Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
299/21.9T8MAI-A.P2
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FRANCISCA MOTA VIEIRA
Descritores: ALTERAÇÃO SUPERVENIENTE DAS CIRCUNSTÂNCIAS
PANDEMIA
COVID-19
CLÁUSULA PENAL
REDUÇÃO DA CLÁUSULA PENAL
Nº do Documento: RP20221214299/21.9T8MAI-A.P2
Data do Acordão: 12/14/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: O impacto da pandemia de Covid-19 nas relações negociais e as perturbações prestacionais daí decorrentes não se esgotam no instituto da alteração superveniente das circunstâncias, o qual, assume natureza tendencialmente subsidiária, cabendo ao julgador verificar se a concreta situação em que ocorram perturbações na execução das prestações obrigacionais convencionadas não encontra a sua resposta noutros institutos centrais do direito dos contratos, como sejam: a impossibilidade; a frustração do fim da prestação em obrigações finalizadas; a mora do credor; a interpretação do contrato, a redução de cláusulas penais, entre outros.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.° 299/21.9T8MAI-A.P2
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto-Juízo de Execução da Maia - Juiz 2

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

I.RELATÓRIO
1.Na ação executiva, para pagamento de quantia certa, com processo ordinário, que X..., S.A., com sede na Rua ..., Paredes, move a C... UNIPESSOAL, LDA., AA e BB, a exequente pretende a cobrança coerciva de € 40.882,98, sendo € 40.504,59 de capital, € 159,80 de juros e € 218,59 de Imposto de Selo. Apresenta, como título executivo, uma letra de câmbio, no valor de € 43.719,17.
Reproduz-se aqui o teor do requerimento executivo:
“A Exequente é dona e legítima portadora de uma letra de câmbio emitida em 19/03/2020, no valor de € 43.719,17 e com vencimento a 11/12/2020.
A referida letra foi sacada pela Exequente e assinada pela Executada sociedade no lugar próprio para o aceite, isto é, atravessadamente, na parte lateral esquerda da face do citado título, como tudo melhor se alcança da referida letra que se junta e que aqui por brevidade se dá por reproduzida para todos os efeitos legais.
Porém, a Executada sociedade não pagou o valor da letra, quando a mesma foi apresentada a pagamento, na data do vencimento, nem o seu pagamento se presume, estando atualmente em dívida o montante de € 40.504,59.
O segundo e terceira Executados deram os seus avales à aceitante, apondo as respetivas assinaturas no lugar competente e com a respetiva indicação (vide doc. 1). À quantia em dívida de € 40.504,59 acrescem os respetivos juros legais e o valor liquidado pela Exequente a título de imposto de selo no montante de € 218,59 nos termos do disposto no n.º 3, do artigo 48º da LULL.
Está vencida, até ao momento, a título de juros, a quantia de € 159,80, mas que se reclamam até efetivo pagamento. Totaliza, pois, a quantia exequenda, o montante de € 40.882,98 (quarenta mil, oitocentos e oitenta e dois euros e noventa e oito cêntimos).
A dívida é certa, líquida e exigível e não foi paga até ao momento, nem o seu pagamento se presume.”
2.Por apenso à referida execução vieram os executados deduzir oposição à execução, mediante embargos.
Nos embargos, alegam os executados que, subjacente àquela letra de câmbio, esteve a celebração de um contrato de fornecimento de café, o qual, segundo os embargantes terá sido subscrito no final de Fevereiro de 2020 e não a 19.03.2020, como dele consta, entre a exequente e a embargante- sociedade, e no qual, os embargantes AA e BB intervieram como fiadores.
Mais alegam que na vigência desse contrato este cessou, seja por acordo das partes, seja atenta a situação de pandemia de Covid-19, a qual, alegadamente, gerou a impossibilidade de a embargante sociedade manter a sua actividade, afirmando ter existido uma alteração anormal das circunstâncias em que as partes haviam fundado a decisão de contratar, pelo que não pode ser cobrada qualquer indemnização por incumprimento contratual.
Por outro lado, pretendem que a exequente deveria alegar, no requerimento executivo, os factos em que assentou a determinação do valor inscrito na letra, o que não fez.
Além disso, referem que a exequente já recebeu todos os equipamentos e materiais publicitários que haviam sido entregues relativamente àquele contrato, pelo que nenhum valor pode ser cobrado a esse propósito. Entendem, assim, que, quando muito, terá de ser restituído o proporcional do valor que foi entregue pela exequente à embargante sociedade, correspondente a € 8.131,66. Finalmente, invocam a nulidade do contrato, alegando que o mesmo é constituído por cláusulas contratuais gerais que não foram comunicadas, nem explicadas, aos aderentes, sendo certo que, mesmo a manter-se a fiança ali prestada pelos embargantes AA e BB, estes sempre gozariam do benefício de excussão prévia. Concluem que existiu preenchimento abusivo da letra de câmbio exequenda.
3.A exequente contestou, impugnando os factos alegados pelos embargantes e defendendo que o contrato foi por si validamente resolvido, com fundamento em incumprimento, devendo operar as consequências deste. Pugna pela improcedência da oposição.
4.O processo foi saneado, conforme despacho de 21/9/2021, tendo sido enunciados o objecto do litígio e os temas da prova.
5.Procedeu-se a audiência final, com a pertinente produção de prova e foi proferida sentença que julgou a oposição parcialmente procedente e, em consequência, determinou o prosseguimento da execução, para pagamento da quantia de € 9.801,33, acrescida de juros de mora, à taxa legal, e respectivo Imposto de Selo, contados desde 11/12/2020, até integral pagamento, no mais, extinguindo-se a execução.
6.Dessa sentença foram interpostos recursos de apelação, um pela embargada e outro pelos embargantes, os quais foram recebidos e remetidos a este Tribunal da Relação do Porto que, por decisão sumária singular julgou procedente o recurso interposto pela embargada e anulou a decisão recorrida, por verificação da indicada nulidade processual, determinando-se que o contraditório que foi omitido seja cumprido e que se sigam os demais termos legais, em conformidade com o que fixou exarado supra.
7.Remetidos os autos ao tribunal de comarca, este, perante a possibilidade de ser ponderada a nulidade, ao abrigo dos arts. 15º e 12º do DL 446/85, da cláusula 6ª nº3 do contrato subjacente à letra de câmbio exequenda (junto como documento nº1 da petição inicial), determinou a notificação das partes para se pronunciarem acerca de tal circunstância, bem como a requererem o que tivessem por conveniente.
Veio a embargada alegar que tal cláusula não é nula, por ter sido individualmente negociada e, portanto, não ser uma cláusula contratual geral, além de que foram cumpridas todas as obrigações de informação pré-contratual. Pretende, ainda, que os embargantes tinham conhecimento do preço de café praticado na data em que entraram em incumprimento contratual e conclui que, constituindo a estipulação em referência uma cláusula penal compensatória, a mesma é perfeitamente válida e respeita todos os ditames da boa fé.
Já os embargantes pugnaram pela invalidade da cláusula, mantendo que se tratou de estipulação previamente redigida e imposta pela embargada, sem sequer ter sido lida ou explicada, além de ser contrária à boa-fé.
Nenhuma das partes requereu a realização de diligências complementares de prova ou outras, pelo que, foi proferida sentença que julgou a presente oposição parcialmente procedente e, em consequência, prosseguirá a execução, para pagamento da quantia de € 9.801,33, acrescida de juros de mora, à taxa legal, e respectivo Imposto de Selo, contados desde 11/12/2020, até integral pagamento.
8.Foi proferida nova sentença que julgou a presente oposição parcialmente procedente e, em consequência, determinou o prosseguimento da execução, para pagamento da quantia de € 9.801,33, acrescida de juros de mora, à taxa legal, e respectivo Imposto de Selo, contados desde 11/12/2020, até integral pagamento.
9.Inconformados, todos, embargantes e embargada, apelaram.
A exequente-embargada, no essencial, entende que a sentença, proferida não fez uma correta e adequada aplicação da lei, no que tange ao conhecimento do preenchimento abusivo da letra de câmbio, por violação do princípio da boa fé, nos termos dos artigos 15º e 12º do DL 446/85, declarando nula a estipulação da pena convencional prevista na cláusula 6ª nº 3 do contrato em causa nos autos.
Reproduzem-se aqui as conclusões recursórias da embargada:
1ª.A sentença proferida nos presentes autos não fez uma correta e adequada aplicação da lei, no que tange ao conhecimento do preenchimento abusivo da letra de câmbio, por violação do princípio da boa fé, nos termos dos artigos 15º e 12º do DL 446/85, declarando nula a estipulação da pena convencional prevista na cláusula 6ª nº 3 do contrato em causa nos autos.
2ª.Entendeu o Tribunal a quo que a indemnização prevista no número 3 da cláusula sexta do contrato em crise nos autos é nula, nos termos do artigo do art. 15º do DL 446/85, tendo considerado, por um lado, que se provou que apenas houve negociação prévia quanto à quantidade de café a adquirir, o prazo do contrato, o montante da contrapartida a entregar pela exequente, os equipamentos e materiais publicitários a disponibilizar pela exequente e a necessidade da existência de garantias e, por outro, que os ora Recorridos não tinham conhecimento do preço do café no momento do incumprimento, sendo tal valor unilateralmente fixado pela ora recorrente “a seu bel-prazer”.
3ª.Para que se possa subsumir o n.º 3 da Cláusula Sexta do Contrato n.º ... ao regime dos artigos 12.º e 15º do Decreto-Lei n.º 446/855, de 25 de outubro necessariamente, terá de se considerar aquela clausula sexta do contrato como uma clausula contratual geral, o que não se concebe, nem concede.
4ª.Tendo em consideração o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proc. n.º 972/10.7TBLSA.C1, de 20-11-2012, disponível em www.dgsi.pt, resulta claro que o contrato de fornecimento de café n.º ... não se trata de um contrato de adesão, pelo que, necessariamente, não se podem considerar as cláusulas nele insertas como cláusulas contratuais gerais.
5ª.Todas as questões contratuais foram devidamente explicadas e comunicadas aos Embargantes, tendo estes tido a oportunidade de ler e de colocar as questões e dúvidas que bem entendessem.
6ª.Tal como resulta da Assentada das declarações do embargante AA reduzida a escrito na ata da sessão de audiência de julgamento de dia 24-11-2021, a qual não foi objeto de qualquer reclamação, consideramos que foram cumpridos os ónus de comunicação e informação a que aludem os referidos art. 5º e 6º do DL 446/85.(…)
8ª.No uso da liberdade contratual que legalmente lhes assiste, conforme decorre do artigo 405.º do Código Civil, acordaram ora Recorrente e Recorridos, no contrato de fornecimento de café celebrado em 19 de março de 2020, que, em caso incumprimento do mesmo, por parte dos ora Recorridos, seria por estes devida à Recorrente o pagamento de uma indemnização que fixaram em dois terços do preço unitário do quilograma de café constante da tabela de preços em vigor à data do incumprimento, por cada quilograma de café não adquirido, conforme acordado na alínea c) da cláusula segunda do contrato.
9ª.Conforme consta da lista com o preço do café, junta como documento n.º 9 com a contestação de embargos, o qual não impugnado e por isso aceite, pelos Recorridos, o preço do café fixava-se à data em €26,75 (vinte e seis euros e setenta e cinco cêntimos
10ª.Os Embargantes conheciam, porque não podiam desconhecer, a quantidade de café por adquirir à data em que encerraram o estabelecimento comercial, assim como conheciam o montante da indemnização devida, fixado em €30.703,26 (trinta mil, setecentos e três euros e vinte e seis cêntimos), tal como também comunicado na comunicação de resolução do contrato, facto este também dado como provado pelo tribunal a quo.
12ª. Decorre das regras do comércio que os preços sejam, naturalmente, fixados pelo fornecedor dos bens.(…)
16ª. Os Embargantes reconhecem ser devido o valor peticionado a título de cláusula penal, e fixado no número três da cláusula sexta, motivo pelo qual não peticionaram a redução equitativa da cláusula penal.
18ª.O contrato celebrado pelas partes resultou da prévia negociação encetada pelas mesmas e exprime a vontade livre e esclarecida de ambas, que voluntariamente o subscreveram.
18ª. A sentença recorrida deu como provado o incumprimento definitivo do contrato, por parte da sociedade Embargante, pelo que é devida a indemnização calculada nos precisos termos do n.º 3 da Cláusula Sexta do contrato.
19ª. O Tribunal a quo notoriamente errou ao interpretar o n.º 3 da Cláusula Sexta do contrato como uma cláusula como contrária à boa fé, por desproporcional.
20ª. Os Embargantes tiveram oportunidade de ler o contrato previamente à sua celebração, só não o tendo feito porque assim não o quiseram, pelo que conheciam as consequências em caso de um eventual incumprimento do mesmo, mormente
21ª.A Tabela de Preços junta pela Recorrente com a contestação constitui um elemento essencial para determinação do quantum indemnizatório devido à Recorrente, nos termos contratualmente previstos, uma vez que esta permite aferir, sem margem para dúvida, do valor do quilo de café, à data de resolução do contrato, não tendo sequer sido impugnada.
22ª. A sentença em crise reconhece que foram negociados os aspetos verdadeiramente estruturantes do contrato de fornecimento de café, nomeadamente, quantidade de café a adquirir, prazo do contrato, montante da contrapartida a entregar pela exequente, equipamentos e materiais publicitários a disponibilizar pela exequente e a necessidade de existência de garantias, pelo que não poderia nunca considerar que a o montante da cláusula penal, i.e., o quantum indemnizatório não foi também discutido
23Ç. Foi permitida a negociação do clausulado, logo o contrato dos autos não pode ser qualificado como contrato de adesão, para os fins do art. 1.º da LCCG.
24ª. As cláusulas são sempre objeto de negociação entre as partes, cabendo a cada cliente sugerir ou não uma ou mais alterações à proposta negocial que lhe possa
25ª.A cláusula sexta, em específico, tem por finalidade salvaguardar o investimento efetuado pela Recorrente com a celebração deste tipo de contrato em caso de resolução injustificada pelo cliente.
26ª. Não resulta dos autos qualquer elemento probatório que pudesse levar o Tribunal a quo a decidir no sentido da desproporcionalidade da cláusula, sendo certo que era aos Recorridos, devedores, a quem competia provar a flagrante desproporção entre esses mesmos prejuízos e o valor acertado contratualmente em sede de fixação da cláusula penal, uma vez que se trata duma circunstância modificativa do direito invocado pela Recorrente, constituindo matéria de defesa por exceção (perentória )
27ª. Os Recorridos criaram na recorrente a expectativa de uma relação comercial duradoura, por um período de sessenta meses, tendo, contudo, e sem mais, encerrado o seu negócio, sem qualquer comunicação prévia, pouco mais de seis meses após o início da relação comercial.
28ª. A cláusula em crise prevê somente o pagamento de parte do valor do preço unitário do café e não da sua totalidade pelo que não confere à Recorrente uma situação patrimonial mais favorável que aquela que ocorreria se o contrato tivesse perdurado até ao fim, na medida em que nunca receberá a totalidade do preço.
29ª.. Não houve, por parte da Recorrente, qualquer conduta abusiva no que respeita ao preenchimento da letra de câmbio em causa nos autos, legítima e corretamente preenchida por esta pelo montante de €43.719,17 (quarenta e três mil, setecentos e dezanove euros e dezassete
30ª.Dúvidas não podem restar que mal andou o Tribunal a quo ao julgar parcialmente procedente a oposição à execução mediante embargos de executado, devendo, assim, a sentença recorrida ser substituída por acórdão que a julgue totalmente improcedente e, consequentemente, que ordene o prosseguimento da execução pelo montante de €40.882,98,acrescido de juros de mora, vencidos e vincendos, calculados à taxa legal, desde 11/12/2020, até integral pagamento.
Conclui pela revogação e substituição da sentença e improcedência dos embargos.
.Inconformados os embargantes-executados também interpuseram recurso de apelação e concluíram nos seguintes termos:
1.Os Recorrentes não se conformam com a douta proferida nos presentes autos por entenderem que a matéria de facto provada foi incorretamente julgada e que não existiu correta aplicação do Direito.
2.Impugnam-se os concretos ponto Z) dos factos provados e ponto 1) dos factos não provados que foram incorretamente julgados.
3.Entendem os recorrentes, no que respeita ao ponto Z) dos factos provados que, face à prova produzida em Audiência de Discussão e Julgamento, deveria considerar apenas provado que “Z) Previamente a tal assinatura, a exequente, através do seu funcionário, explicou ao embargante AA qual a quantidade de café a adquirir, qual o prazo do contrato, bem como, as questões relativas ao preenchimento da letra de câmbio, e que intervinha ali como fiador”.
4.Tal resulta da explicação do embargante AA (gravação de 24/11/2021, 11m24s, 18m35s e 38m28s) que referiu que apenas lhe foram explicadas as cláusulas relativas à quantidade de café a adquirir, qual o prazo do contrato, bem como, as questões relativas ao preenchimento da letra de câmbio, e que intervinha ali como fiador e não lhe foram explicadas quais as consequências em caso de incumprimento do contrato.
5.Assim como resulta do depoimento da testemunha CC (gravação de 24/11/2021, 7m58s), do qual não resulta demonstrado do que o mesmo tenha explicado ao embargante AA as cláusulas respeitantes às consequências totais e integrais do incumprimento do contrato.
6.Mais entendem que deveria, igualmente, no que respeita ao ponto 1 dos facos não provados, considerar-se provado que “O contrato referido em G) foi celebrado em Fevereiro de 2020”, ou, pelo menos, que “O contrato referido em G) foi celebrado antes do dia 12.03.2020”.
7.Tal resulta da análise das declarações de AA (gravação de 24/11/2021, 5m12s, 50m00s), assim como do depoimento da testemunha CC (gravação de 24/11/2021, 1m57s, 3m33s, 6m43s, 18m28s) e do depoimento da testemunha DD (gravação de 24/11/2021, 5m49s, 24m17s).
8.Para além disto, a minuta do contrato em causa nos presentes autos tem data de 12.03.2020 e consta do documento 10 junto à contestação da embargada email de 06.03.2020 com as condições do mesmo.
9.Constata-se que o comercial da embargada e o Gerente da sociedade embargante encetaram negociações nos meses de Janeiro e Fevereiro e após o término de tais negociações, a minuta do contrato e o próprio contrato foram datados e entregues para serem assinados, pelo que, os termos do negócio e a celebração do mesmo ocorreu em momento anterior a esta data, que terá sido de Março de 2020.
10.Face à supra indicada alteração da matéria de facto, impõe-se, necessariamente, considerar que não foram explicadas aos embargantes e, concretamente, ao embargante AA, as cláusulas relativas às consequências advenientes do incumprimento contratual.
11.A embargada não cumpriu com os deveres de comunicação e de informação das ditas cláusulas, nos termos dos artigos 5.º e 6.º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, pelo que, nos termos da alínea c) do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, as cláusulas que não tenham sido objeto de comunicação e devida explicação devem ser excluídas dos contratos celebrados.
12.Desta forma, em relação aos embargantes, deve considerar-se que apenas foram cumpridas pela embargada as obrigações de comunicação e informação relativa à quantidade de café a adquirir, qual o prazo do contrato, bem como, as questões relativas ao preenchimento da letra de câmbio, e fiador, devendo as demais serem consideradas nulas e excluídas do contrato.
13.Não obstante, nenhuma cláusula foi lida ou explicada à embargante BB, pelo que, deve o teor das cláusulas do referido contrato ser considerado nulo, no que respeita à embargante BB, com as demais consequências legais, uma vez que o teor das cláusulas inseridas no contrato não foi lido ou explicado a esta embargante.
14.Não obstante o supra referido, sempre se dirá que bem andou o Tribunal a quo quando considerou que, nos termos do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, diploma aplicável ao contrato aqui em causa, “são proibidas as cláusulas contratuais gerais contrárias à boa fé” e, como tal, o ponto 3 da cláusula 6.º do contrato não respeita tal normativo.
15.Pelo que, neste aspeto, e na improcedência da nulidade supra, deverá manter-se a decisão proferida.
16. Acresce que, face à supra indicada alteração da matéria de facto, impõe-se, necessariamente, considerar que as partes não celebraram o contrato em causa nos presentes autos considerando os condicionalismos advenientes da Pandemia de Covid-19.
17.Para além disso, resulta dos concretos pontos EE), FF) e GG) dos factos provados que Pandemia afetou o negócio e implicou limitações na circulação de pessoas, o que forçou ao encerramento do estabelecimento comercial da embargante e resulta do ponto HH) dos factos provados que, no decurso do mês de Outubro de 2020, os embargantes comunicaram ao comercial da embargada que iria encerrar o estabelecimento e cessar a sua atividade devido à conjuntura adveniente da Pandemia de Covid-19, pelo que, esta comunicação verificou-se em momento anterior à resolução do contrato pela embargada.
18.Como tal, os recorrentes não se conformam com o entendimento do Tribunal a quo de que, no momento em que os embargantes invocaram perante a embargada a alteração das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar, atenta a situação de pandemia que impediu a atividade económica, o contrato já havia sido validamente resolvido por esta, com fundamento em incumprimento da embargante sociedade.
19.Desta forma, deve-se considerar que existiram circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar que sofreram uma alteração anormal, tendo os embargantes, atento os necessários juízos de equidade, comunicado, nos termos legais e do contrato celebrado, a cessação do contrato por ser inviável a manutenção da sua atividade, o que comunicou verbalmente e, posteriormente, por escrito.
20.Tendo a cessação do contrato de compra e fornecimento de café ocorrido por ser inviável a manutenção da atividade da empresa C... UNIPESSOAL, LDA., pelo que, nada mais poderia ser exigido aos embargantes.
21.Não obstante, de acordo com os juízos de equidade, entendem os embargantes que deve ser devolvido o valor despendido em publicidade pela embargada, por não ser recuperável.
10.Foram apresentadas contra-alegações pela embargada.
11.Cumpre decidir.
II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DOS RECURSOS.
. A recorrente-embargada suscita, nas conclusões das alegações, as seguintes questões:
. O Tribunal a quo errou ao interpretar o n.º 3 da Cláusula Sexta do contrato como uma cláusula como contrária à boa fé, por desproporcional?
Os recorrentes-embargantes suscitam nas suas conclusões as seguintes questões:
. Da impugnação da decisão de fato vertida na sentença.
. Do Mérito da Sentença recorrida.
III. FUNDAMENTAÇÃO.
3.1. Na primeira instância foi fixado o seguinte enunciado de factos provados e não provados:
A) MATÉRIA DE FACTO:
Foram os seguintes, os factos provados, com interesse para a decisão da causa: “Factos provados:
A) A exequente é portadora da letra de câmbio junta ao processo principal, que aqui se dá por integralmente reproduzida.
B) Na referida letra de câmbio, no local destinado à identificação e à assinatura do sacador, consta a identificação da exequente e a assinatura do respectivo representante legal.
C) No mesmo documento, no local destinado à identificação do sacado, consta a identificação da embargante sociedade.
D) No local destinado ao aceite, aparece a assinatura do representante legal daquela sociedade.
E) Tal letra de câmbio contém, como data de emissão, data de vencimento e valor, respectivamente, as seguintes menções: 19/3/2020; 11/12/2020; € 43.719,17.
F) No verso da mesma letra de câmbio, acompanhadas da menção “Dou o meu aval à firma aceitante”, aparecem as assinaturas dos executados AA e BB, ora embargantes.
G) A exequente e a embargante sociedade celebraram entre si o contrato junto como documento nº1 da petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido, datado de 19/3/2020 e intitulado “contrato nº...”.
H) Mediante tal contrato, a embargante sociedade declarou obrigar-se a adquirir, em exclusividade, à exequente, e revender no seu estabelecimento comercial, “Café ...”, durante o prazo de 60 meses, a quantidade mínima mensal de 30 Kg de café, perfazendo o tal de 1.800 quilos.
I) Ficou ainda estipulado que, como contrapartida daquela exclusividade, a exequente entregaria à embargante sociedade a quantia de € 8.500,00 e ainda, a título de empréstimo, os seguintes equipamentos e materiais, a serem utilizados pela embargante sociedade na qualidade de fiel depositária: a) Equipamentos: uma máquina de café, no valor de € 1.746,60; um moinho de café, no valor de € 414,05; uma máquina de lavar chávenas, no valor de € 734,13; um aquecedor de leite, no valor de € 319,80; b) Materiais publicitários: um reclamo de fachada, no valor de € 602,58; cinco vinis, no valor de € 513,59;um reclamo de dupla face, no valor de € 553,50.
J) A exequente efetivamente procedeu a essa entrega.
K) Na cláusula 6ª, nº1, daquele contrato, ficou previsto que o acordo poderia ser resolvido por qualquer dos contraentes, nos termos gerais de direito, sendo que, em caso de incumprimento, ou mora no cumprimento, de qualquer das obrigações decorrentes do contrato, a contraente cumpridora deveria dirigir uma comunicação escrita à contraente faltosa, por correio registado, com aviso de recepção, concedendo um prazo de 15 dias, a contar da recepção da comunicação escrita, para que a situação fosse remediada.
L) No nº2, da mesma cláusula 6ª, ficou previsto que o contrato poderia ainda ser resolvido pela exequente, nos casos ali mencionados, designadamente, no caso de encerramento do estabelecimento da embargante sociedade, devendo a resolução pela exequente ser feita mediante o envio de carta registada, com aviso de recepção.
M) Nos nº 3 e 4, da mesma cláusula 6ª, foi estipulado que o incumprimento do acordo pela embargante sociedade daria lugar ao pagamento, por parte desta, de uma indemnização correspondente a 2/3 do preço unitário do quilograma de café, por cada quilograma não adquirido, bem como à devolução da contrapartida de € 8.500,00, deduzida da parte proporcional à quantidade de café já adquirida, e ainda à devolução dos equipamentos emprestados pela exequente e do valor despendido nos materiais publicitários.
N) Os embargantes AA e BB apuseram as suas assinaturas no contrato referido em G), ali declarando constituir-se fiadores, responsabilizando-se solidariamente com a embargante sociedade por todas as obrigações resultantes do contrato, renunciando ao benefício de excussão prévia.
O) A letra de câmbio exequenda foi entregue à exequente apenas com as assinaturas do representante da sacada e dos avalistas e as declarações de aval, encontrando-se os restantes elementos em branco.
P) Foi a exequente quem, posteriormente, apôs na letra de câmbio os restantes elementos que dela agora constam, designadamente, os referidos em E).
Q) A cláusula 9ª, do contrato mencionado em G), tem a seguinte redacção: “para titulação e em garantia do bom pagamento todas as obrigações e responsabilidades emergentes deste contrato, qualquer que seja a sua origem ou natureza e das suas eventuais prorrogações, modificações e/ou renovações, a segunda contraente, C... UNIPESSOAL, LDA., neste acto representada por AA, entrega, nesta data, à primeira contraente, uma letra em branco por si aceite, avalizada por AA e BB, a qual poderá ser livremente preenchida pela X..., S.A., designadamente, no que se refere às datas de emissão e de vencimento, local de pagamento e montante correspondente aos créditos de que ao momento a X..., S.A., seja titular por força do incumprimento contratual, ou de encargos dele resultantes, não lhe sendo atribuído efeito novatório”.
R)Os embargantes AA e BB, sendo o embargante AA por si e em representação da embargante sociedade, apuseram as suas assinaturas no documento intitulado “minuta de contrato nº...”, junto como documento 1 da contestação, que aqui se dá por integralmente reproduzido, datado de 12/3/2020.
S)Os embargantes AA e BB apuseram as suas assinaturas no documento intitulado “declaração” e datado de 12/3/2020, que integra o documento nº1 junto com a petição inicial.
T)Mediante tal documento, aqueles embargantes declararam que, após análise da minuta referida em R), que lhes foi fornecida pela exequente, autorizam que o contrato seja redigido nos mesmos termos, concordando com todas as cláusulas insertas no mesmo, as quais lhes foram devidamente explicadas.
U)O embargante AA, por si e em representação da embargante sociedade, negociou com a exequente, relativamente ao contrato referido em G), a quantidade de café a adquirir, o prazo do contrato, o montante da contrapartida a entregar pela exequente, os equipamentos e materiais publicitários a disponibilizar pela exequente e a necessidade da existência de garantias.
V) As restantes cláusulas do contrato não foram objecto de negociação, tendo sido elaboradas e apresentadas pela exequente, sem que os embargantes as pudessem alterar. W) Foi a exequente quem, após as negociações referidas em U), elaborou os documentos referidos em G), R) e S) e os apresentou aos embargantes, para que os assinassem.
X) Os documentos mencionados em G), R) e S) foram todos assinados na mesma ocasião.
Y) O embargante AA teve oportunidade de ler tais documentos antes de os assinar, tendo efetivamente procedido a essa leitura.
Z) Previamente a tal assinatura, a exequente, através do seu funcionário, explicou ao embargante AA qual a quantidade de café a adquirir, qual o prazo do contrato, quais as consequências do incumprimento do mesmo relativamente ao pagamento de indemnizações e preenchimento da letra de câmbio, e que intervinha ali como fiador.
AA) A embargante BB não leu os documentos referidos em G), R) e S) antes de os assinar.
BB) Previamente a essa assinatura, foi-lhe dito apenas pelo embargante AA que iria intervir no contrato como fiadora da quantia de € 8.500,00.
CC) A embargante sociedade aceitou e os embargantes AA e BB avalizaram a letra de câmbio mencionada em A), em branco, para pagamento dos valores que ficassem por liquidar pela embargante sociedade, no âmbito do contrato referido em G).
DD)Na vigência do contrato referido em G), a embargante sociedade adquiriu à exequente as seguintes quantidades de café: 6 Kg em 17/3/2020; 24 Kg em 25/3/2020; 24 Kg em 18/6/2020; 24 Kg em 29/7/2020 – documentos 2 a 6 da contestação, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
EE) Na primeira fase da pandemia de Covid-19, o estabelecimento de café da embargante sociedade foi forçado a encerrar durante cerca de dois meses.
FF) No Outono de 2020, o impacto da pandemia voltou a ser elevado, face às limitações nas deslocações das pessoas e da actividade turística, gerando maiores perdas de rentabilidade.
GG)Face a tal situação, a embargante sociedade, para evitar o avolumar de dívidas, decidiu encerrar a sua actividade.
HH)No decurso do mês de Outubro de 2020, a embargante sociedade, através do seu gerente, comunicou à exequente, na pessoa do seu comercial, que iria encerrar o estabelecimento e cessar a sua actividade, devido à conjuntura adveniente da Pandemia de Covid-19.
II) O estabelecimento foi efectivamente encerrado em Outubro de 2020, na sequência do que todo o equipamento disponibilizado pela exequente, referido em I-a), lhe foi devolvido.
JJ) Em 6 de Novembro de 2020, a exequente remeteu à embargante sociedade, a qual a recebeu, a carta registada, com aviso de recepção, que constitui o documento nº3 da petição inicial e que aqui se dá por integralmente reproduzido.
KK) Mediante tal carta, a exequente declarou que, face ao encerramento do estabelecimento da embargante sem aquisição das quantidades de café previstas no contrato referido em G), considerava o mesmo resolvido, devendo ser paga uma indemnização no valor de € 43.719,17 no prazo de 15 dias, sob pena de preenchimento da letra de câmbio aceite e cobrança coerciva, desdobrando-se aquela quantia nas seguintes parcelas: € 30.703,26 correspondentes aos quilos não comprados (1772 Kg x 17,83); € 8.161,66 correspondentes à devolução da contrapartida concedida; € 1.669,67 correspondentes ao valor da aquisição dos materiais publicitários; € 3.214,58 do equipamento colocado, caso o mesmo não seja devolvido.
LL) Em 6 de Novembro de 2020, a exequente remeteu à embargante BB, a qual a recebeu, a carta que constitui o documento nº7 da contestação e que aqui se dá por integralmente reproduzido.
MM) Mediante tal carta, a exequente declarou que, face ao encerramento do estabelecimento da embargante sociedade sem aquisição das quantidades de café previstas no contrato referido em G), considerava o mesmo resolvido, devendo ser paga uma indemnização no valor de € 43.719,17 no prazo de 15 dias, sob pena de preenchimento da letra de câmbio aceite e cobrança coerciva, desdobrando-se aquela quantia nas seguintes parcelas: € 30.703,26 correspondentes aos quilos não comprados (1772 Kg x 17,83); € 8.161,66 correspondentes à devolução da contrapartida concedida; € 1.669,67 correspondentes ao valor da aquisição dos materiais publicitários; € 3.214,58 do equipamento colocado, caso o mesmo não seja devolvido.
NN)Em 6 de Novembro de 2020, a exequente remeteu ao embargante AA a carta que constitui o documento nº8 da contestação e que aqui se dá por integralmente reproduzido.
OO) Mediante tal carta, a exequente declarou que, face ao encerramento do estabelecimento da embargante sociedade sem aquisição das quantidades de café previstas no contrato referido em G), considerava o mesmo resolvido, devendo ser paga uma indemnização no valor de € 43.719,17 no prazo de 15 dias, sob pena de preenchimento da letra de câmbio aceite e cobrança coerciva, desdobrando-se aquela quantia nas seguintes parcelas: € 30.703,26 correspondentes aos quilos não comprados (1772 Kg x 17,83); € 8.161,66 correspondentes à devolução da contrapartida concedida; € 1.669,67 correspondentes ao valor da aquisição dos materiais publicitários; € 3.214,58 do equipamento colocado, caso o mesmo não seja devolvido.
PP) Tal carta foi enviada para a morada do embargante AA constante do contrato referido em G), mas não foi entregue ao destinatário, tendo sido devolvida à remetente, com a menção “endereço insuficiente”.
QQ)Depois de ter recebido a carta referida em JJ), em 19/11/2020, a embargante sociedade remeteu à exequente a carta que constitui o documento nº2 da petição inicial e que aqui se dá por integralmente reproduzido.
RR) Mediante tal carta, a embargante sociedade declarou que, em razão da pandemia de Covid-19, se viu impossibilitada de manter a sua actividade, não conseguindo fazer face às despesas em razão da redução das vendas, pelo que teve de encerrar o estabelecimento a partir de 31 de Outubro de 2020, comunicando a cessação do contrato por ser inviável a manutenção da actividade, em face da alteração anormal das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar.
SS) Em 23/11/2020, os embargantes AA e BB remeteram à exequente a carta que constitui o documento de 4 da petição inicial e que aqui se dá por integralmente reproduzido.
TT) Mediante tal carta, aqueles embargantes declararam não poderem aceitar a cobrança de qualquer penalização a propósito da cessação do contrato nº..., uma vez que o estabelecimento foi encerrado apenas por motivos de alteração anormal das circunstâncias, devido a quebra drástica com a pandemia de Covid-19.”.
UU)Os preços de café praticados pela embargada a partir de 1/4/2020 são os constantes do documento 9 da contestação, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
Factos não provados:
Não se provou qualquer outro facto com relevância para a decisão, designadamente, que:
1 – O contrato referido em G) foi celebrado em Fevereiro de 2020.
2 – No momento referido em HH), o comercial da exequente disse aceitar a cessação do contrato e disse que a exequente teria apenas de ser reembolsada, proporcionalmente, do valor recebido e não consumido de café.
3 – Todos os materiais publicitários disponibilizados pela exequente lhe foram devolvidos.
4 – A exequente e a embargante sociedade, em Outubro de 2020, acordaram a devolução das quantias entregues por esta e de todo o material publicitário.
5 – Após a primeira fase da pandemia, na Primavera de 2020, a embargante sociedade efectuou vários investimentos para fazer face ao impacto que a pandemia gerou, tendo, para o efeito, adquirido equipamentos para disponibilizar um serviço de take-away e máquina para grelhados, introduzido novos pratos ao domingo, uma nova gama de gelado e serviço de bens de primeira necessidade de cesta básica, manteigas, compotas, ovos, enchidos, fiambre, queijo e alargamento da gama de gomas, e procedido a acertos de PVP em 90% da gama de produtos.
6 – Todas as cláusulas do contrato referido em G) e da declaração referida em S) foram negociadas entre as partes.
7 – As partes negociaram as cláusulas do contrato referido em G) relativas às consequências de um eventual incumprimento contratual.
8 – A minuta mencionada em R) foi entregue aos embargantes previamente à assinatura do contrato referido em G), para que os embargantes a analisassem e, eventualmente, solicitassem esclarecimentos ou propusessem alterações.
3.2. Da Impugnação da matéria de facto.
Por estarem preenchidos os requisitos legais previstos no art 640º do CPC para a impugnação da factualidade julgada provada e não provada, admitimos a Impugnação da matéria de facto.
Entendem os recorrentes que o ponto Z) dos factos provados e ponto 1) dos factos não provados foram incorretamente julgados.
Reproduzimos aqui o teor desses itens:
a)Ponto incorretamente julgado (ponto Z) dos factos provados):
Z) Previamente a tal assinatura, a exequente, através do seu funcionário, explicou ao embargante AA qual a quantidade de café a adquirir, qual o prazo do contrato, quais as consequências do incumprimento do mesmo relativamente ao pagamento de indemnizações e preenchimento da letra de câmbio, e que intervinha ali como fiador.
b) Ponto incorrectamente julgado não provado: 1– O contrato referido em G) foi celebrado em Fevereiro de 2020.
Relativamente ao ponto Z) dos fatos provados:
Entendeu o Tribunal a quo que se demonstrou provado que foram explicadas ao embargante AA as cláusulas relativas à quantidade de café a adquirir, qual o prazo do contrato, quais as consequências do incumprimento do mesmo relativamente ao pagamento de indemnizações e preenchimento da letra de câmbio. E essa convicção resultou, por um lado, das declarações do referido embargante e, por outro lado, do depoimento da testemunha CC.
Os embargantes entendem que não resultou provado que tenha sido explicadas ao referido AA as consequências do incumprimento do contrato, uma vez que apenas lhe foram explicadas as cláusulas relativas à quantidade de café a adquirir, qual o prazo do contrato, bem como, as questões relativas ao preenchimento da letra de câmbio, e que intervinha ali como fiador.
Convocam para reapreciação por este Tribunal da Relação as declarações do embargante AA, bem como, o depoimento da testemunha CC, comercial da exequente que interveio na negociação anterior ao contrato de fornecimento de café dos autos.
Entendem os embargantes que não resulta demonstrado do depoimento da testemunha CC que o mesmo tenha explicado ao embargante AA as cláusulas respeitantes às consequências totais e integrais do incumprimento do contrato e, que, não obstante a testemunha referir que normalmente explica as referidas cláusulas e que normalmente as pessoas reagem de determinada maneira, não foi capaz de garantir ao Tribunal que explicou devidamente as consequências advenientes do incumprimento do contrato.
Alegam que do depoimento da referida testemunha não resulta que esta explicou tais consequências na assinatura do contrato aqui em causa e que o embargante apenas referiu estar convicto ser razoável a devolução da quantia de € 8.500 sem que lhe tenham sido explicadas as cláusulas relativas ao incumprimento contratual.
Mais entendem os apelantes que o facto julgado não provado na ponto 1 dos factos não provados) (cuja redação é a seguinte:1 – O contrato referido em G) foi celebrado em Fevereiro de 2020) foi incorretamente julgado não provado.
Convocam as declarações do embargante, os depoimentos das testemunhas AA e DD.
Apreciando e decidindo:
Reapreciamos as declarações do embargante e os depoimentos das testemunhas convocadas, AA, comercial da embargada, DD, funcionário da embargada e diretor da primeira testemunha, resultando para nós, da conjugação desses meios de prova entre si e ainda com os documentos nºs 1, ( documento que incorpora o contrato celebrado entre a exequente e a sociedade executada e que está subscrito pelo embargante , pessoa singular na qualidade de legal representante da sociedade executada), nº2 ( Declaração subscrita pelo embargante -pessoa singular pela qual, afirma ter recebido a quantia de € 8.500,00 por força do contrato celebrado entre sociedade executada e exequente), nº3 (declaração subscrita pelos executados-pessoas singulares na qual declaram que, após análise da minuta do contrato que lhes foi fornecida pela exequente -embargada autorizam que o cotrato seja redigido nos mesmos termos, concordando com todas as cláusulas insertas, …), cópia da letra em branco.
Reapreciados todos os meios de prova convocados, da conjugação desses meios de prova, relativamente ao fato vertido em Z), convencemo-nos que o embargante leu o contrato antes de o assinar, que foram-lhe comunicadas e explicadas as cláusulas contratuais desse contrato, assinalando-se que o embargante não deixou de repetir que “estavam a assumir um compromisso, que lhe estavam a fornecer 8.500€, o qual, era um valor para devolver se não cumprisse o contrato, que as máquinas eram levantadas ….”. Resultando das declarações do recorrente-pessoa singular que este teve oportunidade de ler e de colocar as questões e dúvidas que bem entendesse, formando nós a convicção que o embargante entendeu o alcance da sua vinculação, mas pretende neste momento esquivar-se ao cumprimento do mesmo.
De resto, não pode o Recorrente alegar que leu o contrato, mas que somente o interpretou da forma que melhor lhe convém.
As passagens das declarações transcritas quer nas alegações recursórias, quer nas contra-alegações, não deixam margens para dúvidas quanto à confissão pelo Recorrente da dívida quanto à devolução da contrapartida concedida pela aqui recorrida nos termos da cláusula quarta do contrato de fornecimento de café.
Porém, ainda que tal não se entendesse, cumpre relembrar os Recorrentes do teor da ata da sessão de audiência de julgamento de dia 24-11-2021, a qual não foi objeto de qualquer reclamação.
“Declarações de parte dos embargantes
AA, 54 anos, divorciado, oficial de carnes, com domicílio na Travessa ..., ..., ..., ... Maia.
Foi advertido nos termos dos art. 466º, n.º2 e 459º, n.º1 do CPC.
Prestou juramento nos termos do art. 459º, n.º2 do Código de Processo Civil. Foi informado de que as suas declarações seriam gravadas.
Prestou declarações à matéria dos temas de prova.~
O juramento e depoimento encontram-se gravados digitalmente no sistema informático “H@bilus Media Studio”.
No seguimento, pela Mm. Juiz foi ordenada a seguinte Assentada
Consigna-se que pelo declarante foi dito que antes da assinatura do contrato em causa nos autos, foi-lhe dada a oportunidade de o ler, tendo efetivamente procedido a tal leitura. Na ocasião, foram-lhe explicadas quais as quantidades de café que a sociedade estava obrigada a adquirir, o prazo do contrato, e que se este não fosse cumprido teriam de ser restituídos os 8500€ entregues pela exequente. Sabia ainda que estava a intervir no contrato como fiador.
Foi-lhe ainda dito que a letra de câmbio entregue em branco se destinava a garantir aquela eventual restituição do valor de 8500€.”
Ora, resulta do artigo 355.º do Código Civil que:1. A confissão pode ser judicial ou extrajudicial.2. Confissão judicial é a feita em juízo, competente ou não, mesmo quando arbitral, e ainda que o processo seja de jurisdição voluntária.3. A confissão feita num processo só vale como judicial nesse processo; a realizada em qualquer procedimento preliminar ou incidental só vale como confissão judicial na acção correspondente.4. Confissão extrajudicial é a feita por algum modo diferente da confissão judicial.
Mais resulta do artigo 358.ºdo Código Civil, no seu número 1 que A confissão judicial escrita tem força probatória plena contra o confitente.
Pelo que, não tendo sido apresentada qualquer reclamação da Assentada do depoimento do embargante, nos termos do artigo 463.º do Código de Processo Civil e encontrando-se esta reduzida a escrito, faz prova pela contra o confitente, ou seja, contra o recorrente AA, estando precludido o direito dos Recorrentes de reclamarem contra a Assentada, não merece provimento a impugnação dos embargantes relativamente à al. Z) dos factos provados.
Sem prescindir, igualmente resulta do depoimento da testemunha CC, funcionário da embragada-Recorrida e responsável pela negociação do contrato dos autos que este explicou ao senhor AA as cláusulas, porque quem tratou de toda a negociação foi o senhor AA em termos práticos. Concretizou as explicações que foram dadas. (… Lembro-me que expliquei as partes do contrato, o que é que aquilo implicava em termos de tudo, de investimento, de quando é que as coisas seriam colocadas, quando é que a transferência seria feita. Pronto, isso foi tudo explicado ao senhor AA).
Esta testemunha revelou-se bastante segura quanto à indicação de que todas as questões contratuais foram devidamente esclarecidas e que o embargante AA não colocou qualquer questão.
Quanto ao pagamento dos materiais publicitários, resulta para nós das declarações do Recorrente AA que este sabia que havia este montante a pagar, uma vez que os materiais publicitários foram feitos e colocados propositadamente à medida do estabelecimento da sociedade, não podendo ser “reaproveitados”, tal como decorre do depoimento da testemunha CC.
Assim, não nos convence a argumentação dos recorrentes, ficando nós convencidos que o embargante-pessoa singular leu o contrato e que tem consciência do que lá consta, pelo que dúvidas não podem existir quanto ao conhecimento e consciência do alcance das cláusulas contratuais assumidas e consequentemente das respetivas obrigações e indemnizações.
Nos termos da alínea c) do ponto 4 da cláusula Sexta do contrato, tal como, mais uma vez bem decidiu o Tribunal a quo, era devida, em caso de incumprimento contratual, a devolução do montante de €1.669,67 (mil seiscentos e sessenta e nove euros e sessenta e sete cêntimos), valor este pago pela ora Recorrida pelos materiais publicitários colocados no estabelecimento comercial da sociedade recorrente.
Ora do supra exposto, alicerçado na assentada assim como no depoimento da testemunha CC, dúvidas não restam quanto à obrigatoriedade de pagamento do material publicitário especialmente colocado no estabelecimento comercial.
Assim, da reapreciação desses meios de prova não resulta para nós uma convicção distinta daquela que foi formada pelo tribunal a quo sobre o facto provado vertido na al. z)
Pelo que, não merece provimento a impugnação de facto nesta parte.
.Quanto ao ponto 1 dos factos não provados
Entendem também os Recorrentes que pelo Tribunal a quo, em face da prova produzida, deveria ter sido considerado como provado que o contrato foi celebrado em fevereiro de 2020.
Convocam os meios de prova já referidos e por nós reapreciados.
Desde já adiantamos que a alegação dos embargantes nesta parte não está suportada pelas declarações do embargante, pessoa singular, nem pela prova testemunhal produzida.
E o Contrato n.º ... junto como documento n.º 1 da Contestação encontra-se datado de 19/03/2020, o que só por si é quanto baste para se provar em que data foi o mesmo celebrado, uma vez que os embargantes-pessoas singulares não impugnaram as assinaturas apostas nesse contrato, nem alegaram nos embargos qualquer motivo que tenha levado exequente e a executada -sociedade a celebrar um contrato em fevereiro de 2020 mas fazendo dele constar uma data específica posterior.
E a testemunha CC confirmou que as negociações começaram em fevereiro de 2020 e que o contrato foi assinado em Março de 2020.
Essa realidade, a celebração efetiva do contrato em Março de 2020 foi também confirmada pela testemunha DD, que afirmou que nessa ocasião já se falava do COVID.
De resto, não é verosímil que o primeiro contacto entre Recorrentes e Recorrida tenha ocorrido em fevereiro e que nesse mesmo mês o contrato já estivesse celebrado e em execução.
Mais: Nas suas declarações, o embargante-pessoa singular após ser instado pelo advogada da embargada, referiu que “Eu não posso confirmar as datas certas, foi em fevereiro que começamos a falar.”
E resulta do julgamento que o embargante confirmou que a máquina colocada no estabelecimento comercial da recorrente só foi enviada de Itália para Portugal em 24/02/2020.
Por último, resulta da documentação junta com a petição inicial de embargos que a declaração que confirma o recebimento da minuta tem a data de 12.03.2020 e que o contrato tem a data de 19.03.2020 e repetindo-nos os embargantes nem sequer alegam factualidade para justificar a alegada falsidade das datas apostas nos documentos que foram assinados pelos embargantes -pessoas singulares.
Assim sendo, tendo em consideração os documentos juntos com a petição, as declarações do embargante e o depoimento da testemunha CC, que, a nosso ver, se revelou sincero e coerente e, nessa medida, merecedor de credibilidade o contrato, convencemo-nos que o contrato junto como documento nº1 da petição foi efetivamente celebrado em Março de 2020, em concreto, no dia 19 de Março de 2020.
Destarte, também nesta parte, não merece provimento a impugnação da decisão de fato, improcedendo nesta parte a pretensão dos recorrentes.
3.3 DO MÉRITO DA SENTENÇA.
3.3.1.A presente oposição tem por fim obstar à prossecução da acção executiva intentada pela exequente, que ali apresentou uma letra de câmbio, por si sacada, aceite pela embargante sociedade e avalizada pelos restantes embargantes (aval prestado a favor da aceitante), letra essa que não obteve pagamento. Trata-se, assim, de um título extrajudicial, ao qual é conferida exequibilidade por virtude do art. 703º nº1 c) do C.P.C..
Segundo o disposto no art. 731º, do mesmo diploma, “não se baseando a execução em sentença (…), além dos fundamentos de oposição especificados no artigo 729.º, na parte em que sejam aplicáveis, podem ser alegados quaisquer outros que possam ser invocados como defesa no processo de declaração”.
E no caso da letra de câmbio dos autos, constando como sacadora, a exequente, e, como aceitante e avalistas desta, os embargantes, incorpora aquela letra, enquanto título de crédito, um direito da exequente a receber a quantia aí inscrita (cfr. arts. 28º, 32º, 43º e 48º da LULL), pelo que, para obstar à sua exequibilidade, os executados teriam de alegar e provar factos impeditivos, modificativos ou extintivos da sua responsabilidade pelo pagamento do respectivo montante (cfr. art. 342º nº2 do Código Civil).
A letra é um título de crédito à ordem, sujeita às formalidades enunciadas no art. 1º da LULL, mediante o qual, uma pessoa (o sacador) ordena a outra (sacado), que lhe pague a si ou a terceiro (tomador) determinada importância .
E porque releva, importa assinalar que sendo a letra um título necessariamente à ordem, tal significa que ainda que aquela não envolva expressamente a cláusula à ordem, a mesma é transmissível por via de endosso (art. 11º da LULL), podendo livremente circular.
A circulação da letra, enquanto título de crédito é uma característica inerente a todos os títulos cambiários e justifica que aquela, assim como todos os títulos de crédito, beneficiem de um regime jurídico especial, próprio e específico, destinado a defender os interesses de terceiros de boa-fé, imposta pelas necessidades de facilitar a circulação desses títulos.
E, como assinalado na doutrina e na jurisprudência,[1] esse regime encontra-se explanado, quanto às letras e livranças, na LULL, e dele decorrem os seguintes princípios:
“a) incorporação da obrigação no título (a obrigação cambiária e o título constituem uma unidade, de modo que sem título não existe direito ou obrigação cambiária, sequer estes podem, respetivamente, ser exercitados ou reclamados contra os obrigados cambiários);
b) literalidade da obrigação (a reconstituição da obrigação cambiária faz-se pela simples inspeção do título, isto é, o direito cambiário tem unicamente a entidade concreta, a dimensão, as qualidades e a relação que o título descrevem);
c) abstração da obrigação (a obrigação cambiária é independente da causa debendi, pelo que o direito impregnado no título não é uma parte da relação fundamental, mas uma realidade nova, um quid distinto e, por isso, a relação cambiária não tem comunicação com a relação fundamental, não podendo ser afastada ou afetada por qualquer defeito desta);
d) independência recíproca das várias obrigações incorporadas no título (a nulidade de uma das obrigações que o título incorpora não se transmite às demais) e
e) autonomia, enquanto afirmação de que o direito do portador do título é independente do de um titular antecedente e não pode ser prejudicado por qualquer defeito que na relação anterior se teria alojado.”
Por sua vez, o aval é a garantia típica dos títulos de crédito, tratando-se do negócio cambiário, unilateral e abstrato que tem por conteúdo uma promessa de pagar a letra ou a livrança e por função a garantia desse pagamento.
O aval pode ser prestado por um terceiro ou por um signatário da letra (art. 30º/2 da LULL) e tem de ser prestado a favor de um dos obrigados cambiários, sem prejuízo de não constar do aval a designação daquele por quem é dado, se considerar prestado a favor do sacador da letra (art. 31º/4 da LULL).
O aval é escrito na letra ou numa folha anexa e exprime-se pelas palavras “bom por aval” ou qualquer outra fórmula equivalente, mas a simples assinatura na face anterior da letra, que não seja a assinatura do sacado ou do sacador, vale como aval (art. 31º da LULL).
O dador do aval, nos termos do art. 32º da LULL, é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada, o que significa que a responsabilidade do avalista se determina pela do avalizado, sendo a sua responsabilidade não subsidiária, mas sim solidária e cumulativa [2], ou, no dizer de Antunes Varela, “… perante o credor, a obrigação do avalista é mais uma obrigação paralela da que recai sobre o avalizado do que uma obrigação subsidiária como acontece na fiança”[3]. Assim, ao contrário do que acontece, em regra, com o fiador, o avalista não goza do benefício da excussão prévia.
Como decorre do art. 32º, da L.U.L.L, o aval constitui uma obrigação autónoma, que não está dependente da validade da obrigação garantida, nem da existência da obrigação do avalizado, apresentando-se, por isso, despida das características de subsidiariedade e acessoriedade típicas da fiança (cfr. arts. 627º e 634º, ambos do C. Civil).
E porque assim é, tal como adverte Oliveira Ascensão[4], não se pode presumir que na base do aval está um negócio extracambiário de fiança, pelo que, mesmo nos casos em que a prestação do aval, tem como relação subjacente uma fiança relativamente à obrigação que advinha para o avalizado, ou seja, a vontade dos avalistas de se obrigarem como fiadores, se a obrigação cambiária do avalista prescrever, torna-se necessário alegar e demonstrar que o avalista pretendia obrigar-se como fiador pelo pagamento da obrigação principal.
A posição do avalista, como a de qualquer interveniente na letra, é também autónoma em relação à obrigação do avalizado, posto que o aval subsiste mesmo que o ato do avalizado seja nulo por qualquer razão que não seja um vício de forma (art. 32º/2 da LULL), pelo que com a prestação do aval, o avalista passa a ser um devedor cambiário, sujeito de uma obrigação cambiária, embora dependente, no plano formal, da do avalizado (art. 47º da LULL), a sua obrigação cambiária é materialmente autónoma em relação à do avalizado, de modo que a sua obrigação se mantem mesmo no caso da obrigação garantida ser nula por qualquer razão que não seja um vício de forma.
Essa autonomia do aval traduz-se assim, num regime segundo o qual o avalista é responsável pelo pagamento de uma obrigação cambiária própria, como avalista, que se define pela do avalizado, mas que vive e subsiste independentemente desta.
O avalista é responsável mesmo que a assinatura do avalizado seja falsa ou de uma pessoa fictícia (art. 7º da LULL), porque o avalista garante, não só que o avalizado pagará, mas também a sua genuidade”.[5] Ele responde, mesmo que o avalizado não deva responder. A garantia dada pelo avalista pode funcionar separadamente da obrigação do avalizado, o que significa que “o avalista não está só em posição paralela à do avalizado; está numa posição de todo autónoma em relação a este”.[6]
Os sacadores, aceitantes, endossantes ou avalistas de uma letra são todos solidariamente responsáveis para com o portador (art. 47º/1 e 77º da LULL), tendo este o direito de acionar todas essas pessoas, individual ou coletivamente, sem estar adstrito a observar a ordem por que elas se obrigaram, o mesmo direito possuindo qualquer dos signatários de uma letra quando a tenham pago, sendo que a ação intentada contra um dos co-obrigados não impede de acionar os outros, mesmo os posteriores àquele que foi acionado em primeiro lugar (art. 47º/4 da LULL).
O avalista responsabiliza-se pelo pagamento da letra e no caso de a pagar pode exigir dos seus garantes a soma integral do que pagou, os juros, desde a data em que a pagou e as despesas que tiver feito (arts. 49º da LULL).
A obrigação assumida pelo avalista é, assim, e conforme põe em destaque Abel Delgado, uma “responsabilidade primária”, na medida em que aquele assume uma posição de responsabilidade direta, imediata e pessoal, para com o portador do título, respondendo pelo cumprimento da obrigação que avalizou com todo o seu património, sem que possa opor ao portador do título o benefício da excussão prévia e sem que lhe possa opor qualquer vício fundado nas relações pessoais entre este e o avalizado, na medida em que a sua obrigação é autónoma em relação à obrigação do avalizado, mantendo-se a obrigação cambiária que assumiu mesmo que a obrigação que garantiu seja nula por qualquer razão que não seja um vício de forma [7].
Tal significa que contrariamente ao que acontece na fiança, em que o fiador pode opor ao credor, além dos meios de defesa que lhe são próprios, aqueles que competem ao devedor afiançado, salvo se forem incompatíveis com a obrigação do fiador (art. 637º do CC), o avalista não pode opor ao portador do título cambiário os meios de defesa que competem ao avalizado, exceção feita ao pagamento.
O avalista não pode, assim, opor ao portador do título as exceções que o avalizado poderia opor ao primeiro e que se fundem na relação jurídica subjacente ou causal que justifica a emissão do título e ao qual o avalizado pode recorrer quando esteja em relação ao portador do título nas denominadas relações imediatas.
A obrigação do avalista não é afetada pela nulidade da obrigação assumida pelo avalizado no título de crédito, a menos que essa nulidade resulte de um vício de forma, pelo que o avalista apenas se poderá subtrair à obrigação de pagamento se o título de crédito não obedecer às condições legais sob o ponto de vista formal
Como consequência, embora o aval apresente características que são próximas da fiança, aquele não se reconduz à figura da fiança, dado que apresenta aspetos jurídicos próprios e específicos que o afastam dessa figura.
Note-se, porém, que os princípios da incorporação, literalidade, abstração, independência e autonomia que informam os títulos de crédito, salvo se o portador do título ao adquiri-lo tenha procedido conscientemente em detrimento do devedor (art. 17º da LULL), devem valer irrestritamente nas denominadas relações mediatas, isto é, “nas estabelecidas entre o portador do título e os sujeitos cambiários, em que o portador é estranho às convenções extracartulares”[8], uma vez que nelas o título entrou necessariamente em circulação, tanto assim que está em poder de um terceiro estranho à relação fundamental ou causal que preside e justifica a emissão do título e as restantes operações cambiárias a que foi submetido, por forma a preservar-se e a fomentar-se a livre circulação dos títulos de crédito e a inerente necessidade de se proteger os portadores daquele que se encontrem de boa fé, pelo que, nessas relações mediatas, tudo se deve passar como se a obrigação cambiária fosse uma obrigação sem causa, já nas denominadas relações imediatas, não existe qualquer razão para que esses princípios se mantenham vigentes.
Na verdade, nas relações imediatas, isto é, naquelas em que o título de crédito está em poder “de um subscritor e o sujeito cambiário imediato (relações sacador – sacado, sacador – tomador, tomador – primeiro endossado, etc.)” e, em que, por isso, “os sujeitos cambiários são concomitantemente das convenções extracartulares” [9], não existe qualquer justificação para que os enunciados princípios, próprios e específicos dos títulos de crédito se mantenham em vigor, posto que nelas, ou o título não entrou em circulação, ou tendo-o entrado, o mesmo acabou por reverter à posse de um sujeito cambiário, sendo o portador do título e o obrigado cambiário a quem o primeiro exige o pagamento da obrigação cambiária concomitantemente os sujeitos das relações extracartulares.
Nas relações imediatas, a boa fé, enquanto princípio nuclear da ordem jurídica, reclama antes que os enunciados princípios típicos dos títulos de crédito sejam neutralizados e que, consequentemente, os sujeitos dessas relações possam opor entre eles as exceções pessoais que disponham e que se fundam nas convenções extracartulares entre eles estabelecidas.
Deste modo, nas relações imediatas, o obrigado cambiário pode opor ao portador do título que dele reclame o pagamento da obrigação cambiária incorporada no título, sem qualquer restrição, qualquer exceção pessoal fundada nas relações extracartulares entre eles estabelecidas, designadamente, as que emirjam da relação jurídica fundamental que justifica a emissão do título ou as operações cambiárias entre eles realizadas ou, tratando-se de título sacado em branco, as exceções fundadas na violação desse pacto de preenchimento. É que nas relações imediatas, o portador do título não é um terceiro em relação a essas relações extracartulares, pelo que, quanto a ele, não é necessário fazer valer as enunciadas características da literalidade, abstração, independência e autonomia próprias dos títulos de crédito, mas antes o portador do título e o sujeito cambiário a quem aquele exige o pagamento da obrigação cambiária são concomitantemente sujeitos das relações extracambiárias, pelo que a boa fé reclama que se neutralize os enunciados princípios e o título de crédito passe a ver considerado como título causal.
Assente nestas premissas, revertendo ao caso em análise, a apelante-exequente e os apelantes, sociedade executada e executados-pessoas singulares, figuram na letra dada à execução como sacadora, sacada - aceitante e avalistas da aceitante dessa letra, respectivamente, tendo sido nessa qualidade que os executados foram demandadas pela apelada, portadora dessa letra, que nela figura como sacadora, no âmbito da presente execução para pagamento de quantia certa (al .G) dos fatos provados)
Essa letra foi emitida como garantia associada ao acordo escrito que se encontra junto aos autos com a contestação e referido na al. G) dos factos provados.
Esse contrato foi celebrado entre a apelante-exequente -sociedade , aqui também apelante e apelada, que nele figura como “primeiro outorgante”, a sociedade aceitante da letra, “C..., Lda, que nele outorgou como “segunda outorgante” e os aqui aqui apelantes-pessoas singulares executados, que nele outorgaram, o executado, enquanto legal representante da sociedade-sacada-aceitante e como fiador e a co-executada, como fiadora, tratando-se, por isso, do contrato subjacente à emissão da letra dada à execução e que justifica a respetiva emissão.
Por sua vez, tendo essa letra sido sacada em branco, o preenchimento da mesma pela apelada teve subjacente a autorização de preenchimento da letra a que se refere a cláusula nona do contrato.
Na letra, cuja cópia foi junta aos autos, os apelantes-pessoas singulares apuseram a sua assinatura sobre os dizeres “Dou o meu aval à firma aceitante”, as assinaturas dos avalistas.
Decorre do que se vem dizendo que os apelantes, sociedade-executada e executados -pessoas singulares, intervieram na celebração do contrato de fls.9 a 11 que justifica a emissão da letra dada à execução e, bem assim, no pacto de preenchimento com base no qual a sociedade exequente-embargada preencheu a letra dada à execução e que lhe serve de título executivo.
Destarte, a embargada, portadora e sacadora dessa letra, e os apelantes, aceitante e avalistas-fiadores da aceitante dessa letra, encontram-se entre si no domínio das relações imediatas.
No domínio dessas relações imediatas, os apelantes, apesar de serem avalistas da aceitante da letra dada à execução, podem opor-lhe todas as exceções fundadas no contrato que justificou a emissão da letra, bem como as fundadas no pacto de preenchimento e respetiva violação, com base no qual a apelada preencheu essa letra emitida em branco.
Deste modo, assistia aos apelantes, sociedade executada e executado pessoa singular que agiu como legal representante daquela, o direito de opor essas exceções à apelada, com base no contrato que justificou a emissão da letra.
Acresce que as partes aceitam que “subjacente à letra de câmbio exequenda, está a celebração de um contrato, entre a exequente e a executada sociedade, mediante o qual aquela se obrigou a fornecer e esta se obrigou a comprar exclusivamente à exequente a quantidade mínima mensal de 30 quilos de café, durante 60 meses. Por outro lado, como contrapartida da exclusividade, a exequente entregou à executada sociedade a quantia de € 8.500,00 e ainda, a título de fiel depositária, equipamentos e material publicitário.”
Se compulsarmos os factos provados, constatamos que, subjacente à letra de câmbio exequenda, está a celebração de um contrato, entre a exequente e a executada sociedade, mediante o qual aquela se obrigou a fornecer e esta se obrigou a comprar exclusivamente à exequente a quantidade mínima mensal de 30 quilos de café, durante 60 meses. Por outro lado, como contrapartida da exclusividade, a exequente entregou à executada sociedade a quantia de € 8.500,00 e ainda, a título de fiel depositária, equipamentos e material publicitário.
Este contrato é, pois, um contrato de compra e venda com elementos acessórios (entrega à embargante-sociedade de determinada quantia, como contrapartida das obrigações assumidas perante a exequente) através do qual a embargada fornecia à embargante-sociedade o café, que esta se obrigou a adquirir-lhe, em exclusivo, durante a vigência do contrato, nas condições constantes do mesmo contrato.
E como emerge do programa negocial nele estabelecido, este contrato envolve segmentos próprios do contrato-promessa, mas também da prestação de serviços, do contrato de fornecimento, do comodato e da compra e venda de café, em exclusividade em relação ao réu comprador[10].
No caso "sub judice" estamos em presença de um contrato atípico, com o natural contributo de tipos já conhecidos e consagrados na lei, e não de um contrato típico de compra e venda.
Anote-se a este propósito que não basta para se estar em presença de um contrato de compra e venda a existência de uma obrigação de prestar uma quantia em dinheiro cruzadamente à transmissão da propriedade de uma coisa, pois, como sucede neste caso, há situações mais complexas e duradouras a imporem uma qualificação ou tratamento jurídico diverso.
Os contratos devem ser pontualmente cumpridos- art. 406º, nº1, do Código Civil.
3.3.2.Feitas estas considerações, no caso importa agora atentar nas questões que constituem objecto dos dois recursos interpostos, sendo que, são as conclusões que delimitam o objecto de apreciação e decisão por parte do tribunal da Relação.
A.Do Recurso dos embargantes.
1.Das conclusões recursórias 11ª, 12ª e 13ª que aqui se reproduzem:
“11.A embargada não cumpriu com os deveres de comunicação e de informação das ditas cláusulas, nos termos dos artigos 5.º e 6.º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, pelo que, nos termos da alínea c) do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, as cláusulas que não tenham sido objeto de comunicação e devida explicação devem ser excluídas dos contratos celebrados.
12.Desta forma, em relação aos embargantes, deve considerar-se que apenas foram cumpridas pela embargada as obrigações de comunicação e informação relativa à quantidade de café a adquirir, qual o prazo do contrato, bem como, as questões relativas ao preenchimento da letra de câmbio, e fiador, devendo as demais serem consideradas nulas e excluídas do contrato.
13.Não obstante, nenhuma cláusula foi lida ou explicada à embargante BB, pelo que, deve o teor das cláusulas do referido contrato ser considerado nulo, no que respeita à embargante BB, com as demais consequências legais, uma vez que o teor das cláusulas inseridas no contrato não foi lido ou explicado a esta embargante.
Retira-se das conclusões do recurso, que a pretensão dos Recorrentes-embargantes encontrava-se parcialmente procedente do provimento da impugnação da matéria de facto por eles apresentada, o que, não veio a verificar-se.
Assim, não tendo sido alterada a redação da al. Z) dos factos provados, porque não ficou provado que a embargada não cumpriu com os deveres de comunicação e de informação das ditas cláusulas, nos termos dos artigos 5.º e 6.º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, não tem sustentação fáctica a pretensão genérica da petição inicial no sentido de serem excluídas as cláusulas do contrato em apreço.
E porque com referência à factualidade apurada não está posta em causa pelos Recorrentes a apreciação jurídica da causa feita na sentença proferida, mas antes e apenas a decisão de facto, a qual foi mantida por este tribunal da Relação não há assim motivo para a alteração da sentença proferida.
Assim, no caso em apreço, efectivamente, alegaram os embargantes que o preenchimento abusivo da letra de câmbio decorre da nulidade das cláusulas do contrato subjacente, por falta de negociação, comunicação e explicação das mesmas.
Essa alegação não ficou provada.
Em consequência carecem de suporte fáctico as conclusões recursórias 11ª, 12ª e 13ª.
Nos termos dos arts. 5º, 6º nº1 e 8ºa) e b) do DL 446/85 de 25-10, o contraente que recorra a cláusulas contratuais gerais deve comunicá-las à outra parte, bem como deve informá-la, de acordo com as circunstâncias, dos aspectos nelas compreendidos cuja aclaração se justifique, sendo certo que, caso o dever de comunicação ou o dever de informação seja violado de molde a que não seja de esperar o conhecimento efectivo das cláusulas, estas se consideram excluídas do contrato.
De acordo com o art. 1º, daquele diploma, este aplica-se às cláusulas inseridas em contratos individuais, mas cujo conteúdo previamente elaborado o destinatário não pôde influenciar, cabendo à parte que pretenda prevalecer-se do seu conteúdo o ónus da prova de que uma cláusula contratual resultou de negociação prévia entre as partes.
No caso dos autos, apenas se provou que houve negociação prévia quanto à quantidade de café a adquirir, o prazo do contrato, o montante da contrapartida a entregar pela exequente, os equipamentos e materiais publicitários a disponibilizar pela exequente e a necessidade da existência de garantias.
Todas as restantes cláusulas foram redigidas pela exequente e apresentadas, para assinatura, aos embargantes.
A estas cláusulas, cujo conteúdo os embargantes não puderam influenciar é, pois, aplicável o regime das cláusulas contratuais gerais, supra referido.
Ora, relativamente à embargante sociedade e ao embargante AA, provou-se que este (que interveio no contrato por si e em representação da sociedade) teve oportunidade de ler (e leu) o contrato antes de o assinar, tendo-lhe ainda o funcionário da exequente explicado os aspectos essenciais do documento (quantidade de café a adquirir, prazo do contrato, consequências do incumprimento do mesmo relativamente ao pagamento de indemnizações e preenchimento da letra de câmbio, e intervenção como fiador).
De resto, mesmo quanto à embargante BB, há que dizer que esta assinou os documentos em causa sem sequer os ler, sendo certo que não alega que não lhe tenha sido dada oportunidade de o fazer, nem que tenha pretendido solicitar quaisquer explicações que não lhe tenham sido dadas.
Ora, como se refere a sentença recorrida, convocando o Ac. STJ de 3/10/2017 (proc. 569/13, disponível em http://www.dgsi.pt), “a proteção concedida à parte mais fraca [ou seja, ao aderente] não abrange as situações em que a falta de conhecimento das cláusulas apenas decorre de um comportamento negligente ou pouco diligente dessa parte que, apesar de ter sido colocada em posição de conhecer essas cláusulas, não teve preocupação em assegurar-se do seu teor (cfr. ainda, no mesmo sentido e local, o Ac. STJ de 24/5/2017, proc. 07A1337)”.
Assim, tendo a embargante -pessoa singular tido acesso aos documentos (para os assinar), podia, nessa ocasião, tê-los lido e ter pedido os esclarecimentos que entendesse (caso não compreendesse alguma cláusula).
Assim, em relação àqueles embargantes, encontram-se cumpridos, pela exequente, os ónus de comunicação e informação a que aludem os referidos art. 5º e 6º do DL 446/85, pelo que não há que excluir nenhuma cláusula com fundamento na violação desses deveres.
Não pode, assim, operar a exclusão a que alude o art. 8º do DL 446/85, pelo que improcede também esta exceção.
De todo o modo, ainda que se excluísse – como pretendem os embargantes – a cláusula contratual relativa à renúncia, pelos fiadores, do benefício de excussão, é necessário atender a que os embargantes AA e BB não foram demandados na execução como fiadores, mas como avalistas, no âmbito de ação cambiária.
Ora, nos termos do art. 32º da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças, “o dador de aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ela afiançada”. “A sua obrigação mantém-se, mesmo no caso de a obrigação que ele garantiu ser nula por qualquer razão que não seja um vício de forma”. Significa isto que a obrigação do avalista é, em relação à do avalizado, uma obrigação formalmente dependente, mas substancialmente autónoma, sendo o avalista do subscritor um obrigado directo e não de regresso (cfr. Ac. RP de 15/2/2005, disponível na Internet, em http://www.dgsi.pt). É assim que o aval não se pode confundir com a fiança, sendo-lhe inaplicável o benefício da excussão prévia de que goza o fiador, nos termos dos art. 638º e 639º do Código Civil, já que a responsabilidade do avalista não é subsidiária da do avalizado, tratando-se antes de uma responsabilidade solidária (cfr. o Ac. RP de 22/10/1991, disponível no mesmo site, bem como os ensinamentos de Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial, vol. III, Coimbra, 1966, págs. 203 e ss.).
Assim, sendo os embargantes, enquanto avalistas, devedores principais (e não subsidiários), pode a exequente demandá-los directamente, sem necessidade de excutir previamente os bens da aceitante da letra de câmbio.
Pelo exposto, improcede também esta excepção.
2.Da alteração das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar.
Por último, alegam os embargantes -recorrentes o seguinte:
“16. Acresce que, face à supra indicada alteração da matéria de facto, impõe-se, necessariamente, considerar que as partes não celebraram o contrato em causa nos presentes autos considerando os condicionalismos advenientes da Pandemia de Covid-19.
17.Para além disso, resulta dos concretos pontos EE), FF) e GG) dos factos provados que Pandemia afetou o negócio e implicou limitações na circulação de pessoas, o que forçou ao encerramento do estabelecimento comercial da embargante e resulta do ponto HH) dos factos provados que, no decurso do mês de Outubro de 2020, os embargantes comunicaram ao comercial da embargada que iria encerrar o estabelecimento e cessar a sua atividade devido à conjuntura adveniente da Pandemia de Covid-19, pelo que, esta comunicação verificou-se em momento anterior à resolução do contrato pela embargada.
18.Como tal, os recorrentes não se conformam com o entendimento do Tribunal a quo de que, no momento em que os embargantes invocaram perante a embargada a alteração das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar, atenta a situação de pandemia que impediu a atividade económica, o contrato já havia sido validamente resolvido por esta, com fundamento em incumprimento da embargante sociedade.
19.Desta forma, deve-se considerar que existiram circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar que sofreram uma alteração anormal, tendo os embargantes, atento os necessários juízos de equidade, comunicado, nos termos legais e do contrato celebrado, a cessação do contrato por ser inviável a manutenção da sua atividade, o que comunicou verbalmente e, posteriormente, por escrito.
20.Tendo a cessação do contrato de compra e fornecimento de café ocorrido por ser inviável a manutenção da atividade da empresa C... UNIPESSOAL, LDA., pelo que, nada mais poderia ser exigido aos embargantes.
21.Não obstante, de acordo com os juízos de equidade, entendem os embargantes que deve ser devolvido o valor despendido em publicidade pela embargada, por não ser recuperável.”
Apreciando e decidindo:
Resulta da petição inicial que os embargantes, entre o mais, alegaram que “ no mês de outubro de 2020, em consequência da conjuntura da Pandemia de Covid 19, a sociedade -embargante encerrou o estabelecimento comercial onde exercia a actividade de cafetaria, facto que comunicou à exequente e concluem que por efeito das primeira e segunda fases da Pandemia -Covid 19 as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar sofreram alteração anormal das circunstâncias e pretendem que se considere que o contrato celebrado entre a exequente e a sociedade -executada e no qual se baseia a letra em causa nos autos de execução cessou por motivos de inviabilidade de manutenção da empresa, não podendo, por isso, ser cobrada qualquer indemnização por incumprimento contratual e que a exequente já recebeu todos os equipamentos e materiais publicitários que entregou à executada -sociedade”.
Mais alegaram que apenas poderá ser devido à exequente, caso não se considere verificada a alteração das circunstâncias em que as partes fundaram a vontade decontratar, o valor correspondente à diferença entre o valor entregue pela exequente à sociedade executada e o valor de café consumido, o qual, ascenderá , como resulta da missiva remetida pela exequente a € 8.131,66.
Posto isto, relativamente a essa matéria ficou provado nos concretos pontos EE), FF) e GG) dos factos provados que Pandemia afetou o negócio e implicou limitações na circulação de pessoas, o que forçou ao encerramento do estabelecimento comercial da embargante e resulta do ponto HH) dos factos provados que, no decurso do mês de Outubro de 2020, os embargantes comunicaram ao comercial da embargada que iria encerrar o estabelecimento e cessar a sua atividade devido à conjuntura adveniente da Pandemia de Covid-19 , sendo que da al II) decorre que o estabelecimento comercial foi efectivamente encerrado em Outubro de 2020, na sequência do que todo o equipamento disponibilizado pela exequente, referido em I-a), lhe foi devolvido.
Assim, essa comunicação acompanhada da devolução do equipamento, consubstancia uma declaração de vontade que visa comunicar à outra parte a cessação do contrato.
Por seu lado, a exequente-embargada, em momento posterior, através de cartas de 6.11.2020 comunicou à sociedade -executada e aos embargantes-pessoas singulares a resolução do contrato com fundamento na verificação de incumprimento do contrato, conforme als JJ) a PP) dos factos provados.
Como tal, esta comunicação verificou-se em momento posterior àquela comunicação feita pela sociedade –executada.
Assim, pese embora tivessem alegado fundamentos distintos, a sociedade -embargante alegou a verificação de causa de impossibilidade/ excessiva onerosidade (pelo menos temporária) de manutenção das exigências do contrato, e a exequente alegou o incumprimento da sociedade-executada
Em consequência, ambos, exequente e sociedade executada, estão de acordo em considerar extinta a relação contratual que vinculava ambos decorrente da celebração do contrato de fornecimento exclusivo de café a que aludem as als G) a N) Q) a X) dos factos provados.
Acresce que, a insuficiência da matéria de facto alegada e provada não permite concluir que a situação retratada nos autos corresponda a um caso de alteração anormal superveniente das circunstâncias que serviram de base ou pressuposto da celebração do negócio jurídico.
Dispõe o artigo 437º do CC que “1. Se as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal, tem a parte lesada direito à resolução do contrato, ou à modificação dele segundo juízos de equidade, desde que a exigência das obrigações por ela assumidas afecte gravemente os princípios da boa fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato. 2. Requerida a resolução, a parte contrária pode opor-se ao pedido, declarando aceitar a modificação do contrato nos termos do número anterior.”
Conforme se refere no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 03/7/2007, processo 648/2007-1, “[p]ara que a alteração das circunstâncias pressupostas pelos contraentes conduza à resolução do contrato ou à modificação do respectivo conteúdo, exige o artigo 437 que se achem reunidos cumulativamente os seguintes requisitos: a) que a alteração considerada relevante diga respeito a circunstâncias em que se alicerçou a decisão de contratar, isto é, a circunstâncias que, ainda que não determinantes para ambas as partes, se apresentem como evidentes, segundo o fim típico do contrato, ou seja, que se encontrem na base do negócio, com consciência de ambos os contraentes ou razoável notoriedade - «como representação mental ou psicológica comum patente nas negociações (base subjectiva), ou condicionalismo objectivo apenas implícito, porque essencial ao sentido e aos resultados do contrato celebrado (base objectiva); b) que essas circunstâncias fundamentais hajam sofrido uma alteração anormal, isto é, imprevisível ou, ainda que previsível, afectando o equilíbrio do contrato; c) que a estabilidade do contrato envolva lesão para uma das partes, quer porque se tenha tornado demasiado onerosa, numa perspectiva económica, a prestação de uma das partes (conquanto não exija que a alteração das circunstâncias coloque a parte numa situação de ruína económica, a manter-se incólume o contrato) quer porque a alteração das circunstâncias envolva, para o lesado, grandes riscos pessoais ou excessivos sacrifícios de natureza não patrimonial; d) que a manutenção do contrato ou dos seus termos afecte gravemente os princípios da boa fé negocial; e) que a situação não se encontre abrangida pelos riscos próprio do contrato, isto é, que a alteração anómala das circunstâncias não esteja compreendida na álea própria do contrato, isto é nas suas flutuações normais ou finalidade ou nos riscos concretamente contemplados pelas partes no acordo contratual celebrado.”
Assim, no caso em apreço, sem a conjugação de outros factos (nem alegados nem provados), não é possível afirmar que relativamente ao contrato dos autos ocorreu uma alteração anormal e superveniente das circunstâncias que estiveram presentes no momento da celebração do contrato, bem como, ter como certa a afetação grave dos princípios da boa fé não cobertos pelos riscos próprios do contrato.
Como é entendimento pacifico na doutrina[11], o impacto da pandemia de Covid-19 nas relações negociais e as perturbações prestacionais daí decorrentes não se esgotam no instituto da alteração superveniente das circunstâncias, cabendo a sua resposta, com frequência, a outros institutos centrais do direito dos contratos.
Daí que a primeira questão a que o intérprete tem de dedicar a sua atenção, quando pondera a aplicação do instituto da alteração superveniente das circunstâncias ao caso em análise, dada a natureza tendencialmente subsidiária do mesmo, é a de saber se a situação em causa não caberá em algum dos inúmeros outros institutos que o nosso ordenamento jurídico consagra para responder a questões relacionadas com perturbações da execução das prestações contratuais, como sejam: a impossibilidade; a frustração do fim da prestação em obrigações finalizadas; a mora do credor; a interpretação do contrato, entre outros.
Assim, por exemplo, caberão na impossibilidade superveniente muitos dos casos em que a atividade em que se consubstanciava a prestação contratual foi proibida por lei em consequência da pandemia.
Ora no caso em apreciação, resulta que o contrato dos autos foi celebrado no mesmo dia em que Portugal entrou naquele que era o primeiro estado de emergência pós-25 de Abril, isto é, 19 de março de 2020 e após a Organização Mundial da Saúde ter declarado novo coronavírus uma pandemia.
Deste modo, no caso dos autos, não é possível tipificar uma alteração anormal e superveniente das circunstâncias que estiveram presentes no momento da celebração do contrato, bem como ter, como certa a afetação grave dos princípios da boa fé não cobertos pelos riscos próprios do contrato, não podendo, de modo algum, aplicar-se o disposto no art. 437.º do CC, nomeadamente, modificando o contrato celebrado.
Tendo isto em consideração, não há razões para dizer que, no caso em análise à data da celebração do contrato a situação era uma e em Outubro de 2020, passou a ser outra, isto é, ao contrário do pretendido pelos recorrentes-embargantes, concluímos que não se prova que entre a data da celebração do contrato e a data da comunicação do encerramento do estabelecimento com devolução dos equipamentos, se tenha verificado uma alteração de circunstâncias.
Assim, dúvidas não subsistem que à data de 19.03.2020, data em que as partes celebraram o referido contrato, o estado de emergência em matéria de saúde pública (pandemia) já havia sido decretado pela Organização Mundial de Saúde, sendo um facto público, notório e do conhecimento geral e, por essa razão, do conhecimento de ambas as partes e, desde então, não houve uma alteração anormal nessa circunstância.
É certo e é público e notório que houve lugar a restrições na circulação de pessoas e bens, decorrente desse estado de emergência, mas também não é menos certo que esse estado de emergência era uma realidade presente à data da celebração e execução do contrato e, por essa razão, não era imprevisível.
Em segundo lugar, à luz do que se deixa expresso, conferir-se o direito à resolução de todos a todos negócios jurídicos de cariz comercial celebrados nesse período (Fevereiro, Março e Abril de 2020), manifestamente ofende os mais elementares ditames da boa-fé, porquanto traduzir-se-ia em fazer repercutir os efeitos económicos danosos dessa circunstância, apenas numa das partes contraentes
Os contratos, segundo o art. 406/1 do CC, devem ser pontualmente cumprido, e só podem modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei.
Tendo os executados invocado um dos casos admitidos por lei, ou seja, o previsto no art. 437/1 do CC, tem de alegar e provar todos os factos constitutivos desse direito de resolução do contrato (art. 342/1 do CC).
Tendo alegado que tinha sido celebrado um contrato e factos que apontavam para a impossibilidade de cumprimento desse contrato devido à alteração das circunstâncias tinham, naturalmente, tinham que alegar e provar tudo isso, entre o mais, pois, a celebração do invocado contrato e os factos que apontavam para a impossibilidade de cumprimento do mesmo, como forma de provar a alteração de circunstâncias invocada, eram factos constitutivos da procedência da presente oposição.
Ora, a factualidade apurada vertida nas als DD) a II) é manifestamente insuficiente para se afirmar que relativamente ao contrato dos autos verificou-se uma alteração das circunstâncias para efeitos do art 437º do CCivil, pelo que a oposição tinha, naturalmente que improceder.
Por outro lado, resulta da al. DD) dos factos provados que a sociedade-executada -embargante não cumpriu o contrato celebrado com a exequente-embargada, irrelevando para o efeito dessa extinção averiguar a culpa dos contraentes, uma vez que a culpa não é pressuposto da resolução, sendo que, caso seja fundada em facto ilícito da outra parte à resolução operada podem ir associadas pretensões indemnizatórias, (art 798.ºCC), devendo ser reconstituída a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (562.º). O evento que obriga à reparação é o incumprimento.
“Assim, a culpa é dispensável. A resolução opera para proteger um vínculo sinalagmático ou para defender os valores subjacentes ao contrato considerado: de tal modo que a sua manutenção não vá agravar a situação do contratante fiel. Por isso, ela não exige a culpa do devedor inadimplente.
Desde logo, a não-exigência de culpa resulta do art. 793.º, que permite a resolução em face de impossibilidade parcial não-imputável ao devedor; a fortiori, ela opera perante a impossibilidade total, cabendo interpretar, nesse sentido, o 795.º/1. Outros preceitos depõem na mesma linha, tal como o art. 1050.º (resolução pelo locatário). Na resolução há um juízo de inadimplemento, porventura causado por forças estranhas e que justifica a não-continuação do contrato. Não se pretende imputar um dano nem, muito menos, censurar ou punir o inadimplente os recorrentes não se conformam com o entendimento do Tribunal a quo de que, no momento em que os embargantes invocaram perante a embargada a alteração das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar, atenta a situação de pandemia que impediu a atividade económica, o contrato já havia sido validamente resolvido por esta, com fundamento em incumprimento da embargante sociedade.”[12]
Desta forma, afigura-se-nos, tal como o fez a sentença recorrida, que não se deve considerar que no caso existiram circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar que sofreram uma alteração anormal.
Também não se provou que tenha existido qualquer acordo, entre exequente e embargantes, de cessação do contrato em causa nos autos, pelo que está excluída a invocada revogação do contrato.
Não é, também, caso de aplicação do disposto no art. 790º nº1 do Código Civil. Nos termos desta norma, a obrigação extingue-se quando a prestação se torna impossível por causa não imputável ao devedor.
A prestação torna-se impossível quando, por qualquer circunstância (legal, natural ou humana), o comportamento exigível do devedor, segundo o conteúdo da obrigação, se torna inviável. Se a inviabilidade respeita a todos, porque ninguém pode efectuar a prestação, a impossibilidade é objectiva. Se apenas o devedor a não pode executar, mas outros o podem fazer, a impossibilidade diz-se subjectiva.
Para que a obrigação se extinga é necessário, segundo a letra e o espírito da lei, que a prestação se tenha tornado verdadeiramente impossível, seja por força da lei, seja por força da natureza ou por acção do homem. Não basta que se tenha tornado extraordinariamente onerosa ou excessivamente difícil para o devedor, como pode suceder com frequência nos períodos de mais acentuada inflação monetária ou de súbita valorização de certos produtos. Causa de extinção da obrigação é a impossibilidade (física ou legal) da prestação (a que pleonasticamente se poderia chamar impossibilidade absoluta), já não a simples difficultas praestandi, a impossibilidade relativa. Assim, a doutrina do limite do sacrifício – segundo a qual o dever de prestar tem como limite o sacrifício razoavelmente exigível do devedor, à luz dos princípios da boa fé – não teve acolhimento no art. 790º nº1 do Código Civil.[13]
Ora, a circunstância de a falta de receitas da embargante sociedade tornar a prestação excessivamente difícil ou onerosa não significa que se esteja perante uma impossibilidade absoluta, sendo certo que só esta acarretaria a extinção da obrigação (art. 790º do CC).
Efectivamente, a impossibilidade a que se refere esta norma tem de ser objectiva e definitiva, uma impossibilidade absoluta que torna totalmente inviável a prestação, o que não é o caso da falta de meios pecuniários, pois estes podem vir a ser obtidos pelo devedor (cfr. Ac. STJ de 13-12-1977, BMJ 272, p. 193; Ac. RL de 11/11/2004, disponível na internet em http://www.dgsi.pt).
Por outro lado, resulta da matéria de facto vertida nas als DD) a GG) e II, que, em Outubro de 2020, a embargante sociedade encerrou o seu estabelecimento, sendo certo que, nesse momento, havia adquirido apenas 78 quilos de café [quando se havia obrigado, mediante o contrato em causa nos autos, a adquirir, durante os meses de Março a Outubro de 2020, 240 quilos.
De acordo com o art. 432º nº1 do Código Civil, é admitida a resolução do contrato fundada na lei ou em convenção.
No contrato subjacente à letra de câmbio exequenda ficou convencionado que se, durante a sua vigência, a executada sociedade encerrasse o seu estabelecimento, a exequente tinha o direito de resolver o contrato, com efeitos imediatos, mediante comunicação escrita, por correio registado, com aviso de recepção.
Deste modo, em conformidade com aquela cláusula do contrato e com o disposto no art. 432º nº1 do Código Civil, tendo a embargante sociedade encerrado o estabelecimento sem ter adquirido a quantidade de café estipulada, verifica-se ser fundada a resolução, operada pela exequente, mediante o envio da carta referida na alínea JJ) da matéria de facto.
Encontram-se, pois, preenchidos todos os requisitos contratuais e legais (arts. 432º nº1 e 436º nº1 do Código Civil) para que se considere validamente operada a resolução do contrato pela exequente, não merecendo , por isso, acolhimento a argumentação dos embargantes, nesta parte, sem prejuízo daquilo que adiante será decido a propósito da cláusula penal vertida na cláusula 6ª nº3 do contrato celebrado entre a exequente-embargada e a executada-sociedade embargante.
B.Do Recurso de apelação interposto pela embargada-exequente.
No essencial a exequente - embargada concluiu:
“1ª.A sentença proferida nos presentes autos não fez uma correta e adequada aplicação da lei, no que tange ao conhecimento do preenchimento abusivo da letra de câmbio, por violação do princípio da boa fé, nos termos dos artigos 15º e 12º do DL 446/85, declarando nula a estipulação da pena convencional prevista na cláusula 6ª nº 3 do contrato em causa nos autos.
2ª. 2ª.Entendeu o Tribunal a quo que a indemnização prevista no número 3 da cláusula sexta do contrato em crise nos autos é nula, nos termos do artigo do art. 15º do DL 446/85, tendo considerado, por um lado, que se provou que apenas houve negociação prévia quanto à quantidade de café a adquirir, o prazo do contrato, o montante da contrapartida a entregar pela exequente, os equipamentos e materiais publicitários a disponibilizar pela exequente e a necessidade da existência de garantias e, por outro, que os ora Recorridos não tinham conhecimento do preço do café no momento do incumprimento, sendo tal valor unilateralmente fixado pela ora recorrente “a seu bel-prazer”.
3ª.Para que se possa subsumir o n.º 3 da Cláusula Sexta do Contrato n.º ... ao regime dos artigos 12.º e 15º do Decreto-Lei n.º 446/855, de 25 de outubro necessariamente, terá de se considerar aquela clausula sexta do contrato como uma clausula contratual geral, o que não se concebe, nem concede.
5ª.Todas as questões contratuais foram devidamente explicadas e comunicadas aos Embargantes, tendo estes tido a oportunidade de ler e de colocar as questões e dúvidas que bem entendessem.
10ª.Os Embargantes conheciam, porque não podiam desconhecer, a quantidade de café por adquirir à data em que encerraram o estabelecimento comercial, assim como conheciam o montante da indemnização devida, fixado em €30.703,26 (trinta mil, setecentos e três euros e vinte e seis cêntimos), tal como também comunicado na comunicação de resolução do contrato, facto este também dado como provado pelo tribunal a quo.
21ª.A Tabela de Preços junta pela Recorrente com a contestação constitui um elemento essencial para determinação do quantum indemnizatório devido à Recorrente, nos termos contratualmente previstos, uma vez que esta permite aferir, sem margem para dúvida, do valor do quilo de café, à data de resolução do contrato, não tendo sequer sido impugnada.
22ª. A sentença em crise reconhece que foram negociados os aspetos verdadeiramente estruturantes do contrato de fornecimento de café, nomeadamente, quantidade de café a adquirir, prazo do contrato, montante da contrapartida a entregar pela exequente, equipamentos e materiais publicitários a disponibilizar pela exequente e a necessidade de existência de garantias, pelo que não poderia nunca considerar que a o montante da cláusula penal, i.e., o quantum indemnizatório não foi também discutido
23. Foi permitida a negociação do clausulado, logo o contrato dos autos não pode ser qualificado como contrato de adesão, para os fins do art. 1.º da LCCG.
Quid Iuris?
No essencial, a recorrente alega que o contrato que justificou a emissão da letra não é um contrato de adesão e que foram negociados os aspetos verdadeiramente estruturantes do contrato de fornecimento de café, nomeadamente, quantidade de café a adquirir, prazo do contrato, montante da contrapartida a entregar pela exequente, equipamentos e materiais publicitários a disponibilizar pela exequente e a necessidade de existência de garantias, pelo que não poderia nunca considerar que a o montante da cláusula penal, i.e., o quantum indemnizatório não foi também discutido.
E concluiu que não se poderia nunca considerar que o montante da cláusula penal, i.e., o quantum indemnizatório não foi também discutido.
Na abordagem das questões colocadas importa atentar no regime das cláusulas contratuais gerais, aprovado pelo DL n.º 446/85, de 25/10, cujo art. 1º estabelece:
“1- As cláusulas contratuais gerais elaboradas sem prévia negociação individual, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitam, respetivamente, a subscrever ou aceitar, regem-se por este diploma;
2- O presente diploma aplica-se igualmente às cláusulas inseridas em contratos individualizados, mas cujo conteúdo previamente elaborado o destinatário não pode influenciar;
3- O ónus da prova de que essa cláusula contratual resultou de negociação prévia entre as partes recai sobre quem pretende prevalecer-se do seu conteúdo”.
Resulta do exposto que para que seja aplicável o regime das cláusulas contratuais gerais é necessário que se alegue e prove que se está perante um contrato que foi pré-elaborado por uma das partes (o proponente), sem prévia negociação individual das respetivas cláusulas, destinado a uma massa indeterminada de destinatários (aderente) e que o último se limitou a aceitar, ou então, que apesar de se tratar de cláusulas inseridas em contratos individualizados, essas cláusulas foram pré-elaboradas pelo preponente e cujo conteúdo o aderente não pôde influenciar.
Nos termos dos arts. 5º, 6º nº1 e 8ºa) e b) do DL 446/85 de 25-10, o contraente que recorra a cláusulas contratuais gerais deve comunicá-las à outra parte, bem como deve informá-la, de acordo com as circunstâncias, dos aspectos nelas compreendidos cuja aclaração se justifique, sendo certo que, caso o dever de comunicação ou o dever de informação seja violado de molde a que não seja de esperar o conhecimento efectivo das cláusulas, estas se consideram excluídas do contrato.
De acordo com o art. 1º, daquele diploma, este aplica-se às cláusulas inseridas em contratos individuais, mas cujo conteúdo previamente elaborado o destinatário não pôde influenciar, cabendo à parte que pretenda prevalecer-se do seu conteúdo o ónus da prova de que uma cláusula contratual resultou de negociação prévia entre as partes.
Posto isto, no que importa para o caso em apreço, uma vez que ficou provado que houve negociação prévia quanto à quantidade de café a adquirir, o prazo do contrato, o montante da contrapartida a entregar pela exequente, os equipamentos e materiais publicitários a disponibilizar pela exequente e a necessidade da existência de garantias e que todas as restantes cláusulas foram redigidas pela exequente e apresentadas, para assinatura, aos embargantes, concluímos que o conteúdo do nº3 da Cláusula sexta do Contrato, a que alude a al. M) dos factos provados foi apresentado pela proponente-embargada à sociedade-embargante sem possibilidade de esta o influenciar- conforme al. V) dos factos provados - e, assim, a essa cláusula aplica-se o regime das no regime das cláusulas contratuais gerais, aprovado pelo DL n.º 446/85, de 25/10.
Assim, não se acolhe a argumentação vertidas nas conclusões recursórias da embargada acima referidas.
E sempre diremos.
Resulta da matéria relativamente ao contrato celebrado a 19.03.2020 que nas cláusulas 6ª, nº1, nº2, nº3 e nº4 foram estabelecidas as seguintes cláusulas:
“K) Na cláusula 6ª, nº1, daquele contrato, ficou previsto que o acordo poderia ser resolvido por qualquer dos contraentes, nos termos gerais de direito, sendo que, em caso de incumprimento, ou mora no cumprimento, de qualquer das obrigações decorrentes do contrato, a contraente cumpridora deveria dirigir uma comunicação escrita à contraente faltosa, por correio registado, com aviso de recepção, concedendo um prazo de 15 dias, a contar da recepção da comunicação escrita, para que a situação fosse remediada.
L) No nº2, da mesma cláusula 6ª, ficou previsto que o contrato poderia ainda ser resolvido pela exequente, nos casos ali mencionados, designadamente, no caso de encerramento do estabelecimento da embargante sociedade, devendo a resolução pela exequente ser feita mediante o envio de carta registada, com aviso de recepção.
M) Nos nº 3 e 4, da mesma cláusula 6ª, foi estipulado que o incumprimento do acordo pela embargante sociedade daria lugar ao pagamento, por parte desta, de uma indemnização correspondente a 2/3 do preço unitário do quilograma de café, por cada quilograma não adquirido, bem como à devolução da contrapartida de € 8.500,00, deduzida da parte proporcional à quantidade de café já adquirida, e ainda à devolução dos equipamentos emprestados pela exequente e do valor despendido nos materiais publicitários.

A cláusula 6ª nº3, configura, claramente, a estatuição de uma cláusula penal, que a lei prevê e admite, como decorrência do princípio da liberdade contratual e da regra “pacta sunt servanda”, com consagração legal nos artigos 405º e 406º do CC.
Trata-se de convenção através da qual as partes fixam o montante da indemnização que deve ser satisfeita em caso de eventual incumprimento ou mora, prefixando o valor do dano, libertando o credor da prova do concreto dano sofrido.
Depois de se estipular no art. 809º do CC que é nula a cláusula pela qual o credor renuncia antecipadamente a qualquer dos direitos que lhe são facultados pela lei em caso de não cumprimento ou mora do devedor, estabelece o art. 810º, nº 1 do CC que “As partes podem, porém, fixar por acordo o montante da indemnização exigível: é o que se chama cláusula penal”.
E o nº 2 do mesmo artigo prescreve que esta cláusula está sujeita às formalidades exigidas para a obrigação principal e é nula se for nula a obrigação.
E as partes estipularam que o incumprimento contratual dava lugar à resolução, sendo que no nº1 da cláusula 6ª do contrato ficou estipulada uma cláusula resolutiva expressa, especificando as situações que podiam originar a resolução do contrato por qualquer das partes (nomeadamente não cumprimento ou mora de quaisquer das obrigações decorrentes do contrato), o modo como a outra parte, no caso a embargada , devia exercer tal direito (mediante carta registada com aviso de receção dirigida para a morada da sociedade- embargante), e os efeitos de tal resolução (o consignado no nº3 e nº4 da cláusula 6ª, ou seja, o pagamento de uma indemnização que fixaram na quantia pecuniária correspondente a 2/3 do preço unitário dos quilogramas de café, por cada quilograma não adquirido,, bem como à devolução da contrapartida de € 8.500,00, deduzida da parte proporcional à quantidade de café já adquirida, e ainda à devolução dos equipamentos emprestados pela exequente e do valor despendido nos materiais publicitários.
E fizeram-no no âmbito da liberdade contratual (art. 405º do CC), não violando lei imperativa.
Calvão da Silva, in Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, 4ª Edição, p. 248 e 250, escreve que “Dada a sua simplicidade e comodidade, a cláusula penal é instrumento de fixação antecipada, em princípio ne varietur, da indemnização a prestar pelo devedor no caso de não cumprimento ou mora, e pode ser eficaz meio de pressão ao próprio cumprimento da obrigação. Queremos com isto dizer que, na prática, a cláusula penal desempenha dupla função: a função ressarcidora e a função coercitiva. No que concerne à primeira destas funções, a cláusula penal prevê antecipadamente um forfait que ressarcirá o dano resultante de eventual não cumprimento ou cumprimento inexato. Incidindo sobre o momento ressarcitório da dinâmica contratual, através dela as partes pré-avaliam o dano e liquidam-no de uma maneira “forfaitaire” (invariável) e preventiva”, explicando na pág. 249 que “Determinação forfaitaire e preventiva do dano devido, a cláusula penal simplifica a fase ressarcidora – ao prevenir e evitar as dificuldades de cálculo da indemnização e a intervenção do juiz, para esse efeito, dispensando ao credor a alegação e a prova do dano concreto – e é sempre exigível, desde que o inadimplemento ou cumprimento imperfeito da obrigação principal seja imputável ao devedor”.
No caso em apreço, demonstrado o fundamento invocado pela Exequente-embargada para a resolução do contrato e comunicada aos RR. de acordo com o estipulado contratualmente operou a resolução, desencadeando os efeitos consignados na cláusula 6ª, como foi, aliás, comunicado aos executados nas cartas de resolução do contrato.
Aqui chegados, importa, então, aquilatar se a cláusula penal em apreço, a que alude o nº3 da Cláusula Sexta, é nula, à luz do art. 19º, al. c) do DL. 446/85, de 25.10, como foi decidido pelo tribunal recorrido.
Como é sabido, na orgânica do regime legal das cláusulas contratuais gerais, a protecção dos aderentes alcança-se por meio de duas vias distintas, uma pela consagração de deveres de comunicação e de informação das cláusulas, cuja violação conduz à respectiva exclusão dos contratos singulares; a outra pela exigência de conformação do conteúdo das cláusulas contratuais gerais com a boa fé, concretizada através dos valores fundamentais do direito (art. 16º) ou do confronto com as proibições constantes dos arts. 18º e segs.
Dispõe o art. 19º do referido diploma legal que “são proibidas, consoante o quadro negocial padronizado, designadamente, as cláusulas contratuais gerais que: … c) Consagrem cláusulas penais desproporcionadas aos danos a ressarcir; …”.
Para se concluir que determinada cláusula é proibida no âmbito deste artigo, e concretamente da alínea em questão, deverá atentar-se ao quadro negocial padronizado, e não ao caso concreto.
Como se sumariou no Ac. do STJ de 10.9.2020, P. 127735/16.7YPRT.L1.S1 (Ferreira Lopes), em www.dgsi.pt, “… II – O art. 19º, alínea c) do DL nº 446/85 proíbe a cláusula penal desproporcionada aos danos a ressarcir, aferindo-se a desproporção não por um critério casuístico mas na sua compatibilidade e adequação ao ramo ou sector de atividade negocial a que pertencem; …”
Sem prejuízo, naturalmente, de serem ponderadas também todas as demais circunstâncias que acompanharam e condicionaram a feitura do contrato, nomeadamente, as especialmente atinentes ao destinatário das cláusulas, conforme no Ac. do STJ de 16.3.2017, P. 2042/13.7TVLSB.L1.S1 (Nunes Ribeiro), em www.dgsi.pt.[14]
Os interesses a contrapor não são os interesses particulares das partes concretamente atuantes, mas os interesses típicos do círculo de contraentes que habitualmente participam naquela espécie de negócio.
Acresce que, importa salientar , convocando Araújo Barros, em Cláusulas Contratuais Gerais, pág. 237 que: “…, a censura que subjaz à proibição de cláusulas desproporcionadas aos danos a ressarcir, pela própria natureza do que se deseja combater (o abuso por parte do predisponente) tem de ter por base uma previsão (a que se faz aquando da formulação da cláusula) e não eventuais danos que se venham a concretizar. Pelo que esse juízo de valor sobre a desproporção deverá ser reportado ao momento em que a cláusula é concebida (aos danos típica e previsivelmente a ressarcir, dentro do quadro negocial padronizado), sendo incorreto relacioná-lo com as vicissitudes que o contrato em que se integra sofreu, nomeadamente com os termos em que foi resolvido (…)”.
Segundo Sousa Ribeiro, em Responsabilidade e Garantia em Cláusulas Contratuais Gerais, pág. 48, no cômputo desses danos deverão seguir-se critérios objetivos, numa avaliação prospetiva guiada por cálculos de probabilidade e por valores médios e usuais, tendo em conta os fatores que, em casos do mesmo género, habitualmente relevam na produção e na medida dos prejuízos, entendendo que, nos contratos de fornecimento em massa de bens ou serviços, esses danos corresponderão, grosso modo, aos lucros cessantes, aos ganhos médios que o predisponente normalmente obtém com aquele tipo de transações, cifrados numa certa percentagem do preço do objeto da prestação (págs. 50 e 51), devendo, ainda, ser contabilizados os gastos que o predisponente poupou (pág. 55).
Assim, como se escreveu no Ac do Tribunal da Relação de Lisboa de Lisboa, 2021.06.22, relatado por Cristina Coelho, processo nº 6133/17.7T8FNC.L1-7:
“o valor a ter em conta é o dos danos que provavelmente, em face das circunstâncias típicas e segundo o normal desenrolar das coisas, o predisponente venha a sofrer, só se podendo concluir pela desproporção quando a pena atinge um montante que ultrapassa tudo o que ainda corresponde, minimamente, a um cálculo baseado em índices de tipicidade e normalidade.”

.Feitas estas considerações, a questão da nulidade da cláusula objecto do recurso deve ser apreciada exclusivamente à luz do regime dos arts. 15º a 22º da LCCG.
O princípio geral no que às cláusulas gerais concerne é o da proibição das cláusulas contrárias à boa-fé – cfr. art. 16 DL citado[15]
Tendo presente o teor da supra transcrita cláusula 6ª nº3 do Contrato celebrado ente exequente e sociedade executada, será de ponderar a sua validade à luz da citada alínea d) do art. 19º, mas, sobretudo, em função dos princípios gerais dos arts. 15º e 16º da LCCG, designadamente verificando-se se a forma genérica como se encontram formulada implica ou não a indeterminação excessiva ou até a indeterminabilidade das vinculações assumidas pelos destinatários das propostas contratuais dos autos.
A boa fé é chamada, no plano das cláusulas contratuais gerais, como instrumento operativo e meio auxiliar da própria fixação do conteúdo admissível das cláusulas contratuais gerais. O seu imediato ponto de incidência é a estipulação contratual, em si mesma, tendo em conta as suas potencialidades aplicativas em abstracto – e não o uso que, no caso concreto, dela tenha efectivamente sido feito pelo utilizador: a conduta regulada pela boa fé, neste plano, é a própria formulação das cláusulas contratuais gerais, impondo limites de validade a respeitar, em função da tutela dos interesses dos aderentes.[16]
Em qualquer caso, a dúvida sobre se a cláusula discutida foi ou não objecto de negociação – e, correspondentemente, se é ou não uma cláusula contratual geral – deveria ser resolvida contra a apelante, por ser a parte onerada com a prova (artº 1, nº 3 da LCCG, artº 3 nº 2, § 3º da Directiva 93/13/CE do Conselho, 346, in fine, do Código Civil e 414 do nCPC).
A primeira grande categoria de cláusulas proibidas relevantes diz respeito aos contratos de adesão, bilateral e subjectivamente mercantis – rectius, aos contratos celebrados entre empresários (artºs 17 a 19 da LCCG). Estas proibições aplicam-se igualmente nas relações com consumidores finais (artº 17 da LCCG).
As cláusulas proibidas repartem-se em duas classes ou tipos: as cláusulas absolutamente proibidas e as cláusulas relativamente proibidas (artºs 18 e 21 e 19 e 22, respectivamente, da LCG).

As cláusulas absolutamente proibidas, previstas no artº 18 da LCCG podem separar-se, de harmonia com a sua natureza ou finalidades subjacentes, em três grupos essenciais: cláusulas relativas à exclusão ou limitação de responsabilidade; cláusulas relativas ao cumprimento de obrigações contratuais e cláusulas de finalidade heterogénea. As cláusulas absolutamente proibidas, enumeradas no artº 21 da LCG podem obedecem a duas categorias: cláusulas relativas aos direitos e deveres contratuais e cláusulas relativas às garantias do consumidor.
Incluem-se no grupo das cláusulas absolutamente proibidas, relativas à exclusão ou limitação de responsabilidade, nomeadamente, as que excluam ou limitem, de modo directo ou indirecto, a responsabilidade por não cumprimento definitivo, mora ou cumprimento defeituoso, em caso de dolo ou de culpa grave; entre as cláusulas absolutamente proibidas, relativas a garantias do consumidor, contam-se as que alterem as regras respeitantes à distribuição do risco (artºs 18 c) e 21 f) da LCCG).
As cláusulas relativamente proibidas, elencadas no artº 19 da LCCG, podem, por sua vez, ordenar-se funcionalmente em três grupos fundamentais: cláusulas relativas a prazos; cláusulas relativas à formação e efeitos contratuais e cláusulas relativas à atribuição de poderes jurídicos.
O grupo das cláusulas relativas à formação e efeitos do contrato compreende, nomeadamente, as que consagrem cláusulas penais desproporcionadas aos danos a ressarcir (artº 19 c) da LCCG).
Todavia, dado o carácter meramente relativo da proibição, a valoração necessária à concretização da proibição, ainda que surja a propósito de contratos singulares, não deve ser efectuada de forma casuística – mas abstracta. O juízo valorativo é realizado em face das próprias cláusulas em si, consideradas no seu conjunto - e não a partir dos negócios concretos – e de acordo com os padrões considerados. Assim, por exemplo, em face de um formulário de contrato de seguro deve ponderar-se se a cláusula é abusiva, tendo em conta este tipo de contrato e não aquele contrato concreto.
Dito doutro modo: a concretização da proibição deve operar, tendo como referente, não o contrato ou contratos singulares, mas o tipo de negócio em causa e os elementos que normativamente o concretizam, no interior do todo do regulamento contratual genericamente predisposto. É este, patentemente, o sentido da referência legal ao quadro negocial padronizado (artº 19, corpo, da LCCG).
Nestas condições, para que se conclua pelo carácter proibido da cláusula, há que contrapor o interesse que por ela é assegurado ao predisponente ao interesse do aderente tipicamente afectado por ela: se a composição dos interesses resultantes da conformação do contrato, considerado no seu todo, e tendo em conta o tipo contratual em causa, não obedecer a uma regra de concordância prática, dada pelo princípio regulativo da proporcionalidade, antes evidenciando, em detrimento da contraparte do utilizador, um desequilíbrio desrazoável, deve assentar-se na violação do escopo da norma de proibição.[17]
A cláusula objecto da controvérsia – que é indiscutivelmente uma cláusula penal - regula os direitos da sociedade fornecedora do café, em caso de incumprimento do contrato pelo aderente, a sociedade-executada-embargante.
E é nosso entendimento, que esta cláusula objecto da controvérsia – que é indiscutivelmente uma cláusula penal - tendo em conta o quadro contratual padronizado – portanto, independentemente do contrato concreto em que se insere –não é nitidamente desproporcionada em relação aos danos a ressarcir.
De facto, por definição, ela não atende à situação patrimonial do aderente, antes e depois do incumprimento, procurando colmatar a diferença, como actua uma simples obrigação de indemnizar.
Pelo contrário, antes se limita a fixar uma indemnização por incumprimento correspondente a 2/3 do preço unitário do quilograma de café, por cada quilograma de café não adquirido, isto é, a cláusula em crise prevê somente o pagamento de parte do valor do preço unitário do café e não da sua totalidade pelo que não confere à Recorrente uma situação patrimonial mais favorável que aquela que ocorreria se o contrato tivesse perdurado até ao fim, na medida em que nunca receberá a totalidade do preço.
Assim, atendendo ao teor da clausula em si, analisando os interesses de ambos os contraentes dela não resulta para o predisponente uma vantagem injustificada.
Todavia, apesar da referida cláusula não se revelar excessiva, em si, no caso concreto, afigura-se-nos que a aplicação da referida cláusula penal, se revelaria excessiva, tendo em conta os factos apurados nas alíneas DD), EE), Ff), GG), HH) e II) dos factos provados.
Não sufragamos, pois, o entendimento do tribunal recorrido de que a cláusula 6ª, nº3, do contrato celebrado entre a exequente e sociedade executada é nula nos termos dos arts 15º a 22º do art. 19º, al. c) do DL. 446/85, de 25.10, nada obstando à sua aplicação.
.Todavia, importa agora, apreciar a possibilidade de ser aqui convocado o disposto no n.º 2 do art.º 812.º do Código Civil o qual dispõe que é permitida a redução equitativa da cláusula penal nos seguintes termos:
“1. A pena convencional pode ser reduzida pelo tribunal, de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente; é nula qualquer disposição em contrário.
2. É admitida a redução nas mesmas circunstâncias, se a obrigação tiver sido parcialmente cumprida.”
Dado que a redução aqui prevista limita os princípios gerais da autonomia privada e da liberdade contratual, o juiz só pode intervir quando for solicitado e quando reconheça que a cláusula é “manifestamente excessiva”, sob pena de inutilizar a sua própria função e razão da sua existência.
A redução só é admissível quando ela aparecer como evidentemente desproporcionada, em face das circunstâncias concretas.
Em face da natureza e da razão de ser da cláusula penal referida, tem-se entendido que o credor fica dispensado de demonstrar a efectiva verificação dos danos em consequência do incumprimento do contrato e respectivos montantes.
O ónus de alegar e provar os factos que eventualmente integrem desproporcionalidade entre o valor da cláusula estabelecida e o valor dos danos recai sobre o devedor.
E quanto à questão atinente à redução oficiosa da clausula penal, apesar de o artigo 812º, nº 1, do Ccivil estabelecer que a mesma pode ser reduzida pelo tribunal, de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, é maioritária a posição da doutrina no sentido de que o tribunal não pode reduzir oficiosamente a clausula penal, devendo a redução ser pedida pelo devedor.[18]
Igualmente no mesmo sentido, vide o Ac da RP, Nº Convencional: JTRP00039447, Relator: Deolinda Varão, 14-09-2006: «Sumário: I- A cláusula penal não pode ser reduzida oficiosamente, mas tem de ser pedida pelo devedor interessado, quer por via de acção ou reconvenção, quer por via de excepção…»(sic).
Todavia, no caso dos autos não podemos ignorar que os executados alegaram que a PANDEMIA COVID ocorrida em plena vigência do contrato dos autos consubstanciou uma alteração das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar e que concluíram ser inviável a manutenção do contrato dos autos, a implicar, que nessa pretensão, está necessariamente contida a pretensão de redução da cláusula penal em discussão.
Assim, não está impedido este tribunal de reduzir o valor da cláusula penal, caso se verifiquem as circunstâncias a que alude o nº2 do citado art 812º do CC.
E pese embora este colectivo não tenha dado razão aos embargantes na parte em que estes alegaram que a Pandemia Covid consubstanciaria uma alteração anormal das circunstâncias, certo é que, a ocorrência da Pandemia Covid em plena vigência do contrato dos autos, não pode ser ignorada, sendo certo que, ficou provado nas als DD) a II) factos que revelam que devido à pandemia Covid o estabelecimento comercial da sociedade –executada foi forçado a encerrar cerca de dois meses, que face às limitações da PANDEMIA, no OUTONO DE 2020 ocorreram perdas de rentabilidade e que a embargante sociedade foi obrigada a encerrar o estabelecimento.
Esses factos, por si, revelam que por facto inimputável à sociedade embargante esta foi obrigada por lei a encerrar o seu estabelecimento por dois meses, que devido aos efeitos da PANDEMIA na circulação de pessoas e na actividade turística aquela sociedade sofreu perdas de rentabilidade.
Em consequência, neste contexto, afigura-se-nos legitimo, que este tribunal proceda à redução equitativa da cláusula penal fixada para um valor inferior de modo a atender às circunstâncias atrás descritas.
Nestes termos, ponderando as circunstâncias em que foi celebrado o contrato dos autos e aquelas que ocorreram durante a sua vigência, afigura-se-nos equitativo, reduzir para 20% o valor que resultaria da aplicação ao caso dos autos da clausula penal fixada no nº3 da cláusula sexta do contrato, concretamente, o valor de € 6.141,00 (por arrendondamento) (€ 30.703,26 (trinta mil, setecentos e três euros e vinte e seis cêntimos), (1722 Kg não comprados x € 17,83 –valor do preço do quilograma de café à data do incumprimento).
Pelo que, a execução deve prosseguir para pagamento da quantia de € 15.942,00, por arredondamento, (€ 9.801,33 + €6.141,00), acrescida de juros de mora à taxa legal e respectivo imposto de selo, contados desde 11.12.202020, até integral pagamento
Pelo exposto, e quanto à fundamentação jurídica, conclui-se que o recurso de apelação da embargada, procede, parcialmente.
Sumário.
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IV- DECISÃO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar o recurso de apelação dos embargantes, totalmente improcedente, e em julgar o recurso de apelação da embargada, parcialmente procedente, e, em consequência, prosseguirá a execução para pagamento da quantia de € 15.942,00, acrescida de juros de mora à taxa legal e respectivo imposto de selo, contados desde 11.12.2020 até integral pagamento.
Custas do recurso dos embargantes a cargo destes e da embargada, na proporção dos decaimentos respectivos. (art. 527º, nºs 1 e 2).
Custas do recurso da embargada, a cargo desta e dos embargantes, na proporção dos decaimentos respectivos. (art. 527º, nºs 1 e 2).

Porto, 14.12.2022
Francisca Mota Vieira
Paulo Dias da Silva
Isabel Silva
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[1] Entre outros, Ac Rel. Guimaraes de 10.07.2019, proferido no Proc nº 1008/15.7T8VNF-A.G1
[2] Pedro Pais de Vasconcelos, “Direito Comercial, Títulos de Créditos”, Associação Académica da Faculdade de Lisboa, 1990, pág. 126.
[3] Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, vol. II, 7ª ed., Almeidina, pág. 480.
[4] In “Direito Comercial – Títulos de Crédito”, Vol. III, pág. 168.
[5] Pedro Pais de Vasconcelos,ob. Cit.pgs 127 e 128.
[6] Oliveira Ascensão, In “Direito Comercial – Títulos de Crédito”, Vol. III, págs 170-171.
[7] Nuno Madeira Rodrigues, “Das Letras: Aval e Protesto”, 2ª Ed., Almedina, pgs 29 e 30.
[8] Abel Delgado, “Lei Uniforme Sobre Letras e Livranças”, 6ª ed., Livraria Petrony, 1990, pág. 108.
[9] Abel Delgado, Ob. Cit. pág. 108.
[10] A propósito deste tipo de contratos a jurisprudência tem convergido no sentido de os qualificar como um complexo contrato de natureza comercial que envolve elementos próprios de vários outros tipos negociais – cfr., por todos, acórdãos do STJ de 15.01.2013 (processo nº 600/06.5TCGMR.G1.S1) e de 4.06.2009 (processo nº 257/09.1YFLSB), acórdão desta Relação de 30.11.2015 (processo nº 41/14.0TBCN.P1) e acórdão da Relação de Lisboa de 8.03.2018 (processo nº 151/15.7T8MTA.L1-8), acessíveis em www.dgsi.pt.
[11] COVID-19 e Alteração Superveniente Das Circunstâncias, Prof. Doutora Mariana Fontes da Costa, in comunicação apresentada no webinar “Entre a impossibilidade da prestação e a alteração das circunstâncias em contexto da pandemia de Covid-19”, organizado pela Direcção-Regional Norte da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, no dia 30 de abril de 2020, publicado no correspondente ebook “Entre a impossibilidade da prestação e a alteração das circunstâncias em contexto da pandemia de Covid-19”, org. da Direcção-Regional Norte da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, Edição Ciclo de Webinars da DRNorte, ebook, ISBN 978-989-755-550-3, 2020, pp. 22-38.
[12] CF. António Menezes Cordeiro, “DA RESOLUÇÃO DO CONTRATO” Revista da Ordem dos Advogados”, https://portal.oa.pt/media/132086/antonio-menezes-cordeiro.pdf · Ficheiro PDF
[13] Antunes Varela (Das Obrigações em Geral, II vol., 4ª ed., págs. 65 e ss.),
[14] “Nesse acórdão entendeu-se: “I - Na avaliação do carácter abusivo das cláusulas “relativamente proibidas” ao abrigo do art. 19º da LCCG, deverá ter-se em atenção não só o “quadro negocial padronizado” – segundo o tipo ou modelo geral do contrato em que aquela se insere tendo em conta a atividade do utilizador – mas também todas as demais circunstâncias que acompanharam e condicionaram a feitura do contrato, nomeadamente, as especialmente atinentes ao destinatário das cláusulas”. mas também todas as demais circunstâncias que acompanharam e condicionaram a feitura do contrato, nomeadamente, as especialmente atinentes ao destinatário das cláusulas”.
[15] Estatui este normativo sob a epígrafe: (Princípio geral)
“São proibidas as cláusulas contratuais gerais contrárias à boa-fé”
[16] Almeno de Sá, Cláusulas Contratuais, cit., pág. 256, 258; António Menezes Cordeiro, Manual de Direito Comercial, Almedina, Coimbra, 1998, pág. 437.
[17] Ac. Rel Coimbra, 2.05.2015, proc. nº 5202/12.4TBLRA.C1
[18] Neste sentido vide Galvão Teles, in Direito das Obrigações, pág. 441, refere que a cláusula penal é, segundo o actual Código, susceptível de ser reduzida pelo tribunal, a pedido do devedor.