Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | FREITAS VIEIRA | ||
Descritores: | ACÇÃO EXECUTIVA TÍTULO EXECUTIVO EXIGIBILIDADE DA OBRIGAÇÃO LIQUIDEZ DA OBRIGAÇÃO ABUSO DE DIREITO | ||
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Nº do Documento: | RP202107013523/18.1T8MAI-A.P1 | ||
Data do Acordão: | 07/01/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Indicações Eventuais: | 3ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - A execução, para além da obrigação exequenda, que o título executivo inquestionavelmente afirma, pressupõe o incumprimento o qual, se não resultar do titulo executivo em si mesmo, deverá constar do requerimento executivo e documentos para que remete, em termos que permitam ter como exigível e liquida a obrigação exequenda. II - Deve considerar-se que não é exigível e liquida a obrigação exequenda documentada em nota de débito quando o embargante alega e prova pagamentos efetuados, o exequente não prova por sua vez que, conforme alegava havia aplicado tais valores à amortização de prestações vencidas anteriormente. III - A atuação do banco exequente, que após negociações com vista à reestruturação do débito, aceita os pagamentos feitos pelos executados para amortização das prestações do empréstimo ao longo do período que decorreu entre 2012 e a instauração da execução em 2018, sem comunicar aos executados qualquer incumprimento, e, remetendo mensalmente ao executado devedor extratos bancários, com os valores da amortização do empréstimo que assim iam sendo efetuadas é adequada a gerar nestes a crença e confiança de que o contrato estava regularizado, levando a levou a que estes adaptassem o seu comportamento à situação de confiança assim gerada. IV - Neste contexto a atuação da credora, ao considerar ter havido incumprimento do contrato de mútuo para, com fundamento na cláusula contratual considerar exigíveis todas as prestações vincendas, exigindo o seu pagamento em execução instaurada apenas em 2018, consubstancia um claro venire contra factum proprium e simultaneamente uma situação de supressio como tal ilegítima nos termos do artº 334º do C.Civil. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | APELAÇÃO N.º 3523/18.1T8MAI-A.P1 Artº 663º, nº 7, do CPC: ……………………………… ……………………………… ……………………………… ACORDAM NA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO A B…, S.A., instaurou em 06-06-2018 execução sumária contra C…, enquanto devedor, e D…, E… e F…, na qualidade de fiadores, tendo como título executivo o contrato de mútuo com hipoteca outorgado com o primeiro executado em 16-02-2005, para pagamento do valor das correspondentes prestações vencidas desde 16 de janeiro de 2012 no valor de € 86.671,78, acrescido de juros de 16/01/2012 a 30/05/2018 no valor de € 9.243,57, comissões no valor de € 2.282,23, num total de 98 197,58€. Os executados F… e C…, vieram por sua vez deduzir embargos à execução assim instaurada argumentando que a escritura dada à execução não será título executivo bastante porquanto: - A exequente não comunicou antecipadamente a resolução do contrato de mútuo, sendo que teria ficado contratualmente acordado que a resolução do contrato ficava dependente de comunicação aos mutuários por carta registada com A/R; - O requerimento executivo não refere em relação às prestações vencidas qual o valor das prestações vencidas que não foram pagas, nem qual o valor do capital e de juros das prestações que se venceriam após a instauração da execução, não existindo por isso titulo executivo. Alegaram ainda que no ano de 2012 solicitaram à exequente a reestruturação do crédito, que foi aceite, ficando os executados obrigados ao pagamento mensal de € 350,00 por conta dos valores das prestações que se iam vencendo e dos valores em dívida. Valor que foi posteriormente alterado para €300,00. E que passaram a pagar a partir daí sem nunca terem sido informados pela exequente da existência de qualquer problema, estando por isso convencidos da inexistência de qualquer incumprimento. Invocaram por isso, e para além do mais, o uso abusivo do direito por parte da exequente, concluindo a requerer a procedência dos embargos e extinção da execução. A exequente/embargada apresentou contestação em que sustenta que a reestruturação referida pelos embargantes não se chegou a concretizar uma que vez que existiam duas penhoras que oneravam o imóvel que garante o crédito da exequente, o que foi comunicado aos embargantes. Argumenta ainda que a dívida exequenda é certa, líquida e exigível porquanto: - A cláusula 18.ª do contrato de mútuo, título executivo dos presentes autos, permite, perante o incumprimento, que a credora possa, sem necessidade de aviso, considerar imediatamente vencidas e exigíveis todas as responsabilidades garantidas e executar a constituída hipoteca quando o bem hipotecado vier a ser objeto de penhora. - A cláusula 19.º do referido contrato de mútuo, “o extrato da conta do empréstimo e os documentos de débito emitidos pela credora e por ela relacionados com este empréstimo serão havidos, para todos os efeitos do disposto no artigo cinquenta do Código do Processo Civil, como documentos suficientes para prova e determinação dos montantes em dívida, tendo em vista a exigência, justiçarão ou reclamação judicial dos créditos que deles resultarem, em qualquer processo”. Finalmente alega que os valores entregues pelos executados depois de 2012 foram aplicados à liquidação de prestações vencidas anteriormente aquela data, ficando em dívida a prestação vencida em 16 de janeiro de 2012 e as que se venceram posteriormente. Concluíram assim pela improcedência dos embargos. Por decisão proferida nos autos de habilitação apensos foi, entretanto, habilitada para prosseguir nos autos como exequente, a cessionária G…, S.A. a quem a exequente e embargada B…, S.A cedeu o crédito exequendo. Em sede de saneamento julgou-se improcedente a exceção de falta de título executivo. Os autos prosseguiram para julgamento sendo proferida sentença na qual, depois de fixados os factos tidos como assentes, se considerou que “a atuação da exequente, que cobra as quantias depositadas ao longo dos anos decorridos desde 2012 (ano a que faz remontar o incumprimento) e emite extratos com imputação dos valores pagos a concretas prestações de empréstimo, atua de surpresa e de forma contrária à lealdade quando, em Maio de 2018, sem qualquer interpelação prévia, propõe uma ação executiva em que reclama a totalidade do valor da dívida….”. Considerou-se além disso que não se mostrava cumprida a exigência legal de integração do mutuário em PERSI (Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento), encontrando-se o mutuário ainda protegido, à data em que a ação entrou em juízo, pela previsão do art.º 27º do Decreto-Lei nº74-A/2017, de 23.06. Considerou-se ainda que a atuação da exequente seria abusiva. Concluiu-se que em função disso o crédito exequendo era inexigível, julgando-se em consequência procedentes os embargos, e extinta a execução em relação à totalidade dos executados, ordenando-se o consequente levantamento de quaisquer penhoras que incidam sobre o património dos executados. Recorre desta decisão a embargada G…, S.A. formulando sem síntese das alegações correspondentes, as seguintes CONCLUSÕES: ……………………………… ……………………………… ……………………………… Nestes termos e nos demais de Direito, e com o sempre muito douto suprimento de V. Exas., deve ser dado provimento à presente Apelação e, em consequência, ordenado o prosseguimento dos autos de execução, mesmo que seja determinado que a resolução contratual se reporta a Maio de 2018 e não a Janeiro de 2012, sendo a liquidação da obrigação atualizada em conformidade. × Não houve resposta às alegações.× O objeto do recurso mostra-se circunscrito às seguintes questões:I - Incumprimento das prestações vencidas desde Janeiro de 2012 enquanto condição suficiente, à luz do contrato celebrado, para a considerar vencidas e exigíveis todas as prestações vincendas. II – Inexistência de uso abusivo de direito x Caberá referir antes de mais que algumas das questões que foram suscitadas pelos embargantes devem ter-se já como ultrapassadas.Assim, a alegada inexistência ou insuficiência de título executivo, foi julgada improcedente por decisão já transitada. A matéria de facto dada como provada não foi validamente impugnada, nem pela recorrente embargante, nem pelos recorridos/embargantes - em sede da possível ampliação do âmbito do recurso – pelo que está igualmente ultrapassada questão da existência da reestruturação do crédito, que era alegada pelos embargantes, e que foi tida como não provada, sendo que , enquanto facto modificativo do direito da exequente a que se opõem, recaía sobre os embargantes o ónus de prova da existência dessa reestruturação e da sua aceitação por parte da credora B…. Finalmente, no que concerne à questão da inobservância do regime imposto pelo artº 27º do Decreto-Lei nº 74-A/2017, de 23.06 e do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) implementado pelo Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, e que muito embora não seja suscitada a questão no recurso interposto, é um dos fundamentos da decisão recorrida, caberá dizer – porque se trata de matéria de conhecimento oficioso, tendo como tal sido aliás considerado na decisão recorrida – que as exigências contidas nos referidos diplomas legais têm como destinatários as instituições de crédito, pelo que não pode ser oposta à ora recorrente para quem entretanto foi transmitido, por cessão, o crédito exequendo, e que foi como tal habilitada a intervir nos autos na qualidade de exequente a cessionária G…, S.A.. Quando muito a proteção concedida aos mutuários pelas exigências contidas nos referidos diplomas legais poderiam ter sido invocadas como circunstância obstativa à validade e oponibilidade da cessão do crédito - cfr. artº 18º, nº 1, alíneas c) e d) do referido Decreto-Lei n.º 227/2012 - o que não se verificou. Considera-se por isso que, apesar de não ter sido suscitada no recurso interposto, também esta questão está ultrapassada. x Os factos a considerar são os que foram tidos como provados na sentença recorrida, e para a qual nessa parte se remete – artº 663º, nº 6, do CPC.Sem prejuízo, e por comodidade de exposição, importa referir de entre os factos tidos como provados, os seguintes: a) Com data de 16.02.2005 foi outorgado no notariado privativo da B… instrumento notarial avulso que formalizou um contrato de mútuo com hipoteca e fiança, no qual intervieram, como primeiro outorgante, o procurador em representação da B…, como segundo outorgante C…, como terceiro outorgante F… e como quartos outorgantes E… e D…, designado como empréstimo de 95.000,00 €, contrato no qual foi declarado que naquela data foi entregue a quantia de 39.750,00 €; a restante parte fica retida, no montante de 55.250,00 EUR, será creditada por uma mais vezes na sequência de vistorias a efetuar, destinando-se o empréstimo à construção do prédio urbano hipotecado, para habitação própria e permanente da parte devedora (cfr. doc. nº1 anexo ao requerimento executivo/artigo 1º do req. executivo). b) No contrato aludido em a) ficou ainda estipulado, entre outras questões, que: … iv. o empréstimo será amortizado em prestações mensais constantes de capital de juros, cujo montante será comunicado pela credora; v. o extrato de conta do empréstimo e os documentos de débito emitidos pela credora e por ela relacionados com o empréstimo serão havidos, para todos os efeitos legais, como documentos suficientes para determinação dos montantes em dívida, tendo em vista a exigência, justificação ou reclamação dos créditos que resultarem, em qualquer processo (cfr. doc. cit. em a), cujos demais termos se têm por reproduzidos). c) Para garantia do capital mutuado, respetivos juros e despesas, foi constituída hipoteca a favor da exequente sobre o prédio urbano descrito na primeira conservatória de registo predial da Maia sob o nº802, freguesia …, inscrito na matriz sob o artigo 469º (cfr. do. cti. em a) supra). d) Os Executados F…, E… e D…, terceiro e quarto outorgantes, responsabilizaram-se como fiadores e principais pagadores por tudo o que seja devido à B…, credora, em consequência do empréstimo titulado (cfr. doc. cit. em a), cláusula 21º). e) Da cláusula 18º do citado contrato consta estipulado que a parte credora poderá, sem necessidade de aviso, considerar imediatamente exigíveis todas as responsabilidades garantidas e executar a constituída hipoteca, quando a parte devedora deixe de cumprir qualquer das cláusulas do contrato, designadamente quando vencida e não paga qualquer das prestações referidas e não haja prorrogação, renovação ou substituição permitida pela parte credora; quando o bem hipotecado vier a ser objeto de penhora ou outra forma de apreensão sem que para tanto haja autorização da parte credora e demais casos previstos na cláusula 19ª (cfr. doc. cit. em a) supra). f) No ano de 2012, em virtude de dificuldades económicas, os executados solicitaram à exequente a reestruturação do crédito (15º do r. inicial). g) Em finais de 2012 foi iniciado pelos executados o pagamento de prestações mensais, de valor igual e superior a 350,00 EUR (16º do r.inicial, com esclarecimento). h) Os executados, a partir de então, passaram a entregar mensalmente quantias de aproximadamente 350,00 €, para pagamento das prestações que se iam vencendo (17º do r. inicial). i) Com data de 19.02.2013, a exequente remeteu ao executado C… uma notificação a comunicar a alteração da prestação, informando que a partir do vencimento de 2013.03.16 a prestação do empréstimo passaria a ser de 273,11 EUR devido a alteração da taxa do spread (18º do r. inicial e documento nº2 anexo ao requerimento inicial). j) Com data de 0.02.2018, a exequente remeteu ao executado C… uma notificação a comunicar a alteração da prestação, informando que a partir do vencimento de 2018.03.16 – prestação nº157 - a prestação do empréstimo passaria a ser de 251,72 EUR (18º do r. inicial e documento nº3 anexo ao requerimento inicial) k) Convencido de que o montante até então liquidado acima da prestação mensal já seria suficiente para liquidar o valor em mora, os executados, em Junho de 2014, passaram a liquidar mensalmente pelo menos a quantia de 300,00 EUR, pagamentos que a exequente aceitou (parte dos artigos 19º e 20º do r. inicial e extrato anexo ao requerimento de 19.02.2020). l) Ao longo dos anos decorridos desde 2012, os executados foram amortizando a dívida, com base nas comunicações efetuadas pela exequente, convencidos que agiam em respeito pelas obrigações assumidas (21º do r. inicial). m) Os embargantes acreditaram que o contrato estava regularizado (23º do r. inicial). n) Nunca foram informados pelo banco exequente, após a referida data, da existência de problemas com o contrato de crédito, associados à mora, que pudessem levar ao incumprimento (24º do r. inicial). o) Mensalmente, o banco exequente remeteu extratos bancários ao executado embargante, com os valores da amortização do empréstimo (26º do r. inicial). p) Ao longo dos anos, o banco exequente remeteu ao embargante comunicações com o valor da prestação, em resultado da alteração do valor indexante (27º do r. inicial). q) A exequente não informou os executados da existência de prestações em falta, da existência de incumprimento ou do propósito de resolução do contrato de mútuo (28º do r. inicial). r) A atuação do banco, aceitando os pagamentos das prestações para amortização do empréstimo e sem informar os executados de um eventual incumprimento, gerou nestes a crença e confiança de que o contrato estava regularizado, não representando a possibilidade de virem a ser alvo de uma cobrança judicial (42º do r. inicial). … …. I – Ultrapassada a questão da validade da escritura de mútuo com hipoteca apresentada pela exequente, enquanto título executivo válido à luz do disposto no art. 703º, n.º1, al. b) do CPC, tem de aceitar-se também que o mesmo encerra o acertamento positivo da existência do direito e obrigação exequenda. Por outro lado, pressupondo a ação executiva o incumprimento, o mesmo vem alegado pela exequente no requerimento executivo por referência ao incumprimento do pagamento das prestações vencidas desde janeiro de 2012 em diante, nos termos constantes da nota de débito que se encontra junta aquele requerimento executivo, e no que concerne às prestações vincendas após a instauração da execução, por referência à cláusula 18ª do contrato de mútuo dado à execução quando prevê a possibilidade de a credora, sem necessidade de aviso prévio, considerar vencidas e exigíveis todas as responsabilidades garantidas, nomeadamente, quando o devedor deixe de pagar qualquer das prestações vencidas – alínea a) da referida cláusula 18ª do contrato de mútuo. Haverá ainda de considerar a cláusula 19ª do mesmo contrato onde consta ter ficado convencionado que que os extratos da conta de empréstimo e as notas de débito emitidas pela entidade credora são havidos como prova suficiente para determinação dos montantes em dívida para efeitos da sua exigência e reclamação judiciais. No caso em apreciação para além do contrato de mútuo com hipoteca apresentado como título executivo, o requerimento executivo para efeito da descriminação das prestações vencidas e não pagas remete para a nota de débito que foi junta como documento nº 3, e da qual constam efetivamente descriminados o valor de capital e juros relativamente a cada uma das prestações vencidas entre 16 de janeiro de 2012 e 16 de maio de 2018. Os embargantes não têm por isso razão quando objetam que o requerimento executivo não refere em relação às prestações vencidas qual o valor das prestações vencidas que não foram pagas, e que, com referência a 30/05/2018, somam um total de € 98.197,58 (capital, juros e comissões). De notar que, nos termos do requerimento executivo, o que está em causa é o pagamento das prestações vencidas (entre 16-02-2012 e 16-05-2018) pelo que não têm sentido as objeções dos embargantes no que concerne à alegada não indicação do valor do capital e de juros das prestações que se venceriam após a instauração da execução. Aos embargantes caberia assim a alegação e prova de quaisquer factos impeditivos ou extintivos do direito da exequente – cfr artº 731º do CPC e artºs 342º, nº 2 e 799º do C. Civil. E a esse respeito alegaram e efetivamente provaram (g a l) que desde finais de 2012, e no seguimento de um pedido de reestruturação do débito, passaram a efetuar pagamentos das prestações mensais, primeiro de €350,00, e depois de €300,00 euros. A embargada, aceitando embora esses pagamentos, contrapôs que esses valores foram aplicados a prestações vencidas anteriormente a estas data e que se encontravam em dívida. Mas isso não está demonstrado nos autos, sendo que incumbiria à exequente fazer essa prova. Sobretudo porquanto, estando provado que tais pagamentos foram feitos, está igualmente provado que (o) mensalmente, o banco exequente remeteu extratos bancários ao executado embargante, com os valores da amortização do empréstimo, facto que é corroborado pelo extrato junto com o requerimento inicial de embargos, em que se evidencia que o valor pago pelos embargantes era tido em conta para pagamento de prestações em data muito posterior à de janeiro de 2012. A execução, para além da obrigação exequenda, que o título executivo inquestionavelmente afirma, pressupõe o incumprimento. E se este não resultar do titulo executivo em si mesmo, deverá constar do requerimento executivo e documentos para que remete, em termos que permitam ter como exigível e liquida a obrigação exequenda. E a esse respeito, e considerado o que vem dado como provado em termos de pagamentos efetuados pelos embargantes, o titulo executivo, mesmo complementado pelo teor do requerimento executivo e nota de débito para que remete, é insuficiente para que se possa ter como exigível a quantia exequenda cujo pagamento se pretende obter. II – Por sobre isso acresce ainda a questão da desconformidade da atuação da exequente com os princípios da boa-fé contratual e da proibição do uso abusivo do direito. Está já provado (r) que a atuação do banco, aceitando os pagamentos das prestações para amortização do empréstimo e sem informar os executados de um eventual incumprimento, gerou nestes a crença e confiança de que o contrato estava regularizado, ao ponto de estes não representarem a possibilidade de virem a ser alvo de uma cobrança judicial. É hoje consensualmente aceite que a proteção contra o exercício abusivo dos direitos a que se alude no artº 334º do C Civil assenta na proteção da situação de confiança gerada no interlocutor pela atuação de quem exerce o direito. Confiança que assim é traduzida na boa-fé subjetiva própria de quem, sem descurar os normais deveres de cuidado que se imponham caso a caso, ignore estar a lesar posições jurídicas alheias. Para ser merecedora da tutela jurídica contida no referido artº 334º do C. Civil importa além disso que exista uma justificação para aquela confiança, ou seja, que existam razões objetivas adequadas a gerar no interlocutor a situação de confiança. É o que em nosso entendimento se verificou na situação em apreço. Com efeito, não só está provado, conforme já referido, que a atuação da credora B… gerou nos executados a crença e confiança de que o contrato estava regularizado, e como tal não iriam ser alvo de uma cobrança judicial, como objetivamente considerada, a atuação da B…, mantida ao longo dos anos que medeiam entre 2012 e a instauração da execução em 2018, objetivamente considerada é adequada a geral no normal das pessoas aquela convicção. Importa atentar em que tinha havido um prévio contacto dos executados para que se procedesse a uma restruturação do crédito resultante do empréstimo que haviam contraído e afiançado. E embora não esteja provado que essa restruturação tivesse sido aceite, certo é que não está provado que tenha sido comunicada aos executados a recusa da mesma, sendo que por outro lado, o que está provado é que a credora B… foi aceitando as prestações mensais que os executados iam pagando, imputando-as no pagamento de prestações vencidas muito depois da data referida de janeiro de 2012, sem comunicar qualquer incumprimento, antes comunicando alterações ao valor das prestações a pagar que os executados aceitavam, e remetendo mensalmente ao executado devedor extratos bancários, com os valores da amortização do empréstimo que assim iam sendo efetuadas. Atuação que se manteve ao longo do referido período doe tempo – entre 2012 e a instauração da execução em 2018 – sem nunca comunicar qualquer incumprimento. Esta atuação não só era objetivamente adequada a gerar, como gerou, no executado devedor e nos demais co executados a situação de confiança nos termos descritos, como levou a que aqueles adotassem o seu comportamento à situação de confiança assim gerada, limitando-se a efetuar os pagamentos nos valores referidos e que iam sendo aceites. Neste contexto a atuação da credora, ao considerar ter havido incumprimento para, com fundamento na cláusula 18ª do contrato de mútuo, considerar exigíveis todas as prestações vincendas, exigindo o seu pagamento, na execução a que agora se opõem os embargantes, instaurada apenas em 2018, acrescido de juros de mora, consubstancia um claro venire contra factum proprium e simultaneamente uma situação de supressio, entendida enquanto situação do direito que não tendo sido exercido durante um determinado lapso de tempo e em circunstâncias determinadas se deve considerar como não devendo poder ser exercida à luz do principio da proteção da boa-fé consagrada no artº 334º do C Civil. Por isso que exista incumprimento de prestações vencidas e vincendas não pagas – e não está demonstrado que assim seja – a instauração da execução com o fundamento – alegado mas não demonstrado - de que os valores que foram sendo pagos foram afetos ao pagamento de quantias anteriores ainda em dívida, consubstanciaria uma atuação contrária aos princípios da boa fé-contratual e como tal ilegítima nos termos do artº 334º do C.Civil por consubstanciar, nos termos supra referidos uma evidente manifestação de uso abusivo de direito. Assim que, nos termos e com os expostos fundamentos, acordam os juízes nesta Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida. Custas pela recorrente Porto, 01-07-2021 Freitas Vieira Carlos Portela António Paulo Vasconcelos |