Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | PAULO COSTA | ||
Descritores: | CRIME DE CONDUÇÃO PERIGOSA DE VEÍCULO RODOVIÁRIO CRIME DE AMEAÇA | ||
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Nº do Documento: | RP20240605660/18.6PAVNG.P1 | ||
Data do Acordão: | 06/05/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL / CONFERÊNCIA | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - Comete o crime de condução perigosa de veiculo rodoviário do art. 291º, n º 1, al. b) do CP. quem por três vezes, ultrapassa o veículo conduzido pela ofendida e, imediatamente após concluir a manobra de ultrapassagem, encontrando-se o veículo que conduzia imediatamente à frente do veículo conduzido por aquela e circulando ambos na mesma faixa de rodagem trava de forma brusca, levando a que aquela tenha de efetuar manobra de desvio até ser forçada a parar, como forma de evitar a colisão iminente entre os veículos. II - E face à iminência do embate, impõe-se naturalmente a conclusão, à luz das regras da experiência comum, que ocorreu perigo efetivo de lesão da integridade física da ofendida bem como do passageiro que seguia no banco da frente. III - Tendo o arguido imobilizado o seu veículo, saído do interior do mesmo e dirigindo-se junto do veículo conduzido pela ofendida, em alta voz e com foros de seriedade lhe diz “oh filha da puta, vou-te foder!”, ao que a ofendida, com receio do arguido, trancou as portas do seu veículo e tentou fechar completamente os vidros, sendo que de imediato o arguido, com o punho cerrado, desferiu um murro na parte de cima da porta do condutor e ao mesmo tempo, dirigindo-se à mesma novamente e em alta voz e com foros de seriedade disse-lhe “pensas que sou teu pai? Quando te apanhar vou-te partir toda”, e simultaneamente bate no vidro da porta do veículo, comete o crime de ameaça do art. 153º, n º 1 do CP. (Sumário da Responsabilidade do Relator) | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Proc. n º660/18.6PAVNG.P1 - Juízo Local Criminal de Vila Nova de Gaia
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto
I. Relatório No âmbito do Processo Comum Singular n. º660/18.6PAVNG, a correr termos no Juízo Local Criminal de Vila Nova de Gaia- Comarca do Porto, por sentença foi decidido:
«1. Absolver o arguido AA da prática de crime de atentado à segurança de transporte rodoviário, previsto e punido pelo artigo 290º, n.º 1, alínea d), do Código Penal 2. Condenar o arguido AA pela prática de um crime de ameaça, p. e p. pelos artigos 153.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 60 (sessenta) dias de multa, à taxa diária de €6 (seis euros). 3. Condenar o arguido AA pela prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, previsto e punido pelo artigo 291.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal, na pena de 180 (cento e oitenta) dias de multa, à taxa diária de €6 (seis euros). 4. Operar ao cúmulo jurídico das penas impostas ao arguido e Condenar o arguido AA na pena única de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa diária de €6,00 (seis euros), o que perfaz uma pena de multa no valor de €1.200,00 (mil e duzentos euros). 5. Condenar o arguido AA na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados de qualquer categoria pelo período de 5 (cinco) meses, nos termos do artigo 69º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, devendo o mesmo proceder à entrega da carta de condução, no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da presente decisão, na Secretaria deste Tribunal ou em qualquer posto policial, nos termos do disposto no artigo 500º, n.º 2 do Código de Processo Penal, ficando advertido de que se conduzir os ditos veículos durante o período da proibição poderá incorrer na prática de um crime de violação de proibição, previsto e punido pelo artigo 353º do Código Penal. 6. Condenar o arguido no pagamento das custas do processo penal, fixando em 3 UC’s o valor da de taxa de justiça, nos termos do disposto no artigo 513.º do Código de Processo Penal e artigos 8.º, n.º 9 do Regulamento das Custas Processuais e da Tabela III anexa ao mesmo.» * Inconformado, o arguido interpôs recurso, solicitando a revogação da sentença proferida.
Apresenta nesse sentido as seguintes conclusões da sua motivação (transcrição):
I. O recorrente impugna, de forma restrita a partir do teor escrito no texto da decisão, o que lhe é concedido à luz dos artigos 428º e 410º do CPP. II. O vício que se aponta é a insuficiência resultante da decisão de facto para operar o enquadramento jurídico constante da decisão: dos pontos 1 a 6 não se reúne a matéria de facto necessária para a qualificação e condenação decidida a final. III. Não se identifica o veículo tripulado pela BB; o ponto 11 encerra uma dúvida, conjugada a matéria de facto sob 6 e 7 apura-se a fuga da na sequência das expressões exaradas sob 6. IV. As expressões não têm aptidão de vir a ocorrer o mal anunciado e não merecem tutela jurídica. V. A seriedade resume-se a uma reação explosiva do momento, o que impede assacar a consequência referida em 11 e 12. VI. O contexto descrito e as circunstâncias em que são proferidas as expressões têm notório enquadramento no tipo legal de injúria VII. A descrição da faixa de rodagem, com imprecisão das saídas da rotunda, a omissão da velocidade imprimida, a imprecisão dos locais mencionados vicia, pela insuficiência de factos, a decisão. VIII. A verdade é que para o preenchimento do tipo legal previsto no artigo 291º, nº 1, al. b) do CP, pelo qual o recorrente foi condenado, a insuficiência apontada, determinante para operar a violação, ou não do CE, nomeadamente atendendo aos seus artigos 1º, p), 7º, 13º,14º-A, 26º, 41º e 42º, todos do Código da Estrada. IX. De igual sorte, a omissão na decisão de outros factos, que não seja o episódio fugaz e momentâneo com as expressões “oh filha da puta, vou-te foder!”, “pensas que sou teu pai? Quando te apanhar vou-te partir toda”, retira a seriedade necessária e a adequação para a realização do mal futuro, por não decorrer do texto da decisão que o arguido tenha registado quem era a sua interlocutora. X. E, por assim, ser, as regras da experiência não aceitam que dizer o que foi dito a quem não se conhece significa que, na verdade, o “quando te apanhar vou-te partir toda”, venha a acontecer e nos termos escritos sob 12. XI. Ainda para mais é precedido da interpelação “pensas que sou teu pai?”, o que vale por dizer que não sendo pai, não tem que tolerar tudo e este “tudo” é o comportamento anterior enquanto condutora. XII. Assim, ocorre a insuficiência na decisão de facto para o preenchimento do tipo p. e p. pelo artigo 153º do CP antes se enquadrando no tipo 181º do CP (arquivado por o MP não poder promover a ação penal). Depois, surge a questão da identificação do recorrente como condutor. XIII. A acusação, que circunscreve a matéria submetida a julgamento e a faz acompanhar da prova colhida e a ser produzida em julgamento. XIV. Não se pode ignorar que a prova por reconhecimento é um meio de prova típico ao qual a lei obriga ao cumprimento de determinadas formalidades para a sua aquisição, pelo que não observá-las representará um desvio ao legalmente imposto pelo artigo 147º do CPP e não pode ser integrado nos meios de prova atípicos admitidos ao abrigo do artigo 127º, sob pena de confundir os momentos da aquisição da prova e da apreciação da prova. XV. Mais não se pode ignorar que da prova arrolada na acusação consta um reconhecimento positivo que não é pela testemunha mais disponível para observar e menos envolvida, a testemunha CC. XVI. E tal realidade é geradora de uma dúvida, dúvida que se impõe suscitar, na perspectiva do recorrente, enquanto arguido. XVII. Como decorre da fundamentação, a análise recai essencialmente na prova testemunhal. XVIII. Além desta, a fundamentação apenas refere dois elementos decorrentes de prova documental: fls. 9, a prova da titularidade do veículo referido em 2, e fls. 5, atinente ao episódio de urgência referido em 8. XIX. E com tal incorreu na omissão de pronúncia quanto a questão que devia apreciar, ferindo a decisão de nulidade, uto artigo 379º, nº 1, al c) do CPP. XX. Com efeito, como decorre da prova arrolada pela acusação sob 3), que é a prova “por reconhecimento”, não figura como sendo interveniente em reconhecimento positivo a testemunha CC. XXI. E sendo esta a única testemunha no local para lá da queixosa, a existência de um único reconhecimento dá sustentáculo à dúvida que o recorrente invoca em seu favor. XXII. O princípio in dubio pro reo, no caso, deve aplicar-se no interesse da decisão final quanto ao recorrente. XXIII. A decisão, face ao disposto nos artigos 379º, nº 1, al c) e 410º, nº2, al a) do CPP mostra-se ferida de nulidade, além de violadora dos artigos 127º e 147º, ambos do mesmo Diploma, violando, outrossim o princípio basilar da estrutura penal que é o do in dubio, pro reo. DE DIREITO ERRADA QUALIFICAÇÃO JURÍDICA XXIV. Face à decisão de facto, estamos perante crime de injúria: “oh filha da puta, vou-te foder”, sequente a esta expressão, há uma explosão colérica: “pensas que sou teu pais? Quando te apanhar vou-te partir toda”. XXV. A decisão, operou a alteração não substancial nos termos do artigo 358º do CPP face à inoperância dos factos para preencher o crime de atentado à segurança de transporte rodoviário. XXVI. Mas, ainda assim, a insuficiência notória da factualidade dada como apurada não chega para preencher o tipo de crime de condução perigosa p. e p. pelo artigo 291º do CP. XXVII. Não é bastante a explicação aventada na decisão, que refere: De acordo com os pontos 3. a 5. dos Factos Provados, o arguido flectiu o veículo que conduzia para a sua esquerda e invadiu a faixa de rodagem por onde circulava o veículo conduzido pela ofendida, pretendendo ultrapassá-la, travando inopinadamente de seguida; a colisão só não ocorreu porque a ofendida conseguiu imobilizar veículo que conduzia. XXVIII. A descrição dos factos na decisão é incapaz de ser referenciada quanto ao local, ao modo, às circunstâncias em que acontecem, o que impede a conclusão da criação da situação de perigo concreto e a violação das normas de circulação automóvel. XXIX. A falta das demais circunstâncias identificadoras de um facto enquanto evento com alcance jurídico, não permite a afirmação da violação das regras do código da estrada, o que a decisão nem apura ou aponta que violação de regra de circulação de veículos ocorre. XXX. O ponto 9 e 11 preenche o dolo com a afirmação ali vertida, mas as travagens sequentes à aproximação de outro veículo, ignorando-se a que velocidade e em que faixa circulava e qual era a distância mantida entre os veículos podem não sustentar o decidido naqueles pontos. XXXI. Quanto ao crime de ameaça, falta a aptidão, a adequação para vir a produzir o mal futuro. XXXII. Oh filha da puta, vou-te foder - é injurioso. XXXIII. Pensas que sou teu pai? Quando te apanhar vou-te partir toda – consubstancia uma explosão colérica. XXXIV. Para além disso, é duvidoso que o mal futuro (partir toda) venha a ocorrer, na medida em que inexiste aptidão do dito vir a acontecer, por serem desconhecidos entre si, sem qualquer elo de ligação ou possibilidade de na vida voltarem a cruzar os destinos. XXXV. Nos autos, a condenação do recorrente pelo crime de ameaça assentou na matéria assente sob 9 a 12 da decisão de facto. XXXVI. As circunstâncias em que os factos ocorreram: o arguido estar notoriamente arreliado, (“pensas que sou teu pai”), a abordagem ser fugaz, não se conhecerem, a motivação para o seu comportamento (a existência de um conflito na condução, tendo ficado desagradado com o comportamento da condutora), bem como o teor da frase proferida pelo arguido (“quando te apanhar vou-te partir toda”), apontam inequivocamente no sentido de, objetivamente, a ameaça nela contida, relativa à prática de um crime contra a integridade física, não ser adequada a causar medo e inquietação à visada. XXXVII. A decisão é violadora dos artigos 14º, 15º, 291º e 153º, todos do CP. MEDIDA DA PENA XXXVIII. Pese embora a insuficiência apontada na decisão de facto, se o tribunal ad quem decidir que não assiste razão ao recorrente, impõe-se dizer que as exigências de prevenção especial no caso em apreço não são severas ou particularmente intensas, atenta a ausência de averbamentos no seu CRC, por referência à data dos factos em apreço. XXXIX. Quanto às necessidades de prevenção geral, que no caso do crime de condução perigosa a decisão enquadrou-as como medianas. XL. O recorrente sem retirar a importância das exigências de prevenção geral no caso em apreço não as considera sequer medianas. XLI. Por tal razão, a escolha da pena de multa é adequada, mas o seu quantum deve ficar no limiar mínimo da moldura penal abstracta para os crimes p. e p. pelo artigo 291º e 153º do CP. XLII. Sendo que para este último, a multa não deve ultrapassar os 20 dias de multa, quando à condução perigosa, a pena concreta jamais deve ultrapassar os 80 dias de multa. XLIII. Assim, em cúmulo deve fixar-se a pena única de 90 dias de multa à taxa diária de 5 (cinco) euros. XLIV. A sanção acessória prevista no artigo 69º do CP, devem em consonância ser reduzida para o mínimo previsto de 3 meses. XLV. A decisão recorrida violou desta forma os artigos 40º, 47º, 69º, 71º e 77º, todos do CP. Termos em que, deve a decisão ser revogada.” * O Ministério Público junto do Tribunal recorrido respondeu ao recurso, pugnando pela sua improcedência e pela manutenção da sentença recorrida. * Neste Tribunal da Relação do Porto, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer onde acolheu a posição assumida pelo Ministério Público junto do Tribunal recorrido, pugnando, assim, pela improcedência do recurso e pela manutenção da sentença recorrida. * Notificado nos termos do disposto no art. 417.º, n.º 2, do CPPenal, o recorrente não apresentou resposta. * Realizado o exame preliminar, e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência, nada obstando ao conhecimento do recurso. * II. Apreciando e decidindo: Questões a decidir no recurso É pelas conclusões que os recorrentes extrai da motivação que apresenta que se delimita o objeto do recurso, devendo a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas, sem prejuízo do dever de se pronunciar sobre aquelas que são de conhecimento oficioso[1]. As questões que o recorrente coloca à apreciação deste Tribunal de recurso são as seguintes: - Insuficiência resultante da decisão de facto para operar o enquadramento jurídico constante da decisão, quer no que concerne ao crime de condução perigosa, quer ao crime de ameaça; - Nulidade decorrente de omissão de pronúncia, por não ter sido feita expressa menção, na sentença, à prova por reconhecimento realizada, nos termos do art.º 147.º do CPP; - Violação do princípio in dúbio pro reo (por na sua opinião, existirem dúvidas quanto à identidade do condutor); - Violação do princípio da livre apreciação da prova; - Não integrarem as provadas condutas do arguido os crimes de condução perigosa e ameaça, por falta de elementos objetivos; - Excesso das penas parcelares e única aplicadas, que entende deverem ser fixadas nos 20 dias – para o crime de multa -, nos 80 dias – para o crime de condução perigosa e, em cúmulo jurídico, na pena única de 90 dias de multa. - Excesso da pena acessória, que entende dever fixar-se nos 3 meses. * Para análise das questões que importa apreciar releva desde logo a factualidade subjacente e razões da sua fixação, sendo do seguinte teor o elenco dos factos provados e não provados e respectiva motivação constantes da sentença recorrida (transcrição): “1.1. Factos provados Da audiência de julgamento, e com relevo para a decisão a proferir, resultam provados os seguintes factos: - Constantes da acusação pública: 1. No dia 4 abril de 2018, cerca das 14h15m, BB conduzia o seu veículo automóvel e ao chegar à rotunda ..., em V N Gaia, tomou a segunda via a contar da direita, uma vez que não pretendia sair na via imediatamente a seguir. 2. Ao chegar junto da saída da Via ..., o arguido, que se encontrava imediatamente atrás daquela, conduzindo o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..- MU-.., ultrapassou pela esquerda o veículo conduzido pela BB e subitamente tomou a via onde esta seguia, no limite da saída, obrigando a BB a travar subitamente o seu veículo para não colidir com o veículo conduzido pelo arguido. 3. Seguidamente, BB retomou a marcha do seu veículo, saindo da rotunda e entrando na Via ..., tendo o arguido, que seguia imediatamente à sua frente, e quando aquela se aproximou do veículo conduzido pelo mesmo, o arguido travou subitamente o seu veículo, obrigando a BB a fazer uma manobra de evasão, desviando-se para a outra via de trânsito, evitando assim um acidente, designadamente a colisão com o veículo do arguido. 4. Ato contínuo, o arguido voltou a acelerar subitamente a marcha do seu veículo, colocando-se novamente à frente do veículo conduzido pela BB, travou subitamente o seu veículo, obrigando novamente a BB a efetuar manobra de evasão, desviando-se para a outra via de trânsito, evitando assim um acidente, designadamente a colisão com o veículo do arguido. 5. Seguidamente, o arguido voltou a acelerar subitamente a marcha do seu veículo, colocando-se novamente à frente do veículo conduzido pela BB, travou subitamente o seu veículo, obrigando a BB a cessar a marcha do seu veículo, evitando desse modo mais uma vez um acidente com a colisão entre os dois veículos. 6. Após, o arguido imobilizou o seu veículo, saiu do interior do mesmo e dirigiu-se junto do veículo conduzido pela BB e em alta voz e com foros de seriedade disse-lhe “oh filha da puta, vou-te foder!”, ao que a BB, com receio do arguido, trancou as portas do seu veículo e tentou fechar completamente os vidros, sendo que de imediato o arguido, com o punho cerrado, desferiu um murro na parte de cima da porta do condutor e ao mesmo tempo, dirigindo-se à BB novamente e em alta voz e com foros de seriedade disse-lhe “pensas que sou teu pai? Quando te apanhar vou-te partir toda”, e simultaneamente batia no vidro da porta do veículo. 7. Temendo pela sua vida, assustada, a ofendida fugiu do local, ao volante do seu veículo. 8. Na sequência de tais factos e por se encontrar grávida, em pânico e com medo do arguido, teve a ofendida necessidade de receber cuidados médicos, pelo que se deslocou ao Centro Hospitalar ..., onde deu entrada com o episódio de urgência n.º .... 9. Ao agir do modo supra descrito, o arguido, com as referidas travagens súbitas que efetuou com o seu veículo, quis impedir a marcha do veículo da BB, obstando a que a mesma continuasse a sua condução de forma segura. 10. Ao fazê-lo o arguido pôs em perigo a vida e a integridade física da BB e da Testemunha CC, com quem a primeira se fazia transportar no seu veículo, criando ainda perigo aos que se encontravam na circunscrição da aludida estrada, que poderiam ter sido atingidos na sua integridade física ou na sua vida, caso tivesse havido desastre. 11. O arguido sabia que, ao efetuar as travagens acimas descritas com o veículo, como efetuou, tornava altamente provável, como tornou, a colisão do seu veículo com o veículo da ofendida, podendo com tais atos provocar ofensa à integridade física daquela e de terceiros ou até mesmo a morte, o que quis e aceitou. 12. Agiu ainda o arguido em todas as situações acima descritas, com as expressões proferidas, com a intenção de fazer crer à BB que lhe havia de provocar lesões à integridade física, agindo com a intenção de lhe provocar medo e inquietação, o que de facto, conseguiu, motivando a que aquela passasse a andar com receio da concretização do anunciado pelo arguido, deixando-a sempre em constante sobressalto pela segurança da sua integridade física, provocando-lhe permanente situação de instabilidade. 13. O arguido agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram previstas e punidas por lei. - Constantes da contestação: Inexiste. - Quanto aos antecedentes criminais: 14. Do CRC do arguido consta que no âmbito do processo n.º 37/14.2PEVNG, que correu termos em V.N.GAIA - JL CRIMINAL - JUIZ 2, por sentença proferida em 21.11.2017, transitada em julgado em 28.05.2018, pela prática, em 11.09.2014, de um crime de ofensa à integridade física, uma condenação na pena de 90 dias de multa, à taca diária de €8, extinta em 20.01.2020. - Quanto às condições sociais, económicas, profissionais e familiares do arguido: 15. O arguido exerceu a actividade de contabilista, encontrando-se atualmente reformado. 16. Aufere €1.050, mora em casa arrendada, cuja renda mensal ascende a €400. 17. Reside sozinho, pagando €400 a pessoa que do mesmo trata dele. 1.2. Factos não provados Com relevo para a boa decisão da causa inexistem factos não provados. 1.3. Motivação da decisão da matéria de facto
O Tribunal formou a sua convicção positiva com base na análise crítica e conjugada da prova produzida em audiência de julgamento globalmente considerada e apreciada segundo as regras da experiência, destacando-se, resumidamente, o seguinte. O arguido negou a autoria dos factos por que vem acusado e sustentou que, à data dos factos, desde Março de 2018 até setembro desse mesmo ano, o veículo automóvel de matrícula ..- MU-.., de sua propriedade (cfr. Fls. 9), esteve sem circular, por força do incumprimento contratual do contrato celebrado com uma empresa de leasing, tendo ficado aparcado na residência da testemunha DD. Tal facto foi frontalmente contrariado pelos depoimentos das testemunhas BB e CC, que não conheciam o arguido de rigorosamente lado algum, esclareceram os factos que se assentaram como provados, sendo pormenorizadas quanto ao trajecto que efecutavam, o destino a que se propunham, hora e local, as manobras encetadas pelo arguido após a primeira testemunha ter entrado na rotunda, esclarecedoras quanto ao veículo por aquele tripulado, de cor vermelha, cuja matrícula foi apontada num caderno pela segunda testemunha e facultada à primeira para a apresentação da queixa, como aliás consta de fls. 4, e o comportamento do arguido perante as travagens que a primeira testemunha se viu forçada a fazer, até que o arguido atravessou o veículo à frente da ofendida, obrigando-a a imobilizar o veículo por si conduzido, confirmando e as palavras proferidas e murros desferidos pelo arguido nessa sequência. Também esclareceram o estado anímico em que a ofendida nessa sequência, grávida de 5 meses, a impor que lhe fosse prestada assistência hospitalar, comprovada pelo relatório de urgência de fls. 5. Os depoimentos destas testemunhas foram de uma credibilidade inatacável, em face da sua isenção, espontaneidade, coerência e congruência. Por outra banda, inquirida a testemunha DD, agente da PSP, reformado, amigo do arguido, de forma absolutamente parcial, comprometida, espartilhado nas respostas e vaga em pormenores, insistiu que o veículo esteve precisamente na sua residência entre março de 2018 a setembro desde ano, sem lograr esclarecer o motivo pelo qual se recorda com tanta precisão desse intervalo temporal, ocorrido já há cinco anos, por um lado, por outro questionado pelo motivo pelo qual se predispor a “esconder” um veículo do arguido, já que este dispunha de garagem, inicialmente referiu que, tendo sido pedido esse favor pelo arguido, não o questionou, porque “quando um amigo precisa de 500 paus, empresta-se”, contudo tendo-se insistido pela motivação de tal pedido, já que os amigos que fazem favores, também falam sobre os problemas que impõem os pedidos de ajuda, lá referiu que tinha que ver com um “leasing”. Contudo, apesar dos poucos pormenores que a testemunha trouxe no seu depoimento, quando questionada sobre quem havia ficado com a chave do veículo do arguido enquanto esteve aparcada, coberta com um impermeável, em frente da garagem da vítima durante 6 meses, impedindo a sua correcta utilização, diga-se, asseverou que foi o arguido, contrariando frontalmente as declarações deste, que foi peremptório em afirmar que as chaves do veículo ficaram sempre na posse do seu fiel amigo…. Do conspecto da prova, analisada à luz das regras da experiência e normal acontecer, não poderá vingar a tese da “cabala” trazida pelo arguido por quem nem sequer o conhece, ao invés só se poderá concluir que o arguido praticou os factos em apreço, desmerecendo as declarações do arguido por incongruente, inconsistentes e contraditórias com o depoimento da testemunha DD. Aponte-se, por último, que as testemunhas BB e CC, que antes dos factos nunca tinham visto o arguido, como se disse, não tiveram dúvidas em reconhecê-lo como o autor dos mesmos, tendo a segunda testemunha dito espontaneamente que assim que viu o arguido a chegar ao tribunal, agora de muletas, não teve dúvidas que estava na presença do autor dos factos. Relativamente aos elementos volitivos, os mesmos foram extraídos dessa mesma verificação em conjugação e por apelo às regras da experiência comum e da habitualidade. Assim, ponderados tais depoimentos circunstanciados, cotejados com a prova documental a que se fez alusão, nenhumas dúvidas sobrevieram ao tribunal sobre os factos dados como provados. No que concerne aos antecedentes criminais do arguido valorou-se o certificado de registo criminal juntos a 17.10.2023 dos autos, e quanto à situação económica, familiar e social dos arguidos, fundou o tribunal a sua convicção nas declarações pelo mesmo prestada.” * Vejamos.
Da insuficiência resultante da decisão de facto para operar o enquadramento jurídico constante da decisão, quer no que concerne ao crime de condução perigosa, quer ao crime de ameaça.
O recorrente confunde erro de julgamento com vícios do art. 410º do CPP. Na verdade, o recorrente começa por afirmar que a matéria vertida nos pontos 1 a 6 é insuficiente para sustentar o enquadramento jurídico que foi realizado pelo Tribunal a quo, afirmando que era necessário apurar a identificação do veículo da vitima, importante para se retirarem as conclusões vertidas em 7 a 12. Questiona o impacto das expressões utilizadas pelo arguido, refere ser importante aferir a descrição da faixa de rodagem, velocidade imprimida ao veículo, não sendo suficiente a descrição que foi feita do acidente, descrição do local, entre outras que descreve nas suas motivações. O recurso em matéria de facto é entendido como um meio de reparar os vícios do julgamento em primeira instância não visando a obtenção de uma nova convicção assente em novo julgamento a realizar pelo tribunal superior, ou seja, e em resumo, não é admissível fazer-se o julgamento do julgamento. Como se sabe, Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (defeito decisório invocado e integrantes do nº 2 do art. 410º do CPP) e erro de julgamento são realidades diferentes: o erro de julgamento pressupõe que a prova produzida, analisada e valorada não pode conduzir à matéria de facto que foi dada como provada, enquanto a insuficiência prescinde da análise da prova produzida, para se centrar exclusivamente no texto da decisão recorrida, isolada ou de forma conjugada com as regras da experiência comum. “I. A insuficiência para decisão da matéria de facto provada não se confunde com a insuficiência da prova para os factos que erradamente foram dados como provados. Na primeira critica-se o Tribunal por não ter indagado e conhecido os factos que podia e devia, tendo em vista a decisão justa a proferir de harmonia com o objeto do processo; na segunda censura-se a errada apreciação da prova levada a cabo pelo Tribunal: teriam sido dados como provados factos sem prova para tal. II. O vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no art. 410.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Penal, consiste numa carência de factos que suportem uma decisão de direito dentro do quadro das soluções plausíveis da causa, conduzindo á impossibilidade de ser proferida uma decisão segura de direito, sobre a mesma. No fundo, é algo que falta para uma decisão de direito, seja a proferida efetivamente, seja outra, em sentido diferente, que se entenda ser a adequada ao âmbito da causa” – Ac. da RL acima citado. Os vícios contemplados no art. 410º do CPP são de lógica jurídica ao nível da matéria de facto, que tornam impossível uma decisão logicamente correta e conforme à lei, ou, como é afirmação comum, são “anomalias decisórias” ao nível da elaboração da sentença, circunscritas à matéria de facto, apreensíveis pela simples leitura do respetivo texto, sem recurso a quaisquer elementos externos a ela, impeditivos de bem se decidir, tanto ao nível da matéria de facto, como de direito. Tais vícios (ou, como também são designados, erros-vícios) não se confundem com errada apreciação e valoração das provas. Embora em ambos se esteja no domínio da sindicância da matéria de facto, são muito diferentes na sua estrutura, alcance e consequências. Aqueles (vícios decisórios) examinam-se, indagam-se, através da análise do texto da sentença. Posto isto cumpre dizer que a situação invocada não se verifica, de todo, como decorre da análise da sentença. Os factos que foram dados por assentes pelo tribunal a quo são os necessários e os suficientes, sem qualquer dúvida – na nossa perspetiva - para se considerarem preenchidos os elementos objetivos e subjetivos dos ilícitos criminais pelos quais o arguido foi condenado. Concretizando. O facto de não se ter apurado a matrícula do veículo conduzido pela BB, é inócuo, para o preenchimento do tipo de crime em análise, como inócuo é saber o nome da rotunda que dá acesso à via ..., quais as marcas existentes na rotunda, bem como qual a faixa “outra via de trânsito”, para a qual a arguida se viu forçada a desviar, como única forma de não embater no veículo conduzido pelo arguido (isto por reporte ao ponto 11). Isto, porque embora não tenha ocorrido o embate, apenas se provou a iminência da sua verificação, o facto integrador do crime de condução perigosa, que levou à condenação do arguido foi a violação plúrima – inequivocamente grosseira – das regras de ultrapassagem, como flui da motivação de direito da douta sentença, concretamente o facto de, por três vezes, ultrapassar o veículo conduzido pela BB (não está em causa que, pela esquerda, como devida) e, imediatamente após concluir a manobra de ultrapassagem, encontrando-se o veículo que conduzia imediatamente à frente do veículo conduzido por aquela e circulando ambos na mesma faixa (se da direita, se da esquerda, se do meio, é indiferente), travar de forma brusca, levando a que aquela tivesse de efetuar as manobras de recurso descritas nos pontos 3 a 5, como forma de evitar a colisão entre os veículos, que esteve iminente, como também flui da factualidade provada. E tendo-se provado a iminência do embate, por força da violação das regras de ultrapassagem, impõe-se naturalmente a conclusão, à luz das regras da experiência comum, que ocorreu perigo efetivo de lesão da integridade física da ofendida (bem como da testemunha, aliás), ainda que não se tenha logrado apurar – o que não é raro suceder -, a concreta velocidade a que os veículos seguiam, a qual se situaria, portanto, dentro do limite de velocidade legalmente estabelecido, no local (interior de uma localidade), sendo consabido que mesmo uma colisão ocorrida a 30 ou 40 km/h é suscetível de provocar lesões físicas nos ocupantes dos veículos envolvidos. Quanto à verificação do crime de ameaça: Entende o arguido que as expressões utilizadas não eram adequadas a provocar na ofendida medo ou inquietação. Como se refere no Acórdão da Relação de Évora de 25.1.2022, disponível in www.dgsi.pt/jtre/ “No que respeita ao critério da adequação da ameaça a provocar medo ou inquietação, ou a prejudicar a liberdade de determinação, deve considerar-se que o mesmo é objetivo-individual. Ou seja, deve verificar-se, perante as circunstâncias em que é proferida a ameaça e atendendo à personalidade da vítima, aquela é suscetível de intimidar o homem comum, devendo ainda ter-se em conta, no caso de existirem, tanto as subcapacidades como as sobrecapacidades da vítima da ameaça” (na mesma linha se escreve no Acórdão da Relação de Coimbra de 5.6.2019, in www.dgsi.pt/jtrc, que ameaça adequada é aquela que, de acordo com a experiência comum, é suscetível de ser tomada a sério pelo ameaçado, tendo em conta as suas caraterísticas pessoais). Consabido que a ameaça pode ser feita não apenas por palavras, mas também por escritos, ou por gestos. No caso dos autos, as expressões ameaçadoras, como resultou provado, assumindo claramente a natureza de mal futuro, foram proferidas em alta voz, com foros de seriedade e em contexto de grande violência, porquanto foram acompanhadas de pancadas no vidro e de murro na parte de cima da porta do condutor, lugar ocupado pela ofendida. São, pois, inequivocamente, adequadas a causar na ofendida (grávida, de cinco meses, como explicou), medo, inquietação e a perturbar a sua liberdade de determinação. O argumento de que ambos não se conheciam, é carecido de sentido, pois o tipo não exige, para o seu preenchimento, que agente e vítima se conheçam. Tendo presente que “1. No dia 4 abril de 2018, cerca das 14h15m, BB conduzia o seu veículo automóvel e ao chegar à rotunda ..., em V N Gaia, tomou a segunda via a contar da direita, uma vez que não pretendia sair na via imediatamente a seguir. 2. Ao chegar junto da saída da Via ..., o arguido, que se encontrava imediatamente atrás daquela, conduzindo o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..- MU-.., ultrapassou pela esquerda o veículo conduzido pela BB e subitamente tomou a via onde esta seguia, no limite da saída, obrigando a BB a travar subitamente o seu veículo para não colidir com o veículo conduzido pelo arguido. 3. Seguidamente, BB retomou a marcha do seu veículo, saindo da rotunda e entrando na Via ..., tendo o arguido, que seguia imediatamente à sua frente, e quando aquela se aproximou do veículo conduzido pelo mesmo, o arguido travou subitamente o seu veículo, obrigando a BB a fazer uma manobra de evasão, desviando-se para a outra via de trânsito, evitando assim um acidente, designadamente a colisão com o veículo do arguido. 4. Ato contínuo, o arguido voltou a acelerar subitamente a marcha do seu veículo, colocando-se novamente à frente do veículo conduzido pela BB, travou subitamente o seu veículo, obrigando novamente a BB a efetuar manobra de evasão, desviando-se para a outra via de trânsito, evitando assim um acidente, designadamente a colisão com o veículo do arguido. 5. Seguidamente, o arguido voltou a acelerar subitamente a marcha do seu veículo, colocando-se novamente à frente do veículo conduzido pela BB, travou subitamente o seu veículo, obrigando a BB a cessar a marcha do seu veículo, evitando desse modo mais uma vez um acidente com a colisão entre os dois veículos. 6. Após, o arguido imobilizou o seu veículo, saiu do interior do mesmo e dirigiu-se junto do veículo conduzido pela BB e em alta voz e com foros de seriedade disse-lhe “oh filha da puta, vou-te foder!”, ao que a BB, com receio do arguido, trancou as portas do seu veículo e tentou fechar completamente os vidros, sendo que de imediato o arguido, com o punho cerrado, desferiu um murro na parte de cima da porta do condutor e ao mesmo tempo, dirigindo-se à BB novamente e em alta voz e com foros de seriedade disse-lhe “pensas que sou teu pai? Quando te apanhar vou-te partir toda”, e simultaneamente batia no vidro da porta do veículo.”, resulta que estes factos são suficientes para sustentar o enquadramento jurídico efetuado pelo tribunal a quo, não carecendo dos “pormenores” invocados pelo recorrente. São os essenciais e necessários à boa decisão da causa.
Assim, não se verifica qualquer insuficiência de facto para a decisão. Da nulidade por omissão de pronúncia. Não resulta que essa não pronúncia tenha de alguma forma prejudicado os direitos de defesa do recorrente, por o reconhecimento presencial então realizado reforçar, ainda mais, a convicção que o tribunal criou sobre a autoria da prática dos factos. Com efeito, resulta claro, na douta sentença, que a convicção do tribunal, quanto a ser o arguido o autor dos factos, decorreu da circunstância de quer a ofendida/demandante, quer a testemunha CC, em audiência de julgamento, o terem reconhecido, inequivocamente, como tal. Reconhecimento este que está ao abrigo da livre apreciação da prova e que em nada choca com as regras da experiência comum concatenando toda a prova em que se suportou o tribunal. Foi esta circunstância que levou a que o tribunal, sem qualquer margem para dúvidas, se convencesse de que o arguido foi o autor dos factos. Confirmando ambas, em audiência, quando confrontadas com a presença do arguido, ser ele o autor dos factos, qualquer menção em sede de sentença ao reconhecimento efetuado em inquérito, nos termos do art.º 147.º do CPP, era dispensável, sendo certo que este ainda reforçaria a convicção então criada. Seria diferente se aquele reconhecimento fosse contrariado pelo outro, situação que exigiria que o tribunal tomasse posição. Acresce que a identificação/reconhecimento efetuada em audiência, não carece, para ser válida, da prévia realização em sede de inquérito de “prova por reconhecimento”, nem obedece aos mesmos formalismos. Na verdade, “não se aplicam as regras gerais previstas no art.º 147.º do CPP, ao acontecimento ocorrido em audiência, em que o ofendido, ao confrontar-se com o arguido na sala de audiências, soube identificar este como sendo o autor dos factos que o tiveram como vítima” (Acórdão da Relação de Coimbra de 10.11.2020, in www.dgsi.pt/jtrc, no mesmo sentido o Acórdão da Relação de Lisboa de 27.1.2021, disponível in www.dgsi.pt/jtrl) e o “facto de não se estar perante uma prova por reconhecimento nos termos do art.º 147.º do CPP não impede que o depoimento de uma testemunha, no sentido de identificar um arguido, como sendo o agente dos factos, possa valer como meio de prova sujeito à livre apreciação do tribunal” (Acórdão da Relação do Porto de 16.3.2022, onde se analisou o reconhecimento através do visionamento de imagens de videovigilância, disponível in www.dgsi.pt/jtrp). O tribunal abordou e analisou a questão da autoria.
Improcede, pois, também neste segmento, o recurso, porquanto não ocorreu qualquer nulidade, não tendo o tribunal deixado de se pronunciar sobre qualquer “questão” (pois de questões se trata), apenas omitindo a referência a um meio de prova que, por dispensável, não contribuiu para a formação da sua convicção. Não se mostra violado o disposto no art. 379º, n º 1, al. c) do CPP.
A Sentença fundamentou de forma clara e adequada a matéria de facto dada como provada, analisando todos os meios de prova que sustentaram a apreciação feita pelo Tribunal a quo, fazendo uma apreciação, interpretação e valoração dos mesmos, cuja razoabilidade e plausibilidade é, em nosso entender, inatacável, principalmente no descrédito e crédito atribuído ao arguido que disse nada ter feito. Da leitura da douta Sentença percebe-se o raciocínio e lógica que determinou o Tribunal a quo a dar como provados os factos aí constantes, respeitando o disposto no n.º 2 do artigo 374.º do Código de Processo Penal. O Tribunal, após a análise crítica e conjugada de toda a prova produzida em audiência, fixou a matéria de facto provada, valorando-a sob a égide do princípio da livre apreciação. Por isso, o tribunal a quo não formulou o seu juízo com base em incongruências e suposições, mas antes considerando a prova documental e testemunhal produzida, que não deixou margem para dúvidas.
O tribunal a quo a este respeito apresentou a sua justificação que em nada tolhe as regras da experiência «… O arguido negou a autoria dos factos por que vem acusado e sustentou que, à data dos factos, desde Março de 2018 até setembro desse mesmo ano, o veículo automóvel de matrícula ..- MU-.., de sua propriedade (cfr. Fls. 9), esteve sem circular, por força do incumprimento contratual do contrato celebrado com uma empresa de leasing, tendo ficado aparcado na residência da testemunha DD. Tal facto foi frontalmente contrariado pelos depoimentos das testemunhas BB e CC, que não conheciam o arguido de rigorosamente lado algum, esclareceram os factos que se assentaram como provados, sendo pormenorizadas quanto ao trajecto que efecutavam, o destino a que se propunham, hora e local, as manobras encetadas pelo arguido após a primeira testemunha ter entrado na rotunda, esclarecedoras quanto ao veículo por aquele tripulado, de cor vermelha, cuja matrícula foi apontada num caderno pela segunda testemunha e facultada à primeira para a apresentação da queixa, como aliás consta de fls. 4, e o comportamento do arguido perante as travagens que a primeira testemunha se viu forçada a fazer, até que o arguido atravessou o veículo à frente da ofendida, obrigando-a a imobilizar o veículo por si conduzido, confirmando e as palavras proferidas e murros desferidos pelo arguido nessa sequência. Também esclareceram o estado anímico em que a ofendida nessa sequência, grávida de 5 meses, a impor que lhe fosse prestada assistência hospitalar, comprovada pelo relatório de urgência de fls. 5. Os depoimentos destas testemunhas foram de uma credibilidade inatacável, em face da sua isenção, espontaneidade, coerência e congruência. Por outra banda, inquirida a testemunha DD, agente da PSP, reformado, amigo do arguido, de forma absolutamente parcial, comprometida, espartilhado nas respostas e vaga em pormenores, insistiu que o veículo esteve precisamente na sua residência entre março de 2018 a setembro desde ano, sem lograr esclarecer o motivo pelo qual se recorda com tanta precisão desse intervalo temporal, ocorrido já há cinco anos, por um lado, por outro questionado pelo motivo pelo qual se predispor a “esconder” um veículo do arguido, já que este dispunha de garagem, inicialmente referiu que, tendo sido pedido esse favor pelo arguido, não o questionou, porque “quando um amigo precisa de 500 paus, empresta-se”, contudo tendo-se insistido pela motivação de tal pedido, já que os amigos que fazem favores, também falam sobre os problemas que impõem os pedidos de ajuda, lá referiu que tinha que ver com um “leasing”. Contudo, apesar dos poucos pormenores que a testemunha trouxe no seu depoimento, quando questionada sobre quem havia ficado com a chave do veículo do arguido enquanto esteve aparcada, coberta com um impermeável, em frente da garagem da vítima durante 6 meses, impedindo a sua correcta utilização, diga-se, asseverou que foi o arguido, contrariando frontalmente as declarações deste, que foi peremptório em afirmar que as chaves do veículo ficaram sempre na posse do seu fiel amigo…. Do conspecto da prova, analisada à luz das regras da experiência e normal acontecer, não poderá vingar a tese da “cabala” trazida pelo arguido por quem nem sequer o conhece, ao invés só se poderá concluir que o arguido praticou os factos em apreço, desmerecendo as declarações do arguido por incongruente, inconsistentes e contraditórias com o depoimento da testemunha DD. Aponte-se, por último, que as testemunhas BB e CC, que antes dos factos nunca tinham visto o arguido, como se disse, não tiveram dúvidas em reconhecê-lo como o autor dos mesmos, tendo a segunda testemunha dito espontaneamente que assim que viu o arguido a chegar ao tribunal, agora de muletas, não teve dúvidas que estava na presença do autor dos factos. Relativamente aos elementos volitivos, os mesmos foram extraídos dessa mesma verificação em conjugação e por apelo às regras da experiência comum e da habitualidade.(…)” Em face do exposto foi feita uma correta análise crítica da prova produzida, mostrando-se a decisão devidamente motivada.
O julgamento da matéria de facto, sendo um juízo eminentemente subjetivo, “objectiva-se” nos meios de prova devidamente interpretados, valorados e apreciados que o fundamentam e o erro na apreciação das provas consiste em o tribunal ter dado como provado ou não provado determinado facto quando a conclusão deveria ter sido manifestamente a contrária, seja por força de uma incongruência lógica, seja por ofender princípios ou leis científicas, nomeadamente das ciências da natureza e das ciências físicas ou contrariar princípios gerais da experiência comum das pessoas (e em todos estes casos o erro será mesmo notório e evidente) seja também - e para o que ora nos ocupa - quando a valoração e apreciação das provas produzidas apontarem num sentido diverso do acolhido pela decisão judicial, mas - note-se - excluindo este. As concretas provas que apontam foram provas apreciadas pelo Tribunal, que e sobre as mesmas efetuou a sua apreciação, tal qual estava obrigado nos termos do disposto no artigo 127º do CPP, tendo fundamentado a sua convicção de forma clara e de acordo com as regras da experiência comum.
A apreciação feita pelo recorrente não alcança o mérito de impor uma decisão diversa, sendo de referir com clareza que assim o teria de obter, não bastando a mera possibilidade de permitir uma decisão diversa, tanto mais que o tribunal a quo está alicerçado noutra prova. Estamos perante uma nova interpretação e uma nova análise crítica da prova produzida de iniciativa do recorrente e que não permite afastar a que o Tribunal efetuou, revelando-se esta devidamente fundamentada e suficientemente explícita e compreensível, ajustada às regras da experiência comum, não nos merecendo qualquer censura, razão pela qual o recurso não pode ser provido. Neste conspecto, a Sentença fundamentou de forma clara e adequada a matéria de facto dada como provada, analisando todos os meios de prova que sustentaram a apreciação feita pelo Tribunal a quo, fazendo uma apreciação, interpretação e valoração dos mesmos, cuja razoabilidade e plausibilidade é, em nosso entender, inatacável, principalmente no descrédito e crédito atribuído aos depoentes, nomeadamente o crédito atribuído às declarações das testemunhas e ao descrédito das declarações dos arguidos. Da sua leitura percebe-se o raciocínio e lógica que determinou o Tribunal a quo a dar como provados os factos aí constantes, respeitando o disposto no n.º 2 do artigo 374.º do Código de Processo Penal. Pelo que, não obstante o alegado, não se vê uma apreciação contrária à logica e experiência comum. Não foi violado o princípio da livre apreciação da prova. O tribunal a quo não formulou o seu juízo com base em incongruências e suposições, mas antes considerando a prova documental e testemunhal produzida, que não deixou margem para dúvidas e as supostas contradições, per si, normais em face do decurso do tempo e da posição de cada um dos intervenientes e interpretação que fizeram e processaram dos factos, não só de molde a questionar a verdade encontrada pelo tribunal a quo. Em face do exposto o tribunal a quo a este respeito apresentou a sua justificação que em nada tolhe as regras da experiência. Tal decisão é perfeitamente normal e está dentro dos poderes discricionários objetivados do juiz, com base na livre apreciação da prova que lhe compete, e ainda na prova documental que foi junta aos autos. Tendo, por isso, o tribunal a quo andado bem ao dar como provados os factos questionados. O tribunal não ficou com qualquer dúvida e não agiu numa perspetiva justiceira. A prova produzida sustenta a sua decisão. Preceitua o citado artigo 127° do Código de Processo Penal que “salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”. De acordo com Teresa Beleza (in Revista do Ministério Público, Ano 19°, pág. 40) “... o valor dos meios de prova (...) não está legalmente pré-estabelecido. Pelo menos tendencialmente, todas as provas valem o mesmo: o tribunal apreciá-las-á segundo a sua livre convicção. O mesmo é dizer: a liberdade de decidir segundo o bom senso e a experiência da vida, temperados pela capacidade crítica de distanciamento e ponderação dada pelo treino profissional, o saber de experiência feito e honesto estudo misturado; ou, na expressão feliz de Castanheira Neves, trata-se de uma liberdade para a objectividade (...)”. Com efeito, e de acordo com o disposto no artigo 127º do Código de Processo Penal (livre apreciação da prova), salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente. De “convicção do tribunal” fala-se igualmente no artigo 374º, nº 2, in fine, do mesmo diploma legal, a propósito da obrigação de fundamentação. De acordo com este princípio (da livre convicção ou da prova moral) o julgador tem pois a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos submetidos a julgamento com base apenas no juízo que se fundamenta no mérito objetivamente concreto desse caso, na sua individualidade histórica, tal como ele foi exposto e adquirido representativamente no processo (pelas alegações, respostas e meios de prova utilizados, etc.). Para tanto, a decisão deve conter os elementos que, em razão das regras da experiência ou dos critérios lógicos, constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados na audiência. Por outro lado, e na esteira de Cavaleiro Ferreira, a apreciação da prova está vinculada aos princípios em que se consubstancia o direito probatório, pelo que a liberdade que é concedida ao juiz não deve ser entendida como uma operação puramente subjetiva, devendo, ao invés, traduzir-se numa valoração racional e crítica, de acordo com as já mencionadas regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita objetivar, sempre, a apreciação feita à prova carreada durante a audiência de discussão e julgamento. A convicção do Juiz há-de ser sempre pessoal, mas também “(…) objectivável, e motivável, portanto capaz de se impor aos outros” (cfr. Figueiredo Dias, in Direito Processual Penal, I, pág. 202). A este propósito refere Germano Marques da Silva que “a livre valoração da prova tem de se traduzir numa valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita objectivar a apreciação, requisito necessário para uma efectiva motivação da decisão... Com a exigência de objectivação da livre convicção poderia pensar-se nada restar já à liberdade do julgador, mas não e assim. A convicção do julgador há-se ser sempre uma convicção pessoal, mas há-de ser sempre "uma convicção objectivável e motivável, portanto capaz de impor-se aos outros". “O juízo sobre a valoração da prova tem diferentes níveis. Num primeiro aspecto trata-se da credibilidade que merecem ao tribunal os meios de prova e depende substancialmente da imediação e aqui intervêm elementos não racionalmente explicáveis (vg. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova). Num segundo nível referente à valoração da prova intervêm as deduções e induções que o julgador realiza a partir dos factos probatórios e agora já as inferências não dependem substancialmente da imediação, mas hão-de basear-se nas regras da lógica, princípios da experiência e conhecimentos científicos, tudo se podendo englobar na expressão regras da experiência..." (in Curso de Processo Penal, II, pág. 126 e ss.). Ora, o recorrente pretendeu colocar em crise, nem mais nem menos, a convicção em que o tribunal se baseou para proceder ao julgamento da matéria de facto, segundo o princípio da livre apreciação da prova a que alude o dispositivo legal supra (como impõe a lei). Neste sentido, “se o recorrente se limita a discutir o processo lógico do julgamento de facto baseado no princípio da livre apreciação da prova, invocando a violação do art. 127°do CPP, é manifesta a improcedência do recurso, pelo que deve ser rejeitado” (cfr. Acórdão do STJ de 28 de Maio de 1992, processo 42748, in www.dgsi.pt). Ainda o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 30 de Maio de 2005 (in www.dgsi.pt) cujo sumário se parcialmente se transcreve, “I – Na frase lapidar do Prof. Castanheira Neves, ao expor o princípio da livre apreciação da prova (artigo 127°), o julgador tem a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos submetidos a julgamento com base apenas “no juízo que se fundamenta no mérito objectivamente concreto desse caso, na sua individualidade histórica, tal como ele foi exposto e adquirido representativamente no processo (pelas alegações, respostas e meios de prova utilizados, etc.)”, sendo certo que outra coisa não decorre da actividade do Tribunal recorrido. II – Anote-se ainda, para melhor compreensão, que aquilo que o tribunal de recurso pode essencialmente censurar “é a violação de todo o conjunto de princípios que estão subtraídos à livre apreciação da prova (que limitam o ‘”arbítrio” na sua apreciação): as regras de experiência comum, o princípio “in dubio pro reo”, o principio de presunção de inocência e, em especial, aquele que está directamente ligado à afirmação de uma culpabilidade pelo facto, isenta a qualquer referência a características pessoais do arguido. V – Como escrevia Eb. Schmidt, e depois foi inúmeras vezes repetido, só existe convicção do juiz quando ele próprio já não tem dúvidas, pois que se ao juiz se apresentam várias possibilidades sobre a conformação factual, sem poder fixar-se apenas numa delas, encontra-se ainda na incerteza, isto é, na dúvida, impondo-se- lhe então aplicar o “in dubio pro reo”. A esta luz, não poderemos de deixar de considerar inócuos considerandos tecidos sobre o que disse ou deixou de dizer a testemunha e o próprio arguido, cuja convicção não coincidiu com a convicção crítica, isenta e objetiva do julgador, apreciada à luz das faladas regras da experiência comum. No fundo, o que está em causa é uma diferente convicção ou valoração da prova feita por este necessariamente em conflito, tão só porque lhe é desfavorável. Assim, e neste contexto, cabe dizer que, o Tribunal a quo indicou com rigor os meios de prova de que se serviu para formar a sua convicção e objetivou, racionalizou e motivou de forma exaustiva as razões que o levaram a dar como provados os factos que suportaram a condenação do arguido ora recorrente.
DA VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DO IN DUBIO PRO REO: Existe violação do princípio in dubio pro reo, quando seguindo o processo decisório evidenciado através da motivação da convicção se chegar à conclusão de que o tribunal, tendo ficado num estado de dúvida, decidiu contra o arguido, ou quando a conclusão retirada pelo tribunal em matéria de prova se materialize numa decisão contra o arguido que não seja suportada de forma suficiente, de modo a não deixar dúvidas irremovíveis quanto ao seu sentido, pela prova em que assenta a convicção. Ora, se certo é que se apresentaram em sede de audiência de discussão e julgamento, duas versões contraditórias dos factos, sendo uma a alegada pelo arguido e outra a constante da acusação, certo é que não resulta, em qualquer momento da douta decisão recorrida que se tenha na mente do julgador formado qualquer dúvida, muito menos uma dúvida razoável que pudesse infirmar o seu raciocínio lógico e, consequentemente, impor a absolvição do arguido com base no principio in dubio pro reo. Com efeito a prova produzida permite afirmar sem qualquer dúvida que o arguido praticou os factos pelo qual foi condenado não tendo permanecido qualquer dúvida que haja sido julgada contra mesmo. Assim, inexistindo dúvida razoável na formulação do juízo factual fica afastado o princípio do in dubio pro reo, sendo que tal juízo factual não teve por fundamento uma imposição de inversão da prova, ou ónus da prova a cargo do arguido, mas resultou do exame e discussão livre das provas produzidas e examinadas em audiência, como impõe o artigo 355.º n.º 1 do CPP, subordinadas ao princípio do contraditório, conforme art. 32.º n.º 1 da Constituição da República. O recorrente invoca partes da prova que poderiam na sua perspetiva suscitar alguma dúvida, porém, resulta claro da prova que a conduta do arguido foi a descrita nos factos dados como provados na Sentença do Tribunal a quo, sendo que o depoimento das testemunhas ouvidas nos autos e prova documental recolhida e em que se sustentou aquele tribunal, merecem toda a credibilidade, não sendo colocadas em causa no seu conteúdo e alcance pelas alegações do arguido. Aliás, os depoimentos das testemunhas cotejadas com as regras da experiência comum e com a demais prova, não ofereceram qualquer dúvida da veracidade dos factos que o Tribunal a quo deu e bem como provados, não merecendo assim a Sentença a quo qualquer censura. Enquanto expressão, ao nível da apreciação da prova, do princípio político-jurídico da presunção de inocência, traduz-se o princípio em análise na imposição de que um non liquet, na questão da prova tem de ser sempre valorado a favor do arguido. “No que se traduz que apenas pode haver condenação se se tiver alcandorado a verdade com um grau de certeza, para além de qualquer dúvida razoável, que, naturalmente, fica aquém da noção de qualquer sombra de dúvida” (Acórdão da Relação do Porto, de 28/10/2015, in http://www.dgsi.pt/jtrp). No entanto, como igualmente se refere no supramencionado Aresto, a verificação deste vício, “pressupõe um estado de dúvida no espírito do julgador. A simples existência de versões díspares e até contraditórias sobre os factos relevantes não implica que se aplique, sem mais, o princípio in dúbio pro reo”. A única dúvida que releva, para o efeito, é a do julgador (A detecção da violação do pro reo passa pela sua notoriedade, face aos termos da decisão isto é, deve resultar inequivocamente do texto de decisão que o juiz, tendo ficado na dúvida sobre a verificação de determinado facto desfavorável ao agente, o considerou provado ou, inversamente, tendo ficado na dúvida sobre a verificação de determinado facto favorável ao agente, o considerou não provado. A dúvida relevante de que cuidamos, não é a dúvida que o recorrente entende que deveria ter permanecido no espírito do julgador, após a produção da prova, mas antes apenas a dúvida que este não logrou ultrapassar (Acórdão da Relação de Coimbra de 10/12/2014, in www.dgsi.pt/jtrc). Ora a este respeito explana o tribunal a quo“do conspecto da prova, analisada à luz das regras da experiência comum e normal acontecer, não poderá vingar a tese da cabala trazida pelo arguido por quem nem sequer o conhece, ao invés, só se poderá concluir que o arguido praticou os factos em apreço, desmerecendo as declarações do arguido por incongruentes, inconsistentes e contraditórias com o depoimento da testemunha DD. Aponte-se, por último, que as testemunhas BB e CC que antes dos factos nunca tinham visto o arguido, como se disse, não tiveram dúvidas em reconhecê-lo como o autor dos mesmos, tendo a segunda testemunha dito espontaneamente, que assim que viu o arguido a chegar ao tribunal, agora de muletas, não teve dúvidas que estava na presença do autor dos factos”. Pelo exposto, não se vê quais são as concretas provas que impunham decisão diversa da proferida e que evidenciem uma apreciação contrária à logica e experiência comum. O tribunal a quo não denotou qualquer dúvida no que exarou e se não teve dúvidas no seu espirito e nem a isso as regras da experiência contrariam, pode concluir-se que não foi violado tal princípio e mormente quanto à identidade do condutor.
Da qualificação jurídica. Insurge-se o recorrente contra o enquadramento jurídico dos factos.
A este respeito refere o tribunal a quo: “O arguido vem acusado, além do mais, da prática de 1 (um) crime de atentado à segurança de transporte rodoviário, previsto e punido pelo artigo 290º, n.º 1, alínea d), do Código Penal. Comete tal crime “quem atentar contra a segurança de transporte rodoviário: a) Destruindo, suprimindo, danificando ou tornando não utilizável via de comunicação, material circulante, obra de arte, instalação ou sinalização; b) Colocando obstáculo ao funcionamento ou à circulação; c) Dando falso aviso ou sinal; ou d) Praticando acto do qual possa resultar desastre, e punido com pena de prisão de um a cinco anos.” Por sua banda, comete o crime de Condução perigosa de veículo rodoviário previsto no artigo 291º do Código Penal “1 - Quem conduzir veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada: a) Não estando em condições de o fazer com segurança, por se encontrar em estado de embriaguez ou sob influência de álcool, estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou produtos com efeito análogo, ou por deficiência física ou psíquica ou fadiga excessiva; ou b) Violando grosseiramente as regras da circulação rodoviária relativas à prioridade, à obrigação de parar, à ultrapassagem, à mudança de direcção, à passagem de peões, à inversão do sentido de marcha em auto-estradas ou em estradas fora de povoações, à marcha atrás em auto-estradas ou em estradas fora de povoações, ao limite de velocidade ou à obrigatoriedade de circular na faixa de rodagem da direita; e criar deste modo perigo para a vida ou para a integridade física de outrem, ou para bens patrimoniais alheios de valor elevado, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa. (…)”. Se bem que ambos os tipos tutelem o bem supra-individual “segurança do tráfego rodoviário” e, complementarmente, os bens individuais (de dimensão comunitária) “vida, integridade física e bens patrimoniais de valor elevado”, o certo é que o primeiro prevê acções físicas susceptíveis de pôr em causa o serviço de transportes realizado através das rodovias, enquanto que o segundo tem em vista especificamente as acções que resultam da condução de veículos automóveis. Esta distinção, logo denunciada nas respectivas epígrafes, tem razão de ser: de um lado, está a previsão de actos que se traduzem na alteração das condições físicas em que se processa a circulação rodoviária [nesse sentido, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 14-2-2007 e 8-5-97, processos 06P4091 e 96P1293, disponíveis em www.dgsi.pt]; do outro, estão em causa, exclusivamente, actos decorrentes da condução [perigosa] de veículo rodoviário, portanto, acções que se ligam à falta de condições para conduzir com segurança [alínea a)] ou à execução de manobras que representam uma violação grosseira das regras de circulação [alínea b)] [nesse sentido, Acórdão da Relação do Porto de 30.09.2009 e de 02.12.2009, processo 1099/07.4TAESP.P1, idem]. Transpostas estas considerações para o caso dos autos logo concluímos que o que aqui está em causa é a execução de manobras que violam de forma grosseira as regras de circulação, em concreto, as normas que estabelecem as regras da ultrapassagem [parte final da alínea b) do artigo 291.º], previstas código da Estrada que prevê que: 1 - O condutor de veículo não deve iniciar a ultrapassagem sem se certificar de que a pode realizar sem perigo de colidir com veículo que transite no mesmo sentido ou em sentido contrário. 2 - O condutor deve, especialmente, certificar-se de que: a) A faixa de rodagem se encontra livre na extensão e largura necessárias à realização da manobra com segurança; b) Pode retomar a direita sem perigo para aqueles que aí transitam; c) Nenhum condutor que siga na mesma via ou na que se situa imediatamente à esquerda iniciou manobra para o ultrapassar; d) O condutor que o antecede na mesma via não assinalou a intenção de ultrapassar um terceiro veículo ou de contornar um obstáculo; e) Na ultrapassagem de velocípedes ou à passagem de peões que circulem ou se encontrem na berma, guarda a distância lateral mínima de 1,5 m e abranda a velocidade. 3 - Para a realização da manobra, o condutor deve ocupar o lado da faixa de rodagem destinado à circulação em sentido contrário ou, se existir mais que uma via de trânsito no mesmo sentido, a via de trânsito à esquerda daquela em que circula o veículo ultrapassado. 4 - O condutor deve retomar a direita logo que conclua a manobra e o possa fazer sem perigo. De acordo com os pontos 3. a 5. dos Factos Provados, o arguido flectiu o veículo que conduzia para a sua esquerda e invadiu a faixa de rodagem por onde circulava o veículo conduzido pela ofendida, pretendendo ultrapassá-la, travando inopinadamente de seguida; a colisão só não ocorreu porque a ofendida conseguiu imobilizar veículo que conduzia. Ora, o arguido, violou os mais elementares deveres de condução e, com isso, criou uma situação particularmente perigosa para a segurança do tráfego ao mesmo tempo que pôs em perigo a integridade física das pessoas referidas. Assim, temos por verificados, não os elementos do tipo por que vem o arguido acusado, antes de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, previsto e punido pelo artigo 291.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal, entendemos estarem preenchidos os elementos objectivos e subjectivos de tal tipo de crime, pelo qual terá, assim, o arguido que ser sancionado. * O arguido vem, ainda acusado da prática de um crime de ameaça, previstos e punível pelos artigos 153.º, n.º 1 do Código Penal. Estabelece o n.º 1 do artigo 153º que “Quem ameaçar outra pessoa com a prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias”. O bem jurídico protegido é a liberdade de decisão e de acção. Ameaça é um mal futuro cuja ocorrência depende da vontade do agente (cfr. Américo Taipa de Carvalho, Comentário Conimbricense do Código Penal, tomo I, p. 343). Concretizando conceitos, salientamos que: - o mal tanto pode ser de natureza pessoal como patrimonial; - o mal ameaçado não pode ser iminente, pois que nesse caso estar-se-ia perante uma tentativa de execução do respectivo acto violento (artigo 22º, n.º 2, c) do Código Penal), mas é irrelevante que o agente refira ou não o prazo dentro do qual concretizará o mal, ou que, referindo-o, tal prazo seja curto ou longo; - é necessário que a ocorrência do mal futuro dependa da vontade do agente, sendo indiferente a forma que revista a acção de ameaçar, que pode ser oral, escrita ou gestual, ou servir-se de interposta pessoa; - só há crime de ameaça se o crime objecto da ameaça for um crime contra a vida, contra a integridade física, contra a liberdade pessoal, contra a liberdade e autodeterminação sexual ou contra bens patrimoniais de considerável valor; - vítima deste crime é outra pessoa, o destinatário da ameaça; - o crime só se consuma com o conhecimento da ameaça pelo seu destinatário; - a ameaça tem de ser adequada a provocar medo ou inquietação no ameaçado, ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, não sendo necessária a demonstração de que, em concreto, se tenha provocado medo ou inquietação, ou afectado a liberdade de determinação do destinatário da ameaça – cfr. Ac. da RC, de 12.12.2001, proc. 2880/2001, in www.dgsi.pt, e Ac. STJ de 2 de Maio de 2002, proc. n.º 611/02-3ª SASTJ, n.º 6J, 67 . Ora, ameaçar é prometer ou prenunciar um mal futuro que constitua crime, é anunciar a intenção de causar um facto maléfico ou danos necessariamente futuros. É o facto de o sujeito, por palavras, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, anunciar á vítima a prática de mal injusto e grave, consistente num dano físico, económico ou moral - cfr. Leal Henriques e Simas Santos, Código Penal anot., 2.º vol. pág. 185. Seguindo de perto os ensinamentos de Américo Taipa de Carvalho, deve considerar-se adequada “a ameaça que, de acordo com a experiência comum, é susceptível de ser tomada a sério pelo ameaçado (tendo em conta as características do ameaçado e conhecidas do agente, independentemente de o destinatário da ameaça ficar, ou não, intimidado)” – Comentário Conimbricense do Código Penal, I, p. 348. Ao nível do tipo subjectivo de ilícito, a ameaça é um crime doloso, podendo ser cometido sob qualquer das modalidades previstas no artigo 14º do Código Penal; tendo o dolo que abranger a adequação da ameaça a provocar no ameaçado medo ou inquietação, pressupondo que o agente tenha vontade de que a ameaça chegue ao conhecimento do ameaçado – cfr. o acórdão citado. No caso sub judice, em face da factualidade provada, não se verificando qualquer causa de exclusão da ilicitude ou de desculpação, e atento ao disposto nos artigos 153º, n.º 1 do Código Penal, dúvidas não subsistem de que o arguido, com a conduta praticada, preencheu os elementos objectivos e subjectivos do tipo incriminador, constituindo-se autor de um crime de ameaça, na sua forma dolosa, pelo que não pode este Tribunal deixar de o punir por tal crime.”
Posto isto. O facto integrador do crime de condução perigosa, que levou à condenação do arguido foi a violação plúrima – inequivocamente grosseira – das regras de ultrapassagem, como flui da motivação de direito da douta sentença, concretamente o facto de, por três vezes, ultrapassar o veículo conduzido pela BB e, imediatamente após concluir a manobra de ultrapassagem, encontrando-se o veículo que conduzia imediatamente à frente do veículo conduzido por aquela e circulando ambos na mesma faixa de rodagem e travar de forma brusca, levando a que aquela tivesse de efetuar as manobras de recurso descritas nos pontos 3 a 5, como forma de evitar a colisão entre os veículos, que esteve iminente, como também flui da factualidade provada. E tendo-se provado a iminência do embate, por força da violação grosseira e intencional, por parte do arguido, das regras de ultrapassagem, impõe-se naturalmente a conclusão, à luz das regras da experiência comum, que ocorreu perigo efetivo de lesão da integridade física da ofendida bem como da testemunha que seguia no banco do passageiro da frente. O arguido sabia que, ao efetuar as travagens acimas descritas com o veículo, como efetuou, tornava altamente provável, como tornou, a colisão do seu veículo com o veículo da ofendida, podendo com tais atos provocar ofensa à integridade física daquela e de terceiros ou até mesmo a morte, o que quis e aceitou. O arguido, com as referidas travagens súbitas que efetuou com o seu veículo, quis impedir a marcha do veículo da BB, obstando a que a mesma continuasse a sua condução de forma segura. Esta teve que fazer manobras de evasão para evitar a colisão ante as travagens realizadas pelo arguido que seguia à frente, obrigando-a finalmente a parar em plena via. A utilização do veículo que conduzia nos moldes em que o fez criou efetivamente perigo para a vida ou integridade física da condutora que vinha atrás que para evitar a colisão teve que manobrar e depois parar. Estamos a falar de veículos automóveis que só por circularem já configuram um risco para os demais utentes a que se acrescentaram manobras desadequadas com ultrapassagens sucessivas e travagens bruscas, capazes de provocar acidentes com danos e lesões nos seus ocupantes.
E no caso dos autos, as expressões ameaçadoras, como resultou provado, assumindo claramente a natureza de mal futuro, foram proferidas em alta voz, com foros de seriedade e em contexto de grande violência, porquanto foram acompanhadas de pancadas no vidro e de murro na parte de cima da porta do condutor, lugar ocupado pela ofendida. O arguido imobilizou o seu veículo, saiu do interior do mesmo e dirigiu-se junto do veículo conduzido pela BB e em alta voz e com foros de seriedade disse-lhe “oh filha da puta, vou-te foder!”, ao que a BB, com receio do arguido, trancou as portas do seu veículo e tentou fechar completamente os vidros, sendo que de imediato o arguido, com o punho cerrado, desferiu um murro na parte de cima da porta do condutor e ao mesmo tempo, dirigindo-se à BB novamente e em alta voz e com foros de seriedade disse-lhe “pensas que sou teu pai? Quando te apanhar vou-te partir toda”, e simultaneamente batia no vidro da porta do veículo. E temendo pela sua vida, assustada, a ofendida fugiu do local, ao volante do seu veículo. São, pois, inequivocamente, adequadas a causar na ofendida (grávida, de seis meses, como explicou), medo, inquietação e a perturbar a sua liberdade de determinação.
Posto isto, concordamos com o tribunal a quo no enquadramento jurídico que fez. Pelo que improcede o recurso nesta parte. Da medida da pena concreta e acessória
O tribunal a este respeito discorreu: “Debruçando-nos sobre os concretos factores de medida da pena, estabelecidos no n.º 2 do artigo 71° do Código Penal. O grau de ilicitude do facto é médio alto revelada em face do número de regras estradais grosseiramente violadas. Por outro lado, o dolo, enquanto elemento subjectivo do ilícito, expressou-se na sua forma intensa, sendo certo que o perigo criado expressou-se na sua forma de negligência inconsciente. O grau de culpa é mediano. A favor do arguido há que valorar a circunstância não ter antecedentes criminais à data dos factos, sem olvidar ter uma condenação posterior por crime de distinta. A pena a aplicar tem por isso, face ao comportamento do arguido e ao desvalor que a sua conduta revela, perante as exigências de prevenção especial, de ser em medida que lhe sirva de suficiente advertência. Acrescem, ainda, as necessidades de prevenção geral, que no caso do crime de condução perigosa entendemos serem medianas. Assim, tudo ponderado e tendo em conta a moldura abstracta da pena de multa prevista para o crime (pena de multa de 10 a 360 dias), reputamos como proporcional, justa, adequada e pedagógica a aplicação de uma pena concreta de 180 (cento e oitenta) dias de multa, e no que respeita ao crime de ameaça, p. e p. pelo artigo 153°, n.° 1 do Código Penaltendo em conta a moldura abstracta da pena de multa prevista para o crime (pena de multa de 10 a 120 dias), reputamos como proporcional, justa, adequada e pedagógica a aplicação de uma pena concreta de 60 (sessenta) dias de multa. Na fixação do quantum diário da multa, dispõe o artigo 47º, n.º 2 do Código Penal, que deve ser encontrado um montante pecuniário diário entre €5 (cinco euros) e €500 (quinhentos euros), determinado em função segundo da situação económica do arguido e dos seus encargos pessoais, tendo presente, por um lado, a “dignificação da pena de multa enquanto medida punitiva e dissuasora”, e por outro, que aquele quantitativo não deve exceder o montante de que o agente possa dispor, sem prescindir da satisfação das suas necessidades básicas. Em julgamento apurou-se que o arguido exerceu a actividade de contabilista, encontrando-se atualmente reformado. Aufere €1.050, mora em casa arrendada, cuja renda mensal ascende a €400, reside sozinho, pagando €400 a pessoa que do mesmo trata dele. Assim, julga-se adequado fixar tal montante em €6 (seis euros). 2.2.3. A Pena do Concurso Dispõe o artigo 77º, n.º 1, do Código Penal, que quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa pena única. A pena aplicável ao concurso de crimes é, assim, uma pena única, formada sobre a base das diversas penas parcelares, que devem se concretamente fixadas pelo tribunal. Na medida desta pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, sendo certo que, nos termos do n.º 2, do citado artigo e diploma legal, a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa, e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes. De referir, contudo, que nos termos do n.º 3 do artigo 77º, “se as penas aplicadas aos crimes em concurso forem umas de prisão e outras de multa, a diferente natureza destas mantém-se na pena única resultante da aplicação dos critérios estabelecidos nos números anteriores”. Pelo que fica dito, conclui-se que a pena de multa manter-se-á nos termos supra fixados, impondo-se proceder ao cúmulo jurídico das penas parcelares de multa supra aludida. Assim, a moldura abstracta da pena única de multa a aplicar ao arguido é de 180 a 240 dias. Consistindo o cúmulo no resultado da ponderação dos factos, em geral, e da personalidade do agente1, importa considerar que estes factos são, naturalmente, ponderados segundo as circunstâncias da época em que se verificaram; mas, a avaliação da personalidade do arguido terá de abarcar todo o período decorrido desde o primeiro crime até à data do último julgamento. Subjacente ao cúmulo jurídico está, portanto, a ideia de que esta pena única é uma realidade substancialmente diferente das penas parcelares que o compõem, na composição da qual é mister a avaliação da personalidade do arguido, face ao conjunto dos factos praticados. Nesta medida, atento ao número de crimes (dois), sendo que todos foram todos praticados no mesmo dia; na globalidade, a ilicitude é média alta; o dolo é directo; o arguido não tinha antecedentes criminais, sem olvidar que posteriormente sofreu uma condenação. Considerando todos estes elementos, o tribunal decide condenar o arguido na pena única de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa diária de €6,00 (seis euros), o que perfaz uma pena de multa no valor de €1.200,00 (mil e duzentos euros). 2.2.4 Da pena acessória Dispõe o artigo 69º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, que: “É condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos quem for punido: a) Por crime previsto nos artigos 291º ou 292º; (…)”. A punição pelo crime de condução perigosa de veículo rodoviário, pressupõe sempre uma violação muito grave das regras de trânsito. Isto significa que a “grave violação das regras de trânsito” é um elemento constitutivo do crime de condução em estado de embriaguez. A aplicação da sanção acessória de proibição de conduzir veículos automóveis apenas traduz o reconhecimento da maior ilicitude que tal “grave violação” inevitavelmente comporta (vide, neste sentido Acórdão da Relação do Porto de 04/05/2005, in www.dgsi.pt). Os factores a ter em conta na determinação da pena acessória são exactamente os mesmos a que fizemos referência quando nos reportamos à medida concreta da pena principal. No que concerne à proibição de conduzir, entende-se que o exercício da condução pelo arguido se mostra censurável, dada o seu grau de culpa e a ilicitude dos factos, impondo-se a aplicação de uma pena acessória que contribua para a sua “emenda cívica” face à adoptada atitude contrária ao direito. Assim, atendendo às circunstâncias apuradas, entende-se adequada a aplicação da pena de 5 (cinco) meses de proibição de condução de veículos motorizados de qualquer categoria.”
De acordo com os quadros normativos relativos à finalidade das penas (a aplicação das penas visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade e em caso algum poderá ultrapassar a medida da culpa -artigo 40º, nºs 1e 2, do Código Penal) e determinação da sua medida (em função da culpa e das exigências de prevenção – artigo 71º, nº1, do Código Penal) deve à pena (destinada a proteger o mínimo ético-jurídico fundamental) ser imputada uma dinâmica para que cumpra o seu especial dever de prevenção. Entre aquele limite mínimo de garantia da prevenção e máximo da culpa do agente, a pena é determinada em concreto por todos os factores do caso, previstos nomeadamente no nº 2 do referido artigo 71º, que relevem para a adequar tanto quanto possível à ilicitude da ação e culpa do agente. Neste sentido, a culpa (pressuposto-fundamento da pena que constitui o princípio ético-retributivo), a prevenção geral (negativa, de intimidação ou dissuasão, e positiva, de integração ou interiorização) e a prevenção especial (de ressocialização, reinserção social, reeducação mas que também apresenta uma dimensão negativa, de dissuasão individual) representam três exigências atendíveis na escolha da pena. Importa referir que o recurso dirigido à concretização da medida da pena visa tão-só o controlo da desproporcionalidade da sua fixação ou a correção dos critérios de determinação, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso. Deste modo, a intervenção corretiva do Tribunal Superior, no que diz respeito à medida da pena aplicada, só se justifica quando o processo da sua determinação revelar que foram violadas as regras da experiência ou a quantificação se mostrar desproporcionada. Neste sentido, o acórdão do TRP de 02.10.2013, relatado por Joaquim Gomes (acessível em www.dgsi.pt/jtrp) escreveu que “o recurso dirigido à medida da pena visa tão-só o controlo da desproporcionalidade da sua fixação ou a correcção dos critérios de determinação, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso” e o acórdão do STJ de 18.05.2022, relatado por Helena Fazenda (acessível em www.dgsi.pt/jstj) consignou que “A sindicabilidade da medida concreta da pena em recurso abrange a determinação da pena que desrespeite os princípios gerais respectivos, as operações de determinação impostas por lei, a indicação e consideração dos factores de medida da pena, mas “não abrangerá a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, excepto se tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada” (Figueiredo Dias, DPP, As consequências Jurídicas do Crime, 1993, §254, p. 197)”.
O arguido não consegue demonstrar que as penas parcelares, única ou acessória pecam por excesso, limitando-se a discordar da valoração das necessidades de prevenção geral efetuada pelo tribunal, que as considerou como medianas, enquanto o arguido as considera baixas. Não põe em causa a qualificação da ilicitude como média elevada (fruto do dolo direto e quantidade de vezes que o arguido grosseiramente violou as regras estradais atinentes à ultrapassagem), assumindo que foi tida em conta a ausência de antecedentes criminais. Conhecida a frequência com que quer o crime de condução perigosa, quer o crime de ameaça são praticados, com consequências tantas vezes trágicas, no caso do primeiro, desencadeado as mais das vezes, como foi o caso, por simples questões de trânsito, sem qualquer relevância, as necessidades de prevenção geral não podem, de forma alguma ser consideradas baixas. Assim, tanto as penas parcelares aplicadas, como a pena única fixada, como a pena acessória se mostram adequadas e proporcionais, não pecando, de forma alguma, por excesso. De facto, o grau de ilicitude do facto é médio alto revelada em face do número de regras estradais grosseiramente violadas. Por outro lado, o dolo expressou-se na sua forma intensa, sendo certo que o perigo criado expressou-se na sua forma de negligência inconsciente. O grau de culpa é mediano. A favor do arguido há que valorar a circunstância não ter antecedentes criminais à data dos factos, sem olvidar ter uma condenação posterior por crime de natureza distinta. A pena a aplicar tem por isso, face ao comportamento do arguido e ao desvalor que a sua conduta revela, perante as exigências de prevenção especial, de ser em medida que lhe sirva de suficiente advertência. Acrescem, ainda, as necessidades de prevenção geral, que no caso do crime de condução perigosa entendemos serem medianas. Tendo em conta a moldura abstrata da pena de multa prevista para o crime (pena de multa de 10 a 360 dias), a pena concreta de 180 (cento e oitenta) dias de multa é proporcional, justa, adequada e pedagógica, ficando a metade daquela moldura. No que respeita ao crime de ameaça, p. e p. pelo artigo 153°, n.° 1 do Código Penal tendo em conta a moldura abstrata da pena de multa prevista para o crime (pena de multa de 10 a 120 dias), a pena concreta de 60 (sessenta) dias de multa também se afigura proporcional, justa, adequada e pedagógica ficando pela metade daquela moldura. Na fixação do quantum diário da multa, dispõe o artigo 47º, n.º 2 do Código Penal, que deve ser encontrado um montante pecuniário diário entre €5 (cinco euros) e €500 (quinhentos euros), determinado em função segundo da situação económica do arguido e dos seus encargos pessoais, tendo presente, por um lado, a “dignificação da pena de multa enquanto medida punitiva e dissuasora”, e por outro, que aquele quantitativo não deve exceder o montante de que o agente possa dispor, sem prescindir da satisfação das suas necessidades básicas. Encontrando-se o arguido atualmente reformado, auferindo €1.050, morando em casa arrendada, cuja renda mensal ascende a €400, sozinho, pagando €400 a pessoa que do mesmo trata, o montante em €6 (seis euros), mostra-se plenamente adequado. Por sua vez a pena única cumpriu os critérios legais tal como descritos na sentença a quo. Assim, a moldura abstrata da pena única de multa a aplicar ao arguido sendo de 180 a 240 dias e fixada concretamente em 200 dias de multa está correta já que na amplitude daquela situa-se abaixo da sua metade.
No que toca à pena acessória, nada temos a discorrer a título negativo, perante a conduta grosseira e perturbadora do arguido ao conduzir, da forma que o fez, o veículo que detinha. Numa moldura que vai até 03 anos, 05 meses fixados situam-se muito próximos do limite mínimo dos 03 meses previstos no artigo 69º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, que estipula: “É condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos quem for punido: a) Por crime previsto nos artigos 291º ou 292º; (…)”.
O exercício da condução pelo arguido mostra-se censurável, dado o seu grau de culpa e a ilicitude dos factos impondo-se a aplicação de uma pena acessória que contribua para a sua “emenda cívica” face à adotada atitude contrária ao direito. O conjunto dos factores com relevo na determinação das medidas concretas da pena elencados na decisão recorrida nos termos acima transcritos e que aqui se dão por inteiramente reproduzidos foi objeto de ponderada valoração pelo tribunal a quo.
Improcede também, nesta parte, o recurso do arguido.
III. Decisão: Face ao exposto, acordam os Juízes desta 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em negar total provimento ao recurso interposto por AA e em confirmar a sentença recorrida nos seus precisos termos. Custas crime pelo recorrente, fixando-se em 4 UC para a taxa de justiça (arts. 513.º, n.ºs 1 e 3, do CPPenal e 8.º, n.º 9, do RCP e Tabela III anexa).
Sumário. ……………………………… ……………………………… ……………………………… |