados os fundamentos de facto e de direito que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada (art. 374 nº 2 e 375 nº 1 do CPP e 71 nº 3 do CP).
Ou seja, na sentença, o juiz tem que motivar (artigo 374 nº 2 do CPP) a apreciação que fez do caso submetido a julgamento, expondo fundamentos suficientes de facto e de direito que expliquem o processo lógico e racional que seguiu, nomeadamente, no que respeita à escolha e à medida da sanção aplicada.
Assim compreendendo as razões da fundamentação da sentença (onde se deixou transparecer o processo de decisão[33]) e a inerente indispensabilidade de criar as «bases necessárias da própria decisão», melhor se alcança o sentido e a importância do princípio da descoberta da verdade material, mormente quando há que justificar a medida da pena aplicada, expressando os seus fundamentos (art. 71 nº 3 do CP).
Em processo penal, incumbe, em última instância ao juiz, por força do princípio da descoberta da verdade material (artigo 340 do CPP),“o ónus de investigar e esclarecer oficiosamente - independentemente da contribuição das partes - o facto submetido a julgamento”[34].
Este poder-dever do tribunal de investigar autonomamente a verdade material (o que inclui a averiguação dos factos necessários para a oportuna fixação da pena) é essencial, no processo penal, na medida em que, por essa via, será possível alcançar as “bases necessárias da própria decisão”[35].
Vem isto a propósito de nada se ter apurado (ressalvada a referência às condenações sofridas), em termos fácticos, v.g. quanto à personalidade, condições pessoais e económicas de vida, posicionamento e postura do arguido em relação ao crime por si cometido, comportamento anterior e posterior à prática desse crime.
Esses factos, que nem foram investigados pelo tribunal a quo, como lhe competia, ao abrigo do art. 340 do CPP, são essenciais para o julgador poder determinar a espécie e medida da pena a aplicar ao arguido e poder fundamentar a respectiva decisão que vier a proferir (cf. nomeadamente arts. 40 nº 1 e 2, 70 e 71 do CP e arts. 124 nº 1[36], 340, 369, 370 nº 1, 374 nº 2 e 375 nº 1 do CPP).
E, dizemos que essa matéria fáctica não foi investigada pelo tribunal a quo porque não há qualquer referência à mesma na sentença recorrida (nada consta a esse propósito dos factos dados como provados, nem dos dados como não provados, nem tão pouco da própria fundamentação da decisão da matéria de facto).
Repare-se que, não obstante o julgamento ter ocorrido - como a lei (art. 333 nºs 1 e 2 do CPP) permite - na ausência do arguido (o qual faltou, apesar de estar notificado para a audiência), o tribunal a quo, nem sequer oficiosamente produziu meios de prova no sentido de obter factos essenciais para a oportuna fundamentação de facto, caso tivesse (como teve), de determinar a medida da pena a aplicar ao arguido.
O tribunal da 1ª instância sempre podia ter ouvido oficiosamente a testemunha/ofendido quanto à personalidade e condições de vida do arguido (uma vez que o conhecia e até lhe devia dinheiro) e, para além disso, sempre podia ter recolhido oficiosamente outros elementos, nomeadamente solicitar relatório social para efeitos do art. 370 nº 1 do CPP, tanto mais que o paradeiro do arguido era conhecido (como resulta evidente do facto de ter sido notificado para o julgamento).
Tais meios de prova, indicados a título exemplificativo, eram adequados e de fácil e rápida obtenção, permitindo suprir a lacuna da matéria de facto apontada, a qual é essencial para o tribunal poder decidir, formulando um juízo seguro quanto à medida da pena a aplicar ao arguido.
Essa investigação oficiosa que se impunha (independentemente dos resultados que viesse ou não a alcançar), era indispensável para habilitar o tribunal a tomar uma decisão justa nessa matéria, assim assegurando a própria imparcialidade e independência do julgador, tendo presente todos os princípios em que assenta o processo penal português, bem como toda a filosofia subjacente às consequências jurídicas do facto, ou melhor, às finalidades das penas.
De resto, tem-se notado a evolução da jurisprudência portuguesa nesta matéria, no sentido de uma cada vez maior exigência quanto a uma acrescida e mais cuidada justificação (fundamentação de facto e de direito) das penas impostas, mormente quanto se trata de penas de prisão (como é o caso dos autos), ainda que suspensas na sua execução.
Perante a apontada insuficiência da matéria de facto referida, o tribunal da 1ª instância não dispunha dos necessários elementos que o habilitassem a determinar a espécie e medida da pena a aplicar ao arguido, carecendo, nessa parte, a decisão da respectiva fundamentação específica.
Portanto, não existem elementos bastantes que permitam fixar com um mínimo de rigor e objectividade (e, portanto, sem margem de arbitrariedade) a pena concreta a aplicar.
Assim, a decisão recorrida enferma do vício previsto no art. 410 nº 2-a) do CPP, por resultar do texto da decisão a apontada insuficiência de investigação de matéria de facto para a decisão de determinação da espécie e medida da pena a aplicar ao arguido.
Por isso, apesar do âmbito dos poderes de cognição do Tribunal da Relação (art. 428 do CPP), a verdade é que, no presente caso, este Tribunal não dispõe de todos os elementos necessários para, de alguma forma, poder superar a lacuna de investigação da matéria de facto apontada (art. 431 do CPP).
Impõe-se, pois, ordenar o reenvio do processo (arts. 426 nº1 e 426-A do CPP), limitado às questões acima concretamente identificadas (relacionadas com a espécie e medida da pena a aplicar ao arguido).
Procede, assim, parcialmente, embora por fundamento diverso, o recurso interposto pelo arguido (embora fique prejudicado o conhecimento da questão relativa à determinação da espécie e medida da pena).
*
III- DISPOSITIVO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em:
- atento o disposto no art. 368 do CPP, quanto à culpabilidade do arguido, confirmar a decisão recorrida;
- no mais, conceder parcial provimento ao recurso em apreço, ordenando (face ao disposto nos arts. 410 nº 2-a), 426 nº 1 e 426-A do CPP), o reenvio do processo para novo julgamento relativamente às questões concretas acima indicadas (que se prendem com a escolha e medida da pena), proferindo-se a final nova sentença.
*
Pelo decaimento, vai o recorrente condenado nas custas, fixando-se a taxa de justiça em 3 UCs.
*
(Processado em computador e revisto pela 1ª signatária – art. 94 nº 2 do CPP)
*
Porto, 07 de Janeiro de 2009
Maria do Carmo Saraiva de Menezes da Silva Dias
Jaime Paulo Tavares Valério
_________________________
[1] De resto, não existe qualquer questão prévia a conhecer, ao contrário de um dos títulos colocados pelo recorrente no texto da motivação de recurso.
[2] Assim, Ac. do Tribunal Constitucional nº 140/2004, DR II de 17/4/2004, quando a versão do art. 412 nº 3 e 4 do CPP não era tão exigente como é na versão actual.
[3] Cf. Ac. do STJ de 9/3/2006, proferido no processo nº 461/06, relatado por Simas Santos e Ac. do STJ de 15/12/2005. No mesmo sentido, Ac. do STJ de 17/3/2005, proferido no processo nº 129/05 (do mesmo relator) e, ainda, Ac. do STJ de 13/7/2005 proferido no processo nº 2122/05, relatado por Henriques Gaspar (todos consultados no site www.dgsi.pt).
[4] Assim, também, Ac. do STJ de 5/6/2008, proferido no processo nº 1884/08, relatado por Simas Santos e Ac. do TC nº 140/2004 citado.
[5] Jurisprudência fixada pelo STJ no acórdão nº 7/95, publicado no DR I-A de 28/12/1995, com a qual se concorda.
[6] Cf., entre outros, Ac. do STJ de 19/12/1990, BMJ nº 402/232ss.
[7] Assim, entre outros, cit. Ac. do STJ de 13/7/2005, proferido no processo nº 2122/05, relatado por Henriques Gaspar (consultado no mesmo site).
[8] Ibidem.
[9] De resto, o recorrente também esquece que sempre sobrava e subsistia a ameaça feita com aquela arma de fogo nas circunstâncias apuradas.
[10] Jorge Figueiredo Dias, Direito Processual Penal (lições coligidas por Maria João Antunes), Secção de Textos da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 1988-89, p. 139, refere que «a liberdade de apreciação da prova é, no fundo, uma liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a chamada “verdade material” -, de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e controlo» (possa embora a lei renunciar à motivação e ao controlo efectivos)».
[11] Regra de experiência que, como diz Paolo Tonini, A prova no processo penal italiano (trad. de Alexandra Martins e Daniela Mróz, de La prova penale, 4ª ed., publicado em Pádua, pela Cedam – Casa Editrice Dott. António Milani, em 2000 e posterior actualização de Setembro de 2001), São Paulo, Brasil: Editora Revista dos Tribunais LTDA, 2002, pp. 55 e 56, “expressa aquilo que acontece na maioria dos casos”, sendo “extraída de casos similares”, gerando “um juízo de probabilidade”, de um “idêntico comportamento humano”, devendo o juiz formular “um raciocínio de tipo indutivo” e sucessivamente “um raciocínio dedutivo”.
[12] Aliás, como tem vindo a ser decidido por esta Relação, “o recurso da matéria de facto não se destina a postergar o princípio da livre apreciação (…) e também não pode destinar-se a substituir a convicção formada pelo tribunal recorrido, objectivamente motivada, plausível segundo as regras da lógica, da experiência da vida e do senso comum e coerente com o sentido das provas produzidas” (assim, Ac. proferido no proc. nº 4133/05-1, relatado por Guerra Banha, citando outra jurisprudência).
[13] Cristina Líbano Monteiro, Perigosidade de Inimputáveis e «In Dubio Pro Reo», Coimbra: Coimbra Editora, 1997, p. 65.
[14] Ver Ac. do TRP de 7/2/2007, por nós relatado, proferido no processo nº 0511385, disponível no site www.dgsi.pt.
[15] Taipa de Carvalho, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, AAVV, dirigido por Jorge Figueiredo Dias, Coimbra Editora, 1999, p.352.
[16] Taipa de Carvalho, ob. cit., p. 354.
[17] Ver, a propósito da desmaterialização do conceito de agressão como vis phisica (violência física), Américo Taipa de Carvalho, A legitima defesa, Coimbra Editora, 1995, pp. 223 e 224. O mesmo Autor, no Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, p. 356, refere que “a distinção principal entre o conceito de violência e o conceito de ameaça reside na actualidade ou na futuridade do mal”.
[18] Veja-se Américo Taipa de Carvalho, “Os crimes de extorsão”, Direito e Justiça, VII, 1993, p.382, onde, citando F. Antolisei, diz ameaçar é “anunciar a uma pessoa um mal futuro, cuja ocorrência depende da vontade do agente”. Logo, não basta anunciar a possibilidade de que se verifique um mal, mas é condição sine qua non, é elemento essencial da ameaça, que o mal dependa da vontade do agente-ameaçante. Também Eser diz que só existe ameaça, quando o ameaçante represente a verificação do mal como dependente da sua vontade.
[19] Também aqui o problema da "conexão meio-fim" (isto é, entre o meio utilizado como ameaça e a finalidade que o ameaçante visa obter com o recurso futuro a esse meio) é fundamental para delimitar o sentido jurídico-criminal de “constrangimento”. Na Alemanha, Engelhard (com origem em autores como Goldschmidt e Frank), defende que a conduta será ilegítima, ainda que o mal com que se ameaça seja lícito, quando não haja uma "relação entre o meio e o fim propugnado pelo agente". Para a teoria da relação, a licitude ou ilicitude da condição dependerá da existência da dita relação com o mal. A doutrina alemã discutiu este tema ("conexão meio-fim") em relação ao § 253 StGB (crime de extorsão).
[20] Taipa de Carvalho, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, p. 343.
[21] Ibidem.
[22] Taipa de Carvalho, ob. cit., p. 350.
[23] Assim, Taipa de Carvalho, ob. cit., pp. 343 e 344. Conclui o mesmo Autor que o critério para aferir “o juízo sobre a dependência ou não do mal” (…) é o do homem comum, tendo em conta as características individuais do ameaçado”. No mesmo sentido, Angeles Jareño Leal, Las amenazas y el chantaje en el Codigo Penal de 1995, Tirant lo blanch, Valencia, 1997, p. 25, nota 29.
[24] A ameaça supõe, também, a coacção psicológica e, traduz-se, na perturbação da liberdade interior de decisão e da liberdade de acção da vítima. Roxin, Derecho Penal, parte general, tomo I, Civitas, Madrid, 1997, p. 540, a propósito do crime do § 240 (crime de coacção) do CP Alemão, concluiu que não haverá responsabilidade criminal para o autor de uma ameaça quando seja de exigir à vítima dessa ameaça que se mantenha firme. Exige-se a ameaça de um mal suficiente para produzir o temor desejado, mas não a idoneidade lesiva do meio ou instrumento intimidatório. Para Angeles Jareño Leal, ob. cit., p. 25, se a ameaça tiver uma aparência verídica, será idónea para pôr em perigo a liberdade de decisão e o sentimento de tranquilidade. Se a ameaça carecer dessa aptidão ou idoneidade objectiva, então a conduta não é punida. A ameaça com um mal importante não precisa, por isso, de constituir um facto ilícito; pode ser um facto lícito em si mesmo considerado, embora no seu conjunto, depois se traduza numa acção ilícita.
[25] Taipa de Carvalho, ob. cit., p. 358. Daí que, como salienta o mesmo Autor, «o critério da importância do mal reconduz-se ao critério da sua adequação a constranger, e este, tal como aquele, é um critério objectivo-individual: objectivo, na medida em que se apela ao juízo do homem comum; individual, uma vez que se tem de ter em conta as circunstâncias concretas em que é proferida a ameaça, nomeadamente, as sub-capacidades (…) do ameaçado (quando conhecidas ou quando, se não conhecidas, o agente tinha o dever de as conhecer)».
[26] Taipa de Carvalho, ob. cit., p. 372.
[27] Taipa de Carvalho, ob. cit., p. 359.
[28] Ibidem.
[29] E isto, não obstante, oportunamente, nunca poder ser aplicada ao arguido pena superior à imposta nesta sentença sob recurso, em homenagem ao princípio da proibição da reformatio in pejus, desde logo por não haver recurso do Ministério Público (ver Ac. do TC nº 236/2007, DR II de 24/5/2007 e nº 502/2007, publicado no site do Tribunal Constitucional).
[30] Anabela Rodrigues, «O modelo da prevenção na determinação da medida concreta da pena», in RPCC ano 12º, fasc. 2º (Abril-Junho de 2002), 155, refere que o art. 40 CP condensa “em três proposições fundamentais, o programa político-criminal - a de que o direito penal é um direito de protecção de bens jurídicos; de que a culpa é tão só um limite da pena, mas não seu fundamento; e a de que a socialização é a finalidade de aplicação da pena”.
[31] Neste sentido, v.g. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, Parte geral II, As consequências jurídicas do crime, Editorial Noticias, 1993, p.198.
[32] Figueiredo Dias, ob. cit., p. 72.
[33] No Ac. do TC nº 258/01, DR II Série de 2/11/2001, após se dizer que a fundamentação «há-de permitir, no entanto (e sempre) avaliar cabalmente o porquê da decisão», conclui-se, citando Michelle Taruffo, que «a fundamentação da sentença há-de permitir a “transparência” do processo de decisão». No mesmo sentido, entre outros, Ac. do TC nº 59/2006, DR II Série de 13/4/2006.
[34] Jorge Figueiredo Dias, Direito Processual Penal (lições coligidas por Maria João Antunes), p. 51.
[35] Como se diz no Acórdão do TC nº 137/2002, DR II Série de 26/9/2002, o princípio da investigação ou da verdade material «significa, mesmo no quadro de um processo penal orientado pelo princípio acusatório (artigo 32º, nº 5 da Constituição), que o tribunal de julgamento tem o poder-dever de investigar por si o facto, isto é, de fazer a sua própria "instrução" sobre o facto, em audiência, atendendo a todos os meios de prova não irrelevantes para a descoberta da verdade, sem estar em absoluto vinculado pelos requerimentos e declarações das partes, com o fim de determinar a verdade material (cfr. Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal, I, 1955, p. 49; Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, I, 1974, p.72; Roxin, Strafverfahrensrecht, 20ª edição, 1987, p. 76). É isto mesmo que diz, por outras palavras, o nº 1 do artigo 340» do CPP. Mais à frente, acrescenta-se que, «não há dúvida de que o princípio da investigação ou da verdade material, sem prejuízo da estrutura acusatória do processo penal português, tem valor constitucional. Quer os fins do direito penal, quer os do processo penal, que são instrumentais daqueles, implicam que as sanções penais, as penas e as medidas de segurança, apenas sejam aplicadas aos verdadeiros agentes de crimes, pelo que a prossecução desses fins, isto é, a realização do direito penal e a própria existência do processo penal só são constitucionalmente legítimas se aquele princípio for respeitado. Desde logo o princípio de culpa, que deriva da própria dignidade da pessoa humana (artigo 1º da Constituição) e é implicado ou pressuposto por outros princípios constitucionais (com o do Estado de direito democrático – artigo 2º -, o direito à integridade moral – artigo 25º, nº 1 ou o direito à liberdade – artigo 27º) tem uma base ontológica: só quem verdadeiramente é culpado pode ser punido e nunca para lá da medida da sua verdadeira culpa. Também o princípio da necessidade das penas e das medidas de segurança (artigo 18º, nº 2) implica que só são necessárias tais sanções quando aplicadas aos verdadeiros agentes de crimes, sendo contraproducentes se aplicadas a outras pessoas, por poderem motivar então à revolta, ao desespero, à vingança ou ao desprezo do direito e não contribuírem para a interiorização dos valores jurídicos que é o principal esteio da prevenção geral positiva (e igualmente da prevenção especial). Por outro lado, o princípio da jurisdicionalidade da aplicação do direito penal (artigos 27º, nº 2, 32º, nº 4) justifica-se certamente de um modo essencial pelo fim da descoberta da verdade material, sem prejuízo de visar igualmente o respeito das garantias de defesa (artigo 32º). Finalmente, quando o artigo 202º, nº 1 atribui aos tribunais competência para administrar a justiça, esta referência em matéria penal tem que entender-se como significando a justiça material baseada na verdade dos factos, que é indisponível, não se admitindo a condenação do arguido perante provas que possam conduzir à sua inocência».
[36] Constituem objecto específico da prova, em processo penal, “todos os factos juridicamente relevantes para a existência ou inexistência do crime, a punibilidade ou não punibilidade do arguido e a determinação da pena ou da medida de segurança aplicáveis; (…)” - cf. artigo 124 nº 1 do CPP.