Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | FÁTIMA ANDRADE | ||
Descritores: | IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO CONCLUSÕES DA ALEGAÇÃO DE RECURSO REJEIÇÃO DO RECURSO | ||
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Nº do Documento: | RP20220321556/19.4T8PNF.P1 | ||
Data do Acordão: | 03/21/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Indicações Eventuais: | 5. ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - Da função delimitadora do objeto do recurso atribuída às conclusões, deriva a obrigatoriedade de destas mesmas conclusões constarem enunciados de forma precisa, concreta e clara quais os pontos da decisão de facto que o recorrente considera incorretamente julgados. II - É entendimento reiterado da jurisprudência, nomeadamente do nosso tribunal superior, ser necessária a identificação nas conclusões dos concretos pontos de facto que o recorrente entende estar incorretamente julgados. III - A não observância deste ónus, implica sem mais, nos termos do disposto no artigo 640º nº 1 al. a) do CPC a rejeição imediata do recurso da decisão de facto. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo nº. 556/19.4T8PNF.P1 3ª Secção Cível Relatora – Juíza Desembargadora M. Fátima Andrade Adjunta – Juíza Desembargadora Eugénia Cunha Adjunta – Juíza Desembargadora Maria José Simões Tribunal de Origem do Recurso – T J Comarca de Porto Este – Jz. Central Cível de Penafiel Apelante/AA Apelado/”X ... Companhia de Seguros, S.A.” Sumário (artigo 663º n.º 7 do CPC). ……….. ……….. ……….. Acordam no Tribunal da Relação do Porto I - Relatório AA instaurou a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra “X ... Companhia de Seguros, S.A.”. Pela procedência da ação peticionou o A. “a condenação da R. a pagar ao A. quantia global de €34.049,00; acrescida de juros, calculados à taxa legal, desde a citação até efetivo pagamento e, bem assim, condenada nas custas, procuradoria e demais encargos legais; e ainda a ressarcir-lhe, no futuro, os danos que se venha a apurar serem causa direta e necessária das lesões sofridas com o evento, conforme alegado nos artigos 25º e 26º desta p. i.” Para tanto e em suma alegou ter ocorrido um acidente de viação no qual foi o A. interveniente enquanto ocupante do veículo de matrícula “JO” conduzido por BB no interesse e com a autorização da sua proprietária CC. Veículo JO que conduzido pelo mencionado BB se despistou por o seu condutor que circulava a velocidade superior a 100 km/h e desatento, do mesmo ter perdido o controlo, tendo ido embater num 1º momento num veículo pesado de mercadorias de matrícula “RT” estacionado a ocupar parte da via no sentido contrário ao que seguia o JO; e num segundo momento num veículo ligeiro de passageiros de matrícula “JL” igualmente estacionado a ocupar parte da via no sentido contrário ao que circulava o “JO”. Acabando por se imobilizar junto a um tanque localizado fora da via, a mais de 20 metros de distância do ponto inicial do 1º embate. Acidente que assim se ficou a dever na totalidade à conduta do condutor do “JO”, tendo a responsabilidade emergente da circulação do “JO” sido transferida através de contrato de seguro para a aqui R.. R. que assim é responsável pela indemnização por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo A. e que descreveu. Respondendo quer por a culpa ser totalmente imputável ao condutor do veículo matrícula ..-..-JO; quer mercê das normas que regem em matéria de responsabilidade pelo risco/objetiva, que igualmente se invocam. Termos em que terminou nos termos acima mencionados peticionando a condenação da R.. Contestou a 1ª R. negando a ocorrência do acidente tal como descrito pelo autor, já que afirmou ser este o condutor do veículo na altura do acidente. Como tal não tendo o direito a reclamar da R. a indemnização peticionada, por excluída das garantias da apólice. Mais alegou ser ao A. imputável a responsabilidade na produção do acidente. Autor que então conduzia sob o efeito de álcool. Devendo a ação improceder na totalidade. Deduziu ainda a R. pedido reconvencional, por na sequência do acidente ter indemnizado terceiros que sofreram danos como consequência do acidente descrito e da responsabilidade do autor. Tendo assim concluído na procedência do pedido reconvencional pela condenação do R. ao pagamento à A. da quantia de €27.795,91 acrescido de juros de mora desde a citação para o pedido reconvencional até integral pagamento. Respondeu o A. pugnando pelo alegado na p.i. e assim pela procedência da ação e improcedência do pedido reconvencional. Foi admitido o pedido reconvencional. * Agendada audiência prévia, foi proferido despacho saneador, identificado o objeto do litígio e elencados os temas da prova, sem reclamação.Realizada audiência final foi após proferida sentença decidindo: “A) Julgo a presente ação totalmente improcedente e, em consequência, absolvo a ré X ... Companhia de Seguros, S.A.. do pedido formulado pelo A. AA; B) Julgo procedente o pedido reconvencional da Ré X ... Companhia de Seguros, S.A.., e condeno o A./reconvindo AA a pagar à R. a quantia de € 27.795,91 (vinte e sete mil setecentos e noventa e cinco euros e noventa e um cêntimos), acrescida de juros de mora de 4% ao ano desde a data da notificação do pedido reconvencional, até efetivo e integral pagamento. * Conclusões: ……….. ……….. ……….. Contra-alegou a recorrida “Seguradora” pugnando pela improcedência do recurso face ao bem decidido pelo tribunal a quo, tanto em sede de facto como de direito. * O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.Foram colhidos os vistos legais. *** II - Âmbito do recurso.Delimitado como está o recurso pelas conclusões das alegações, sem prejuízo de e em relação às mesmas não estar o tribunal sujeito à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, nem limitado ao conhecimento das questões de que cumpra oficiosamente conhecer – vide artigos 5º n.º 3, 608º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4 e 639º n.ºs 1 e 3 do CPC – resulta das formuladas pelo apelante, serem questões a apreciar: 1) erro na apreciação da prova e assim na decisão da matéria de facto. E nesta sede se o recorrente observou os ónus de impugnação e especificação que sobre si recaem. 2) erro na aplicação do direito. *** III - FundamentaçãoO tribunal a quo julgou como provados os seguintes factos: “1. No dia 02/07/2016, pelas 20H10, na Av.ª..., termas de ..., freguesia ..., concelho de Penafiel, ocorreu um embate. 2. No evento foi interveniente o A., na qualidade de condutor do veículo de matrícula ..-..-JO, sendo ocupantes do mesmo BB e DD. 3. No momento em que o A., AA, conduzia o JO, circulando na Av.ª..., com o sentido de marcha ..., nas imediações do n.º de polícia ..., perdeu o controlo do veículo, 4. embatendo o A., num primeiro momento, no veículo pesado de mercadorias de matrícula ..-..-RT, que se encontrava estacionado a ocupar parte da via no sentido ... e, num segundo momento, tendo o A. embatido no ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-JL, que se encontrava também estacionado a ocupar parte da via no referido sentido ..., a cerca de dois metros da traseira do RT. 5. Após o embate, o JO conduzido pelo A. seguiu a sua marcha descontrolado, regressando ao lado direito da via e imobilizando-se fora da via, a mais de 20 metros do local inicial do embate, junto a um tanque em pedra. 6. Do local do acidente e no dia do mesmo, o A. foi transportado para o Centro Hospitalar ... e mais tarde transferido para o Hospital ..., onde ficou internado na unidade de cuidados intensivos polivalente da urgência, entre os dias 03 e 17 de julho de 2016. 7. À entrada no CHTS foi classificado com múltiplas fraturas cranianas e, após exames, o A. apresentou as seguintes lesões: traumatismo craneoencefálico com múltiplas fraturas da face; fratura parietal e occipital esquerda com irradiação à base do crânio; trauma encefálico com hemorragia subaracnoide, contusões hemorrágicas frontais, hematoma subdural agudo; trauma da coluna cervical, fratura alinhada da lâmina direita de C6 e feridas abrasiva do cotovelo, ombro flanco, anca coxa e joelho direito. 8. Posteriormente o A. foi transferido para a enfermaria de Neurocirurgia para continuação de cuidados e vigilância de resolução da fístula de LCR a aguardar reavaliação por oftalmologia e cirurgia plástica. 9. Em 30/08/2016 o A. teve alta do Hospital ..., sendo fixável em 25/09/2016 a data da consolidação médico-legal das lesões. 10. Do acidente resultou para o A. uma incapacidade de 27 pontos, um quantum doloris de 5/7, dano estético de 4/7, com necessidade de seguimento em consulta de neurologia/neurocirurgia, apresentando as seguintes sequelas, compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas que implicam esforços suplementares: cicatriz cirúrgica do crânio; 32 cicatrizes de 2 a 3 cm; deformidade aparente da pirâmide nasal; uma cicatriz no membro superior direito e outra cicatriz no membro superior esquerdo; sequelas oftalmológicas e epilepsia pós-traumática. 11. Após o acidente, o A. ficou mais ansioso e com propensão para se irritar. 12. Foi transferida para a R. a responsabilidade civil automóvel decorrente da circulação do veículo ..-..-JO, através do contrato de seguro automóvel, titulado pela apólice n.º .... 13. O A. conduzia o aludido veículo JO nas circunstâncias de tempo e lugar referidas, com uma taxa de álcool no sangue de 0,88 g/l e com substâncias canabinóides, condicionantes da condução que levou ao acidente. 14. Do aludido acidente resultaram também danos corporais nos ocupantes, BB e DD, tendo a R. suportado os custos do CHTS no montante global de €1.348,62. 15. A R. pagou, ainda, de indemnização, ao ocupante BB € 17.500,00 e ao ocupante DD €5.000,00. 16. Pagou, também, a R.: os danos do veículo ..-..-RT de € 806,29; pelos danos do veículo ..-..-JL o valor de €2.000,00; para limpeza da via, pagou à E..., Lda. a quantia de €246,00; e para reparação dos danos do muro pagou a EE €895,00.” * O tribunal a quo julgou ainda não provada a seguinte factualidade: “Assim, não se provou, designadamente, que: A) O BB conduzia o JO no interesse e com a autorização da sua proprietária CC. B) O BB conduzia desatento e a velocidade superior a 100 km/h. C) O A. teve perdas salariais de €1.983,00. D) O A. gastou, em consequência do acidente, em viagens e medicação, quantia superior a €250,00.” * *** Na reapreciação da decisão de facto, importa ter presente os seguintes pressupostos: 1 - Estando em causa a impugnação da matéria de facto, obrigatoriamente e sob pena de rejeição deve o recorrente especificar (vide artigo 640º n.º 1 do CPC): “a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”. No caso de prova gravada, incumbindo ainda ao recorrente [vide n.º 2 al. a) deste artigo 640º] “sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”. Sendo ainda ónus do recorrente apresentar a sua alegação e concluir de forma sintética pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão – artigo 639º n.º 1 do CPC - na certeza de que as conclusões têm a função de delimitar o objeto do recurso conforme se extrai do n.º 3 do artigo 635º do CPC. Pelo que das conclusões é exigível que no mínimo das mesmas conste de forma clara quais os pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados, sob pena de rejeição do mesmo. Podendo os demais requisitos serem extraídos do corpo alegatório. Embora na jurisprudência se encontrem posições mais ou menos exigentes quanto aos elementos que das conclusões devem constar, este é um denominador mínimo comum a todas elas, como as decisões a seguir identificadas o demonstram: - Ac. TRG de 07/04/2016, nº de processo 4247/10.3TJVNF.G1 in www.dgsi.pt/jtrg; - Acs. STJ de 01/10/2015, nº de processo 824/11.3TTLRS.L1.S1; de 29/10/2015, nº de processo 233/09.4TBVNC.G1.S1; de 06/12/2016, nº de processo 437/11.0TBBGC.G1.S1 (todos in www.dgsi.pt/jstj ); - Ac. STJ de 16/05/2018, nº de processo 2833/16.7T8VFX.L1.S1, in www.dgsi.pt de cujo sumário (que aqui se reproduz) resulta reiterada a necessidade de nas conclusões constar de forma concreta quais os pontos de facto que constam da sentença e cuja alteração se pretende: “I - Sendo as conclusões não apenas a súmula dos fundamentos aduzidos nas alegações stricto sensu, mas também e sobretudo as definidoras do objeto do recurso e balizadoras do âmbito do conhecimento do tribunal, no caso de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente indicar nelas, por referência aos concretos pontos de facto que constam da sentença, aqueles cuja alteração pretende e o sentido e termos dessa alteração. II - Por menor exigência formal que se adote relativamente ao cumprimento dos ónus do art. 640º do CPC e em especial dos estabelecidos nas suas alíneas a) e c) do nº 1, sempre se imporá que seja feito de forma a não obrigar o tribunal ad quem a substituir-se ao recorrente na concretização do objeto do recurso. III - Tendo o recorrente nas conclusões se limitado a consignar a globalidade da matéria de facto que entende provada mas sem indicar, por referência aos concretos pontos de facto que constam da sentença e que impugna, os que pretende que sejam alterados, eliminados ou acrescentados à factualidade provada, não cumpriu o estabelecido no art. 640º, nº 1, als. a) e c) do CPC, devendo o recurso ser liminarmente rejeitado nessa parte.”; - Ac. STJ de 27/09/2018, nº de processo 2611/12.2TBSTS.L1.S1, onde se afirma “Como decorre do artigo 640 supra citado o recorrente não satisfaz o ónus impugnatório quando omite a especificação dos pontos de facto que entende terem sido incorretamente julgados, uma vez que é essa indicação que delimita o objeto do recurso”; - Ac. STJ de 21/03/2019, nº de processo 3683/16.6T8CBR.C1.S2, no qual e após se ter feito uma distinção entre ónus primários e secundários de alegação e concretização para efeitos do disposto nos artigos 640º e 662º do CPC (nos seguintes termos e tal como ali sumariado) “I. Para efeitos do disposto nos artigos 640º e 662º, nº1, ambos do Código de Processo Civil, impõe-se distinguir, de um lado, a exigência da concretização dos pontos de facto incorretamente julgados, da especificação dos concretos meios probatórios convocados e da indicação da decisão a proferir, previstas nas alíneas a), b) e c) do nº1 do citado artigo 640º, que integram um ónus primário, na medida em que têm por função delimitar o objeto do recurso e fundamentar a impugnação da decisão da matéria de facto. E, por outro lado, a exigência da indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, contemplada na alínea a) do nº 2 do mesmo artigo 640º, que integra um ónus secundário, tendente a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida.”, se concluiu, para o efeito convocando os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade na aferição do cumprimento dos ónus de impugnação previstos no artigo 640º no que concerne aos aspetos de ordem formal “III. (…) enquanto a falta de especificação dos requisitos enunciados no nº1, alíneas a), b) e c) do referido artigo 640º implica a imediata rejeição do recurso na parte infirmada, já, quanto à falta ou imprecisão da indicação das passagens da gravação dos depoimentos a que alude o nº 2, alínea a) do mesmo artigo, tal sanção só se justifica nos casos em que essa omissão ou inexatidão dificulte, gravemente, o exercício do contraditório pela parte contrária e/ou o exame pelo tribunal de recurso. IV. Tendo o recorrente, indicado, nas conclusões das alegações de recurso, o início e o termo de cada um dos depoimentos das testemunhas ou indicado o ficheiro em que os mesmos se encontram gravados no suporte técnico e complementado estas indicações com a transcrição, no corpo das alegações, dos excertos dos depoimentos relevantes para o julgamento do objeto do recurso, tanto basta para se concluir que o recorrente cumpriu o núcleo essencial do ónus de indicação das passagens da gravação tidas por relevantes, nos termos prescritos no artigo 640º, nº 2, al. a) do CPC, nada obstando a que o Tribunal da Relação tome conhecimento dos fundamentos do recurso de impugnação da decisão sobre a matéria de facto.”; - Ac. STJ de 17/11/2020, nº de processo 846/19.6T8PNF.P1.S1 in www.dgsi.pt onde se afirma, tal como consta do sumário “I - A especificação dos concretos pontos de facto [impugnados] deve constar das conclusões recursórias, posto que estas têm por função delimitar o objeto do recurso nessa parte.”; - Ac. STJ de 09/02/2021, nº de processo 16926/04.0YYLSB-B.L1.S1 in www.dgsi.pt do qual se extrai idêntico entendimento. Vide ponto III do sumário “III - O recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões- Abrantes Geraldes in Recursos no Novo Código de Processo Civil., pág. 165.” Da respetiva fundamentação se extraindo o reiterado entendimento do STJ – de acordo com as múltiplas decisões no mesmo convocadas – de que a completa omissão nas conclusões dos “concretos pontos de facto que no entender dos apelantes impõem decisão diversa da recorrida” implica o entendimento da não observância dos ónus de alegação impostos pelo artigo 640º nº 1 do CPC. Convocando ainda na doutrina Abrantes Geraldes in Recursos no Novo Código de Processo Civil, pág. 165, «em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões” e acrescenta “são as conclusões que delimitam o objeto do recurso, segundo a regra geral que se extrai do art. 635, de modo que a indicação dos pontos de facto cuja modificação é pretendida pelo recorrente não poderá deixar de ser enunciada nas conclusões” e reafirma na nota 274, a págs. 168 que “ainda que não tenha utilizado no art. 640 uma enunciação paralela à que consta do nº 2 do art. 639 sobre o recurso da matéria de direito, a especificação nas conclusões dos pontos de facto a que respeita a impugnação serve para delimitar o objeto do recurso”»; - Ac. STJ de 25/03/2021, nº de processo 756/14.3TBPTM.L1.S1, in www.dgsi.pt no qual (e citando diversa jurisprudência no seu sentido decisório) se realçou recair sobre o recorrente a observância do ónus primário de impugnação que corresponde às exigências do nº 1 do artigo 640º do CPC sob pena de imediata rejeição do recurso, sem lugar a qualquer convite ao aperfeiçoamento, na medida em que delimitam o objeto do recurso e fundamentam a sua impugnação; exigências estas “decorrência dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa-fé processuais, visando-se com elas assegurar a seriedade do próprio recurso” e não “alheias também ao princípio do contraditório, pois destinam-se a possibilitar que a parte contrária possa identificar, de forma precisa, os fundamentos do recurso, podendo assim discretear sobre eles, rebatendo-os especificadamente”; reafirmando-se ser “entendimento doutrinal e jurisprudencial uniforme que, nas conclusões das alegações, que têm corno finalidade delimitar o objeto do recurso (cfr. n.° 4, do art.° 635°, do CPC) e fixar as questões a conhecer pelo tribunal ad quem, o recorrente tem de delimitar o objeto da impugnação de forma rigorosa, indicando os concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados, sob pena de rejeição do recurso, como a lei adjetiva comina no n°1, do art.° 640°.”; * Tendo presentes estes considerandos e revertendo ao caso concreto, analisemos então os moldes em que o recorrente deduziu a impugnação da decisão de facto.* No corpo alegatório após ter identificado os factos julgados provados 1 a 5 e não provados A) e B), concluiu o recorrente no corpo alegatório: “Resumindo foi dado como provado que o A. era o condutor do JO e, consequentemente, como não provado que o JO era conduzido pelo BB e o A. era o ocupante. O presente recurso versa, essencialmente, sobre a questão – quem conduzia o JO? – que no nosso modesto entendimento foi erradamente julgada pelo tribunal a quo como infra demonstraremos” Após o que expõe o recorrente os argumentos que entendeu para justificar que o tribunal a quo julgou erradamente a prova produzida. Contudo em nenhum ponto do seu corpo alegatório indica o recorrente de forma clara quais os pontos factuais que impugna em concreto e muito menos qual a redação que aos mesmos deveria ser conferida. É claro que o mesmo declara versar o recurso essencialmente sobre a questão de quem conduzia o JO. E sobre essa mesma questão discorre os argumentos tidos por pertinentes. Mas, repete-se, em nenhum ponto concretiza quais os pontos factuais que impugna. E mesmo que se pudesse considerar serem os por si reproduzidos no início não indica a redação que os mesmos deverão passar a merecer. E se esta falha é verificada no corpo alegatório, o mesmo se verifica nas conclusões que acima ficaram reproduzidas. Aqui e de forma ainda mais notória, limita-se o recorrente a alegar, logo no início: “1ª Atenta a prova efetuada, entendemos que o Tribunal considerou provados factos que não deviam concluir-se da prova produzida, mas sim o oposto. 2ª Pelas razões que abaixo vão aduzidas, foi erradamente dado como provado que o AA era o condutor do JO – sem dúvida a questão essencial dos presentes autos.” Após o que tece considerações sobre a errada apreciação da prova, mas em ponto algum identifica em concreto quais os pontos factuais que são objeto do seu recurso e assim alvo do imputado erro de julgamento. E consequentemente não indica a redação a conferir aos pontos em concreto alvo de impugnação. Relembrando os ónus de impugnação e especificação relativos à impugnação da decisão de facto que sobre o recorrente recaem e em especial a função delimitadora do objeto do recurso atribuída às conclusões, por via da qual se impõe a obrigatoriedade de destas mesmas conclusões constarem enunciados de forma precisa, concreta e clara quais os pontos da decisão de facto que o recorrente considera incorretamente julgados, impõe-se concluir pela não observância de tal ónus por parte do recorrente. E sendo entendimento reiterado da jurisprudência, nomeadamente do nosso tribunal superior, ser necessária a identificação nas conclusões dos concretos pontos de facto que o recorrente entende estar incorretamente julgados, não sendo possível extrair das conclusões do recorrente quais são os concretos pontos de facto que ataca e julga incorretamente julgados, não observa o mesmo o disposto no artigo 640º nº 1 al. a) do CPC[1]. A não observância do disposto no artigo 640º nº 1 al. a) do CPC implica sem mais a rejeição imediata do recurso da decisão de facto. Acresce, como já referido que tão pouco o recorrente observou o disposto no artigo 640º nº 1 al. c) do CPC. Não tendo o recorrente observado estes ónus impugnatórios, decide-se rejeitar o recurso quanto à reapreciação da decisão de facto pugnada pela recorrente, por violação do disposto no artigo 640º nº 1 als. a) e c) do CPC. Tendo presente que mesmo sem dependência da iniciativa da parte, deve o tribunal de recurso alterar a decisão de facto quando verifique desrespeito pelos factos admitidos por acordo, os provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito por força do disposto no artigo 607º n.º 4 do CPC (norma que define as regras de elaboração da sentença) ex vi artigo 663º do CPC (norma que define as regras de elaboração do Acórdão e que para o disposto nos artigos 607º a 612º do CPC remete, na parte aplicável), acrescenta-se não evidenciar a decisão de facto violação de regras vinculativas de direito probatório material que impliquem mesmo oficiosamente a alteração da decisão de facto. Em suma, mantém-se na integra a decisão de facto constante da decisão recorrida. * Do direito.A alteração da decisão de facto pugnada pelo recorrente era essencial para alterar o decidido, como aliás do seu recurso resulta. A R. foi absolvida do pedido contra si formulado pelo A., por se ter julgado provado ser o A. o condutor do veículo acidentado no momento do acidente, face às exclusões referentes ao seguro obrigatório (artigo 14º do DL 291/2007). O R. foi condenado no pedido reconvencional deduzido nos termos do artigo 27º nº 1 al. c) do mesmo DL 291/2007 por via do direito de regresso exercido por esta R. contra o A., por no momento do acidente este conduzir sob o efeito do álcool e substâncias canabinóides condicionantes da condução que levou ao acidente (vide fp 13). O assim decidido com base na decisão de facto que se manteve inalterada, não merece, pois, censura. *** IV. Decisão.Em face do exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto em julgar totalmente improcedente o recurso interposto, consequentemente mantendo a decisão recorrida. Custas do recurso pelo recorrente, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que lhe foi concedido. Porto, 2022-03-21 Fátima Andrade Eugénia Cunha Maria José Simões _______________ [1] Vide Ac. STJ de 16/05/2018 já supra citado. |