Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP00043618 | ||
Relator: | FILIPE CAROÇO | ||
Descritores: | VENDA DE COISA DEFEITUOSA PODERES DO JUIZ CADUCIDADE COGNOSCIBILIDADE | ||
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Nº do Documento: | RP20100218845/08.3TVPRT.P1 | ||
Data do Acordão: | 02/18/2010 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
Decisão: | REVOGADA. | ||
Indicações Eventuais: | 3ª SECÇÃO - LIVRO 828 - FLS 134. | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I – Na venda de coisa defeituosa, os meios de reacção do comprador são a anulação do contrato com base no erro (arts. 909º, 913º), a redução do preço baseado no mesmo facto (arts. 911º e 913º), a reparação (art. 914º) ou substituição da coisa (art. 914º) e a indemnização, quer haja dolo ou simples erro (arts. 908º, 909º, 913º e 915º, todos, como os demais citados, do CC). II – Embora seja livre no tocante à qualificação jurídica dos factos, à interpretação ou individuação das normas, o juiz tem de manter-se dentro do limite fundamental que lhe marca a acção ou a excepção, não podendo alterar as afirmações que identificam a razão e justificam as conclusões. III – Quando, para ser eficaz, a caducidade necessite de ser invocada, por dela o tribunal não poder conhecer oficiosamente, está directa e intimamente ligada ao facto-fundamento alegado, ao qual o tribunal fica também adstrito no âmbito da sua apreciação pela vontade daquele a quem aproveita. IV – Limitando-se a R., na contestação, a invocar a caducidade do direito da A. de denunciar os defeitos dos bens vendidos, nos termos do art. 916º, nº2 do CC, não pode o tribunal, “ex officio”, conhecer da caducidade de um direito diferente cuja caducidade está também estabelecida em matéria não excluída da disponibilidade das partes: o direito de acção a que se refere o art. 917º do mesmo Cód. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Proc. nº 845/08.3TVPRT.P1 – 3ª Secção (Apelação) Varas Mistas de Vila Nova de Gaia Relator Filipe Caroço Adj. Desemb. Teixeira Ribeiro Adj. Desemb. Pinto de Almeida Acordam no Tribunal da Relação do Porto I. B………., LDA, sociedade comercial por quotas, com sede na Rua ………., …., …. ………., V. N. Gaia, intentou acção declarativa sob a forma de processo ordinário, contra 1- C………., LDA, sociedade com sede na Rua ………., …., …-… ……….; e 2- D………., SA, sociedade com sede no ………., ……, …., Santiago do Cacém, alegando, no essencial, o seguinte: No exercício da sua actividade comercial de transformação de carroçarias de veículos automóveis, entre 1996 e 1998, a A. comprou à primeira R. produtos e sistemas de pintura para automóveis que aplicou em vários veículos de clientes seus. Tais produtos, do comércio desta R., haviam sido por ela adquiridos à segunda R., fabricante e importadora dos mesmos. Para a aderência dos produtos subsequentes e garantir protecção contra a corrosão, a A. fazia a aplicação de um primário com cromatos, mas, a partir de determinada altura esse primário foi substituído por primário sem cromatos (…) que a 1ª R. lhe vendeu, sem a A. saber dessa alteração de qualidade. O produto aplicado provocou uma reacção química anormal e indevida. Alguns clientes efectuaram reclamação de defeitos na pintura que apresentava borbulhas e empolamentos com descasque de todo o sistema, com grande corrosão na chapa. Com efeito, a A. teve que reparar sete veículos de cliente, no que despendeu um total de esc.5.498.538$00 (€ 27.426,00), ficando também afectada a sua imagem comercial no país e no estrangeiro, com perda de clientes; razões pelas quais sofreu um dano não patrimonial, a merecer reparação pelo valor indemnizatório de € 5.000,00. Por danos igualmente provocados pelos mesmos produtos defeituosos, mas relativamente a outros veículos transformados pela A., as R.R. já foram condenadas, com trânsito em julgado, sendo que os danos aqui em causa surgiram depois da instauração daquela acção judicial. E terminou deduzindo o seguinte pedido: «Nestes termos e nos mais de direito deve a presente acção ser julgada provada e procedente e em consequência, serem as R.R. condenadas a pagarem à A. a quantia de 27.426 € (5.498.538$00) de danos patrimoniais e de 5.000 € de danos não patrimoniais, no total de 33.426 €, acrescida de juros moratórios à taxa legal, contados desde a citação e até efectivo e integral pagamento.» Arrolou testemunhas e juntou documentos. Regularmente citadas as R.R., a primeira R. contestou a acção por excepção e por impugnação, enquanto a segunda não deduziu qualquer oposição. A C………., L.da invocou o caso julgado. Segundo ela, a A. vem alegar factos na sua petição que já foram julgados e apreciados por sentença transitada em julgado, proferida no âmbito dos autos de processo ordinário que correram termos sob o n.º …/00, pela .ª secção da .ª Vara Cível do Porto, como ela própria confessa. As partes são as mesmas. O pedido e a causa de pedir são idênticos numa e noutra acção, visto que em ambas a A. pretende obter o mesmo efeito jurídico, isto é, a indemnização por danos alegadamente causados por deficiência dos artigos de pintura automóvel adquiridos à contestante. As únicas reclamações efectuadas pela A. à mesma R. reportam-se a meados de 1998 e foram todas apreciadas e julgadas nos autos supra identificados. As R.R. devem ser absolvidas da instância. Depois, sem prescindir, invocou a prescrição do direito da A. Desde Maio de 1999 que a R. nada mais forneceu nem vendeu à A. Consequentemente, a A. continuou a utilizar os produtos que comprou à R. mesmo depois de conhecer, em 1998, da existência dos vícios que reclamou e, deste modo, contribuiu voluntariamente para a verificação do mesmos, sendo de excluir a responsabilidade da R. pela sua verificação. Ou então, já conhecia, pelo menos desde aquela data, a existência dos danos que veio nesta sede reclamar das R.R. A A. não alega a data em que efectivamente conheceu os danos que reclama, deixando apenas pressupor que terá ocorrido na pendência da outra acção, sendo que a sentença proferida naqueles autos ocorreu em 13/04/2005, e os presentes autos deram entrada em juízo apenas em 09/09/2008. Isto é, depois de decorridos mais de três anos da data do trânsito em julgado. Por isso e atento o disposto no art.º 498º, nº 1, do Código Civil, o direito que a A. pretende fazer valer contra as R.R. já prescreveu, devendo elas ser absolvidas do pedido. Ainda a título de excepção --- e que aqui e agora mais releva em função do objecto do recurso --- a mesma contestante invocou a caducidade do direito da A. Como fundamento, alega que os danos agora invocados terão ocorrido em momento que se desconhece, pois a A. não alega concretamente tal facto, mas que sugere terem ocorrido há vários anos, já na pendência dos autos de acção ordinária supra identificada com o n.º …/00. Danos que a Autora não denunciou à R., nem lhe deu a conhecer até à citação para os termos da presente acção. Tendo por certo que aquela outra acção judicial foi julgada, com sentença transitada há mais de três anos, significa que a A. tomou conhecimento da deficiência dos produtos fornecidos há mais de três anos. Pelo que já caducou o direito da Autora para vir denunciar defeitos na coisa que lhe foi vendida pela R. há já mais de 9 anos. Invocou ainda a R. a sua ilegitimidade substantiva por ter funcionado no negócio como mera revendedora dos produtos em causa, recebendo-os fechados do produtor e assim os vendendo. Desconhecia e não tinha obrigação de conhecer a existência de vício nos produtos que forneceu à A., pelo que sempre teria agido com erro relativo à falta de qualidade ou vícios dos bens que vendeu. Entende que esta situação justifica a sua absolvição da instância. Sem prescindir, impugnou, em larga medida, os factos articulados na petição inicial, acrescentando que a eliminação dos cromatos na composição do primário não comprometeu a qualidade do produto. Depois de impugnar os documentos juntos com a petição inicial, concluiu assim: «TERMOS EM QUE SE REQUER A V.ª EXA. QUE SE DIGNE: a) Julgar procedente a excepção do caso julgado, e consequentemente absolver a R. da instância; b) Sem prescindir, julgar procedente a excepção da invocada prescrição, e consequentemente absolver a R. do pedido, ou ainda caso assim se não entenda; c) Sem prescindir, julgar procedente a excepção da caducidade e, consequentemente absolver a R., ou, ainda sem conceder, também caso assim se não entenda; d) Julgar procedente a excepção da ilegitimidade substantiva da R. e, consequentemente, absolver a R. da instância, ou, finalmente, e sem prescindir, e) Julgar improcedente, por não provada, a presente acção, com todos os demais e legais efeitos.» A A. replicou respondendo às matérias de excepção, no sentido de que nenhuma delas se verifica. Dispensada a audiência preliminar por invocada simplicidade da causa, foi proferido despacho saneador que julgou: - Improcedente a excepção dilatória do caso julgado arguida pela primeira R.; - Improcedente a excepção peremptória da prescrição que a primeira R. também invocou; e - Procedente a excepção peremptória da caducidade do direito da A. que a única contestante também trouxe à ribalta. Em consequência, o saneador-sentença absolveu as R.R. do pedido contra elas deduzido. É desta decisão que apela agora a A., formulando as seguintes conclusões: ………………………………………………… ………………………………………………… ………………………………………………… * A recorrida não ofereceu contra-alegações. * Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.II. O objecto do recurso está delimitado pelas conclusões da apelação, acima transcritas, sendo que se apreciam apenas as questões invocadas e relacionadas com o conteúdo do acto recorrido e não sobre matéria nova, excepção feita para o que for do conhecimento oficioso (cf. art.ºs 660º, nº 2, 684º e 685º-A, do Código de Processo Civil, na redacção introduzida pelo Decreto-lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, aqui aplicável). O Tribunal deve apreciar todas as questões decorrentes da lide, mas, embora o possa fazer, não tem que discutir todos os argumentos ou raciocínios das partes, ou seja, apenas deve considerar o que for necessário e suficiente para resolver cada questão (v.d. Cardona Ferreira, Guia de Recursos em Processo Civil, Coimbra, 4ª edição, p.s 54, 103 e 113 e seg.s). Com efeito, deferida pela 1ª instância, está para reapreciar e decidir se deve improceder a excepção da caducidade do direito da A. invocada pela R. contestante. III. É a seguinte a matéria resultante dos autos por alegação da própria A., a única parte cujo direito pode ser afectado pela caducidade: - A 1ª R. forneceu à A., sob prévia encomenda desta, diversas tintas industriais e produtos conexos para pintura de automóveis no período compreendido entre os anos de 1996 e 1998; - Entre os produtos vendidos existia um em particular, identificado no artigo 5º da petição inicial, que a A. aplicou nas carroçarias dos automóveis dos seus clientes, tendo dado causa a uma posterior reacção química anormal; - Alguns clientes reclamaram à A. defeitos na pintura que, em alguns casos, apresentava borbulhas e empolamentos na chapa com descasque de todo o sistema, como grande corrosão na chapa; - Imediatamente a A. reclamou junto da R. vendedora a deficiência do sistema de pintura vendido, tendo os técnicos das R.R. efectuado uma deslocação às instalações da A. em Julho de 1998, verificando a anomalia; - A A. efectuou testes que concluíram pela existência de defeitos de fabrico; - A A. teve que reparar os veículos em que havia colocado o produto defeituoso, teve que retirar e lixar a tinta dos veículos e voltar a pintá-los; - A A. identifica os sete veículos afectados e os materiais e despesas que, em consequência dos defeitos, se viu obrigada a assumir, nos artigos 31° a 33°, 34° a 36°, 37° a 39°, 40° a 42°, 43° a 45°, 46° a 48°, 49° a 51° e 52° a 54°, todos da petição inicial. IV. O art.º 510º, nº 1, al. c), do Código de Processo Civil, determina que o despacho saneador conhecerá imediatamente do mérito da causa, sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação, total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos ou de alguma excepção peremptória. Quando por força da lei ou por vontade das partes, um direito deva ser exercido dentro de certo prazo, são aplicáveis as regras da caducidade, a menos que a lei se refira expressamente à prescrição (art.º 298º, nº 2, do Código Civil[1]). Enquanto a prescrição determina a paralisação do direito do credor, a caducidade tem eficácia extintiva do direito. A caducidade é um instituto por via do qual os direitos potestativos se extinguem pelo facto do seu não-exercício prolongado por certo tempo”[2], ou ainda um direito a prazo que se extingue por ter expirado o seu termos de vida[3]. O decurso do prazo de caducidade configura, pois, um facto extintivo do direito do credor, uma vez que determina a impossibilidade do seu exercício. A caducidade justifica-se, primordialmente, por razões de certeza dos direitos, com rápida definição da situação jurídica. Como defende Carvalho Fernandes, a caducidade também atende à inércia do titular do direito, mas prevalecem, sobretudo, considerações de certeza e ordem pública, no sentido de que, ao fim de certo tempo, as situações jurídicas se tomem certas e inatacáveis[4]. Há, com este instituto, um verdadeiro prazo peremptório de exercício do direito, como tal constitui excepção peremptória enquanto facto que extingue o efeito jurídico dos factos articulados pelo A. (art.º 493º, nºs 1 e 3, do Código de Processo Civil). Como assim, o ónus da sua prova recai sobre aquele a quem a caducidade aproveita; o réu quando invocada a título de excepção (art.º 342º, nº 2). De outro passo, que aqui muito releva, a caducidade, quando referida a direitos disponíveis pelas partes, só opera quando, judicial ou extrajudicialmente, invocada por aqueles a quem aproveita. Nestas situações o tribunal dela não poderá conhecer ex officio (art.º 333º, nº 2). Tal como a A. a configura, a acção objecto do presente processo encerra um contrato de compra e venda mercantil. Os fornecimentos de tintas e produtos conexos efectuados pela 1ª R. à A. foram-no a pedido desta, mediante um preço, no exercício das actividades comerciais de ambas as partes contratantes, sociedades comerciais. Esta relação negocial integra os elementos típicos do contrato de compra e venda com natureza comercial e constitui a causa da obrigação de pagamento do preço relativo aos bens fornecidos pela 1ª R. (art.º 874º e seg.s, do Código Civil e art.ºs 2º, 230º, § 2º e 463º, §§ 1º e 3º, do Código Comercial). Está, pois, em causa um contrato de compra e venda mercantil (havido por comerciantes no exercício das suas actividades comerciais). A compra e venda, seja ela civil ou comercial, tem como efeitos essenciais a transmissão da propriedade das coisas ou da titularidade do direito (natureza real do contrato), a obrigação de a entregar ao adquirente e, correspectivamente (já que se trata de um negócio jurídico sinalagmático), a obrigação do comprador de pagar o seu preço (natureza obrigacional do contrato) --- art.º 879º. Porém, de entre as patologias possíveis na vida dos contratos, contam-se as que estão ligadas à existência de defeitos nos produtos objecto do negócio. Dada a configuração que a A. dá à acção e tendo em conta a previsão dos artigos 469° e 470° do Código Comercial, não se trata de venda sobre amostra nem de coisas não à vista nem designáveis por padrão. Do referido contrato resultou para a recorrida a obrigação de entrega das tintas e afins à recorrente e, para esta, a obrigação de àquela pagar o respectivo preço (artigos 3° do Código Comercial e 879°, alíneas b) e c), do Código Civil). Haverá venda de coisa defeituosa se o vendedor entrega ao comprador a coisa devida, mas essa coisa sofre de qualquer dos vícios catalogados no art. 913°: vício que desvalorize a coisa; vício que impeça a realização do fim a que ela é destinada; falta das qualidades asseguradas pelo vendedor ou falta das qualidades necessárias para a realização do fim a que a coisa se destina. Na venda de coisas defeituosas --- a cujo regime de admite que a A. deite mão apesar da natureza comercial do contrato (cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.10.2008, in www.dgsi.pt) --- os meios de reacção do comprador são a anulação do contrato com base no erro (art.ºs 909°, 913º), a redução do preço baseado no mesmo facto (art.ºs 911º e 913º) a reparação (art.º 914º) ou substituição da coisa (art. 914º) e a indemnização, quer haja dolo ou simples erro (art.ºs 908º, 909º, 913º e 915º). Com a acção, a A. visa nada mais do que obter uma indemnização pelos prejuízos que teve que suportar em virtude da não realização adequada do fim a que se destinavam os produtos que adquiriu à 1ª R. por falta de qualidades. Somos, assim, remetidos para o disposto nos art.ºs 916º e 917º. Segundo o primeiro daqueles preceitos: «1. O comprador deve denunciar ao vendedor o vício ou a falta de qualidade da coisa, excepto se este houver usado de dolo. 2. A denúncia será feita até trinta dias depois de conhecido o defeito e dentro de seis meses após a entrega da coisa. 3. …». E dispõe o art.º 917º: «A acção de anulação por simples erro caduca, findo qualquer dos prazos fixados no artigo anterior sem o comprador ter feito a denúncia, ou decorridos sobre esta seis meses, sem prejuízo, neste último caso, do disposto no n.º 2 do artigo 287.º». Enquanto o primeiro dos preceitos estabelece um prazo para a denúncia dos defeitos ou falta de qualidades da coisa vendida, o art.º 917º fixa um outro prazo, para a interposição da acção destinada a assegurar os direitos do comprador. Sendo embora prazos da mesma natureza (prazos de caducidade[5]) têm em ordem o exercício de direitos diversos e têm até justificados tempos diferentes quanto ao seu termo inicial e dimensão. A invocação da caducidade, tal como acontece na invocação da prescrição, deve reportar-se sempre a um direito determinado. Isso foi compreendido pela R. contestante ao referir sob o art.º 32º da contestação, com apoio nos artigos precedentes “ter já caducado o direito da Autora para vir denunciar defeitos na coisa que lhe foi vendida pela R.[6] há já mais de 9 anos”. Para o efeito, a R. considerou que a A. só lhe deu conhecimento dos danos com o acto da citação para a acção (12.9.2008), danos esses que teriam ocorrido há vários anos, na pendência de uma outra acção havida entre as mesmas partes e em que se discutiram os mesmos defeitos dos mesmos produtos adquiridos também entre 1996 e 1998 pela A. à 1ª R. Ora, como muito bem se refere na sentença recorrida, «no que respeita à denúncia dos defeitos, fundamento em que a ré faz assentar a caducidade arguida, cremos que assiste razão à autora, ao referir que não pode confundir-se o pedido de reparação dos danos com a denúncia dos defeitos que os originou. O defeito de que aqui se trata foi já analisado numa acção anterior, sendo que nessa resultou provado que a autora efectuou a denúncia dos defeitos em meados de 1998. Não pode aqui confundir-se o aviso de que um produto padece de determinadas anomalias – denúncia – já profusamente discutido numa acção anterior, com a exigência de uma indemnização para reparação de danos que tiveram origem em defeitos oportunamente denunciados.». E, tendo-se entendido assim, mal se compreende que a M.ma Juíza tivesse transposto para o prazo de interposição da acção a que se refere o art.º 917º a invocação da caducidade expressamente confinada pela própria R. ao prazo de denúncia dos defeitos. Trata-se de um direito exclusivo da parte a quem aproveita a caducidade, não sendo legítimo ao tribunal presumir que, uma vez invocada a caducidade de um direito determinado, a parte quis também invocar a caducidade de outro direito, diferente do primeiro, ainda que entre eles possa existir alguma correlação. Por outro lado, entendendo que o direito de acção aqui em causa está também sujeito ao prazo de caducidade previsto no art.º 917º --- o que não é pacífico da nossa doutrina e na jurisprudência[7] --- não se afigure aceitável a afirmação feita na sentença de que, a não se decidir como ali se decidiu, a A. poderia exercer a sua pretensão indemnizatória a todo o tempo, apenas porque já denunciou os defeitos e com apoio na singela invocação de que os danos lhe foram reclamados “posteriormente”. É que, na verdade, a R. contestante poderia ter invocado a caducidade do direito de acção com o fundamento de que teriam decorrido mais de 6 meses sobre a referida denúncia dos defeitos; e não o fez. É às partes que compete alegar os factos que integram a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções, não podendo, por regra, o tribunal servir-se de outros que não sejam por elas articulados (art.ºs 264º e 664º do Código de Processo Civil). O tribunal só é livre na qualificação jurídica dos factos desde que não altere a causa de pedir. Designadamente quando supre deficiências ou inexactidões das partes no tocante à qualificação jurídica dos factos ou à interpretação ou individuação das normas, o juiz tem de manter-se dentro do limite fundamental que lhe marca a acção, não podendo alterar as afirmações que identificam a razão e justificam as conclusões. O tribunal não pode mudar a razão que a parte fez valer para justificar a providência (A. dos Reis, in Código de Processo Civil Anot., vol. 5., pág. 93). O tribunal está, pois, impedido de alterar o facto jurídico de que a parte fez derivar a sua pretensão. E o que nesta matéria vale para a acção vale também, mutatis mutandis, para as excepções cujo conhecimento depende exclusivamente da iniciativa das partes. Por conseguinte, estando vedado ao tribunal conhecer oficiosamente da caducidade de um direito, não pode valer-se da invocação da caducidade pelo respectivo interessado, para outro direito, diferente daquele; assim, relativamente ao qual aquela causa extintiva não foi invocada, nos casos em que também não possível dele conhecer ex officio. É que a caducidade está directa e intimamente ligada ao facto-fundamento invocado, ao qual o tribunal fica também adstrito no âmbito da sua apreciação pela vontade daquele a quem ela aproveita. Com efeito, ao decidir como decidiu, o tribunal violou o disposto nos art.ºs 303º, nº 2, por referência ao art.º 303º, conhecendo da caducidade de um direito não invocada e relativamente à qual não podia conhecer oficiosamente. Daí que se imponha a conclusão de que o direito de acção nos termos do art.º 917º não caducou, devendo os autos prosseguir a sua normal tramitação, se necessário, com elaboração de factos assentes e de base instrutória. A A. alega que, ao decidir-se pela caducidade do seu direito de acção, a sentença é nula por ter conhecido de objecto diferente do que é pedido, nos termos do art.º 668º, nº 1, al. e), do Código de Processo Civil. Esta não é a conclusão jurídica adequada às premissas que a recorrente lhe fez anteceder nas alegações de recurso. Na verdade, a referida al. e) pressupõe a existência de uma decisão condenatória[8], quando, na realidade, a decisão recorrida encerra uma absolvição das partes do pedido por força do funcionamento da excepção peremptória da caducidade. De entre as causas de nulidade da sentença, a que mais se aproxima dos fundamentos do recurso é a que se prevê sob al. d) do nº 1 do mesmo art.º 668º: é nula a sentença quando o juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. Mas, sendo aqui de realçar o tratamento de “questões”, não é possível afirmar que o tribunal a quo tratou de questão ou matéria não suscitada pela R. Pese embora, a nosso ver, a sentença mereça revogação pelas razões apontadas, não se configura nela qualquer decisão que altere qualitativamente as pretensões das partes, designadamente da excepção da caducidade que a R. contestante invocou e que o tribunal a quo não poderia deixar de apreciar e apreciou, daí tirando consequências jurídicas. Se estas foram correctas ou não, é questão que não tem que ver com a validade ou a nulidade da sentença, mas com o tratamento jurídico dispensado, pelo tribunal recorrido à questão suscitada. A recorrente traz ainda à colação, sucessivamente, outros fundamentos para justificar a não caducidade do seu direito, como sejam: a) O funcionamento de uma causa impeditiva nos termos do art.º 331, nº 2; b) A força do caso julgado ditada pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido no processo nº …/00, junto a fl.s 80 e seg.s; e c) A não sujeição do direito à indemnização invocado por via da acção ao prazo de caducidade a que se refere o art.º 917º. Porém, a sua apreciação deve ter-se por prejudicada, quanto mais não seja pelo facto do recurso dever proceder com base no fundamento que foi objecto de apreciação na apelação, sendo de todo desnecessário apreciar fundamentação alternativa invocada para a obtenção de um mesmo resultado, já conseguido. * V- SUMÁRIO (art.º 713º, nº 7, do Código de Processo Civil):1- Pese embora seja livre no tocante à qualificação jurídica dos factos, à interpretação ou individuação das normas, o juiz tem de manter-se dentro do limite fundamental que lhe marca a acção ou a excepção, não podendo alterar as afirmações que identificam a razão e justificam as conclusões. 2- A caducidade, quando para ser eficaz necessite de ser invocada, por dela o tribunal não poder conhecer oficiosamente, está directa e intimamente ligada ao facto-fundamento alegado, ao qual o tribunal fica também adstrito no âmbito da sua apreciação pela vontade daquele a quem ela aproveita. 3- Limitando-se a R., na contestação, a invocar a caducidade do direito da A. de denunciar os defeitos dos bens vendidos, nos termos do art.º 916º, nº 2, do Código Civil, não pode o tribunal, ex officio, conhecer da caducidade de um direito diferente cuja caducidade está também estabelecida em matéria não excluída da disponibilidade das partes: o direito de acção a que se refere o art.º 917º do mesmo código. * VI.Pelo exposto, acorda-se nesta Relação em julgar a apelação procedente e, em consequência, revoga-se o saneador-sentença recorrido, devendo os autos prosseguir a sua normal tramitação, com elaboração de novo despacho saneador, se necessário, seguido de fixação de factos assentes e de base instrutória. Custas pela R. recorrida. * Porto, 18 de Fevereiro de 2010Filipe Manuel Nunes Caroço Manuel de Sousa Teixeira Ribeiro Fernando Manuel Pinto de Almeida __________________________ [1] Diploma a que pertencem todas as disposições legais que se citarem sem menção de origem. [2] Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II, p. 463. [3] Na definição de Dias Marques, Teoria Gemi da Caducidade, p.s 42-43 e, já no âmbito do Código Civil de 1966, de Oliveira Ascensão, Direito Civil/Teoria Geral, Vol. III, p. 343. [4] Teoria Geral do Direito Civil, Vol. II, p. 699. [5] Como resulta da conjugação daquelas normas com o art.º 298º, nº 2 (cf. também acórdão da Relação de Lisboa de 3.10.2000, in www.dgsi.pt). [6] O sublinhado é nosso. [7] Em sentido negativo pode consultar-se, na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, o acórdão de 2.11.2006, in www.dgsi.pt e, em sentido negativo, na doutrina, Pedro Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso, teses, Almedina, 2001, pág. 367 e o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6.11.2007, Colectânea de Jurisprudência do Supremo, T. III, p. 129, e de 07.05.2009 e o acórdãos desta Relação de 8.6.2008 e de 9.2.2009, in www.dgsi.pt. [8] “É nula a sentença quando (e)) o juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido. |