Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | JOÃO RAMOS LOPES | ||
Descritores: | CASO JULGADO COBERTURA ADJUDICAÇÃO DE VERBAS NÃO LICITADAS | ||
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Nº do Documento: | RP202303145202/18.0T8VNF-K.P1 | ||
Data do Acordão: | 03/14/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | RECURSO IMPROCEDENTE; DECISÃO CONFIRMADA | ||
Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - O caso julgado tem como pressuposto essencial que o tribunal, apreciando uma qualquer questão que se lhe imponha decidir (determinando, a propósito, um comando injuntivo – rejeitando uma pretensão, reconhecendo um direito, condenando a uma prestação, etc.), a decida (que tome sobre a mesma uma posição, num sentido ou noutro) – e assim que, concomitantemente, se esgote, quanto à mesma, o seu poder jurisdicional (art. 613º, nº 1 e 3 do CPC). II - Tendo o tribunal, enunciando e abordando a questão, entendido que a decisão definitiva sobre ela só seria tomada após a pronúncia das partes (para tanto lhes concedeu prazo), é de afastar não só a existência de caso julgado como o esgotamento do poder jurisdicional sobre a questão. III - O art. 1117º do CPC tem o seu âmbito de aplicação expressamente limitado aos interessados não licitantes cujo quinhão se não mostre preenchido (em resultado de acordo quanto a adjudicação de bens ou de licitações) – e só quanto a eles, não comportando o preceito a interpretação segundo a qual determinada verba não licitada seja (também) adjudicada a interessados que licitaram em outras verbas, excedendo o valor dos respectivos quinhões. IV - Existindo bens da mesma espécie e natureza dos bens licitados, devem eles ser adjudicados aos não licitantes; porém, se tal não for possível, inteiram-se os não licitantes em outros bens do acervo a partilhar. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Apelação nº 5202/18.0T8VNF-K.P1 Relator: João Ramos Lopes Adjuntos: Rui Moreira João Diogo Rodrigues * Acordam no Tribunal da Relação do Porto * Apelante: AA (interessada). Apelado: BB (cabeça de casal, insolvente). Juízo de comércio de Amarante Gaia (lugar de provimento de Juiz 1) – Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este. * No âmbito do presente inventário para partilha dos bens comuns de BB e da AA, cujo casamento (em primeiras núpcias de ambos, no regime de comunhão de adquiridos) foi dissolvido por divórcio decretado em 03/08/2017, requerido pela segunda e que corre por apenso aos autos em que o primeiro foi declarado insolvente, apresentada relação de bens, foi realizada em 25/10/2022 conferência de interessados na qual:- relativamente a créditos, os interessados acordaram em adjudicar as verbas um e dois (cada uma no valor de 80.000,0€ - designadas como ‘prestações suplementares na sociedade comercial A..., Ldª’, no referido valor, a primeira do interessado BB e a segunda da interessada AA), uma a cada um deles, - relativamente a ‘participações sociais e estabelecimentos’, acordaram os interessados em adjudicar ao interessado BB a verba três (descrita como ‘quota no valor nominal de cinquenta mil euros na sociedade comercial A..., Ld.ª’), no valor de 50.000,00€, e em adjudicar à interessada AA a verba quatro (descrita como ‘quota no valor nominal de cinquenta mil euros na sociedade comercial A..., Ld.ª’), no valor de 50.000,00€, - acordaram em eliminar da relação de bens as verbas 5, 6 e 7, constituídas por saldos existentes em três contas bancárias à data do divórcio utilizados no pagamento de despesas do casal (inexistentes à data da conferência). Não houve acordo para adjudicação das restantes verbas e, prosseguindo a conferência: - foi pelos interessados acordada a constituição de um lote (Lote 1), integrando as verbas nove (bens móveis que constituem o recheio do imóvel descrito na verba onze, no valor de 10.000,00€) e onze (um prédio urbano, composto por casa de habitação de cave e rés-do-chão, com logradouro, no valor de 160.500,00€), que não obteve licitação, - não obteve licitação a verba oito (um veículo automóvel, no valor de 25.000,00€), - não obteve licitação a verba dez (prédio urbano, composto por terreno, que tem implantado um estabelecimento comercial destinado à venda de combustível, loja de conveniência e reparação automóvel instalado, com um VPT), no valor de 197.000,00€, - foi licitada pela massa insolvente do interessado BB a verba 12 (prédio urbano, composto por estação de serviço automóvel, com posto de abastecimento, posto de lavagem e lubrificação, com loja de conveniência e o estabelecimento comercial que no mesmo está implantado, de venda de combustível, loja de conveniência e estação de serviço automóvel, e respetivos alvarás), pelo valor de 730.000,00€. Após as licitações (e ainda no decurso da diligência), a Exma. Juiz proferiu despacho com o seguinte teor: ‘Estando concluída a licitação das verbas que não foram adjudicadas por acordo e dada a possibilidade à Interessada AA de ficar para si com as verbas que não haviam sido licitadas, designadamente para igualação de quinhões, pela mesma foi dito que não pretende usar dessa prerrogativa e como tal as verbas 8, 9, 10 e 11 ficam adjudicadas em comum e partes iguais a ambos os Interessados, por não terem merecido licitação nem acordo para a respetiva adjudicação. Sem prejuízo, concede-se às partes um prazo de 10 dias para virem aos autos indicar algum acordo a que possam chegar relativamente às verbas não licitadas e também àquelas que tinham merecido acordo. Findo tal prazo, nada sendo dito, deverá ser elaborado pela secção o mapa de partilha, o qual será colocado em reclamação seguindo-se depois os ulteriores e legais termos. Notifique.’ Notificado tal despacho, logo (na mesma diligência) a Administradora da Insolvência (a massa insolvente do interessado) se apresentou a alegar e requerer: ‘Uma vez que ao abrigo do disposto no art.º 1117.º do CPC encontra-se na disponibilidade do juiz, quando não há a determinação de lotes por não haver bens da mesma espécie e natureza dos licitados, adjudicar em comum os bens sobrantes aos interessados, na proporção do valor que lhes falta para preenchimento dos seus quinhões, e não sendo do interesse da Massa Insolvente a manutenção de situações de compropriedade, requer que ao abrigo dessa disposição legal preencha o quinhão da Interessada AA através dos restantes imóveis referentes às verbas 10 e 11 e dos bens móveis não licitados.’ A interessada AA, instada a pronunciar-se sobre o requerido pela Administradora da Insolvência, afirmou que naquela fase se opunha ao requerido, sendo então proferido o seguinte despacho: ‘Tendo o Tribunal concedido um prazo de 10 dias para que as partes pudessem chegar a um entendimento quanto à adjudicação dos bens que terão de ficar em comum, por falta de licitação sobre os mesmos, e para a circunstância do Tribunal não vir a deferir o requerido pela Massa Insolvente e ainda eventual acordo/alteração quanto aos bens que inicialmente por acordo foram adjudicados a cada um dos interessados, findo o prazo de 10 dias concedido às partes e antes de ser elaborado o mapa de partilha abra conclusão nos autos a fim do Tribunal proferir despacho quanto ao requerido pela Massa Insolvente, após o que se seguirá a elaboração do mapa de partilha.’ No prosseguimento da causa, apresentou-se o interessado BB (invocando a sua qualidade de interessado, qualidade não afectada pela intervenção da Administradora da Insolvência) a defender não poder ser atendido o requerido pela Administradora, quer porque a decisão proferida na conferência a propósito da adjudicação dos bens que não foram objecto de licitações se tornou definitiva (pois os interessados não reagiram quanto a ela), quer porque, atendendo ao valor das licitações efectuadas, o valor do acervo comum aumentou exponencialmente, ‘o que fará presumir que o quinhão a atribuir ao interessado insolvente exceda o valor do passivo que lhe competia, pelo que terá de ser ainda satisfeito em bens ou direitos, dos quais, obviamente, não prescinde’. Respondeu a Massa Insolvente sustentando não se verificar qualquer motivo para o indeferimento do por si requerido, recusando que o tribunal já tenha tomado ‘posição final relativa à sorte das verbas não licitadas’, pois deu oportunidade às partes para sobre a matéria chegarem a um entendimento, reservando para momento ulterior uma tomada de posição relativamente à questão (nomeadamente no que respeita ao requerimento apresentado pela Massa), inexistindo, pois, qualquer decisão anterior definitiva sobe a matéria (acrescentando ainda ser indiferente ao insolvente a formação da composição do quinhão da sua ex-mulher, desde que o quinhão que passará a pertencer à massa e o daquela tenham igual valor – nada tendo o insolvente a receber no âmbito deste inventário, pois qualquer valor que lhe fosse devido, apenas o seria no âmbito da liquidação do património que ficará a pertencer à massa insolvente). Foi então proferida a seguinte decisão: ‘Findas as licitações foi proferido despacho em que o Tribunal determinou o seguinte: «Estando concluída a licitação das verbas que não foram adjudicadas por acordo e dada a possibilidade à Interessada AA de ficar para si com as verbas que não haviam sido licitadas, designadamente para igualação de quinhões, pela mesma foi dito que não pretende usar dessa prorrogativa e como tal as verbas 8, 9, 10 e 11 ficam adjudicadas em comum e partes iguais a ambos os Interessados, por não terem merecido licitação nem acordo para a respetiva adjudicação. Sem prejuízo, concede-se às partes um prazo de 10 dias para virem aos autos indicar algum acordo a que possam chegar relativamente às verbas não licitadas e também àquelas que tinham merecido acordo. Findo tal prazo, nada sendo dito, deverá ser elaborado pela secção o mapa de partilha, o qual será colocado em reclamação seguindo-se depois os ulteriores e legais termos.» Após ser proferido este despacho, veio a Sr.ª Administradora de Insolvência requerer o seguinte: «Uma vez que ao abrigo do disposto no art.º 1117.º do CPC encontra-se na disponibilidade do juiz, quando não há a determinação de lotes por não haver bens da mesma espécie e natureza dos licitados, adjudicar em comum os bens sobrantes aos interessados, na proporção do valor que lhes falta para preenchimento dos seus quinhões, e não sendo do interesse da Massa Insolvente a manutenção de situações de compropriedade, requer que ao abrigo dessa disposição legal preencha o quinhão da Interessada AA através dos restantes imóveis referentes às verbas 10 e 11 e dos bens móveis não licitados.» O Insolvente veio apresentar requerimento onde refere: “após as licitações caberia ao Juiz optar, ou pela adjudicação dos bens restantes em comum, ou pelo sorteio, de acordo com o consagrado no artigo 1117.º, n.º 2, alíneas a) e b) do Código de Processo Civil. Em relação a tal decisão, não houve qualquer reação por parte dos interessados, pelo que, a mesma se tornou definitiva, sendo o requerimento apresentado pela Sr.ª Administradora de Insolvência extemporâneo, não devendo assim ser admitido por impedimento processual. Por outro lado, atendendo ao valor das licitações efetuadas, o valor do acervo comum do casal aumentou exponencialmente, o que fará presumir que o quinhão a atribuir ao interessado/insolvente deva exceder o valor do passivo que lhe competia, pelo que terá de ser ainda satisfeito ou em bens ou em direitos, dos quais não prescinde, pelo que se opõe ao requerido.” Ao que aqui agora nos interessa, dispõe o artigo 117.º, n.º 1, do Código de Processo Civil que na falta de acordo sobre a composição dos quinhões dos interessados não licitantes, o juiz determina a formação de lotes que assegurem, quanto possível, que a todos os interessados são atribuídos bens da mesma espécie e natureza dos licitados, procedendo-se depois ao sorteio entre os co-herdeiros. E se não for possível a formação de lotes nos referidos termos, por não haver bens da mesma espécie e natureza dos licitados, os não licitantes são inteirados mediante sorteio entre vários lotes, devendo o juiz, ao constituí-los, procurar assegurar o maior equilíbrio possível entre os mesmos ou por adjudicação em comum, pelo juiz, dos bens sobrantes aos interessados, na proporção do valor que lhes falta para preenchimento dos seus quinhões. Ora, no despacho proferido após as licitações, contrariamente ao que pretende o insolvente, o Juiz não se pronunciou sobre a composição dos quinhões, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 1117.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, já que, de tal despacho não consta qualquer referência à norma em causa e também o seu conteúdo não aponta para a aplicação de tal norma, nem o poderia ser, uma vez que, a norma em causa se refere em exclusivo à composição dos quinhões dos interessados não licitantes e, no caso concreto, a única interessada não licitante é a ex-cônjuge do Insolvente. Logo, apenas o quinhão da interessada AA terá de ser inteirado por bens da mesma espécie do único bem que foi objeto de licitação para o insolvente, nos termos do n.º 1, da citada norma, se existirem, e no caso de não existirem bens da mesma espécie e natureza suficientes, então, o quinhão daquela interessada terá de ser preenchido pelos bens sobrantes, nos termos da alínea b), do n.º 2 da norma citada. Mas, também, no caso concreto, tratando-se de um Inventário entre dois únicos Interessados, em que apenas um deles licitou bens, nunca poderá realizar-se qualquer sorteio, nos termos previstos na alínea a) do n.º 2 do artigo 1117.º, pois tal sorteio apenas poderia ocorrer no caso de existirem mais do que um interessado não licitante e a quem fosse necessário preencher quinhões, o que não é manifestamente o caso destes autos. Por isso, o Juiz não fez qualquer opção entre as alíneas a) e b) do n.º 2, da citada norma, como pretende o insolvente, por não ser sequer aplicável tal opção ao caso concreto, inventário para separação de meações em que existiu um interessado licitante e um não licitante, e também do despacho proferido tal não resultar. Por fim, dir-se-á que o despacho proferido em ata de conferência de interessados não pode também considerar-se como despacho determinativo da partilha, já que do referido despacho não consta tal menção, nem no mesmo o Juiz se pronunciou quanto à composição dos quinhoes de cada um dos dois interessados, sendo totalmente omisso quanto à matéria da composição dos quinhões. Assim, em obediência ao determinado na Lei, passa-se agora a proferir o despacho determinativo da partilha, nos seguintes termos: No presente inventário procede-se à partilha dos bens comuns do Insolvente BB e da Requerente AA, casados que foram em primeiras núpcias de ambos, no regime de comunhão de adquiridos, tendo sido decretado o respetivo divórcio por decisão proferida em 03.08.2017, na Conservatória de Registo Civil de Santo Tirso. Realizou-se conferência de interessados onde as partes acordaram em eliminar da Relação de Bens as verbas 5, 6 e 7, constituídas por saldos bancários, por inexistirem atualmente. Foi ainda acordado entre os interessados adjudicar as verbas um e três, respetivamente nos valores de 80.000,00 euros e de 50.000,00 euros, ao Insolvente BB, e adjudicar as verbas dois e quatro, respetivamente nos valores de 80.000,00 euros e de 50.000,00 euros, à interessada AA, sendo que tais verbas são constituídas por bens da mesma espécie e natureza. Foi ainda acordado pelas partes a constituição de um lote, designado por Lote 1, integrando as verbas 9 (nove) e 11 (onze), que seriam objeto de licitação conjunta, o qual não foi objeto de licitação por qualquer interessado. De seguida procedeu-se a licitação dos bens cuja adjudicação não foi objeto de acordo entre os interessados. Daqui resultou que apenas a verba doze foi licitada, pela Massa Insolvente de BB, pelo valor de 730.000,00 euros. Não tendo as restantes verbas, lote 1, constituído pelas verbas nove e onze, no valor global de 170.500,00 euros, e as verbas oito, no valor de 25.000,00 euros, e verba dez, no valor de 197.000,00 euros, obtido qualquer licitação dos interessados. Nestes termos, procede-se à partilha do seguinte modo: Somam-se os valores dos bens relacionados (excluídas as verbas 5, 6 e 7), levando-se em conta o valor dos bens licitados (no caso, apenas a verba doze), integrando esta soma (1.382.500,00 euros) o montante dos bens pertencentes ao casal. Divide-se o mesmo em duas partes iguais, sendo uma (691.250,00 euros) a meação do Insolvente e a outra (691.250,00 euros) a meação da interessada AA. O preenchimento dos quinhões será feito conforme o acordado na Conferência de interessados entre os interessados, na parte em que existiu acordo, e conforme licitado na conferência de interessados. Daqui decorre, desde logo, que o quinhão do Insolvente será preenchido com os bens que ultrapassam a sua meação, por virtude de a ele dever ser adjudicado o bem licitado, verba doze, no valor de 730.000 euros, além das verbas resultantes da adjudicação por acordo, verbas um e três, nos montantes de 80.000 euros e de 50.000 euros. Por sua vez, à interessada AA, por não ter licitado qualquer bem, ser-lhe-ão adjudicadas, por nessa parte terem acordado na conferência de interessados, as verbas dois e três, nos montantes de 80.000 euros e de 50.000 euros, pelo que o seu quinhão ainda não fica preenchido, impondo-se preencher o seu quinhão por bens da mesma espécie do bem licitado, entre os que não foram licitados, se os houver e forem suficientes, nos termos previstos no artigo 1117.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, para igualar os quinhões. Donde, analisada a Relação de Bens, logo resulta ser um bem da mesma espécie e natureza do licitado para o Insolvente, o bem da verba dez, pelo que se determina adjudicar à interessada AA, pelo valor da respetiva avaliação, a verba dez, no valor de 197.000 euros, o que ainda se mostra insuficiente para preencher o seu quinhão, pelo que, nos termos previstos no artigo 1117.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Civil, o seu quinhão será ainda preenchido pelos bens sobrantes, isto é, pelas verbas oito, nove e onze, respetivamente nos valores de 25.000 euros, 197.000 euros e 160.500 euros. Notifique, sendo também os Interessados para, querendo, apresentarem proposta de mapa de partilha, no prazo de 20 dias, nos termos previstos no artigo 1120.º, n.º 1, do Código de Processo Civil. Após, abra conclusão (cfr. n.º 2, artigo 1120.º).’ Inconformada com esta decisão, apela a interessada AA, pretendendo a sua revogação (porque violadora da anterior decisão proferida na conferência de interessados e também porque desconforme à alínea b) do nº 2 do art. 1117º do CPC), terminando as suas alegações formulando as seguintes conclusões: 1º- Por decisão de 13.10.2021 o Tribunal proferiu despacho determinativo da partilha, nos termos do art. 1110º n.º 2 al. b), determinativo da partilha, determinando que ‘deve proceder-se à partilha da seguinte forma: Somam-se os valores dos bens relacionados, integrando esta soma o montante dos bens pertencentes ao casal., o total assim obtido divide-se em duas partes iguais, de forma a apurar-se a meação de cada um dos cônjuges no património comum do casal, tal como dividido em duas partes iguais deverá ser o passivo, (artigos 1717.º, 1721.º, 1724.º, alínea b), 1730.º, n.º 1, do Código Civil). O preenchimento dos quinhões será efetuado conforme vier a ser acordado entre as partes, na conferência de interessados, ou, na falta de acordo, proceder-se-á a licitação, cfr. artigo 1111.º, 1112.º e 1113.º, do Código Processo Civil’. 2º - No dia 25.10.2022 realizou-se a Conferência de Interessados na qual: a) As partes chegaram a acordo quanto à adjudicação das verbas 1, 2, 3 e 4 e quanto à eliminação das verbas 5, 6 e 7, b) Foi aberta licitação quanto às demais verbas, tendo apenas havido licitação quanto à verba 12, c) Concluída a licitação, o Tribunal proferiu decisão determinando que as verbas 8, 9, 10 e 11 ficam adjudicadas em comum e partes iguais a ambos os Interessados, por não terem merecido licitação nem acordo para a respetiva adjudicação, d) Ordenou à secção a elaboração do mapa de partilha e posterior notificação às partes para reclamação. 3º- Por despacho de 06.12.2022, proferido na sequência do requerido pelo cabeça de casal o Tribunal recorrido proferiu decisão determinando a adjudicação à recorrente das sobreditas verbas 8, 9, 10 e 11. 4º- O despacho proferido na data de 13.10.2021 foi proferido nos termos e para os efeitos do artigo 1110.º, n.º 2, alínea a), constituindo o despacho sobre o modo como deve ser organizada a partilha, isto é, constituiu o despacho determinativo da partilha. 5º- Por sua vez, o despacho proferido na data de 25.10.2022, que decidiu a forma de composição dos quinhões dos interessados não licitantes, constitui o despacho sobre a forma da partilha, nos termos e para os efeitos do artigo 1117º e 1120º do Código de Processo Civil, e tanto assim é que, no seu seguimento, o Tribunal ordenou à secção a realização do mapa de partilha para posterior reclamação pelos interessados, nos termos do art. 1120º n.º 5. 6º- A decisão proferida a 06.12.2022 – despacho recorrido – contrariamente ao mencionado pelo Tribunal, não constitui qualquer despacho determinativo da partilha, já que tal despacho já havia sido proferido a 13.10.2021. 7º- É inequívoco que a decisão judicial proferida no dia 25.10.2022, perante o seu efeito jurídico e conteúdo decisório expresso julgou a composição dos quinhões dos interessados, determinando que as ‘as verbas 8, 9, 10 e 11 ficam adjudicadas em comum e partes iguais a ambos os Interessados, por não terem merecido licitação nem acordo para a respetiva adjudicação’. 8º- Fora dos casos em que se verifique um erro material da decisão (artº 614º/1 do Código de Processo Civil), o Tribunal está impedido de alterar/rectificar o conteúdo e alcance de uma decisão por si proferida, pelo que, na medida em que a decisão proferida em 25.10.2022 não incorre em qualquer erro material, o Tribunal estava impedido de corrigir, alterar ou ‘revogar’ a sua decisão anterior e a decisão proferida em 06.12.2022 é legalmente inadmissível. 9º- A decisão proferida de 25.10.2022 transitou em julgado e constitui caso julgado nos limites e termos em que julga, conforme dispõe o art.º 621º do C. P. Civil. 10º- A decisão proferida pelo Tribunal em 06.12.2022, na exacta medida em que constitui uma nova pronúncia material sobre a forma de composição dos quinhões dos interessados e constitui uma alteração material da decisão anteriormente proferida sobre aquela questão jurídica, viola o caso julgado da decisão de 25.10.2022. 11º- O Tribunal não pode reapreciar questões que já foram objecto de decisão proferida e definitiva, pelo que não tendo sido judicialmente impugnado, em momento oportuno, o despacho que julgou a forma de composição dos quinhões – decisão de 25.10.2022 - essa questão ficou definitivamente resolvida, não podendo ser contrariada por qualquer decisão posterior proferida no processo. 12º- A decisão recorrida viola também o caso julgado fornal da decisão proferida em 25.10.2022, na parte relativa à determinada e ordenada tramitação processual, pois, tendo o Tribunal por decisão de 25.10.2022 ordenado, nos termos do art. 1120º n.º 5 do Código de Processo Civil, a elaboração do mapa da partilha pela secretaria, para posterior reclamação das partes, não podia o Tribunal revogar tacitamente aquela despacho de 25.10.2022 e proferir nova e diferente decisão quanto à tramitação processual (in casu, concedendo às partes o prazo de 20 dias para proporem o mapa da partilha). 13º- O despacho em crise viola o caso julgado despacho proferido em 25.10.2022, quer no que respeita à decisão proferida quanto à composição dos quinhões, quer quanto à tramitação processual em curso. Caso assim não se entenda, 14º- O quinhão dos interessados não licitantes deve ser composto em 1º lugar por bens da mesma espécie do bem licitado e em 2º lugar por adjudicação em comum dos bens sobrantes aos interessados. 15º- No caso dos autos, a verba 10 (bem imóvel destinado ao comércio – posto de venda de combustível) tem a mesma espécie e natureza do bem da verba 12, licitado pelo Insolvente, pelo deve o mesmo ser adjudicado à interessada AA, pelo valor da respetiva avaliação - 197 000 euros. 16º- Os bens sobrantes não licitados - verbas 8, 9 e 11 - não têm a mesma espécie e natureza do bem da verba 12, pelo que o quinhão da interessada não pode ser composto pela totalidade de tais bens, sob pena de violação do objectivo e princípios aplicados à partilha, isto é, objectivo igualitário da partilha no sentido “fazer quinhoar todos e cada um no bom e no mau”, evitando-se que os herdeiros com menos poder económico fiquem subjugados às licitações dos herdeiros com maior poder económico (pretende-se evitar que estes herdeiros se apropriem dos melhores bens/valores da herança, relegando aos demais co-herdeiros aqueles bens de difícil realização, susceptíveis de litígio ou com inferior valor ou rendimento). 17º- Tratando-se de bens não licitados, de espécie e natureza diversa dos bens licitados, a partilha destes, por razões de equilíbrio e igualdade das partes, deve ser feita em comum e na proporção das suas quotas, assegurando-se que todos os interessados partilham entre si os bens não licitados. Contra-alegou a Massa Insolvente de BB pela improcedência da apelação e manutenção da decisão apelada. * Colhidos os vistos, cumpre decidir.* Delimitação do objecto do recursoConsiderando, conjugadamente, a decisão recorrida (que constitui o ponto de partida do recurso) e as conclusões das alegações (por estas se delimita o objecto dos recursos, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso - artigos 608º, nº 2, 5º, nº 3, 635º, nºs 4 e 5 e 639, nº 1, todos do CPC), identificam-se, com facilidade, as duas questões a decidir: - o valor de caso julgado da decisão proferida na conferência de interessados relativamente à distribuição dos bens não licitados pelos interessados (ou seja, a propósito da composição dos quinhões dos interessados) e também quanto à tramitação processual a observar, e sua violação pela decisão recorrida, - a adjudicação das verbas não licitadas (adjudicação em comum ou adjudicação à interessada apelante não licitante, em vista da composição do seu quinhão). * Fundamentação de factoFUNDAMENTAÇÃO * A matéria factual a ponderar é a que resulta exposta no relatório que precede. * A. A decisão proferida na conferência de interessados.O caso julgado tem como pressuposto essencial que o tribunal, apreciando uma qualquer questão que se lhe imponha decidir (determinando, a propósito, um comando injuntivo – rejeitando uma pretensão, reconhecendo um direito, condenando a uma prestação, etc.), a decida (que tome sobre a mesma uma posição, num sentido ou noutro) – e assim que, concomitantemente, se esgote, quanto à mesma, o seu poder jurisdicional (art. 613º, nº 1 e 3 do CPC). Só em tais casos (em que o tribunal toma posição sobre a questão que se lhe impõe apreciar e dirimir, negando ou reconhecendo a pretensão formulada, deliberando sobre a forma de solucionar o conflito existente entre as partes) as decisões poderão adquirir os níveis de estabilidade que o esgotamento do poder jurisdicional e o caso julgado pressupõem – o caso julgado, consubstanciando-se ‘na inadmissibilidade da substituição ou modificação da decisão por qualquer tribunal (incluindo aquele que a proferiu) em consequência da insusceptibilidade da sua impugnação por reclamação ou recurso ordinário’, tornando indiscutível o conteúdo da decisão[1], aporta à decisão um segundo nível estabilidade (de continuidade na emissão dos seus efeitos jurídicos), que se integra numa linha gradual de estabilização: do esgotamento do poder jurisdicional (art. 613º do CPC), enquanto regra de proibição do livre arbítrio, resulta um primeiro nível de estabilidade da decisão judicial, ainda que interna ou restrita, relativa ao próprio autor da decisão; o trânsito em julgado permite à decisão alcançar um segundo nível de estabilidade alargada, vinculando o tribunal e as partes, dentro do processo (caso julgado formal - art. 602º do CPC), ou mesmo fora dele, perante outros tribunais (caso julgado material - art. 619º do CPC)[2]. Assim, ainda antes do trânsito em julgado a decisão ‘adquire com o seu proferimento um primeiro nível de estabilidade interna ou restrita, perante o próprio autor da decisão’[3], tornando-se vinculativa para o tribunal que a produziu, sendo insusceptível de voltar a ser apreciada, tendo de ser acatada por ele (pois fica vinculado ao que nela foi definido ou estabelecido) – após ‘o proferimento duma decisão judicial, verifica-se a extinção do poder jurisdicional do juiz’ (art. 613º do CPC), o ‘que significa que o tribunal não pode, motu próprio, voltar a pronunciar-se sobre a matéria apreciada’, decorrendo de tal extinção dois efeitos: um ‘efeito negativo, que é a insusceptibilidade de o próprio tribunal que proferiu a decisão tomar a iniciativa de a modificar ou revogar’ e um ‘efeito negativo, que é a vinculação desse tribunal à decisão por ele proferida.’[4] Adquirindo valor de caso julgado (por insusceptível já de recurso ou reclamação), a decisão torna-se vinculativa não só para o tribunal que a proferiu, como para qualquer outro e por isso os seus efeitos processuais (negativo e positivo) estendem-se a qualquer tribunal (ao que a produziu e a qualquer outro): enquanto efeito negativo, resulta da decisão transitada a insusceptibilidade de qualquer tribunal, incluindo o que a proferiu, se voltar a pronunciar sobre ela; como efeito positivo, resulta da decisão transitada a vinculação do tribunal que a proferiu (e de outros) ao que nela foi definido ou estabelecido[5]. O caso julgado duma decisão obsta, pois, a que no processo seja tomada (pelo tribunal que a proferiu ou por qualquer outro) nova decisão (seja renovando, seja modificando a anterior), isto é, que uma pretensão já decidida (e sem possibilidades de impugnação) seja objecto de repetida ou contraditória decisão: se tal acontecer, a segunda decisão deve ser desconsiderada por violação do caso julgado formado pela decisão precedente. Qualquer decisão, uma vez transitada em julgado, adquire valor de imutabilidade, sendo no processo inadmissível (e por isso ineficaz[6] – art. 625º, n.ºs 1 e 2 do CPC) decisão posterior sobre a questão: não sendo respeitados os efeitos processuais resultantes de decisão transitada em julgado, ocorrerá situação de contraditoriedade, a solucionar de acordo com a regra prescrita no art. 625º do CPC, valendo aquela que primeiro transitou em julgado (princípio da prioridade do trânsito em julgado). Na situação trazida em apelação, a apelante sustenta que o tribunal a quo, na conferência de interessados realizada em 25/10/2022, resolveu (decidindo-a) a questão concernente à adjudicação dos bens não licitados (sua atribuição aos interessados), voltando a apreciá-la posteriormente no despacho apelado, alterando-a, além de que no primeiro despacho ordenou, nos termos do art. 1120º, nº 5 do CPC, a elaboração de mapa de partilha pela secretaria, o que no segundo despacho (despacho apelado) é contrariado, ao conceder às partes prazo para proporem o mapa de partilha. A argumentação da apelante soçobra pela simples razão de que o tribunal, no despacho proferido na conferência de interessados (logo após as licitações), enunciou e abordou a questão, sem que, porém, sobre ela tomasse posição, decidindo-a e esgotando sobre a mesma o seu poder jurisdicional – aspecto que merece realce e especial sublinhado, pois da circunstância do tribunal ter convidado as partes para se pronunciarem sobre a questão concernente ao destino das verbas não licitadas, resulta, necessariamente, que o tribunal quis protelar (diferir) a sua definitiva tomada de decisão sobre a questão para momento posterior a tal pronúncia e, por isso, quis conservar o seu poder jurisdicional sobre a questão em causa (na verdade, se a questão estava decidida e o poder jurisdicional do tribunal esgotado, nenhuma matéria estava em discussão sobre a questão relativamente à qual pudessem as partes pronunciar-se). Ademais, ainda na conferência de interessados, a Massa Insolvente do interessado BB apresentou-se a requerer que as verbas não licitadas fossem adjudicadas à interessada apelante para preenchimento do respectivo quinhão, tendo o tribunal renovado que a questão seria decidida após o decurso do prazo que fora concedido às partes para que se pronunciassem. Assim, analisando e apreciando os despachos proferidos pelo tribunal no âmbito da conferência de interessados de 25/10/2022 [a apreensão do sentido e alcance decisivo de qualquer decisão (tal qual a de qualquer outro acto jurídico) apura-se por actividade hermenêutica, cujas regras são as estabelecidas nos artigos 236º e seguintes do CC, sendo certo porém que propósito de tal actividade não é reconstruir a intenção do julgador (a mens judicis), mas sim apreender ‘o sentido preceptivo que se evidencia no texto do acto processual, a determinação da estatuição nele presente’[7], havendo que ponderar a especificidade da decisão como acto jurídico – acto puramente funcional, coarctado da característica da liberdade negocial comummente associada aos demais actos jurídicos –, exprimindo não uma declaração de vontade subjectiva, antes uma injunção aplicativa do direito ao caso concreto[8]], este é o sentido e alcance que se conclui para as estatuições então proferidas – o tribunal, enunciando e abordando a questão, entendeu que a decisão definitiva sobre ela só seria tomada após a pronúncia das partes (para tanto lhes concedeu prazo), tanto mais que uma das partes (a Massa Insolvente) logo apresentou a propósito pretensão cuja apreciação o tribunal relegou para momento posterior. De recusar, pois, que o tribunal, na conferência de interessados, tenha decidido (esgotando o seu poder jurisdicional sobre a matéria) a questão da adjudicação das verbas não licitadas, à luz do art. 1117º, nº 2, b) do CPC e haja logo determinado os trâmites posteriores (mormente a elaboração do mapa de partilha pela secretaria) – o que afasta não só a existência de caso julgado (e sendo certo que a impugnação de tal despacho, não sendo suscpetível de apelação autónoma – art.s 1123º, nº 1 e 644º do CPC –, só poderia ser feita com impugnação do despacho da forma à partilha e da sentença homologatória – art. 1123º, nº 2, a) e c) do CPC –, donde resulta que o mesmo não teria transitado em julgado), como o esgotamento do poder jurisdicional sobre a questão. Improcede, pois, o primeiro fundamento da apelação. B. A adjudicação das verbas não licitadas (adjudicação em comum ou adjudicação à interessada apelante não licitante, em vista da composição do seu quinhão). A decisão apelada, ponderando que o quinhão da interessada apelante, composto com os bens que, por acordo, lhe foram adjudicados (crédito e participação social) e, bem assim, com o bem não licitado da mesma espécie e natureza do bem licitado pelo interessado insolvente (a verba 10), ainda não se mostrava integralmente preenchido, entendeu que os demais bens não licitados (bens de espécie de natureza diferente do licitado) ser-lhe-iam adjudicados para preenchimento do seu quinhão. Decisão contra a qual se insurge a interessada apelante (não licitante). Importa preliminarmente esclarecer que a questão suscitada respeita unicamente ao segmento da decisão que incide sobre a adjudicação das verbas 8, 9 e 11 da relação de bens, não já sobre a decisão respeitante à adjudicação da verba 12 – quanto a esta, a apelante (como se conclui da conclusão 15ª das suas alegações) aceita que a mesma lhe deve ser adjudicada, pois tem a mesma espécie e natureza que o bem licitado pelo interessado insolvente; só relativamente aos demais bens não licitados (verbas 8, 9 e 11 da relação de bens) a questão se coloca, pois tendo diferente espécie e natureza, defende a apelante não poder o seu quinhão ser composto pela totalidade de tais bens, ‘sob pena de violação do objectivo e princípios aplicados à partilha, isto é, objectivo igualitário da partilha no sentido “fazer quinhoar todos e cada um no bom e no mau”, evitando-se que os herdeiros com menos poder económico fiquem subjugados às licitações dos herdeiros com maior poder económico (pretende-se evitar que estes herdeiros se apropriem dos melhores bens/valores da herança, relegando aos demais co-herdeiros aqueles bens de difícil realização, susceptíveis de litígio ou com inferior valor ou rendimento)’ (conclusão 16ª das alegações da apelante). A pretensão recursória é de manifesta improcedência. Não se discute que no processo de inventário a lei é orientada por um ‘princípio que visa fazer participar cada um dos interessados em tudo quanto constitui o acervo do património indiviso, sejam bens valiosos e de venda fácil, ou bens de valor duvidoso’[9]. Também se aceita que a ‘partilha pressupõe igualdade’ e que ‘é mister fazer quinhoar todos e cada um no bom e no mau e evitar que uns, mercê de mais avultados meios de fortuna, possam, através de licitações em que se apropriaram dos melhores valores da herança, relegar aos demais’ interessados ‘aqueles bens de difícil realização, susceptíveis de litígio ou sem rendimento’[10], mas tem de ponderar-se, também, por contraponto, que aos interessados licitantes, cujos quinhões (preenchidos com os bens licitados) estejam excedidos, é vedado atribuir em partilha ainda mais bens. Na verdade, o art. 1117º do CPC (tal qual o art. 1374º, b) do CPC, aprovado pelo DL 329-A/95, de 12/12), tem o seu âmbito de aplicação expressamente limitado aos interessados não licitantes cujo quinhão se não mostre preenchido (em resultado de acordo quanto a adjudicação de bens ou de licitações) – e só quanto a eles, não comportando o preceito a interpretação segundo a qual determinada verba não licitada seja (também) adjudicada a interessados que licitaram em outras verbas, excedendo o valor dos respectivos quinhões[11]. Assim, existindo bens da mesma espécie e natureza dos bens licitados, devem eles ser adjudicados aos não licitantes; porém, se tal não for possível, inteiram-se os não licitantes em outros bens do acervo a partilhar[12] – o preceito (art. 1117º do CPC) ‘visa assegurar uma composição igualitária de quinhões entre interessados não conferentes ou não licitantes, dando prevalência a uma tendencial igualação em espécie’, mas no ‘limite, o juiz deve adjudicar os bens sobrantes aos interessados na proporção do valor que lhes falta para preenchimentos dos seus quinhões (al. b) do nº 2)’[13], ou seja, no limite, os interessados não licitantes verão o seu quinhão preenchido com a atribuição dos bens sobrantes[14]. Ao referir-se à possibilidade de adjudicação em comum dos bens sobrantes, a lei não pretende incluir em tal comunhão residual (residual porque solução a adoptar quando outra não o puder ser) os interessados licitantes que tenham já o seu quinhão preenchido em excesso (em razão das licitações). Nenhuma censura merece, pois, a decisão apelada, ponderando o art. 1117º, nº 1 e 2 do CPC – o interessado insolvente, em razão da licitação, tem o seu quinhão preenchido em excesso e, por isso, que os bens sobrantes devem ser adjudicados à interessada não licitante. C. Síntese conclusiva Atento o exposto, improcede a apelação, podendo sintetizar-se a argumentação decisória (nº 7 do art. 663º do CPC) nas seguintes proposições: ……………………………… ……………………………… ……………………………… * Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível em julgar improcedente a apelação e, em consequência, em manter a decisão apelada.DECISÃO * Custas pela apelante. * Porto, 14/03/2023João Ramos Lopes Rui Moreira João Diogo Rodrigues (por opção exclusiva do relator, o presente texto não obedece às regras do novo acordo ortográfico, salvo quanto às transcrições/citações, que mantêm a ortografia de origem) ________________ [1] Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 2ª edição, 1997, p. 567. [2] Rui Pinto, Exceção e autoridade de caso julgado – algumas notas provisórias, revista Julgar Online, Novembro de 2018, pp. 2/3 (acedido em Fevereiro de 2023). [3] Rui Pinto, Exceção e autoridade (…), p. 3. [4] Miguel Teixeira de Sousa, Estudos (…), p. 572. [5] Miguel Teixeira de Sousa, Estudos (…), p. 572. [6] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, 4ª edição, p. 753. [7] Acórdão da Relação de Coimbra de 15/01/2013 (Henrique Antunes), no sítio www.dgsi.pt. [8] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3/02/2011 (Lopes do Rego), no sítio www.dgsi.pt. Cfr., fazendo resenha muito completa e elucidativa sobre a jurisprudência a propósito da matéria da interpretação das decisões judiciais, o acórdão da Relação de Guimarães de 18/12/2017 (Maria João Matos), no sítio www.dgsi.pt. [9] Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, 4ª edição, 1990, Volume II, p. 465. [10] Lopes Cardoso, Partilhas (…), Volume II, p. 468. [11] Lopes Cardoso, Partilhas (…), Volume II, p. 465. [12] Lopes Cardoso, Partilhas (…), Volume II, p. 465. [13] Abrantes Geraldes, Paulo Pimento e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II (Processo de Execução, Processos Especiais e Processo de Inventário Judicial), 2020, Reimpressão, pp. 600/601. [14] Abrantes Geraldes, Paulo Pimento e Luís Filipe Pires de Sousa, Código (…), Vol. II, p. 605. |