Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
344/23.3YRPRT
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MENDES COELHO
Descritores: SENTENÇA ARBITRAL
RECORRIBILIDADE DA DECISÃO
Nº do Documento: RP20240710344/23.3YRPRT
Data do Acordão: 07/10/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO
Indicações Eventuais: 5. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - No nº4 do art. 39º da Lei da Arbitragem Voluntária (Lei 63/2011, de 14/12) acolhe-se uma regra de irrecorribilidade da decisão arbitral, já que esta só é suscetível de recurso para o tribunal estadual competente no caso de as partes terem expressamente previsto tal possibilidade na convenção de arbitragem.
II - Exige-se, por via daquele preceito, uma afirmação ou tomada de posição expressa por ambas as partes na convenção de arbitragem quanto à admissão da impugnabilidade da decisão arbitral através de recurso jurisdicional, “não podendo valer como tal, assim, inferências ou extrapolações feitas ou extraídas do silêncio, ou de meros comportamentos ou atitudes havidos e que não hajam sido materializados e verbalizados sob forma expressa, mormente, inferidos implicitamente da prática de atos em processo arbitral e adesão a determinado regulamento”.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº344/23.3YRPRT
(recurso de sentença arbitral)



Relator: António Mendes Coelho
1º Adjunto: Maria Fernanda Fernandes de Almeida
2º Adjunto: Miguel Fernando Baldaia Correia de Morais








Acordam no Tribunal da Relação do Porto:


I Relatório

AA, tendo aderido ao serviço de mediação e arbitragem do Centro de Informação, Mediação e Arbitragem de Seguros (CIMPAS), em sede de processo arbitral que neste teve lugar reclamou junto da “A..., Companhia de Seguros S.A.”, com quem celebrou um contrato de seguro na modalidade “multirriscos habitação” titulado pela apólice nº ...74, o pagamento da quantia de 5.400,00 euros a título de indemnização por danos por si sofridos com o furto de bens ocorrido na sua casa de habitação a 22/2/2019.
O reclamante e a seguradora supra identificada, em documentos autónomos que só diferem quanto à identificação do declarante e da contraparte, subscreveram – o reclamante em 9 de junho de 2022 e a seguradora em 13 de maio de 2022 – convenção de arbitragem com o seguinte conteúdo:
… (nome)…, declara aderir ao Centro de Informação, Mediação e Arbitragem de Seguros (CIMPAS), autorizado por Despacho nº4407/2018, publicado no Diário da República, 2ª série, nº86, de 4 de maio de 2018, no âmbito do Decreto-Lei nº425/87, aceitando a Arbitragem como forma de resolução do litígio que corre termos sob o número de processo MR-2022-000...-EP, em que é Reclamante (…) / em que é parte Reclamada (…).
Mais declara aceitar, como regras do processo a observar na Arbitragem, as constantes dos Regulamentos aprovados por este Centro.
A reclamada “A..., Companhia de Seguros S.A.” apresentou contestação, na qual declinou a sua responsabilidade pela indemnização daqueles danos, argumentando para tal não haver prova inequívoca da existência nem da propriedade dos bens alegadamente furtados.
Procedeu-se a audiência de julgamento em 10/2/2023, com a presença do mandatário do reclamante e da mandatária da reclamada, tendo na sequência da mesma sido proferida sentença que julgou parcialmente procedente a reclamação e condenou a reclamada a pagar ao reclamante a quantia de 2.800,00 euros.
De tal sentença veio a reclamada interpor recurso, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:























































Não foram apresentadas contra-alegações.

Foram dispensados os vistos ao abrigo do art. 657º nº4 do CPC.

Por este Tribunal da Relação, a 6/5/2024, foi proferido acórdão no qual se veio a considerar que não constando da convenção de arbitragem subscrita pelas partes qualquer menção à recorribilidade da decisão arbitral que veio a ser proferida, havia que concluir, com base na previsão do nº4 do art. 39º da Lei 63/2011, que tal decisão não era suscetível de recurso para este tribunal e, nessa sequência, foi decidido não conhecer do objeto do recurso.
Notificadas as partes de tal acórdão, veio a recorrente “A..., Companhia de Seguros S.A.”, por requerimento de 21/5/2024, arguir a nulidade do mesmo por via da previsão do art. 195º nº1 do CPC em conjugação com o art. 655º nº1 do mesmo diploma, com fundamento em nele ter sido proferida decisão surpresa quanto à irrecorribilidade da sentença arbitral proferida nos autos.
Além de tal arguição de nulidade, a recorrente, naquela mesma peça, pronunciou-se no sentido da recorribilidade daquela sentença arbitral.
Notificada a parte contrária, não houve da sua parte qualquer pronúncia.
Por despacho do relator de 2/7/2024, aquela arguição de nulidade foi julgada procedente e foi anulado o acórdão proferido a 6/5/2024 e, porque a recorrente já no seu requerimento de arguição de nulidade se tinha pronunciado sobre a recorribilidade da decisão e a parte contrária, porque dele notificada, já tinha tido possibilidade de sobre tal questão também se pronunciar, decidiu-se ainda pela imediata prolação de novo acórdão.

Pronunciando-se sobre a recorribilidade da sentença arbitral proferida nos autos, alegou a recorrente o seguinte:
“10.
Pelo Acórdão datado de 06.05.2024, o Venerando Tribunal da Relação do Porto decidiu não conhecer do recurso de apelação, interposto pela ora Recorrente, relativamente à sentença proferida pelo Centro de Informação, Mediação, Provedoria e Arbitragem de Seguros (doravante CIMPAS), datada de 25.05.2023.
11.
De facto, entendeu o Venerando Tribunal da Relação, no seu Acórdão de 06.05.2024, que o artigo 39.º n.º 4, da Lei da Arbitragem Voluntária, aprovada pela Lei n.º 63/2011, de 14 de dezembro, em vigor desde 15 de março de 2012, refere que a sentença arbitral “só é susceptível de recurso para o tribunal estadual competente no caso de as partes terem expressamente previsto tal possibilidade na convenção de arbitragem e desde que a causa não haja sido decidida segundo a equidade ou mediante composição amigável”.

Nessa medida,
12.
Entendeu o Venerando Tribunal da Relação do Porto que não se poderia conhecer do objeto do recurso interposto pela Reclamada, aqui Recorrente, uma vez que na convenção de arbitragem, subscrita pelas partes nos presentes autos, não consta qualquer menção à recorribilidade da sentença arbitral.

Ora,
Com o devido respeito,
13.
A Reclamada, aqui Recorrente, não se poderá conformar com esta decisão de não conhecimento do objeto do seu recurso, interposto para o Venerando Tribunal da Relação.
Isto porque,
14.
O convite de adesão à arbitragem foi enviado às partes.
Sendo que,
15.
A ora Recorrente aderiu à arbitragem no dia 13 de Maio de 2022,
16.
E, por seu turno, o Reclamante, aqui Recorrido, aderiu à arbitragem a 9 de Junho de 2022.
Ora,
17.
Nos termos dessa adesão à arbitragem, as partes declararam “aderir ao Centro de Informação, Mediação e Arbitragem de Seguros (CIMPAS), autorizado por Despacho nº4407/2018, publicado no Diário da República, 2ª série, nº86, de 4 de maio de 2018, no âmbito do Decreto-Lei nº425/87, aceitando a Arbitragem como forma de resolução do litígio que corre termos sob o número de processo MR-2022-000...-EP”.

De igual modo,
18.
Consta do documento de adesão das partes à arbitragem que as partes declararam “aceitar como regras do processo a observar na Arbitragem, as constantes dos Regulamentos aprovados por este Centro”.
(destaque nosso).
Ou seja,
19.
Ambas as partes declararam expressamente que aceitavam as regras processuais constantes no regulamento do CIMPAS.
Neste sentido,
20.
O Regulamento do CIMPAS, no seu artigo 29.º, n.º 2, prevê o seguinte, que ora se transcreve:
«2. Da decisão arbitral cabem para o Tribunal da Relação os mesmos recursos que caberiam da sentença proferida pelo tribunal de comarca.».
(destaque nosso).
Assim,
21.
Se ambas as partes declararam, na adesão à arbitragem, aderir às regras processuais constantes do regulamento do CIMPAS,
22.
E se o regulamento do CIMPAS, no supra citado artigo 29.º, n.º 2, prevê, expressamente, que as sentenças por si proferidas são suscetíveis de recurso para o Venerando Tribunal da Relação,
23.
Não se pode concluir, como conclui o Acórdão aqui em crise, datado de 06.05.2024, que o recurso interposto pela Reclamada, ora Recorrente, é insuscetível de recurso.

Ademais,
24.
O artigo 32.º, n.º 2 do Regulamento do CIMPAS, prevê que «2. Em caso de omissão caberá ao tribunal arbitral conduzir a arbitragem, suprindo do modo que considerar apropriado, as regras em falta, designadamente aplicando subsidiariamente, as regras e princípios do Código de Processo Civil, adaptados à natureza marcadamente abreviada e informal do procedimento arbitral.».
(destaque nosso).
Assim,
25.
O CPC é subsidiariamente aplicável à arbitragem em crise nos presentes autos.
Neste sentido,
26.
O artigo 629.º, n.º 1, do CPC, prevê que «O recurso ordinário só é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal, atendendo-se, em caso de fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, somente ao valor da causa.».
Ora,
27.
O valor da causa, fixado pelo Mm.º Juiz Árbitro, é de €5.400,00.
De igual modo,
28.
A decisão proferida pelo CIMPAS no âmbito dos presentes autos, condenou a Reclamada ao pagamento da quantia de €2.800,00, decisão essa, contra a qual a Reclamada, ora Recorrente, se insurgiu nas suas alegações de recurso.
Assim sendo,
29.
Nos termos da Lei Processual Civil, a decisão proferida pelo Mm.º Juiz Árbitro do CIMPAS é suscetível de recurso.

Não obstante,
30.
Prevê o artigo 39.º, n.º 4 da Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro, (doravante LAV) que a sentença proferida pelo Tribunal Arbitral, in casu, pelo CIMPAS “só é susceptível de recurso para o tribunal estadual competente no caso de as partes terem expressamente previsto tal possibilidade na convenção de arbitragem”.
31.
E, efetivamente, as partes previram, expressamente, que a sentença proferida pelo CIMPAS era suscetível de recurso, mediante a aceitação das regras de processo constantes no regulamento do CIMPAS,
32.
Regulamento esse que, como já supra se expôs, prevê expressamente a possibilidade de recurso da sentença proferida pelo Mm.º Juiz Árbitro do CIMPAS.
A este respeito,
33.
Vide o douto Acórdão, proferido pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto, datado de 25.02.2014, proferido no âmbito do processo n.º 47/14.0YRPRT, no qual se decidiu o seguinte, que ora se transcreve:
«I –Nos termos do art.39º, nº4 da Lei n.º 63/2011, de 14/12 (Lei da Arbitragem Voluntária), a sentença arbitral pode ser impugnada por recurso, se isso tiver sido previsto na convenção de arbitragem. Tem o valor de convenção de arbitragem a adesão das partes ao Serviço de Mediação e Arbitragem do Centro de Informação, Mediação, Provedoria e Arbitragem de Seguros (CIMPAS) e à aplicação das regras de processo constantes dos Regulamentos aprovados por esse Centro. No Regulamento da Arbitragem e das Custas em vigor no CIMPAS, sob o art. 20º, está expressamente prevista a recorribilidade das sentenças arbitrais aí proferidas, para os Tribunais da Relação.».
(destaque nosso).

Posto isto,
34.
A Reclamada, ora Recorrente, consigna, desde já, que as adesões das partes à arbitragem, especificamente, no CIMPAS, têm todas exatamente o mesmo teor, em todos os processos em que aquela figura como parte.
35.
E, de facto, com o devido respeito, que é muito, esta é a primeira vez que a Reclamada, ora Recorrente, se depara com uma decisão de não conhecimento de um recurso por si interposto, relativamente a uma sentença proferida pelo CIMPAS, face à falta de uma menção expressa sobre a suscetibilidade de recurso, na adesão das partes à arbitragem do CIMPAS.
Cumprindo referir que,
36.
A Veneranda Relação do Porto, no Acórdão de 06.05.2024, aqui em crise, faz menção expressa ao Acórdão de 02.12.2019, proferido pela Veneranda Relação do Porto, no âmbito do processo n.º 296/19.4YRPRT, para fundamentar que “só a menção expressa da possibilidade de recurso da decisão arbitral na adesão à convenção de arbitragem pelas partes torna esta recorrível”.
Ora,
Com o devido respeito, que é muito,
37.
A Reclamada, aqui Recorrente, não consegue alcançar em que medida se pode fazer menção/citar o Acórdão de 02.12.2019, proferido pela Veneranda Relação do Porto, no âmbito do processo n.º 296/19.4YRPRT, para se fundamentar o sentido defendido no Acórdão de 06.05.2024, ora em crise.
Isto porque,
38.
O Acórdão de 02.12.2019, proferido pela Veneranda Relação do Porto, no âmbito do processo n.º 296/19.4YRPRT, que vem referido no Acórdão de 06.05.2024, aqui em crise, refere expressamente o seguinte, que ora se transcreve:

«No caso dos autos, como se alcança da decisão arbitral ora recorrida não teve a mesma por base critérios de equidade, nem emerge de acordo das partes, antes resulta da estrita aplicação e interpretação das clausulas do contrato de seguro ora em apreço, sendo também certo que ambas as partes ao aderirem à convenção de arbitragem previram e aceitaram, por um lado, «[c]omo regras do processo a observar na arbitragem as constantes dos Regulamentos aprovados por este Centro» (de Informação, Mediação, Provedoria e Arbitragem de Seguros), como, ainda, declaram aceitar expressamente «[N]os termos do disposto no n.º 4, do art.º 39º da Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro Lei da Arbitragem Voluntária) … a possibilidade de recurso da decisão arbitral a ser proferida no âmbito dos presentes autos.» (vide declaração de adesão à arbitragem subscrita pelo Autor a 28.12.2018 e subscrita pela Ré a 1.02.2019, constantes dos autos).
Note-se, aliás, se dúvidas se colocassem, o próprio Regulamento da Arbitragem (aprovado em Assembleia Geral do Centro – CIMPAS - a 31.05.2010), que as partes declararam aceitar como estipulação das regras do processo de arbitragem, prevê no seu artigo 20º, n.º 2, a possibilidade de recurso de mérito da decisão arbitral, apenas excluindo a possibilidade de recurso dos despachos de mero expediente e dos proferidos no uso legal de um poder discricionário, o que, em nosso ver, traduz uma declaração expressa no sentido da aceitação da possibilidade de recurso da decisão arbitral.».
(destaque nosso).
Inclusivamente,
39.
Este Acórdão de 02.12.2019, proferido pela Veneranda Relação do Porto, no âmbito do processo n.º 296/19.4YRPRT, refere/cita expressamente, na parte que contém a bibliografia, o douto Acórdão, proferido pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto, datado de 25.02.2014, proferido no âmbito do processo n.º 47/14.0YRPRT, que vem citado no artigo 17.º da presente reclamação.
Posto isto,
40.
O recurso interposto pela Reclamada, ora Recorrente, é, efetivamente, suscetível de recurso.

Assim,
41.
Com o devido respeito, que é muito, deveria a Veneranda Relação do Porto ter conhecido do objeto do recurso interposto pela Reclamada, aqui Recorrida, da sentença datada de 25.05.2023, proferida pelo CIMPAS no âmbito dos presentes autos,
E, por conseguinte,
42.
Deveria ser proferido douto Acórdão sobre o recurso interposto pela Reclamada, ora Recorrente, relativamente à referida sentença arbitral.”

Considerando o objeto do recurso delimitado pelas suas conclusões (arts. 635º nº4 e 639º nº1 do CPC) e o conhecimento oficioso das situações que obstam ao conhecimento do mesmo (art. 652º nº1 b) do CPC), são as seguintes as questões a tratar:
a) – da recorribilidade da decisão sob recurso;
Caso se conclua pela recorribilidade,
b) – da alteração da matéria de facto propugnada pela recorrente;
c) – da repercussão da reapreciação da decisão da matéria de facto na solução jurídica do caso.
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II – Fundamentação

Apuremos da recorribilidade da decisão.
No Regulamento do Centro de Informação, Mediação e Arbitragem de Seguros (em vigor desde 1 de junho de 2019, conforme deliberação do Conselho Diretivo do CIMPAS), prevê-se, sob o seu art. 29º nº2, que “Da decisão arbitral cabem para o Tribunal da Relação os mesmos recursos que caberiam da sentença proferida pelo tribunal de comarca”.
Porém, como se prevê no nº4 do art. 39º da Lei da Arbitragem Voluntária, aprovada pela Lei nº63/2011, de 14 de dezembro, em vigor desde 15 de março de 2012, a sentença arbitral “só é susceptível de recurso para o tribunal estadual competente no caso de as partes terem expressamente previsto tal possibilidade na convenção de arbitragem e desde que a causa não haja sido decidida segundo a equidade ou mediante composição amigável” (sublinhado e negrito nossos).
Na convenção de arbitragem subscrita pelas partes, como dela se vê (consta transcrita no relatório deste acórdão), não consta qualquer menção à recorribilidade da sentença arbitral.
De tal convenção apenas consta a adesão de cada uma das partes ao Centro de Informação, Mediação e Arbitragem de Seguros (CIMPAS), aceitando a arbitragem como forma de resolução do litígio existente e ainda, “como regras do processo a observar na Arbitragem”, as constantes dos Regulamentos aprovados por aquele Centro, mas nada ali se diz quanto à possibilidade de recurso da decisão arbitral que ali viesse a ser proferida.
No âmbito da anterior lei da arbitragem (Lei 31/86, de 29 de agosto) não era preciso constar da convenção de arbitragem a expressa possibilidade de recurso da decisão, pois, então, como se previa no seu art. 29º nº1, desde que as partes não tivessem renunciado aos recursos, da decisão caberia recurso para a Relação nos mesmos termos que caberiam da sentença proferida pelo tribunal da comarca.
Havia assim uma regra supletiva de recorribilidade da decisão arbitral.
Com a atual Lei 63/2011, e por via do preceituado no referido nº4 do seu art. 39º, tal situação alterou-se, passando a acolher-se uma regra de irrecorribilidade da decisão arbitral, já que esta “só é” suscetível de recurso para o tribunal estadual competente “no caso de as partes terem expressamente previsto tal possibilidade na convenção de arbitragem e desde que a causa não haja sido decidida segundo a equidade ou mediante composição amigável”.
Tal alteração – como se dá conta no Acórdão do STA de 20/6/2017 (proc. nº0112/17, relator Carlos Carvalho, disponível em www.dgsi.pt) – resultava aliás enunciada na exposição de motivos da proposta de lei n.º 22/XII [XII Legislatura - 1.ª Sessão Legislativa] [consultável in: «www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa»], a qual veio a culminar na aprovação daquela Lei da Arbitragem Voluntária, quando ali se afirmou que “inverte-se da regra supletiva relativa à recorribilidade da sentença final proferida no processo arbitral. De acordo com o presente diploma, salvo se as partes tiverem expressamente estipulado na convenção de arbitragem que da sentença final cabe recurso nos termos previstos na lei processual aplicável, tal sentença é irrecorrível, sem prejuízo de a mesma poder ser impugnada mediante pedido de anulação, e a que as partes não podem renunciar antecipadamente”.
Como se diz naquele acórdão do STA, exige-se, por via daquele nº4 do art. 39º da LAV, uma afirmação ou tomada de posição expressa por ambas as partes quanto à admissão da impugnabilidade da decisão arbitral através de recurso jurisdicional, “não podendo valer como tal, assim, inferências ou extrapolações feitas ou extraídas do silêncio, ou de meros comportamentos ou atitudes havidos e que não hajam sido materializados e verbalizados sob forma expressa, mormente, inferidos implicitamente da prática de atos em processo arbitral e adesão a determinado regulamento”. Isto é, diz-se ali também, “o legislador, quanto à exigência em causa, não se bastou com uma mera atitude silente ou implícita a extrair ou inferir de determinados atos ou comportamentos havidos ou desenvolvidos, mormente, em decorrência de eventuais previsões normativas existentes em determinados regulamentos, mas que não hajam sido materializados e verbalizados, sob forma expressa, numa afirmação clara e inequívoca que explicite de forma direta a existência no caso de recurso jurisdicional da decisão que seja tomada pelo tribunal arbitral”.
No mesmo sentido que se vem de referir, vide ainda os acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul de 4/10/2027 (proc. nº12659/15), de 9/11/2017 (proc. nº12/17.5BCLSB) e de 24/5/2018 (proc. nº4/18.7BCLSB), todos igualmente disponíveis em www.dgsi.pt.
Ainda a dar conta do relevo da menção expressa da possibilidade de recurso da decisão arbitral na adesão à convenção de arbitragem pelas partes, num caso perante o mesmo tribunal arbitral dos presentes autos (CIMPAS), vide o acórdão desta mesma Relação de 2/12/2019 (proc. nº296/19.4YRPRT, relator Jorge Seabra, disponível em www.dgsi.pt), onde, em vista da aceitação do conhecimento do recurso da sentença arbitral e analisando a respetiva convenção de arbitragem se diz :
“(…) ambas as partes ao aderirem à convenção de arbitragem previram e aceitaram, por um lado, «[c]omo regras do processo a observar na arbitragem as constantes dos Regulamentos aprovados por este Centro» (de Informação, Mediação, Provedoria e Arbitragem de Seguros), como, ainda, declaram aceitar expressamente «[N]os termos do disposto no n.º 4, do art.º 39º da Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro Lei da Arbitragem Voluntária) … a possibilidade de recurso da decisão arbitral a ser proferida no âmbito dos presentes autos.» (vide declaração de adesão à arbitragem subscrita pelo Autor a 28.12.2018 e subscrita pela Ré a 1.02.2019, constantes dos autos)”.
Anota-se porém que no acórdão que ora se veio de referir, não obstante aquela nota sobre a declaração expressa das partes no sentido da possibilidade de recurso (que naquele caso concreto constava da convenção de arbitragem), acaba, logo no parágrafo seguinte àquele, por afinal se vir a entender – remetendo inclusivamente para outro Acórdão desta Relação de 25/2/2014, proferido no proc. 47/14.0YRPRT, também disponível em www.dgsi.pt – que a simples adesão ao Regulamento do CIMPAS ali referido (onde ao tempo se previa a recorribilidade da decisão arbitral sob o seu art. 20º nº2) é suficiente para se considerar preenchida a exigência do art. 39º nº4 da Lei 63/2011, entendimento este que, como decorre do raciocínio que atrás expusemos e fundamentámos, e com o devido respeito, não concordamos.
Efetivamente, exigindo-se, por via daquele nº4 do art. 39º da LAV, uma afirmação ou tomada de posição expressa por ambas as partes na própria convenção de arbitragem quanto à admissão da impugnabilidade da decisão arbitral através de recurso jurisdicional (é a própria lei que utiliza a expressão “expressamente”) – como, por exemplo, as partes fizeram no caso a que respeita o Acórdão desta Relação de 2/12/2019 que se referiu –, não integra tal exigência a simples remissão para as regras do processo “constantes dos Regulamentos aprovados” pelo Centro de arbitragem em causa.
Uma exigência legal tão específica não se poder ter como preenchida com aquela pura remissão para a globalidade dos “Regulamentos aprovados”.
Aliás, cumpre referir ainda o seguinte: as partes, na convenção de arbitragem que celebraram, aceitaram as regras constantes dos Regulamentos aprovados pelo CIMPAS “como regras do processo a observar na Arbitragem”.
Ora, a arbitragem é constituída pelo conjunto de atos próprios de tal espécie de processo que desemboca na prolação da decisão que nele tem lugar e pára aí. A interposição de recurso da decisão arbitral já não se contém na arbitragem, pois esta esgota-se com a prolação da decisão e com o recurso de tal decisão inicia-se o seu controle jurisdicional pelo tribunal judicial comum competente (no caso, o Tribunal da Relação).
Portanto, a convenção arbitral, dado o seu conteúdo, ao remeter para as normas dos “Regulamentos” como regras do processo na arbitragem, fica-se por aqui, sendo completamente omissa ao que se poderia passar daí para a frente, designadamente quanto à possibilidade de recurso da decisão proferida no âmbito da mesma (ponto em relação ao qual se tornaria claro algo dizer face à exigência do nº4 do art. 39º da LAV).
Se a recorrente, como se depreende do que afirma sob os nºs 34 e 35 do seu requerimento de pronúncia sobre a recorribilidade da decisão arbitral, se surpreende com o entendimento por nós perfilhado que se referiu acima e refere até arestos deste mesmo Tribunal da Relação no sentido que defende, é algo que respeitamos. Só estranhamos é o que afirma sob o ponto 34 (“consigna, desde já, que as adesões das partes à arbitragem, especificamente, no CIMPAS, têm todas exatamente o mesmo teor, em todos os processos em que aquela figura como parte”), pois, como até já se referiu anteriormente, no caso a que alude o Acórdão desta Relação de 2/12/2019 e que a recorrente até perfilha para fundamentar a orientação que defende, que é também um caso do CIMPAS, as partes subscreveram uma convenção de arbitragem cujo conteúdo, como acima se deu conta, integra uma declaração expressa e clara a cumprir a exigência do art. 39º nº4 da Lei da Arbitragem, pois, como se referiu naquele acórdão, dizem ali que “declaram aceitar expressamente «[N]os termos do disposto no n.º 4, do art.º 39º da Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro Lei da Arbitragem Voluntária) … a possibilidade de recurso da decisão arbitral a ser proferida no âmbito dos presentes autos.”.
De qualquer modo, pelos motivos que já sobejamente expusemos antes, e sufragada também pelos vários arestos que também referimos (um inclusivamente do Supremo Tribunal Administrativo), a interpretação sobre a exigência feita no referido nº 4 do art. 39º e os termos do seu preenchimento como condição de recorribilidade é, quanto a nós, a que expusemos.
E com base nela concluímos que, no caso em apreço, aquela específica exigência legal não se mostra preenchida, do que decorre a irrecorribilidade da decisão arbitral referida nos autos [e só por aquele estrito motivo legal, pois o valor da ação (5.400 euros) e da sucumbência (2.800 euros) permitiriam o seu conhecimento].
Assim sendo, não há que conhecer do recurso dela interposto.

Face ao ora decidido, ficam prejudicadas as restantes questões enunciadas (arts. 663º nº2 e 608º nº2 do CPC).

As custas do recurso ficam a cargo da recorrente, que nele decaiu (art. 527º, nºs 1 e 2, do CPC).
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Sumário (da exclusiva responsabilidade do relator – art. 663 º nº7 do CPC):
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III – Decisão
Por tudo o exposto, acorda-se em não conhecer do objeto do recurso.

Custas pela recorrente.




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Porto, 10/7/2024.
Mendes Coelho
Fernanda Almeida
Miguel Baldaia de Morais