Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | FERNANDO SAMÕES | ||
| Descritores: | ARRENDAMENTO RESOLUÇÃO DO CONTRATO CEDÊNCIA DO LOCADO AUTORIZAÇÃO ALTERAÇÃO ANORMAL DAS CIRCUNSTÂNCIAS QUESTÃO NOVA COLOCADA EM SEDE DE RECURSO | ||
| Nº do Documento: | RP201105031663/09.7TJPRT.P1 | ||
| Data do Acordão: | 05/03/2011 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
| Decisão: | CONFIRMADA A DECISÃO. | ||
| Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - Não tendo as autoras alegado que a cedência do locado foi feita sem autorização do senhorio e provando-se que a mesma havia sido autorizada e que a inquilina fora dispensada de efectuar qualquer comunicação, jamais podem obter a resolução do contrato com aquele fundamento. II - Não tendo alegado factos integradores da alteração anormal das circunstâncias em que fundaram a decisão de contratar, nem formulado o correspondente pedido de resolução, na fase dos articulados, vindo a deduzir este pedido exclusivamente no recurso, também não podem obter a resolução do contrato com este fundamento, porque se trata de questão nova. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Processo n.º 1663/09.7TJPRT.P1 * Relator: Fernando Samões 1.º Adjunto: Dr. Vieira e Cunha 2.º Adjunto: Dr.ª Maria Eiró Acordam no Tribunal da Relação do Porto – 2.ª Secção: I. Relatório B… e C…, intentaram, em 14/9/2009, nos Juízos Cíveis do Porto, onde foi distribuída ao 3.º, 2.ª Secção, a presente acção de despejo, ao abrigo do DL n.º 108/2006, de 8/6, contra D…, SA, todos melhor identificados nos autos, pedindo que seja decretada a resolução do contrato de arrendamento celebrado através da escritura pública de 7/3/1964, lavrada no 6.º Cartório Notarial do Porto, e que a ré seja condenada a entregar-lhes o prédio sito na Rua …, n.º …, inteiramente devoluto de pessoas e coisas. Para tanto, alegaram, em síntese, que são comproprietárias do referido prédio, o qual havia sido dado de arrendamento pelo seu anterior proprietário à ré e que esta cedeu a sua utilização a terceiro, sem comunicar ao senhorio. A ré contestou dizendo, em resumo, que não comunicou a cedência porque estava dispensada de o fazer, nos termos constantes da cláusula 3.ª do contrato de arrendamento, que, a entender-se que aquela cláusula não afasta o dever de comunicação ao senhorio, sempre existiria abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium e que, mesmo que não se conclua por este, não seria de exigir a dita comunicação por se tratar de duas empresas que fazem parte do mesmo grupo, com total identidade de titulares de órgãos e trabalhadores comuns. Concluiu pela improcedência da acção. Frustrado o acordo anunciado na audiência preliminar e proferido despacho saneador tabelar, teve lugar a audiência de discussão e julgamento, após o que, em 5/1/2011, foi elaborada sentença que julgou a acção improcedente. Inconformadas com o assim decidido, as autoras interpuseram recurso de apelação para este Tribunal e apresentaram a sua alegação com as seguintes conclusões: “1. Dos elementos constantes dos autos, nomeadamente documentais fornecidos pela Ré D… e pela suposta subarrendatária E…, revelam que a 1ª enquanto agente económico fornece à 2ª também agente económico, um bem – instalações de um prédio – cobrando-lhe uma quantia acrescida de IVA. 2. Trata-se assim, não de arrendamento, ou melhor subarrendamento, outrossim de uma actividade económica, lucrativa, tanto mais que sobre a pretensa subrenda cobrada, a Ré faz incidir Imposto sobre o Valor Acrescentado. 3. Mais a dita “subrenda” é considerada, entrando nas contas correntes das duas empresas (D… e E…), para efeitos de deve e haver, decorrente dos seus exercícios de actividade económica. 4. A gravidade de tal situação, que determina às Autoras a inexigibilidade de manutenção do arrendamento celebrado com a Ré, decorre do facto notório de receberem a título de renda € 127,00 mensais (o que equivale a € 1.524,00 anuais) pela cedência da fruição de todo o prédio, enquanto que esta (Ré), pela cedência parcial do dito prédio, aufere anualmente € 10.863,86 (IVA incluído) de uma suposta contrapartida arrendatícia, que o não é. 5. Não há memória de um senhorio cobrar de um arrendatário uma quantia à qual acresce IVA, e que entra em regime de conta corrente com o seu inquilino, por força de um sistema de conta corrente entre agentes económicos. 6. Não há pois, face aos factos apurados, qualquer caracterização de subarrendamento na relação económica/contabilística entre a Ré D… e a sua suposta, ficcionada, inventada, subarrendatária E…. 7. Fez assim o douto Tribunal “a quo” errada subsunção da factualidade apurada, como sendo a de subarrendamento. 8. E ao fazê-lo, violou a aplicação do fundamento resolutivo consignado no artigo 1083º nº 2 e) do CC. 9. Por último, prevendo o NRAU, que introduz nova redacção ao artigo 1083º nº1 CC que actualmente pode qualquer das partes resolver o contrato, nos termos gerais de direito, com base em incumprimento pela outra parte, ou seja remetendo para o preceituado no artigo 437º nº1 CC, é manifesto que a situação existente, afecta gravemente os princípios da boa fé, assistindo à parte lesada, “in casu” as Autoras, o direito a resolver o arrendamento incidente sobre o prédio “sub judice”. 10. Ao ignorá-lo, violou ainda o Tribunal “a quo” o disposto no artigo 437º nº 1 CC. Termos em que deverá conceder-se provimento ao recurso e em conformidade decretar-se a resolução do contrato de arrendamento em apreço e consequentemente condenar-se a Ré a entregar às Autoras o prédio em causa.” Não foram apresentadas contra-alegações. Foi dado cumprimento ao disposto no art.º 707.º, n.º 2, 2.ª parte, do CPC. Tudo visto, cumpre apreciar e decidir o mérito do presente recurso. Sabido que o seu objecto está delimitado pelas conclusões das recorrentes (cfr. art.ºs 684.º, n.º 3 e 685.º-A, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC, este na redacção introduzida pelo DL n.º 303/2007, de 24/8, aqui aplicável, visto que a propositura da acção é posterior a 1/1/2008 – cfr. art.º 12.º do mesmo diploma), se bem as interpretamos e pondo de parte as considerações fiscais e económico-contalilísticas que são aqui irrelevantes, a única questão a decidir consiste em saber se ocorre fundamento para a resolução do contrato de arrendamento em causa nos autos. II. Fundamentação 1. De facto Na sentença recorrida foram dados como provados os seguintes factos: 1. O direito de propriedade relativo ao prédio urbano sito na Rua …, nº …, Porto, inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o nº U-05282 da Freguesia de … e descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial do Porto sob o nº 2096/200061112 encontra-se registado a favor das Autoras. 2. O referido imóvel encontra-se arrendado à Ré, mediante a renda mensal actual de € 127,00, contrato de arrendamento celebrado por um anterior proprietário do imóvel através de escritura pública de 7 de Março de 1964 lavrada no 6º Cartório Notarial do Porto. 3. A cláusula terceira do supra referido contrato dispõe: “O prédio arrendado destina-se a comércio ou indústria (escritório, armazém ou estabelecimento) sendo livre a sublocação total ou parcial, mesmo para a habitação, ficando a inquilina dispensada de requerer a notificação respectiva e sendo-lhe livre estipular a sub-renda que entender” (negrito nosso). 4. A Ré cedeu parcialmente o gozo e utilização do imóvel arrendado mediante contrapartida a uma outra empresa denominada “E…, S.A.” 5. Nunca a Ré comunicou às Autoras ou ao anterior proprietário a dita cessão da utilização do prédio àquela referida “E…, S.A.”. 6. A empresa “E…” pertence inteiramente, tal como a Ré, à família F…. 7. Entre as duas empresas, há toda uma identidade de titulares de órgãos. 8. Os trabalhadores dos quadros duma empresa transitam para os quadros da outra, com frequência. 9. No locado continua a laborar a Ré, através dos seus funcionários. 10. Apenas uma parte se encontra afecta aos actuais trabalhadores da E…. 11. No locado permanecem as mesmas pessoas singulares que o ocupam, desempenhando funções análogas. 12. A actividade empresarial exercida continua a ser a mesma. 2. De direito Estes factos não foram validamente impugnados em sede de recurso, nem é caso para os alterar nos termos do art.º 712.º do CPC, pelo que se consideram assentes. Resta, pois, aplicar-lhes o direito, tendo em vista a resolução da mencionada questão. É pacífico que estamos perante um contrato de arrendamento, validamente celebrado entre o antecessor das autoras e a ré, em 7/3/1964, o qual teve por objecto o prédio cuja entrega aquelas pretendem por esta via, e que fora destinado a comércio ou indústria. Porque tal contrato se foi renovando e subsistia na data da entrada em vigor do NRAU, aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27/2, a qual ocorreu em 27 de Junho do mesmo ano, é-lhe aplicável o regime nele previsto (cfr. art.ºs 59.º e 65.º daquela Lei), com a reintegração de normas anteriormente revogadas pelo RAU no Código Civil, ainda que com alterações. Aliás, era este o regime em vigor na data da propositura da acção, o qual deve ser aplicado, visto que, em matéria de fundamentos da resolução do contrato, é esse o momento temporal decisivo para apurar se os factos invocados têm eficácia constitutiva do direito invocado, posto que se trata de saber se, nessa data, assistia ao senhorio o direito que se arroga. Para fundamentar a sua pretensão de resolução do mencionado contrato, as autoras invocaram a cedência total do locado. O art.º 1083.º do Código Civil (a que pertencem todos os artigos que se citarão sem indicação doutra proveniência) prevê vários fundamentos de resolução, dispondo nomeadamente: “1. Qualquer das partes pode resolver o contrato, nos termos gerais de direito, com base em incumprimento pela outra parte; 2. É fundamento de resolução o incumprimento que, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento, designadamente, quanto à resolução pelo senhorio: … e) A cessão, total ou parcial, temporária ou permanente e onerosa ou gratuita, quando ilícita, inválida ou ineficaz perante o senhorio”. Esta disposição sanciona o incumprimento das obrigações impostas ao locatário nas alíneas f) e g) do art.º 1038.º que dispõe: “São obrigações do locatário: (…) f) Não proporcionar a outrem o gozo total ou parcial da coisa por meio de cessão onerosa ou gratuita da sua posição jurídica, sublocação ou comodato, excepto se a lei o permitir ou o locador o autorizar; g) Comunicar ao locador, dentro de quinze dias, a cedência do gozo da coisa por algum dos referidos títulos, quando permitida ou autorizada; (…)” Por sua vez, o art.º 1049.º estabelece que: “O locador não tem direito à resolução do contrato com fundamento na violação do disposto nas alíneas f) e g) do artigo 1038.º, se tiver reconhecido o beneficiário da cedência como tal, ou ainda, no caso da alínea g), se a comunicação lhe tiver sido feita por este.” Daqui resulta que há dois níveis de exigência para a generalidade das situações de cedência do locado: autorização do senhorio (cuja falta gera ilicitude) e comunicação ao senhorio (cuja falta gera ineficácia em relação a ele). Mas a autorização não será necessária quando a lei permitir a cedência sem ela, enquanto a comunicação da cedência será dispensável quando a lei não a exigir. Em todo o caso, o reconhecimento do locatário pelo senhorio sana uma eventual ilicitude ou ineficácia da cedência do locado. Cremos não haver dúvidas na aplicação dessa dupla exigência aos casos de cessão da posição contratual (cfr. art.º 1059.º, que remete para os art.ºs 424.º a 427.º), sublocação (cfr. art.ºs 1060.º a 1063.º) e comodato (cfr. art.º 1129.º). Expressamente, exclui a lei a exigência de autorização no caso de locação de estabelecimento ou cessão de exploração (cfr. art.º 1109.º actual que pôs fim à querela sobre essa questão até então existente), no caso do trespasse e de cessão da posição de arrendatário para o exercício de profissão liberal (cfr. art.º 1112.º), sem que daí decorra a dispensa da respectiva comunicação ao senhorio, nos termos da al. g) do citado art.º 1038.º, sendo que, no primeiro caso, a comunicação deve ser feita no prazo de um mês (cfr. n.º 2 do art.º 1109.º). Independentemente da modalidade da cedência em causa e sempre que seja de exigir autorização e/ou comunicação ao senhorio, impõe-se saber quem tem o ónus da prova respeitante a esses factos. Esta questão vem subsistindo ao longo da sucessão dos vários regimes legais locatícios, com reflexos na jurisprudência que se mostra dividida. Assim, segundo uns, o senhorio apenas tem o ónus de provar a cedência do locado, cabendo ao arrendatário provar que obteve autorização e/ou que houve lugar à comunicação, por considerarem as faltas de autorização e de comunicação factos impeditivos ou extintivos do direito do autor à resolução do contrato de arrendamento (v.g. o Ac. do STJ de 9/10/2006, processo n.º 06A2463 e o Ac. desta Relação de 26/1/2006, processo n.º 0536429, ambos acessíveis em www.dgsi.pt), enquanto outros defendem que cabe ao senhorio o ónus de provar não só a cedência, mas também que não deu autorização e/ou que não lhe foi feita a comunicação, por considerarem tais factos como constitutivos daquele seu direito (cfr., entre outros, os acórdãos do STJ de 20/10/1992, in BMJ, n.º 420, pág. 524 e de 28/9/2004, no processo 04A2444, em www.dgsi.pt, da RC de 8/3/2006, processo n.º 86/06 e da RE de 24/5/2007, processo n.º 291/06-2, ambos no mesmo sítio). Propendemos para esta segunda posição por entendermos que todos os elementos factuais de que depende a procedência da acção são factos constitutivos do direito do autor, os quais devem ser por ele alegados e provados, ainda que sejam factos negativos, como sucede quanto à inexistência de autorização do senhorio ou à inexistência de comunicação ao senhorio, de harmonia com o disposto no art.º 342.º, n.º 1, visto que o nosso legislador não optou por prever a inversão do ónus da prova perante factos negativos, com fundamento na respectiva dificuldade de prova. Acresce que o n.º 3 do art.º 342.º estabelece que “em caso de dúvida, os factos devem ser considerados como constitutivos do direito”. No caso dos autos, as autoras limitaram-se a alegar a cedência total do imóvel e a falta da sua comunicação ao senhorio. Todavia, não alegaram o tipo de cedência por forma a saber se estava ou não sujeita a autorização e comunicação. Também nada alegaram sobre a inexistência de autorização do senhorio. E, não tendo alegado, também não provaram tais factos, como lhes competia, por serem constitutivos do direito que invocaram, não permitindo, assim, concluir se a cedência é ilícita ou ineficaz. Ao invés, na sequência da alegação e prova por parte da ré, apurou-se que a cedência consistiu numa sublocação de parte do prédio, a qual fora autorizada pelo senhorio, aquando da celebração do contrato de arrendamento, que também dispensou a inquilina de efectuar qualquer comunicação, conforme fizeram constar na cláusula 3.ª do mesmo contrato. Por isso, a cedência provada jamais se pode considerar ilícita ou ineficaz perante o senhorio, pelo que não se verifica o fundamento invocado pelas autoras para a pretendida resolução, não se mostrando, deste modo, violado o citado art.º 1083.º, n.º 2, e). Acresce que as recorrentes, no recurso, afirmam que a subarrendatária E… é “suposta, ficcionada, inventada” quando estribam a sua pretensão unicamente na cedência do locado a essa mesma empresa, o que é, no mínimo, contraditório ao alegado na petição inicial!... Nas conclusões do recurso, as recorrentes invocam, ainda, o art.º 437.º, n.º 1 do Código Civil, que entendem ter sido violado. Tal como consta da sua epígrafe, este artigo estabelece as condições de admissibilidade da resolução ou modificação do contrato por alteração das circunstâncias nos seguintes termos: “1. Se as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal, tem a parte lesada direito à resolução do contrato, ou à modificação dele segundo juízos de equidade, desde que a exigência das obrigações por ela assumidas afecte gravemente os princípios da boa fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato. 2. Requerida a resolução, a parte contrária pode opor-se ao pedido, declarando aceitar a modificação do contrato nos termos do número anterior.” Daqui resulta, inequivocamente, que, para que possa ocorrer a resolução do contrato ou a modificação do respectivo conteúdo, é necessária a verificação cumulativa dos seguintes requisitos: a) Em primeiro lugar, exige-se que a alteração a relevar diga respeito a circunstâncias em que se alicerçou a decisão de contratar; b) Depois, é necessário que essas circunstâncias fundamentais hajam sofrido uma alteração anormal; c) É, ainda, indispensável que a estabilidade do contrato envolva lesão para uma das partes; d) E que a manutenção do contrato ou dos seus termos afecte gravemente os princípios da boa fé; e) Também é necessário que a situação não se encontre abrangida pelos riscos próprios do contrato. Finalmente, do art.º 438.º resulta a exigência de um último requisito que consiste na inexistência de mora do lesado (para mais desenvolvimentos, aqui desnecessários, podem ver-se os Profs. Menezes Cordeiro, in Tratado de Direito Civil Português, II, tomo IV, págs. 320 a 336 e Almeida Costa, in Direito das Obrigações, 5.ª ed. págs. 265 a 278). Mas, escusado será dizer, que estas “circunstâncias” devem ser alegadas e provadas, nos termos gerais, por quem se quiser prevalecer deste instituto (cfr. ac. STJ de 9/3/2010, proferido no processo n.º 134/2000.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt). Isso mesmo é pressuposto pelo n.º 2 do citado art.º 437.º, tanto mais que aí se prevê que, uma vez requerida a resolução, a parte contrária pode opor-se a esse pedido, declarando aceitar a modificação do contrato nos termos do número anterior. Acontece, porém, que a petição inicial é totalmente omissa quanto a este assunto. Não só não foram alegados, naquela peça ou posteriormente, quaisquer factos integradores dos aludidos requisitos ou “circunstâncias”, como também não foi formulado o correspondente pedido para que a demandada pudesse exercer, em tempo oportuno, o direito conferido pelo dito n.º 2. Esta questão foi suscitada exclusivamente em sede de recurso. Trata-se, por isso, de uma questão nova e, como tal, por não ser de conhecimento oficioso, insusceptível de apreciação nesta fase. É que as partes são responsáveis pela orientação e consequências decorrentes da estratégia processual que definem e adoptam e que, em princípio, lhes compete, por força do princípio dispositivo. Desde logo, face ao princípio da auto responsabilidade das partes, sendo certo que lhes incumbe pedir a resolução do conflito, enunciando-o e elegendo o meio concreto de tutela que pretendam perante a alegada violação do direito, carreando os factos e as provas que reputem adequados e formulando os pedidos correspondentes (Pereira Baptista, Reforma do Processo Civil/Princípios Fundamentais, pág. 16). Segundo o princípio dispositivo, compete às partes definir os contornos fácticos do litígio, ou seja, devem ser elas a carrear para os autos os factos em que o tribunal se pode basear para decidir. O autor deverá, pois, alegar os factos que dão consistência à pretensão por si formulada. Ao réu competirá alegar os factos que servem de base à sua defesa (cfr. artº.s 3.º, n.º 1 e 264.º, n.º 1, ambos do CPC). Por outro lado, é sabido que o juiz só pode fundar a decisão nos factos articulados pelas partes, sem prejuízo do disposto no art.º 264.º do CPC (cfr. art.º 664.º do CPC). Por força do princípio dispositivo, consagrado no citado art.º 264.º, cabe às partes alegar os factos que integram a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções (n.º 1), só podendo o juiz servir-se dos factos articulados, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 2 e 3 do mesmo preceito, isto é, com excepção dos factos notórios, dos factos de conhecimento oficial do tribunal e dos factos indiciadores de uso anormal do processo, bem como dos factos instrumentais que resultem da instrução e discussão da causa e dos factos essenciais que sejam “complemento ou concretização de outros que as partes hajam oportunamente alegado e resultem da instrução e discussão da causa, desde que a parte interessada manifeste vontade de deles se aproveitar e à parte contrária tenha sido facultado o exercício do contraditório” (cfr. art.ºs 664.º, 514.º, 665.º e 264.º, n.ºs 2 e 3, todos do CPC). Quer dizer, excepcionados estes casos, o juiz só pode servir-se dos factos constitutivos, impeditivos, modificativos ou extintivos das pretensões formuladas na acção, alegados pelas partes, seja qual for a natureza e o tipo de acção. São as partes quem define os contornos fácticos do litígio, pois devem ser elas a carrear para os autos os factos em que o tribunal se pode basear para decidir. Assim, o autor deverá alegar os factos que dão consistência à pretensão por si formulada, enquanto ao réu competirá alegar os factos que servem de base à sua defesa. É, portanto, monopólio das partes a conformação da instância nos seus elementos objectivos e também subjectivos [cfr. Montalvão Machado, O Novo Processo Civil, 2.ª ed., pág. 26 e Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil (revisto), págs. 53, 128 e 129 e ac. do STJ de 2/10/2001, proferido no processo n.º 02A1296, disponível em www.dgsi.pt]. É certo que, nesta temática, houve alguma limitação ao princípio dispositivo, decorrente da oficialidade resultante dos “factos instrumentais que resultem da instrução e discussão da causa” (cfr. n.º 2 do citado art.º 264.º) e mesmo dos factos essenciais que sejam “complemento ou concretização de outros que as partes hajam oportunamente alegado”, conquanto se verifiquem os condicionalismos já referidos, mencionados no n.º 3 do mesmo artigo. Mas esta limitação do princípio dispositivo não pode ir ao ponto de a busca da verdade material - que se traduz na coincidência entre os factos provados e os factos realmente verificados - aligeirar os cuidados que a lei põe no tocante ao ónus da alegação e da prova. Note-se, ainda, que os factos instrumentais ou indiciários são “factos que não pertencem à norma fundamentadora do direito e em si lhe são indiferentes, e que apenas servem para, da sua existência, se concluir pela dos próprios factos fundamentadores do direito ou da excepção (constitutivos)”, isto é, “factos que têm apenas a função possível de factos-base de presunção, e, como tais, dada a sua função instrumental e auxiliar da prova, estão subtraídos ao princípio dispositivo”, mas sempre sujeitos ao exercício do contraditório (cfr. Anselmo de Castro, in Direito Processual Civil Declaratório, vol. III, págs. 275 e 276). Não há dúvida de que o direito processual civil é hoje um instrumento ou talvez mesmo uma alavanca ao serviço do direito substantivo e da muito propalada verdade material, como consta do preâmbulo do Dec.Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro. Contudo, isso não significa fazer tábua rasa dos preceitos processuais que regulam a actividade das partes, uniformizam procedimentos e asseguram igualdade de tratamento dos litigantes que escolhem o pedido e causa de pedir que mais convém aos seus interesses. Na certeza de que o juiz não pode escusar-se a aplicar a lei sob pretexto de ser injusto ou imoral o conteúdo do preceito legislativo (cfr. art. 8.º, n.º 2, do C. Civil). Tanto basta para que não possa ser atendido aqui o pedido de resolução, formulado exclusivamente nas alegações de recurso, com fundamento na alteração das circunstâncias, ao abrigo do citado art.º 437.º, n.º 1, que também não se mostra violado, podendo adiantar-se, para tranquilidade de algumas consciências, que não se mostram verificados os aludidos requisitos que a lei faz depender da sua aplicação. Sumariando nos termos do n.º 7 do art.º 713.º do CPC para concluir: I. Não tendo as autoras alegado que a cedência do locado foi feita sem autorização do senhorio e provando-se que a mesma havia sido autorizada e que a inquilina fora dispensada de efectuar qualquer comunicação, jamais podem obter a resolução do contrato com aquele fundamento. II. Não tendo alegado factos integradores da alteração anormal das circunstâncias em que fundaram a decisão de contratar, nem formulado o correspondente pedido de resolução, na fase dos articulados, vindo a deduzir este pedido exclusivamente no recurso, também não podem obter a resolução do contrato com este fundamento, quer porque se trata de questão nova, quer porque não se mostram provados os requisitos legais para o efeito. Improcedem, deste modo, todas as conclusões relevantes e, consequentemente, a apelação, pelo que deve manter-se a decisão impugnada. III. Decisão Por tudo o exposto, julga-se improcedente a apelação e, em consequência, confirma-se a sentença recorrida. * Custas pelas apelantes.* Porto, 3 de Maio de 2011Fernando Augusto Samões José Manuel Cabrita Vieira e Cunha Maria das Dores Eiró de Araújo |