Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP00034864 | ||
Relator: | SOUSA LEITE | ||
Descritores: | COMPETÊNCIA MATERIAL PROCEDIMENTOS CAUTELARES SOCIEDADE POR QUOTAS AUMENTO DE CAPITAL SUPRIMENTO JUDICIAL | ||
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Nº do Documento: | RP200212050231133 | ||
Data do Acordão: | 12/05/2002 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | CONFLITO COMPETÊNCIA. | ||
Decisão: | DECLARAÇÃO DE COMPETÊNCIA. | ||
Área Temática: | DIR JUDIC - ORG COMP TRIB. | ||
Legislação Nacional: | LOTJ99 ART77 ART78 ART89 N1 G N3. CSC86 ART201. | ||
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Sumário: | I - Os procedimentos cautelares comuns devem ser instaurados no tribunal onde deva ser proposta a correspondente acção. II - Para o procedimento cautelar destinado a obter o suprimento do consentimento de sócio de sociedade por quotas quanto ao aumento do capital social da sociedade, de que o requerente e o requerido são os únicos sócios, e consequente alteração da denominação desse capital de escudos para euros, é competente, em razão da matéria, o tribunal de comércio. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência no Tribunal da Relação do Porto I – ERNESTO .............. veio requerer a resolução, por parte desta Relação, do conflito negativo de competência, suscitado entre o Senhor Juiz do .. juízo do Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia e o Senhor Juiz do .. juízo cível do Tribunal da comarca de Matosinhos, os quais se atribuem mutuamente competência, denegando a própria, para o conhecimento de um procedimento cautelar comum, instaurado por aquele requerente contra Fernando ............, tendo por objecto o decretamento da providência cautelar inominada, consistente no suprimento do consentimento daquele último, quanto ao aumento do capital social da sociedade por quotas “F..........., Ld.ª”, e à consequente alteração da denominação do referido capital para a moeda com actual curso legal em Portugal, sociedade essa de que ambos são os únicos e actuais sócios gerentes. Dado cumprimento ao preceituado no art. 118º do CPC, nenhum dos Senhores Juízes em conflito apresentou qualquer resposta. Não foram apresentadas quaisquer alegações e o Exmº Procurador – Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da atribuição da competência ao .. juízo do Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. + + + + + + II – De relevante para a decisão do presente conflito de competência, há a considerar os seguintes factos, alegados pelo requerente: “O requerido foi convocado, por carta registada com aviso de recepção, enviada em 01/11/19, para uma assembleia geral de acordo com o n.º 3 do art. 248º do CSC, a realizar pelas 21h. do dia 03/12 seguinte, na sede da referida sociedade comercial, com a seguinte ordem de trabalhos: - deliberar sobre o aumento do capital social; e - redenominação do capital de escudos para euros. Tendo o requerido comparecido na sede social da sociedade comercial, no dia e hora designados, recusou-se a votar favoravelmente o aumento de capital, bem sabendo que o mesmo era obrigatório e que o seu voto era essencial. Ambos os despachos dos Senhores Juízes – do .. juízo do Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia e do .. juízo cível do Tribunal da comarca de Matosinhos -, em que se declararam reciprocamente incompetentes em razão da matéria, para o conhecimento do procedimento cautelar instaurado, transitaram em julgado”. + + + + + + III – Atendendo a que, como se referiu no antecedente relatório, ambos os Senhores Juízes dos tribunais onde foi proposto o procedimento cautelar em causa, se arrogam recíproca incompetência para a tramitação e decisão sobre o objecto do mesmo, e dado que os despachos proferidos sobre tal matéria transitaram já em julgado, sendo certo, por outro lado, que aqueles indicados órgãos jurisdicionais se encontram integrados na categoria dos tribunais judiciais de 1ª instância – arts. 64º, 78º, al. e) e 96º, n.º 1, al. c) da LOFTJ -, mostram-se, assim, preenchidos os requisitos legalmente exigíveis, para que haja lugar à ocorrência do suscitado conflito negativo de competência – art. 115º, n.º s 2 e 3 do CPC. + + + + + + IV – Com efeito, e de acordo com o estatuído no art. 201º do CSC, na redacção que lhe foi introduzida pelo DL n.º 343/98, de 06/11, o capital mínimo de uma qualquer sociedade por quotas não pode ser inferior a 5000 €, tendo a al. a) do n.º 1 do art. 29º daquele último diploma, estabelecido a data de 02/01/01, como a do início da vigência daquela indicada alteração do capital social das sociedades constituídas anteriormente a 99/01/01. Ora, o presente conflito tem por objecto a fixação da competência jurisdicional, em razão da matéria, para a tramitação e subsequente decisão sobre uma providência requerida relativamente a tal aumento do capital social, a decretar em procedimento cautelar comum. E, destinando–se as providências cautelares a acautelar ou antecipar, ainda que a título provisório, os efeitos que venham a decorrer da decisão definitiva a proferir na acção principal, na pressuposição de que esta venha a ser favorável ao respectivo requerente, de tal decorre que os procedimentos cautelares, que sejam instaurados como preliminar daquela, atenta a referida relação de dependência das providências requeridas relativamente à acção a propor, devem, consequentemente, ser instaurados, no que concretamente diz respeito aos procedimentos cautelares comuns, no tribunal onde a acção deva ser proposta, à qual, posteriormente, devem ser apensos – arts. 83º, n.º 1, al. c), 383º, n.º s 1 e 2 e 389º, n.º 1, als. a) a c) todos do CPC. Assim, na situação em presença, o procedimento cautelar, relativamente a cujo conhecimento ambos os Senhores Juízes em conflito se arrogam recíproca incompetência material, constitui preliminar de uma acção necessariamente tendente à declaração, pela via judicial, da alteração, por imposição legal, do capital social, e subsequente redenominação do mesmo na moeda europeia, de uma sociedade por quotas, de que são únicos sócios o requerente e o requerido naquele indicado processo cautelar, encontrando-se aquela acção obrigatoriamente sujeita a registo comercial, por força das normas vigentes no domínio da actividade registral relativa aos comerciantes e sociedades comerciais, já que tal acção tem por objecto a alteração do respectivo contrato social, uma vez que o aumento do referido capital se encontra, por força da legislação societária, integrado no âmbito da alteração do contrato de sociedade – arts. 3º, al. q) e 9º, al. b) do Cód. Reg. Comercial e 87º do CSC. Ora, a determinação das causas, que, em razão da matéria, são da competência dos tribunais dotados de competência especializada ou que, por via residual, são atribuídas aos tribunais de competência genérica, está consagrada na Lei n.º 3/99, de 13/01 (LOFTJ) – arts. 77º, n.º 1, al. a) e 78º e segs. deste último diploma e art. 67º do CPC. Com efeito, e no que concretamente respeita aos tribunais do comércio, compete a estes preparar e julgar, entre outras espécies de acções cuja enumeração irreleva para a situação em análise, aquelas a que se refere o Código de Registo Comercial, competência essa extensiva aos respectivos apensos – art. 89º n.º s 1, al. g) e 3 da indicada LOFTJ. Temos, portanto, na situação em apreço, que, perante a aludida dependência do procedimento cautelar comum instaurado, relativamente à acção a propor para a obtenção de decisão definitiva relativamente à pretensão do requerente da providência de aumento do capital social da sociedade em causa, uma vez que aquela acção, como se referiu, se encontra tipificada na codificação registral aplicável no domínio das actividades comerciais, como sujeita a registo obrigatório, face ao indicado normativo da LOFTJ tal acção é da exclusiva competência do tribunal de comércio, competência essa que, por arrastamento, e como se referiu, é igualmente extensível à instrução e julgamento daquele indicado procedimento, da mesma preliminar. + + + + + + V - E, se é certo que, a priori, poder-se-ia ser tentado a asseverar, como aliás o fez o Senhor Juiz do Tribunal do Comércio, que, não se integrando a providência requerida nos direitos sociais cujo exercício vem regulamentado na codificação adjectiva civil, seria, portanto, de concluir, pela incompetência em razão da matéria daquele tribunal para o conhecimento do procedimento cautelar instaurado, tal conclusão, todavia, torna-se de todo em todo inviável, perante o explicitado no item antecedente. Mas, apesar da decisão a proferir sobre o presente conflito de competência, não poder colher o seu fundamento no leque dos direitos sociais cujo exercício judicial constitui uma faculdade legalmente atribuída aos sócios da sociedade, sempre se dirá, e à guisa de esclarecimento, que o objecto da providência cautelar requerida, nunca se poderia inserir na enumeração legal referente àqueles direitos sociais. Com efeito, e embora a competência exclusiva para preparar e julgar as acções, e seus respectivos incidentes e apensos, relativas ao exercício de direitos sociais, tenha sido atribuída aos tribunais de comércio – art. 89º, n.º s 1, al. c) e 3 da LOFTJ -, todavia, o legislador desta codificação relativa à distribuição de competências entre os vários tribunais que compõem o espectro judiciário nacional, omitiu a enumeração das acções em que se concretiza o exercício daqueles indicados direitos sociais, o que já se não verifica no âmbito da legislação falimentar, da legislação comercial, da legislação da propriedade industrial ou da legislação registral, no que concretamente respeita às situações relacionadas com a vida social das sociedades comerciais que são objecto de conhecimento exclusivo dos tribunais de comércio, uma vez que, quanto àquelas, houve então já lugar à sua respectiva enumeração, de forma precisa e concreta, nas restantes alíneas do citado art. 89º daquela indicada Lei Orgânica. Assim, e no que se reporta ao exercício dos direitos sociais, a única referência relativamente ao âmbito daqueles, que mereceu consagração legislativa, apenas se verifica no domínio da codificação adjectiva civil, pelo que, como meio integrativo do conteúdo das situações abrangidas pela norma que estabelece a competência dos tribunais de comércio, quanto ao exercício dos referidos direitos, ter-se-á de lançar mão da regulamentação constante da secção XVII do capítulo XVIII do título IV do Livro III do Código de Processo Civil. Porém, da análise das situações tipificadas como correspondentes aos direitos dos sócios, susceptíveis de exercício pela via judicial, verifica-se que nas mesmas se não integra o suprimento da recusa de qualquer dos membros de uma sociedade por quotas, no que concretamente se reporta ao aumento do respectivo capital social - arts. 1479º a 1501º - pedido esse que, aliás, e como se referiu já antecedentemente, integra o objecto da providência cautelar ora requerida e, necessariamente, deverá constituir o da posterior acção a instaurar. Temos, portanto, que, embora como direitos sociais se devam qualificar aqueles que resultam da posição que os sócios ocupam na sociedade, enquanto titulares de tal qualidade jurídica, e que, portanto, têm como necessário pressuposto a titularidade pelo agente daquela qualidade de sócio - vide “Novas perspectivas do direito comercial”, pág. 232 -, os processos de suprimento do consentimento, em caso de ocorrência da sua recusa, ainda que revistam, tal-qualmente o exercício de direitos sociais, a natureza de processos de jurisdição voluntária, não conferem aos sócios de uma sociedade por quotas a faculdade de, por via judicial, conseguirem suprir a recusa do consentimento do ou dos restantes sócios, relativamente a matérias que devam ser objecto de deliberação dos mesmos. Com efeito, e para além daquele indicado meio processual de suprimento se inserir em secção diversa - secção IV – daquela onde se contém a enumeração dos direitos sociais cujo exercício jurisdicional é facultado aos sócios, há, por outro lado a considerar, que o pedido atinente à concessão de tal consentimento, apenas pode colher acolhimento, no caso de se encontrar legislativamente consagrada, a admissibilidade de suprimento, pela via jurisdicional, da recusa do mesmo – art. 1425º, n.º 1 do CPC. Todavia, e no que respeita ao aumento do capital social das sociedades por quotas, para o mínimo legalmente exigido – art. 201º do CSC, na redacção do DL n.º 343/98, de 06/11 -, necessariamente a ter lugar através de deliberação dos respectivos sócios – arts. 9º, n.º 1, al. f), 85º, 87º e 246º, n.º 1, al. h) do CSC -, não foi consagrada pelo legislador – art. 533º do CSC e artigo único do DL n.º 235/2001, de 30/08 -, e ainda que circunscrita às situações decorrentes de imposição legal, a admissibilidade do suprimento, pela via judicial, do consentimento do sócio, que, através do seu voto, impeça a aprovação de deliberação em tal sentido, uma vez que, sendo da competência exclusiva dos sócios a alteração do contrato de sociedade - art. 85º, n.º 1 do CSC -, é inadmissível, relativamente às sociedades reguladas naquela codificação societária, a existência de “um dever positivo de votar”, na hipótese da ocorrência de uma imposição legal de alteração do contrato, daí decorrendo, portanto, a impossibilidade da sociedade cumprir a imposição legal, quando o quorum deliberativo não for alcançado, o que desde logo implica a consequente sujeição da sociedade, às consequências que estiverem estabelecidas na lei, quanto à inobservância do aludido dever legal – vide “Alterações do contrato de sociedade” do Prof. Raul Ventura, 2ª edição, págs. 16, 38 e 40 -, situação esta, aliás, a que aquele Ilustre Professor se referia, já em 1989, como encontrando - se em estudo no Ministério da Justiça – “Sociedades por Quotas”, vol. I, 2ª edição, pág. 116 -, sem que, todavia, até ao momento presente, tal problema haja sido objecto de solução por via legislativa. Temos, pois, que, pese embora, como se referiu, a circunstância do objecto da providência cautelar requerida não se encontrar englobado nas situações em que é atribuída ao sócio a faculdade do exercício judicial dos direitos inerentes a tal qualidade jurídica, daí não pode extrapolar-se, sem mais, para a declaração da incompetência, em razão da matéria, do tribunal de comércio para o seu conhecimento, ainda que, por outro lado, e em termos gerais, o conteúdo da aludida providência seja insusceptível de poder merecer acolhimento legal, por extravasar das situações consagradas pelo legislador, no âmbito do direito societário, como passíveis de serem sanadas pela via jurisdicional, constituindo sem dúvida tal facto, o motivo determinante da sua não inclusão na secção da codificação adjectiva civil referente ao exercício dos direitos sociais. + + + + + + VI – Perante o exposto, decide-se o presente conflito negativo de competência, através da atribuição da competência ao .. juízo do Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia, para o conhecimento do procedimento cautelar comum, instaurado pelo requerente ERNESTO ............ Sem custas. + + + + + + PORTO, 5 de Dezembro de 2002 José Joaquim de Sousa Leite António Alberto Moreira Alves Velho Camilo Moreira Camilo |