Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0837985
Nº Convencional: JTRP00042414
Relator: TEIXEIRA RIBEIRO
Descritores: INOFICIOSIDADE
REDUÇÃO DA DOAÇÃO
MEIO PROCESSUAL
CAUSA PREJUDICIAL
Nº do Documento: RP200903260837985
Data do Acordão: 03/26/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: LIVRO 792 - FLS. 128.
Área Temática: .
Sumário: I – Mesmo após as alterações às regras processuais introduzidas pelos DD. LL. nº/s 227/94, de 08.09, 329-A/95, de 12.12 e 180/96, de 25.09, e com o que actualmente dispõe o art. 2178º, do CC, o processo de inventário para partilha de herança continua a ser o meio processual idóneo para nele se apreciar a inoficiosidade e eventual redução de doação feita pelo inventariado tanto a herdeiros como a estranhos à herança. Somente para esse efeito deverá o cabeça de casal incluir na relação de bens a identificação e valor do bem doado.
II – Sem embargo, qualquer herdeiro legitimário que se ache prejudicado na sua legítima por doação efetuada a herdeiro ou a um estranho pode lançar mão da acção declarativa comum, sobretudo quando, por exemplo, já tenha sido concluído o inventário e efectuada a partilha dos bens do doador sem que aí tenha sido considerada a redução, desde que, nesse caso, alegue o montante do prejuízo e os termos em que se deverá operar a redução da doação (que poderá ser através da separação e adjudicação de parte do imóvel doado, se este for divisível, ou pela entrega do correspondente valor em dinheiro – arts. 2174º, do CC, e 1364º e 1365º, ambos do CPC) – contanto que ainda esteja em tempo, por não haver decorrido o prazo de dois anos previsto no citado art.2178º, do CC;
III – Não constitui causa prejudicial que justifique a suspensão do inventário (art. 1335º do CPC) o facto de pender acção declarativa em que o donatário reivindica a entrega do imóvel doado, por a sua procedência não afectar o reconhecimento e a concretização da redução da doação por inoficiosidade, que, face ao princípio da intangibilidade da legítima, se sobrepõe, pela sua natureza imperativa, aos poderes de disposição do donatário como titular do respectivo direito de propriedade.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Rel. 25
Agravo nº7985/08 -3
2ª Secção Cível
Relator – Teixeira Ribeiro
Adjuntos – Desembgdrs:
Dr. Pinto de Almeida e
Dr. Telles de Menezes


Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I – No processo de Inventário para partilha da herança aberta por óbito de B………….., registado sob o nº…../06. 9TJVNF, do …º Juízo Cível de Vila Nova de Famalicão, a cabeça de casal, C…………., viúva, que foi casada com o inventariado em segundas núpcias dele, veio ao processo relacionar como único bem da herança do mesmo, em verba única, um prédio urbano sito no lugar ………., freguesia de Louro, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 532 e descrito na Conservatória do Registo Predial como parte do descrito sob o nº46.576 e 46.572, prédio esse que havia sido doado, em 30 de Maio de 1978, pelo inventariado e sua então primeira esposa, D…………… (ambos casados no regime da comunhão geral de bens) ao sobrinho desta, E…………., casado, também no regime da comunhão geral, com F………...

Citados para os termos do inventário, apresentaram os referidos E………….. e mulher, reclamação contra a relação de bens, alegando, em síntese, que muitos outros bens da herança não foram relacionados e que não havia que relacionar aquela verba única por não pertencer à herança e haver sido doada pelo inventariado e sua então esposa, ao Reclamante com reserva do usufruto até à morte do último dos doadores, muito antes, pois, de o primeiro ter casado em segundas núpcias com a cabeça de casal, altura em que aquele somente detinha o usufruto desse imóvel, que também se extinguiu com sua morte, em 18 de Janeiro de 2006.
Identificando, na reclamação, diversos bens móveis e imóveis, requereu que fossem considerados em vez do que fora relacionado pela cabeça de casal, informando que pende acção comum, de reivindicação, contra a Cabeça de Casal, no ..º Juízo Cível, em que se pede a condenação desta a entregar-lhes o prédio que agora relacionou.

Notificada desta reclamação, a cabeça de casal C……………, respondeu-lhe, dizendo que o reclamante é tão só donatário, e não herdeiro, e que relacionou o bem doado por ele fazer parte do acervo da herança. Afirmando que tal imóvel constituiu a casa de morada de família à data da morte do inventariado, declarou não prescindir de exercer o direito que tem ao encabeçamento no direito de habitação e uso do recheio dessa casa de morada de família, e arrolou 3 testemunhas.

Na conferência de interessados, realizada a 09 de Janeiro de 2008, o Reclamante (donatário) E……….. declarou, como consta em acta (fls.62 do inventário), que prescindia da reclamação apresentada na parte em que denunciou a falta de relacionação de bens, mas que mantinha oposição a que se mantivesse relacionado o bem doado na constância do anterior casamento do inventariado.
Por seu turno, a Cabeça de Casal, mantendo o que anteriormente alegara, declarou exercer (nessa diligência) o direito ao encabeçamento no direito de habitação e uso do recheio da casa de morada de família.
Ainda nessa diligência, vislumbrando os referidos interessados a obtenção de acordo para pôr fim ao processo, requereram a suspensão deste pelo prazo de 10 dias, que o Juiz deferiu, tendo designado logo data para nova conferência, para a hipótese de se frustrar a invocada expectativa.

Não se tendo concretizado o almejado acordo, na conferência que se veio a realizar a 21 de Fevereiro de 2008 (fls.65 do processo), a Cabeça de Casal, através do seu Exmº Mandatário declarou desejar licitar na verba única (bem doado), a que logo se opuseram os donatários, através do seu Exmª Mandatário Judicial, alegando, mais uma vez, que tal prédio não pertence à herança,
ao que o Mmº Juiz, entendendo que a questão suscitada exigia algum estudo e ponderação, decidiu interromper a conferência de interessados, ordenando a abertura de conclusão para se pronunciar.
Entretanto, e já em 5 de Maio de 2008, os interessados E………… e esposa, vieram aos autos (fls. 68 do processo) informar que só haviam prescindido da relacionação dos bens móveis e imóveis cuja falta na relação apresentada pela Cabeça de Casal haviam denunciado, por com isso estarem a antever a resolução do inventário de forma consensual. Juntaram uma certidão passada pela Repartição de Finanças e pronunciaram-se no sentido de que, face a este prosseguimento do inventário se deveria repristinar o teor da reclamação que haviam apresentado contra a relação de bens.
*
Em 27/05/2008, por despacho cujo teor consta de fls, 38 deste recurso, o Mmº Juiz, entendendo que a questão está longe de ser incontroversa, decidiu que por
“ A inventariante ser herdeira legitimaria do inventariado, a existência de herdeiros legitimários implica a obrigatoriedade de relacionar os bens que o inventariado doou, quer para efeitos de colação (doação a descendentes não exceptuados dela) quer com vista ao apuramento da inoficiosidade (neste sentido, veja-se Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, Vol. I, pag. 447, e Ac. RP de 21/06/1983, CJ. VIII, 3-275).
Assim, o bem imóvel em causa deve permanecer relacionado, sendo a inventariada (entenda-se inventariante), tal como pretende, admitida a licitá-lo.
É preciso não perder de vista que neste inventário estamos a partilhar todos os bens do inventariado, quer os bem comuns, quer os bens próprios. É justamente na inconsideração deste facto, ou seja, de que também estamos a partilhar os bens próprios do inventariado que parece residir o inconformismo dos reclamantes/donatários.”

Sobre o teor deste despacho, ainda requereram os interessados E……….. e mulher diversos esclarecimentos, que mereceram do Sr. Juiz, o seguinte despacho:

“ Fls. 84 a 91: Quanto à questão da pretendida “represtinação da reclamação”, tal pretensão, perante o que consta da acta de fls.62 e 63, afigura-se-me manifestamente inviável. Na verdade, não pode o reclamante querer prevalecer-se, agora, de uma reclamação da qual, declarou, expressamente, prescindir.

Por outro lado, acredita-se que o despacho constante de fls.77 e 78, embora não corresponda às melhores expectativas do reclamante, está perfeitamente claro e fundamentado e, por isso, é insusceptível de qualquer “aclaração”.

Finalmente, face ao preceituado no artº 279º do C.P.C., não vislumbro qualquer relação de prejudicialidade entre este inventário e a acção declarativa que vem correndo os seus termos pelo 2º Juízo Cível deste mesmo Tribunal.

Não ocorre, por isso, motivo para que se suspenda a instância.”.

Inconformados com o teor do despacho (integrado pelo esclarecimento acabado de transcrever), dele trouxeram, os interessados E…………. e mulher, o presente agravo, cujas conclusões alegatórias formularam nos seguintes termos:

“ O despacho de fls.94 deve ser substituído por outro que, nomeadamente:

a) – Reconheça e declare que o processo de inventário não é o processo idóneo para se decidir sobre a redução de doações inoficiosas que ofendam a legítima de um herdeiro legitimário, quando o donatário não seja herdeiro do Inventariado, antes tal efeito teria de ser solicitado em acção própria, autónoma e proposta dentro de dois anos a partir do falecimento do autor da herança.
b) – declare prescrito tal direito e consequentemente determine o arquivamento deste inventário.
c) – Se assim se não entender, e estes autos houverem de prosseguir, que se suspenda esta instância até ser conhecida a sentença no referido Procº nº …./04 do …º Juízo Cível deste Tribunal.”

Contra-alegando, os agravados sustentaram que o despacho
recorrido – que é o de fls. 77 e 78, e não o fls, 94 – foi proferido no uso do poder discricionário do Juiz por forma a prover ao andamento regular do processo ( nº4 do artº 156º do CPC), não sendo susceptível de recurso, que, por isso, não devia ter sido admitido. E, afirmando que os agravantes estão a suscitar no recurso a questão nova da prescrição, vedada ao conhecimento deste Tribunal da Relação, concluíram pelo insucesso do agravo.
*
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
E sabendo-se que são as conclusões alegatórias que definem o objecto do recurso – Artºs 684º, nº3, e 690º, nºs 1 e 3, do Cod. Proc.Civil – para além do que nos é vedado conhecer de matérias, ainda que relativas ao processo, não tratadas e decididas na primeira Instância, apenas duas questões estão ao nosso alcance apreciativo:

a) – saber se o processo de inventário é o próprio para nele se decidir sobre a redução de doações oficiosas que ofendam a legítima de um herdeiro legitimário, quando o donatário não seja herdeiro do inventariado, ou se, antes, tal efeito teria de ser solicitado em acção própria, autónoma e proposta dentro de dois anos a partir do falecimento do autor da herança;

b) – Decidir se, no caso, se impunha a suspensão da instância até ser conhecida a sentença no identificado processo nº 274/04, do 2º Juízo Cível do mesmo Tribunal.

Quanto à questão somente posta nestas alegações pelos agravantes, sob a aliena b) da sua súmula alegatória – a de que se declare a prescrição (ou caducidade) do direito à redução inoficiosa da questionada doação – porque jamais a suscitaram em 1ª Instância, é nos agora vedado o seu conhecimento. Sendo este Tribunal de recurso, não pode apreciar questões novas; ou seja, aquelas que não tenham antes merecido a tutela jurisdicional do Tribunal de que se recorre – Artºs 676º, nº1 e 684º-A, ambos do CPC – ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, desde que dos autos constem os necessários elementos que possibilitem esse conhecimento – cfr, por todos, o Prof. Alberto dos Réis, in “!Codigo do Processo Civil, anotado”, Reimpressão. Volume V, pag. 359, e António Abrantyes Geraldes, in “Recursos em Processo Civil, Novo Regime”, pag. 684; Acord.s do Supremo Trib. Justiça, de 10/02/1998 e 05/02/2004, in www.dgsi.pt/stj.
E quer se entenda que é de caducidade, quer de prescrição, o prazo de dois anos previsto no Artº 2178º do Código Civil, sempre teria que ser alegada essa excepção, por não versar sobre matéria excluída da disponibilidade das partes. Não é de conhecimento oficioso (Artºs 303º e 333º, nºs 1 e 2, do Cod. Civil).
Por isso se não vai conhecer dessa questão - a da invocada prescrição (ou caducidade).

II – FUNDAMENTAÇÃO

II. 1 – Os Factos indispensáveis ao conhecimento das supra -enunciadas questões (sob as al. a) e b)) são os que anteriormente ficaram o descritos no relatório deste acórdão.

II. 2 – Do seu conhecimento, conforme o Direito

a) – A invocada impropriedade processual para apreciar a eventual inoficiosidade da doação feita pelo inventariado ao interessado E……….. não chegou a ser suscitada na 1ª Instância. Todavia, esta é uma questão de conhecimento oficioso, por, a verificar-se erro na forma de processo escolhida, conduziria a uma nulidade de todo o processo, que constitui excepção dilatória de conhecimento oficioso – Artºs 288º, nº1, c), 493, nºs 1 e 2, 494º, b), 495º, todos do Cod. Proc. Civil – razão pela qual a vamos apreciar.

E assim, vejamos:
Os Agravantes sustentam que não sendo o interessado donatário (ora agravado) herdeiro do inventariado não devida a inventariante e também cabeça de casal ter relacionado o imóvel doado com o propósito de ver reduzida essa doação por inoficiosidade. Teria, antes, que fazer uso de uma acção declarativa comum para esse efeito, apoiando-se no que dispõe o Artº 2.178º do Código Civil, que somente estatui – “A acção de redução de liberalidades inoficiosas caduca dentro de dois anos, a contar da aceitação da herança pelo herdeiro legitimário”.
Não diz o Código Civil – nem admira que o não faça, por ser compilação substantiva – que tipo de acção se deverá utilizar para conseguir a redução, nem a doutrina ou a jurisprudência que se conhece traçaram até hoje uma orientação totalmente uniforme sobre esta matéria. O que se sabe de muito concreto sobre o tema é que o Artº 1398º do Cod. Proc. Civil, na redacção anterior à reforma nesta matéria introduzida pelo Dl. Nº227/94, de 8 de Setembro (que revogou esse artigo) era expresso quanto à possibilidade da instauração de inventário com um único interessado com o objectivo de verificação da existência ou inexistência de liberalidades inoficiosas. Mas, apesar de revogado esse artigo legal, o actual Código do Processo Civil (na formulação que resultou daquele Dl. Nº227/94 e da reforma processual de 1995-1996, Dl. nº329-A/95) contém outras disposições, mormente as que se colhem dos Artºs 1326º, nºs 1 e 2, e Artº 1376º, nº2, que continuam a conferir ao processo de inventário essa virtualidade.
A questão continua a ser, apesar disto, a de saber se, sendo o donatário um estranho à herança (não herdeiro) ainda é no inventário de partilha que o herdeiro legitimário deverá requerer essa função de apreciação e redução por inoficiosidade da doação. Conhece-se, em abono da tese afirmativa, a doutrina defendida na vigência do Artº 1503º do Código de Seabra, actualmente substituído (apenas com diferenças de redacção e com a alteração do instituto da prescrição para o da caducidade) pelo citado Artº 2178ºdo actual Código Civil, que sempre defendeu que “em caso de instauração de inventário, decorrente de imposição legal ou de requerimento em tal sentido, é em tal processo, e não através da acção comum, que deve fazer-se a redução das doações inoficiosas, independentemente de o donatário ser ou não herdeiro” – v.g. Prof. Alberto dos Reis, comentário in Rev. Leg. Jur.Ano 85, pag.241, e Baptista Lopes, in “Das Doações”, pag. 256 e segts, além da jurisprudência aí citada.
Foi esta doutrina e o facto de se verificar que da anterior legislação para a actual não houve modificações de tomo que levou esta Relação a já ter seguido mais recentemente, pelo seu Acórdão de 8 de Novembro de 2001, in Col. Jur.2001, Tomo V, pag. 177 a 181, essa mesma orientação, decidindo também que “ No caso de instauração de inventário é em tal processo, e não através de acção comum, que deve fazer-se a redução das doações inoficiosas, independetemente do donatário ser ou não herdeiro”.
Parece-nos também que não há razões para modificar tal entendimento. Com efeito, iniciado o processo de inventário a requerimento de qualquer herdeiro será nele que, pela sua própria natureza (sobretudo se é de partilha da herança), se relacionam todos os bens que constituem objecto de sucessão (Artº 1326º, nº1) para determinar o valor da herança, e se admite a intervenção, como interessados, dos donatários em todos os actos, termos e diligências susceptíveis de influir no cálculo ou determinação da legítima e de implicar eventual redução das respectivas liberalidades – nº2 do Artº 1327º, sempre do CPC.
E a lei material ou processual não aparta, para este efeito, o donatário também herdeiro do donatário estranho à herança, até porque no cálculo da legítima “deve atender-se ao valor dos bens existentes no património do autor da sucessão à data da sua morte, ao valor dos bens doados, às despesas sujeitas a colação e às dívidas da herança” – nº1 do artº 2162º do Código Civil – para o que tanto relevará que os bens doados o tenham sido a herdeiros como a estranhos à herança. Uns e outros são susceptíveis de ultrapassar o valor da quota disponível (única de que o de cuius poderia dispor) e de atingir a legítima (ou quota indisponível) dos herdeiros legitimários (ou forçados). É isto que também nos parece que pressupõem os exemplos que Capelo de Sousa dá a pag.s 164 a 166, das suas “Lições de Direito Das Sucessões”, II, 2ª Edição, bem como as anotações de França Pitão ao Artº 1345º, pag. 117 da sua obra “Processo de Inventário” (Nova Tramitação), 3ª Edição, Almedina, pag.117, e de Domingos Silva Carvalho de Sá (Docente do Centro de Estudos Judiciários), in “ Do Inventário, Descrever, Avaliar e Partir”1996, pag. 90 e segts.

Sendo, por todos estes motivos, de aceitar o processo de inventário como meio de efectivar o apuramento da legítima de um herdeiro legitimário – como é, in casu, a Cabeça de Casal, C…………, por ter sido casada com o inventariado, em segundas núpcias deste (Artºs 2157º e 2158º do Código Civil) – agiu adequadamente ao relacionar o imóvel doado, não como bem pertencente á herança e para efeitos de partilha (por já não existir no património do autor da herança à data da sua morte, pois a doação transferira a propriedade para os donatários), mas para verificar se foi oficiosa a doação e eventualmente concretizar a sua redução na justa medida em que lhe possa ter sido afectada a sua legítima, através dos demais actos e trâmites atinentes ao inventário, máxime os previstos nos Artºs 1365º e segts do CPC, sendo certo que somente está vedado aos donatários não herdeiros a licitação em quaisquer bens da herança (Artº1371º, nº1), podendo, em contrapartida, pedir a avaliação deles (Artº 1367º e segt.s) – cfr. os últimos autores citados, nos capítulos atinentes a esta matéria, e, ainda, João António Lopes Cardoso, in “Partilhas Judiciais”, Volume II, 3ª Edição, pag. 217 e segts.
De resto, o nosso Supremo Tribunal de Justiça já se pronunciou (a propósito da relacionação de bens do de cuius situados no estrangeiro quando o processo de inventário corra termos nos tribunais nacionais) sobre a conveniência em relacionar esses bens apenas para que o seu valor seja considerado para o cálculo da legítima e não para serem partilhados e adjudicados aos interessados – v. g. seu Acórdão de 21 de Março de 1985, in BMJ nº 245, pag.355 – que terá merecido o aplauso de Antunes Varela, in Rev. Leg. Jur., ano 123º, nº3793, pag. 118 e segts.

Pelo facto de entendermos que o processo de inventário é idóneo à apreciação da inoficiosidade das doações e sua eventual redução, não vamos ao ponto de sustentar que somente no processo de inventário isso pode acontecer. Admitimos, com efeito, que um herdeiro legitimário, achando-se prejudicado na sua legítima por uma qualquer doação feita a um estranho, possa lançar mão da acção declarativa comum, sobretudo quando, por exemplo, já se concluiu o inventário e se fez aí a partilha onde não fora considerada a redução, desde que, nesse caso, alegue o montante do prejuízo e os termos em que se deverá operar a redução da doação (que poderá ser através de separação e adjudicação de parte do imóvel doado, se for divisível, ou pela entrega do correspondente valor em dinheiro – Artºs 2174º do Cod. Civil, e 1364 e 1365º do CPC) – desde que esteja em tempo, por não ter decorrido o prazo de dois anos previsto no citado Artº 1178º do Código Civil (que para nós é um prazo de caducidade, como, aliás, assim lhe chama o legislador).

Não é, porém, esta a situação que temos em apreço. Por isso, e atentas as razões anteriormente explicitadas, deverá manter-se no processo de inventário em causa a relacionação do imóvel doado, com o único objectivo de verificar se a doação foi ou não inoficiosa e operar, se for caso disso, a respectiva redução. Improcede, pois, esta questão

b) – Da requerida suspensão do inventário até que seja conhecida a sentença na acção de reivindicação nº …./04, do …º Juízo Cível.
O Mmº Juiz indeferiu esta pretensão dos Agravantes pelo facto de não ter vislumbrado qualquer relação de prejudicialidade entre o objecto da acção cível pendente e a questão discutida no inventário (que é, essencialmente, a da inoficiosidade da doação). Também nos parece que procedeu correctamente, pelos seguintes motivos:
A suspensão do inventário só poderia ocorrer segundo o previsto nos Artºs 1335º, em conjugação com o que dispõe os Artºs 276º e 279º, do CPC., avultando, nessas causas da suspensão, o acordo dos interessados e a verificação de causa prejudicial.
Sabe-se, porque resulta do processo, que o interessado no inventário como donatário está, com a sua esposa, a reivindicar a entrega do bem doado, alegando ser dono dele e ter já cessado o respectivo usufruto com a morte do doador – o inventariado.
Mesmo que a acção venha a ser julgada procedente e decretada, em consequência, a entrega desse imóvel doado aos donatários (aqui agravantes), não fica impedida a cabeça de casal (herdeira legitimaria) de ver reconhecida no inventário, antes ou depois do conhecimento da sentença naquela acção declarativa, a inoficiosidade da doação e concretizada a correspondente redução se necessário (enquanto não declarada a caducidade). Isto, devido ao princípio da intangibilidade da legítima (Artº 2156º e segts. do Código Civil), que se sobrepõe, pela sua natureza definida pelos institutos jurídicos a que antes se fez referência, aos poderes de disposição do donatário como titular do respectivo direito de propriedade ( Artº 954º, al. a) e b), do Cod. Civil) – Inocêncio Galvão Telles, in “direito das sucessões”, 5ª Edição, pag. 129 e segts (quanto ao carácter imperativo das normas que regem a sucessão legitimaria)e José de Oliveira Ascensão, in “ Direito Civil SUCESSÕES”, 4ª edição, pag.391ª 397.
O que se vier a decidir na identificada acção comum
declarativa não constitui, porconseguinte, causa prejudicial em relação ao que se discute no processo de inventário, motivo pelo qual, não tendo havido também acordo entre os interessados quanto à suspensão do inventário, não merece censura o despacho que a indeferiu.

Em conclusão:

1 – Mesmo após as alterações às regras processuais introduzidas pelos Dl. nº227/94, de 08/09, 329-A/95, de 12/12, e 180/96, de 25/09, e com o que actualmente dispõe o Artº 2178º do Código Civil, o processo de inventário para partilha de herança continua a ser meio processual idóneo para nele se apreciar a inoficiosidade e eventual redução de doação feita pelo inventariado tanto a herdeiros como a estranhos à herança. Somente para esse efeito deverá o cabeça de casal incluir na relação de bens a identificação e valor do bem doado;
2 – Admite-se, todavia, que qualquer herdeiro ligitimário que
se ache prejudicado na sua legítima por doação efectuada a herdeiro ou a um estranho, possa lançar mão da acção declarativa comum, sobretudo quando, por exemplo, já tenha sido concluído o inventário e efectuada a partilha dos bens do doador sem que aí tenha sido considerada a redução, desde que nesse caso alegue o montante do prejuízo e os termos em que se deverá operar a redução da doação (que poderá ser através da separação e adjudicação de parte do imóvel doado, se este for divisível, ou pela entrega do correspondente valor em dinheiro – artºs 2174º do Código Civil, 1364º e 1365º, do Cod. Proc. Civil) – contanto que ainda esteja em tempo por não haver decorrido o prazo de dois anos previsto no citado Artº 2178º do Cod. Civil;
3 – Não constitui causa prejudicial que justifique a suspensão do inventário (Artº 1335º do CPC) o facto de pender acção declarativa em que o donatário reivindica a entrega do imóvel doado, por a sua procedência não afectar o reconhecimento e a concretização da redução da doação por inoficiosidade, que face ao princípio da intangibilidade da legítima se sobrepõe, pela sua natureza imperativa, aos poderes de disposição do donatário como titular do respectivo direito de propriedade.

III – DECIDINDO

Pelo exposto, acorda-se em negar provimento ao agravo, mantendo-se o despacho recorrido.
Custas pelos agravantes.

Porto, 26/03/2009
Manuel de Sousa Teixeira Ribeiro
Fernando Manuel Pinto de Almeida
Trajano A. Seabra Teles de Menezes e Melo