Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
23287/18.8T8PRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS PORTELA
Descritores: EMBARGOS DE TERCEIRO
ÓNUS DA PROVA
PENHORA
CONTA BANCÁRIA
TITULARIDADE DA CONTA
Nº do Documento: RP2023051823287/18.8T8PRT-A.P1
Data do Acordão: 05/18/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Os embargos de terceiro constituem o meio processual idóneo para a efectivação de qualquer direito do embargante incompatível com uma diligência de cariz executório, não tendo que ter, necessariamente, por fundamento a posse, mas a existência de qualquer direito incompatível com a diligência judicial ordenada.
II - Recai sobre o embargante o ónus probatório de demonstrar que a penhora, a apreensão ou entrega judicialmente ordenada e a incidir sobre determinados bens ofende direitos que ele tem sobre esses mesmos bens, merecedores de tutela.
III - Havendo vários titulares de uma conta bancaria, esta pode ser conjunta ou solidária, necessitando os titulares de agir em conjunto para movimentar a conta no primeiro caso e podendo qualquer um dos titulares movimentá-la sem o consentimento dos outros no segundo caso, presumindo-se que as participações dos titulares da conta são iguais.
IV - A titularidade da conta não se confunde com a propriedade dos respectivos fundos, podendo ser feita a prova de que os titulares não têm comparticipação igual, ou não são mesmo donos dos fundos, ilidindo-se, assim, as presunções legalmente previstas.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº 23287/18.8T8PRT-A.P1
Tribunal recorrido: Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo de Execução do Porto

Relator: Carlos Portela
Adjuntos: António Paulo Vasconcelos
Judite Pires



Acordam na 3ª Secção do Tribunal da Relação do Porto



I. Relatório:
AA, devidamente identificado nos autos, veio deduzir os presentes embargos de terceiro na execução instaurada por BB contra CC e DD onde pede que seja revogada a diligência de penhora realizada nos referidos autos de execução, invocando que a quantia penhora é da sua propriedade exclusiva.
A exequente contestou, impugnando, em síntese, o acima alegado.
Foi proferido despacho saneador, prosseguindo os autos para realização da audiência de discussão e julgamento no culminar da qual os presentes embargos de terceiro foram julgados improcedentes.
O embargante veio interpor recurso desta decisão, apresentado desde logo e nos termos legalmente prescritos as suas alegações.
O Ministério Público contra alegou.
Foi proferido despacho no qual se considerou o recurso tempestivo e legal e se admitiu o mesmo como sendo de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito meramente devolutivo.
Recebido o processo nesta Relação emitiu-se despacho que teve o recurso por próprio, tempestivamente interposto e admitido com efeito e modo de subida adequados.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Enquadramento de facto e de direito:
Ao presente recurso são aplicáveis as regras processuais da Lei nº 41/2013 de 26 de Junho.
É consabido que o objecto do recurso, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso obrigatório, está definido pelo conteúdo das conclusões vertidas pelo apelante/embargante nas suas alegações (cf. artigos 608º, nº2, 635º, nº4 e 639º, nº1 do CPC).
E é o seguinte o teor dessas conclusões:
1- O presente recurso tem por fundamento a incorrecta aplicação do direito aos factos dados como provados, ou seja, erro de julgamento e na aplicação do direito.
2- Existe erro de julgamento, porquanto há contradição entre os factos provados e a decisão, já que, tendo sido dado como provado que o dinheiro saiu de uma conta do embargante, não pode concluir-se que o mesmo pertence à executada, nem pode permitir-se a sua penhora (dado ser ilegal).
3- Atenta a presunção de titularidade do saldo bancário existente na conta penhorada, cabalmente ilidida pelo embargante, teria que concluir-se no sentido do mesmo pertencer exclusivamente àquele.
4- Apenas com os factos dados como provados (1 a 5), o Tribunal já teria obrigatoriamente que concluir que o dinheiro pertence ao embargante, ou seja, julgando-os totalmente procedentes.
5- Tendo tendo sido dado como provado:
A) que o embargante tinha depositado no banco Banco 1..., em 29-6-2018, na sua conta com o NIB ...73 a quantia de €96.149,83,
B) sendo que nas datas 31 de julho, 31 de agosto e 29 de setembro, mantinha-se na referida conta do embargante e que a conta co-titulada pelo embargante e executa- da, supra referida em 1), dispunha da quantia de €0,39, em 29 de junho, 31 de julho, 31 de agosto e 28 de setembro de 2018, ou seja, encontrava-se praticamente sem fundos
C) e ainda que o embargante decidiu transferir da conta que é titular com o NIB ...73 para a conta referida em 1), as quantias de €15.000,00, €20.000,00, e de €15.078,00, nas datas de 20, 21 e 22 de outubro de 2018, tendo provisionado a referida conta com fundos próprios,
D) tem obrigatoriamente que concluir-se que o dinheiro penhorado nos autos é propriedade exclusiva do embargante.
6- Tendo por base os factos acabados de enunciar (factos provados 1 a 5), tem de concluir-se que o dinheiro penhorado nos autos é propriedade exclusiva do embargante, pelo que teria que aditar-se o seguinte facto aos factos provados: O dinheiro transferido para a conta conjunta com a executada pertence ao embargante.
7- O facto não provado constante em a) da matéria dada como não provada, ainda que com configuração ligeiramente distinta, deverá passar para os factos provados, afigurando-se como um manifesto e evidente lapso, conforme documentação constante dos autos (documentos 1 a 16 dos embargos de terceiro):
- documento 2: comprovativo da titularidade e da conta de onde proveio o dinheiro penhorado
- documentos 3 a 5: comprovativos bancários do saldo existente na conta do em- bargante de onde transferiu o dinheiro para a conta que veio a ser penhorada = €96.149,83.
- documentos 6 a 9: saldo da conta conjunta do embargante com a executada, nos meses de junho a setembro de 2018, antecedentes à penhora = €0,39.
- documentos 11 a 13: transferências da conta do embargante para a conta conjunta com a executada, onde esta não é dona de quaisquer montantes.
- documento 14: saldo da conta conjunta do embargante com a executada, que foi penhorada (€49.997,87), após as transferências efectuadas pelo primeiro.
- documento 15: declaração comprovativa da titularidade da conta do embargante com a executada.
- documento 16: saldo da conta exclusiva do embargante após as transferências comprovadas pelos documentos 11 a 13.).
8- Tendo sido feita a prova de que os titulares não têm comparticipação igual, ou seja, que o embargante transferiu €50.0078,00 da sua conta (exclusivamente sua face à executada) no banco Banco 1... n.º ...73, para a sua outra conta referida no ponto 1 dos factos provados, em que a executada também é titular, o facto não provado descrito em a) - “a) Que o montante referido em 2 era proveniente apenas dos rendimentos de trabalho do embargante;” - tem forçosamente que ser dado como provado, com a seguinte alteração:
- O montante referido em 2 era proveniente de uma conta do embargante em que a executada não era titular, onde se encontravam depositados dinheiros resultantes do período em que esteve emigrado, fruto do seu trabalho, sendo propriedade exclusivamente daquele (pelo que teria que concluir-se que não era passível de ser penhorado por dívidas daquela).
9- Tal alteração da matéria da facto provada decorre da conjugação dos factos provados 1 a 5 com a presunção que o embargante ilidiu, do depoimento da testemunha EE e ainda da prova documental junta aos autos, no sentido de que o dinheiro proveio de uma conta sua, sem que a executada dela fosse titular.
10- Conforme Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido no processo n.º 1486/09.3YXLSB.L1-6 de 14/01/2016, “A titularidade da conta conjunta faz presumir a igualdade das participações dos titulares, mas essa presunção pode ser ilidida, demonstrando-se que os fundos da conta não foram realizados pelos titulares em partes iguais.” (sublinhado nosso).
11- A pertença da totalidade dos saldos existentes na conta penhorada foi alegada no artigo 6.º da PI e provada documentalmente pelo embargante através dos documentos 1 a 16, pelo que se deve aditar à factualidade provada o seguinte facto:
- A totalidade dos saldos existentes na conta bancária penhorada é pertença exclusiva do embargante.
12- A questão da propriedade do dinheiro depositado é distinta e independente do regime de movimentação dos depósitos, já que poderão ser da exclusiva propriedade de um ou de alguns titulares da conta ou, inclusive, de um terceiro.
13- Contudo, a titularidade da conta não se confunde com a propriedade dos respectivos fundos, podendo ser feita a prova de que os titulares não têm comparticipação igual, ou não são mesmo donos dos fundos, ilidindo-se, assim, as referidas presunções (acs. RL 1/02/2007, p. 8274/2006, RC 30/05/2006, p. 158 2/06, ambos em www.dgsi.pt).
14- “Aquele que pretende afirmar a propriedade exclusiva de dinheiro depositado em contas bancárias solidárias, tem de ilidir a presunção constante do artigo 516.º do Código Civil, ou seja, que os valores pecuniários pertencem em partes iguais aos co-titulares.” Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido no Processo n.º 1077-12.1TVLSB.L1-8 em 12/03/2015
15- Tendo ficado cabalmente demonstrado que a conta foi aprovisionada apenas com dinheiro do embargante (e não da executada), ilidiu-se, assim, a presunção de titularidade dos fundos em partes iguais, facto que, aliás, se encontra pré-provado pelos factos provados de 1 a 5, ou seja, decorre da sua interpretação.
16- A seguinte conclusão do Exmo. Sr. Juiz - “Assim, considerando que embargante não logrou provar a factualidade acima descrita e sendo a este quem incumbia o ónus da prova (art.º 342.º do C.C.), terá, desde logo, de improceder o pedido formulado nos presentes autos.”- com o devido respeito, confunde duas realidades:
- por um lado, a propriedade do dinheiro penhorado nos autos, provado por inversão da presunção de titularidade e pela testemunha EE no depoimento transcrito, e
- por outro lado, o ónus da prova do embargante, que foi cumprido no que concerne à propriedade do dinheiro (e que não se prende com a finalidade a dar ao dinheiro, que não foi posta em causa e muito menos provada pela embargada).
17- Nos presentes autos, apesar da titularidade conjunta da conta, não se provou nem pode concluir-se que tenha existido qualquer tipo de liberalidade (doação) do embargante para a executada, não tendo sido demonstrada a essencial intenção de realizar uma liberalidade para com aquela.
18- A versão apresentada pelo embargante quanto à finalidade a dar ao dinheiro que era sua pertença exclusiva, não é essencial para a decisão da causa, porquanto beneficia à partida da inversão da presunção de titularidade conjunta do valor existente na conta, atento o facto de ter provado a sua propriedade absoluta.
19- A finalidade que o embargante pretendia dar ao dinheiro existente na conta penhorada é irrelevante, porquanto a sua propriedade se encontra devidamente comprovada a seu favor, não podendo sequer presumir-se qualquer finalidade.
20- Foi violado o disposto no artigo 516.º do C.C., já que o embargante ilidiu a presunção de titularidade prevista nessa norma.
21- Do depoimento gravado da testemunha EE, transcrito na motivação do presente recurso, resulta provado que o dinheiro existente na conta bancária penhorada pertencia exclusivamente ao seu pai, AA, não sendo, assim, de todo, propriedade da executada, a qual nunca trabalhou nem tem rendimentos.
22- Nestes termos, por via do depoimento coerente e imparcial desta testemunha, cuja isenção o Tribunal não colocou em causa, deverá ser aditado o seguinte facto à matéria dada como provada:
- O montante referido em 2 proveio de uma conta do embargante, em que a executada não era titular, sendo o saldo existente na conta conjunta com a executada propriedade exclusiva daquele (pelo que não era passível de ser penhorada por dívidas daquela.)
23- O Tribunal analisou e julgou de forma manifestamente incorrecta a matéria de facto, já que, apesar de ter dado como provados os factos de 1 a 5 e ter produzido o depoimento supra transcrito, aplicou incorrectamente o direito aos factos.
24- De acordo com o depoimento transcrito da testemunha EE, conjugado com os documentos juntos aos autos, impunha-se, sem margem para dúvidas, decisão diversa quanto à propriedade do dinheiro penhorado nos autos, ou seja, que o mesmo pertence ao embargante.
25- O Tribunal da Relação tem o poder-dever de analisar e repor a justiça, nos casos em que a primeira instância não julgou adequadamente a matéria de facto, co- mo nos presentes autos, pelo que deverá ser alterada a matéria dada como provada, nos termos expostos no presente recurso, por uma questão de justiça material, mas também porque estamos perante uma grave injustiça susceptível de prejudicar seriamente a subsistência económica do recorrente, aqui terceiro que embargou a penhora ilegal efectuada.
26- Assim, atentos os fundamentos de facto e de direito supra aduzidos, deve alterar-se a matéria de facto nos termos supra expostos e deve aplicar-se correctamente o direito aos factos, julgando-se totalmente procedente o recurso interposto pelo recorrente, e, consequentemente, totalmente procedentes os embargos de terceiro deduzidos pelo mesmo.
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E é o seguinte o teor das conclusões das contra alegações do Ministério Público:
1- O ónus da prova dos factos invocados pelo embargante cabia ao mesmo, nos termos do art.º 342º do CC.
2- O embargante não logrou provar os factos por si invocados, pelo competindo-lhe o ónus da prova, impunha-se ao Tribunal a quo julgar improcedente a sua pretensão.
3- A douta decisão recorrida não merece qualquer reparo, quer no que respeita aos fundamentos de facto, quer no que respeita aos fundamentos de direito.
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Perante o antes exposto, resulta claro serem as seguintes as questões suscitadas no presente recurso:
1ª) A impugnação da decisão da matéria de facto;
2ª) A procedência dos embargos de terceiro.
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É o seguinte o conteúdo da decisão de facto proferida e agora objecto de impugnação:
Factos provados:
1. No dia 12-11-2018, foi penhorada a quantia de €23.500, do saldo bancário existente no Banco 1..., SA, titulada por DD e por AA.
2. O embargante tinha depositado no banco Banco 1..., em 29-6-2018, conta de que é titular com o NIB ...73 a quantia de €96.149,83.
3. Nas datas 31 de julho, 31 de agosto e 29 de setembro, mantinha-se na referida conta do embargante.
4. A conta co-titulada pelo embargante e executada, supra referida em 1), dispunha da quantia de €0,39, em 29 de junho, 31 de julho, 31 de agosto e 28 de setembro de 2018.
5. O embargante decidiu transferir da conta que é titular com o NIB ...73 para a conta referida em 1), as quantias de €15.000,00, €20.000,00, e de €15.078,00, nas datas de 20, 21 e 22 de outubro de 2018.
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Factos não provados:
a) Que o montante referido em 2 era proveniente apenas dos rendimentos de trabalho do embargante;
b) Que o embargante teve de ser objecto de intervenção cirúrgica no Hospital de Paris, no dia 26 de outubro de 2018;
c) Que o embargante receou sucumbir na intervenção ou ficar necessitado de cuidados prolongados e impossibilitado de movimentar as quantias necessárias ao tratamento médico e medicamentoso e subsistência;
d) que foi por tal motivo que decidiu transferir as quantias supra referidas em 5), de maneira a que a executada, sua filha, pudesse movimentar a referida conta bancária e liquidar, em sua representação, e por suas instruções, os referidos valores, para liquidar despesas ordinárias e extraordinárias do embargante.
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Como antes já vimos neste seu recurso o embargante AA impugna nos seguintes termos a decisão de facto proferida pela 1ª instância:
1º) Refere desde logo que existe contradição na resposta à matéria de facto por considerar que tendo em conta o que ficou a constar nos pontos 2, 3 e 5 dos factos provados, teria de se concluir, obrigatoriamente, que o dinheiro penhorado nos autos é propriedade exclusiva do embargante, aditando-se aos factos provados a seguinte matéria: “O dinheiro transferido pelo embargante para a conta conjunta com a executada, referido no facto provado 5, pertence exclusivamente ao embargante.”
2º) Requer que seja dada como provada a factualidade inscrita na alínea a) dos factos provados.
Iniciando a nossa análise pela primeira das questões suscitadas, o que cabe dizer é o seguinte:
Salvo o respeito que é devido pela opinião que sustenta o recurso, entendemos desde logo que no mesmo o embargante/apelante confunde a decisão de facto com a decisão de direito daí retirando uma contradição que não existe.
Assim a matéria que o mesmo pretende ver aditada aos factos provados mais não é do que a conclusão que na sua tese se deve extrair das respostas dadas aos supra identificados pontos 2, 3 e 5.
Ora segundo o disposto no nº3 do art.º 607º do CPC, após a descriminação dos factos que considera provados, cumpre ao juiz indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final.
E sendo deste modo, nos autos só nesse momento processual se deverá concluir (ou não) que “o dinheiro transferido pelo embargante para a conta conjunta com a executada, referido no facto provado 5, pertence exclusivamente ao embargante."
Em suma, não merece provimento, nesta parte o recurso aqui interposto.
Quanto à alínea a) dos factos não provados a pretensão recursiva do embargante/apelante estriba-se nos seguintes meios de prova:
- Nos documentos juntos aos autos com os n.ºs 2, 3 a 5, 6 a 9 11 a 13 14, 15 e 16;
- No depoimento prestado em julgamento pela testemunha EE.
Como nos era imposto, procedemos desde logo à audição da gravação onde ficou registado o depoimento prestado pela identificada testemunha, a qual se identificou como filho do embargante AA e da embargada BB e irmão da embargada DD.
Neste depoimento o mesmo acabou por reiterar a versão dos factos trazida ao processo pelo embargante AA e que se reconduz à tese de que o dinheiro objecto da penhora em apreço nos autos não é da sua irmã mas sim propriedade exclusiva do seu pai e que terá sido transferido para a conta penhorada por causa de uma cirurgia a uma hérnia inguinal a que o seu pai foi sujeito em Paris.
A verdade é que esta versão dos factos, nomeadamente a alegação de que a transferência bancaria realizada pelo embargante AA teve por fundamento o receio deste de após a referida cirurgia vir a fica impossibilitado de movimentar as quantias que se afigurassem necessárias à sua recuperação, acabou por não ser confirmada pela restante prova produzida.
Assim tem razão a Sr.ª Juiz “a quo” quando na sentença e mais concretamente na fundamentação da matéria de facto inscrita na mesma, salienta o que quanto a tal factualidade resulta do relatório pericial realizado pela Polícia Judiciária - Directoria do Norte junto a fls.65 e seguintes e do qual resulta de forma clara e expressa o seguinte: “O Relatório Hospitalar recebido para exame e descrito na alínea 01 (Doc. fls.53/Doc. 10) é falso.”
Por isso deve ser seguido a ideia subscrita na mesma fundamentação e segundo a qual o identifica documento clinico junto com a petição inicial destes embargos não pode ser considerado o que fragiliza de modo drástico a versão apresentada pelo embargante, pondo assim em causa o depoimento prestado pela identificada testemunha.
Nestes termos e por não estarem verificados no caso os pressupostos previstos no art.º 662º do CPC para a modificabilidade da decisão de facto, nega-se provimento ao recurso interposto confirmando-se a mesma decisão.
É pois tendo em conta tal decisão que cabe apreciar e decidir da procedência/improcedência dos presentes embargos.
A propósito dos embargos de terceiro, refere-se o seguinte no acórdão desta Relação do Porto de 13.06.2019, proferido no processo 2586/15.4T8LOU-B.P1, relatado pela Desembargadora Judite Pires e publicado em www.dgsi.pt:
“Segundo o artigo 1285.º do Código Civil, “o possuidor cuja posse for ofendida por penhora ou diligência ordenada judicialmente pode defender a sua posse mediante embargos de terceiro, nos termos definidos na lei de processo”.
Por seu turno, dispõe hoje o n.º 1 do artigo 342.º do Código de Processo Civil que “se a penhora, ou qualquer acto judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens, ofender a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte na causa, pode o lesado fazê-lo valer, deduzindo embargos de terceiro”, …
(…)
Com a reforma do processo civil empreendida em 1995, os embargos de terceiro deixaram de constituir processo especial e de ser tratados como acção possessória, passando a integrar-se nos incidentes de instância, perspectivando-se como “verdadeira subespécie da oposição espontânea, caracterizada por se inserir num processo que comporta diligências de natureza executiva (penhora ou qualquer outro acto de apreensão de bens) judicialmente ordenadas, opondo o terceiro embargante um direito próprio, incompatível com a subsistência dos efeitos de tais diligências (…)“considerou-se que, em termos estruturais, o que realmente caracteriza os «embargos de terceiro» não é tanto o carácter «especial» da tramitação do processo através do qual actuam – que se molda essencialmente pela matriz do processo declaratório, com a particularidade de ocorrer uma fase introdutória de apreciação sumária da viabilidade da pretensão do embargante -, mas a circunstância de a pretensão do embargante se enxertar num processo pendente entre outras partes e visar a efectivação de um direito incompatível com a subsistência dos efeitos de um acto de agressão patrimonial, judicialmente ordenado no interesse de alguma das partes da causa, e que terá atingido ilegitimamente o direito invocado pelo terceiro embargante”[20] .
Como esclarece Amâncio Ferreira […], “hoje, os embargos de terceiro não se apresentam, no sistema da lei processual, como um meio possessório, mas antes como um incidente da instância, como uma verdadeira subespécie da oposição espontânea, sob a denominação de oposição mediante embargos de terceiro (arts. 351 e segs.). E assim como é do conceito de oposição (art.º 342 nº 1), encontramo-nos perante um incidente que permite a um terceiro intervir numa causa para fazer valer, no confronto de ambas as partes, um direito próprio, total ou parcialmente incompatível com as pretensões por aquelas deduzidas.”
“Os embargos de terceiro são uma forma particular de reclamação tendo em vista a revisão pelo mesmo órgão jurisdicional da questão sobre a qual incidiu a decisão que ordenou a diligência posta em causa.
Este procedimento caracteriza-se, essencialmente, pela posição do embargante, o qual se “introduz” num processo pendente entre outras partes, a fim de obstar à efectivação de um seu direito, incompatível com a subsistência dos efeitos de um acto judicial de afectação ilegal daquele mesmo direito”[…].
Ou seja, “os embargos de terceiro, no Código de Processo Civil revisto, passaram a constituir o meio processual idóneo para a efectivação de qualquer direito de embargante incompatível com uma diligência de cariz executório, não tendo que ser, necessariamente, alegada a posse, mas sim um qualquer direito incompatível com a diligência judicial ordenada, tendo-se alargado, expressa e deliberadamente, por via legislativa, o âmbito de tal procedimento”[…].
Mas, constituindo os embargos de terceiro um meio de defesa da posse ofendida, por quem é alheio à acção executiva, isto é terceiro, essa posse não pode ser uma posse precária, mas antes uma posse real, efectiva, que se consubstancia no exercício de poderes de facto sobre a coisa penhorada, não se exigindo a posse jurídica[…].
Cabe ao embargante a prova dos fundamentos do seu direito: artigo 342.º do Código Civil. Assim, sobre ele recai o ónus probatório de demonstrar que a penhora, a apreensão ou entrega judicialmente ordenada e a incidir sobre determinados bens ofende direitos que ele tem sobre esses mesmos bens, merecedores de tutela.
A embargante, que não é parte no processo executivo onde foi realizada a penhora, lançou mão do procedimento de embargos de terceiro como reacção ao que considera, por virtude daquela diligência e efeitos que dela advêm, uma ofensa à posse que afirma ter sobre a totalidade do prédio de que, com o executado, é comproprietária, posse essa (segundo alega, total e exclusiva) que passou a exercer na sequência do contrato-promessa de compra e venda, a que as partes atribuíram eficácia real, que celebrou com o executado, comproprietário na proporção de ½.
Sendo incontroversa a qualidade de terceira da embargante, importa questionar se o contrato-promessa em que se apoia para reagir contra a penhora legitima o recurso a esse meio de reacção processual.
Como se disse, a procedência dos embargos de terceiro exigem do embargante a alegação e posterior prova da sua posse […] em relação ao bem sobre o qual incidiu a penhora, ou “qualquer acto judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens” ou a existência de qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que fala o nº1 do artigo 342º do Código de Processo Civil.”
Como todos já vimos, nos presentes autos o embargante AA veio alegar que o saldo objecto de penhora lhe pertencia e pertence em exclusivo, sendo ele quem desde sempre exerceu a posse sobre as referidas quantias.
Está provado que a conta na qual foi penhorada a quantia de €23.500 é titulada por DD e pelo embargante.
Como é sabido, no contrato de depósito bancário os titulares da conta, como depositantes, entregam ao banco, como depositário, uma quantia em dinheiro de que o depositário se apropria e dispõe livremente, obrigando-se a restituir aos depositantes igual montante.
Havendo vários titulares da conta, esta pode ser conjunta ou solidária, necessitando os titulares de agir em conjunto para movimentar a conta no primeiro caso e podendo qualquer um dos titulares movimentá-la sem o consentimento dos outros no segundo caso, presumindo-se que as participações dos titulares da conta são iguais, por via da aplicação das regras dos artigos 534º, 1403º e 1404º do CC nas situações de conta conjunta e do artigo 516º do mesmo código, nas situações de conta solidária (cf. Menezes Cordeiro, Manual de Direito Bancário, 4ª edição, páginas 557 e seguintes).
Sabe-se, também, que a titularidade da conta não se confunde com a propriedade dos respectivos fundos, podendo ser feita a prova de que os titulares não têm comparticipação igual, ou não são mesmo donos dos fundos, ilidindo-se, assim, as referidas presunções nos termos do disposto no art.º 350º., nº2 do Código Civil.
No caso dos autos resulta evidente que o embargante ora apelante AA não ilidiu a presunção antes melhor identificada.
E a ser assim bem andou o Tribunal “a quo” quando considerou não estarem verificados os pressupostos de facto e de direito previstos no art.º 342º e seguintes do CPC, acabando por julgar improcedentes por não provados os embargos de terceiro aqui deduzidos.
Nestes termos, nega-se pois provimento também nesta parte ao recurso aqui interposto pelo embargante AA.
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Sumário (cf. art.º 663º, nº7 do CPC):
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III. Decisão:
Pelo exposto, julga-se improcedente o presente recurso de apelação e, em consequência, confirma-se a decisão proferida.
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Custas a cargo do apelante/embargante (cf. art.º 527º, nºs 1 e 2 do CPC).
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Notifique.


Porto, 18 de Maio de 2023
Carlos Portela
António Paulo Vasconcelos
Judite Pires