Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1081/21.9T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULO DUARTE TEIXEIRA
Descritores: EMBARGO DE OBRA NOVA
LEGITIMIDADE PASSIVA
INUTILIDADE DA LIDE
CONCLUSÃO DA OBRA
ABUSO DE DIREITO
Nº do Documento: RP202105271081/21.9T8STS.P1
Data do Acordão: 05/27/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - No embargo de obra nova só ocorre inutilidade superveniente da lide quando a obra estiver concluída.
II - Considera-se que a mesma está concluída quando, da continuação da mesma não pode decorrer qualquer agravamento do dano invocado.
III - A legitimidade é um pressuposto processual apreciado de acordo com o objecto da acção apresentado na versão do autor.
IV - No embargo de obra nova, a legitimidade passiva cabe, em regra, ao dono da obra e não ao empreiteiro que a realiza.
V - O comportamento de uma parte no âmbito negociações prévias à instauração de um procedimento podem constituir abuso de direito se tiver praticado actos, que permitam criar na outra, a convicção que o decurso do prazo de caducidade não será invocado.
VI - Para isso é necessário que exista um reconhecimento efetivo e real da prática do dano e uma real expetativa na solução extra-judicial.
VII - Essa convicção é aferida de forma objectiva tendo em conta um litigante médio colocado naquela situação concreta.
VIII - Se o dono da obra informou o requerente que o muro construído não ocupava o seu terreno, dez dias antes do termo do prazo de caducidade, e se tratava de uma ocupação máxima de 26,5 cm não podia este confiar que o acordo seria obtido e a caducidade nunca viria a ser invocada.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo 1081/21.9T8PRT.P1
Juízo Local Cível do Porto – Juiz 8

Sumário:
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1. Relatório
B… intentou os presentes autos de ratificação de embargo de obra nova contra C…, L.da e D…, L.da pedindo que o Tribunal
a) ratifique “o embargo extrajudicial efetuado pelo requerente a 14 de janeiro de 2021, sendo lavrado o auto a que se refere o artigo 400º n.º 1 do CPC;
B) seja notificado o dono da obra, ou na sua ausência, o encarregado ou quem o substituam para não a continuar, sob pena de, desrespeitando tal determinação judicial, poder ser destruída qualquer inovação abusiva e incorrer em responsabilidade penal pela prática de crime de desobediência qualificada, como prevê o artigo n.º 375 do CPC.
C) deverá, ainda, ser ordenada, a notificação dos Requeridos de tal decisão, nos termos e para os efeitos dos n.ºs 6 do artigo 366º.
D) serem as requeridas condenadas nas custas do processo.”
Citadas, vieram as requeridas deduzir oposição por exceção e impugnação, tendo a requerida, D…, L.da e, em sede exceção, invocado a caducidade do direito de embargar, ineficácia do embargo por extemporaneidade da ratificação judicial, a sua ilegitimidade passiva e, ainda, a inexistência de obra nova; por seu turno a requerida, C…, L.da defendendo-se por impugnação e exceção, alega em sede de exceção a caducidade do exercício do direito e a irregularidade do embargo extrajudicial.
Foi proferida decisão que julgou procedente a exceção de ilegitimidade e consequentemente foi absolvida a requerida D…, L.da da instância, art.s , 30º, 577 al. e), 278 n.º 1 al d) e 578º todos do CPC.
Foi também decido, além do mais, julgar procedente a excepção de caducidade deduzida e por via disso “a absolvição total ou parcial do pedido, art. 576 n.º 3 CPC.”.
Inconformada com essa decisão veio a requerente/apelante interpor recurso de APELAÇÃO, com subida nos próprios autos, e com efeito suspensivo, nos termos do artigo 647º n.º 3 d) do CPC.

2.1. Foram apresentadas as seguintes conclusões:
1. O presente recurso tem por objeto a sentença proferida em 16/03/2021, com a referência 422742228, mais concretamente, as seguintes questões: (i) Decisão que julgou procedente a exceção de ilegitimidade passiva da requerida D…; (ii) Decisão que julgou procedente a exceção da caducidade e (iii) Decisão relativamente aos pedidos, prejudicada pela inutilidade superveniente.
2. Em primeiro lugar, surge a questão da ilegitimidade passiva invocada pela D… que sumariamente, alega que é apenas empreiteira e somente tem legitimidade passiva o dono da obra. Exceção esta que o Tribunal a quo julgou procedente.
3. Para fundamentar a sua decisão, o Tribunal recorrido fundamentou-se no artigo 30º do CPC.
4. O Tribunal a quo também se fundou na jurisprudência constante do acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 10/11/2055 (sic) e proferido no processo n.º 0534966. No entanto, essa jurisprudência não se aplica ao caso, já que reporta-se a um caso de um subempreiteiro, e não de um empreiteiro, como é o presente caso. Sendo que, embora faça sentido excluir a legitimidade de um sub-empreiteiro, já a situação do empreiteiro é diferente.
5. Além disso, há Jurisprudência no preciso do recurso ora apresentado, tal como o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 03/12/2002, disponível online nas bases jurídico-documentais do ITIJ sob referência 03A1750, em que se prevê que a responsabilidade da empreiteira é concorrente direta da responsabilidade do dono da obra, com fundamento no artigo 483.º n.º1 do Código Civil.
6. É um caso directamente aplicável aos autos, já que com a escavação que a Recorrida D… realizou, assumiu uma responsabilidade direta pelos danos causados com essa sua conduta (escavação). Importando ter presente que a responsabilidade da empreiteira pode ser autonomizada da responsabilidade do dono da obra.
7. Tal situação é também confirmada pela jurisprudência criada pelo Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido no âmbito do processo n.º 11599/17.2T8PRT.P1, datado de 28/11/2017, onde explicitamente determina que têm legitimidade passiva o autor material e o mandante da obra. No presente caso, a empreiteira assumiu uma responsabilidade directamente com o Recorrente: a de reposição do muro (tal como resulta da documentação que foi apresentada com o requerimento inicial.
8. E neste sentido, é claro que a Recorrida D… tem todo o interesse em contradizer, o que comprova a sua legitimidade passiva. Pois, como vimos, a sua actuação não é apenas de executar as ordens da dona de obra, tendo, aliás, obrigações directas assumidas com o recorrente.
9. A situação dos autos denota que estamos perante um litisconsórcio necessário, nos termos do artigo 33.º n.º 2 do CPC. Até porque nunca se poderia intentar o presente Procedimento Cautelar com a preterição de uma das partes, sob pena de (eventualmente) serem necessário dois procedimentos cautelares para se verificar o efeito útil pretendido. Eventualidade que ficaria dependente da postura que a D… fosse adoptar. Por todos estas motivos, entende-se que a decisão proferida deve, assim, ser revogada, julgando-se a exceção de ilegitimidade passiva improcedente, com todas as legais consequências.
10. Em segundo lugar, surge a questão da caducidade do embargo apresentado, em que o Tribunal considerou provados os factos descritos de A) a M) da decisão aqui em crise. Da análise dos factos provados, podemos constatar que os mesmos assentam maioritariamente sobre os documentos apresentados com o requerimento inicial: Documento n.º 10 do requerimento inicial equivale à al. a) dos factos provados e assim sucessivamente; Documento n.º 11: al. b); Documento n.º 12: al. c); Documento n.º 14: al. d); Documento n.º 15: al. f); Documento n.º 16: al. g); Documento n.º 17: al. h); Documento n.º 18: al. i); Documento n.º 19: al. j) e Documento n.º 20: al. l).
11. O Tribunal formulou a sua convicção através dos factos descritos que deu como provados, considerando que que o próprio Recorrente foi expresso quando, em resposta a uma solicitação para reunir das Recorridas, referiu que a reunião em questão não suspende, de forma alguma, a interpelação realizada no dia 28/11/2020. No entanto, tal apenas significa que, apesar da reunião, as Recorridas não deveriam não cumprir a interpelação para suspensão imediata dos trabalhos.
12. E mais, o entendimento de que a afirmação terá o sentido de “evitar a realização de mais trabalhos”, não é percetível por um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, cfr. art. 236º do CC. Sendo importante ter presente que a parte da intenção ou o sentido da declaração apenas deveria ser aquilatado após a produção de prova. O Tribunal a quo não concorda que, da reunião que se realizou na obra em questão, se possa retirar que a Recorrida estava a solicitar tempo para decidir se acedia ou não à pretensão do requerente, referindo que o seu comportamento logo na primeira reunião, é contrário, não aceitando, desde logo, que esteja a violar o direito de propriedade da requerente.
13. No entanto, o Recorrente não pode concordar com tal fundamentação. Em primeiro lugar, temos que o Tribunal considera que o Recorrente não pode pretender uma suspensão do prazo em virtude da sua disponibilidade para reunir. O Tribunal refere esta conclusão três vezes, mas nunca a fundamenta.
14. O Recorrente considera que nunca poderia resultar este entendimento, uma vez que, se as Recorridas solicitaram uma reunião ao Recorrente, o que foi acedido, é legítimo que concluir que as partes estão a diligenciar no sentido de chegar a uma resolução extrajudicial do litígio. E, por se tratar de uma fase de negociações, se entendesse que estava o prazo suspenso, atenta a natureza manifestamente curta do mesmo, sendo de sopesar que o tema em apreço carecia da intervenção de técnicos especializados (topografia), para além da vontade das próprias partes. Não há qualquer justificação dada pelo Tribunal recorrido para um entendimento contrário a este, pelo que se conclui por uma falta de fundamentação da decisão em crise, pois não há qualquer presunção imposta pela lei ou regra da experiência que permita considerar que quando o recorrente acede a reunir com as requeridas, não tem em vista outra coisa que não chegar a um entendimento extrajudicial. E não há outra conclusão a retirar da reunião pedida e realizada entre as partes (bem como dos pedidos de documentação (técnica, alusiva aos levantamentos topográficos) que se seguiram a essa reunião. Com efeito, a falta de fundamentação de uma decisão, origina um vício de fundamentação, devendo por isso a decisão em crise ser revista e substituída por outra que considere que a aceitação do recorrente para reunir é consentânea com o fito de lograr um entendimento extrajudicial, importando assim, justificadamente, a consciência de que o prazo estaria suspenso, por as partes estarem a diligenciar no sentido de resolver o problema entre elas.
15. A isto acresce ainda o facto de que, quando o recorrente não condiciona a reunião à suspensão ou contenção da comunicação do dia 28/11/2020, na verdade, significa apenas que o recorrente não desiste do teor da referida comunicação. Ou seja, isto significa que há não desistência da interpelação realizada, o que é bem diferente de comunicar expressamente que não suspende um prazo em curso! O Recorrente apenas pretendia fazer valer a ideia que o facto de se dar uma reunião, não significa que consinta na realização de mais trabalhos sobre o muro que estavam a discutir.
16. Se percorrermos a listagem dos pedidos que antecedem podemos concluir que somente um dos pedidos que o recorrente formulou no dia 28/11/2020, contende com o embargo e que é precisamente o primeiro, ou seja, a suspensão imediata dos trabalhos. E quanto a essa parte, as requeridas entenderam e acataram o sentido da comunicação do recorrente e não fizeram mais edificações. Pelo menos, não o fizeram entre o dia 28/11/2020 e as vésperas do embargo, ou seja, o dia 14/01/2021, situação esta evidenciada pelos artigos 9.º e 10.º da resposta às exceções apresentada pelo Recorrente. O que, cremos, também evidencia a correspondência de vontades entre as partes pois, as próprias requeridas não deram azo a mais trabalhos sobre a parte do muro que estava em discussão. Evidenciando assim que estavam a analisar a situação, antes de avançar com mais trabalhos.
17. E se as requeridas, em face da comunicação do dia 28/11/2020, suspenderam os trabalhos de construção (como efetivamente fizeram) mostraram ao recorrente a sua disponibilidade para (i) parar com os danos que estavam a causar e (ii) discutir uma solução diferente da construção que estavam até então a fazer, o que evidencia que as requeridas interpretaram a comunicação do recorrente no sentido de que, para haver negociação, não podiam construir mais, ou seja, teria de respeitar a interpelação realizada no dia 28/11/2020, pois só com esse comportamento poderia haver possibilidade de uma resolução extrajudicial do litigio. O que, convenhamos, vai ao encontro do que o recorrente alega, justificando assim a confiança que depositou nas requeridas.
18. Ora, se estavam a decorrer negociações para um entendimento extrajudicial, nunca faria sentido que o prazo para ratificação do embargo continuasse a correr, pois nunca faria sentido submeter à apreciação judicial uma questão que estivesse em vias de resolução pelas próprias partes (e que estavam na disposição delas).
19. Acresce ainda que, qualquer entendimento diverso deste, não poderia ser fundamentado por outra forma que não fosse a inquirição das testemunhas em sede de julgamento. Com efeito, o contexto das mensagens de correio eletrónico aqui em discussão apenas poderia ser apreciado, num ou noutro sentido, depois de ouvidos os depoimentos dos intervenientes nas mensagens de correio eletrónico apresentadas nos autos. Prova essa que não chegou a ser produzida, militando assim também contra o sentido da decisão que o Tribunal a quo tomou.
20. Importa ainda referir a parte final da fundamentação da decisão recorrida, aponta (que a) Recorrida não estava a solicitar tempo para decidir se aceitava ou não a pretensão Recorrente, pois desde a primeira reunião que assumiu o entendimento de que não estaria a violar a propriedade do Recorrente.
21. E a realidade é que na primeira reunião, a requerida aparenta sustentar que não está a violar o direito de propriedade da requerente. É aliás uma interpretação possível da menção de que está a fazer o novo muro no mesmo sítio do muro anterior. Mas, a realidade é que (i) parou os trabalhos, (ii) pediu uma reunião para analisar a situação juntamente com o recorrente e (iii) pediu os documentos topográficos e demais elementos para ela própria analisar a situação (mesmo depois de dizer que estava a construir no mesmo sítio em que o muro anterior se encontrava). Um comportamento que acaba por ser controverso, mas, no entanto, evidencia claramente que a Recorrida não rejeitou as razões apresentadas pelo Recorrente. Aliás, não faria sentido parar os trabalhos e pedir os documentos topográficos caso assim não fosse.
22. Como resulta do ponto E) da sentença recorrida, a afirmação da Recorrida de que o muro novo estava no mesmo sítio do muro anterior deu-se no dia 18/12/2020. Ora, parece resultar daí que o Tribunal a quo considerou que desde essa data se considera que houve uma manifestação de que a Recorrente não estava a pedir tempo para tomar a decisão quanto à interpelação do Recorrente, mas pelo menos até essa data (18/12/2020) esteve a pedir esse tempo para decidir!
23. Assim, se considerarmos a data de 18/12/2020 como o momento a partir do qual o recorrente deveria considerar que não havia mais condições para negociação, será de considerar que o embargo foi comunicado dentro do prazo de30diasprevisto na lei (pois ocorreu no dia 14/01/2021), pelo que deverá a decisão recorrida ser revogada quanto à decisão que julga procedente a exceção da caducidade.
24. Ora, de facto a Recorrida solicitou tempo ao Recorrente para tomar uma decisão quanto à interpelação realizada, o que fez sob a forma de reunião, várias mensagens de correio electrónico e, sobretudo, pedido de elementos alusivos ao levantamento topográfico do recorrente. E todas estas diligências importam tempo e elementos técnicos para aferir da razoabilidade da pretensão do recorrente. O que, justifica a confiança que o recorrente depositou nas negociações que estavam em curso.
25. Esse pedido de tempo resulta do (i) pedido de reunião efetuado pela requerida no dia 07/12/2020 (como resulta da al. b) dos factos provados, (ii) do agendamento da reunião efetuado pela requerida no dia 11/12/2020 (conforme al. d) dos factos provados), (iii) da reunião realizada no dia 18/12/2020 (vide al. e) dos factos provados) e (iv) da solicitação da requerida a 22/12/2020 para o recorrente apresentar o seu levantamento topográfico (vide als. f) e h) dos factos provados). Sendo este o conjunto de elementos que permitem ter a certeza de que as Recorridas se encontravam a analisar a interpelação do Recorrente e aferir a sua razão de ser, resultando assim num claro esforço para uma resolução extrajudicial.
26. Assim, o Recorrente ao concordar com tal pedido e ao colaborar com a Recorrida e com os pedidos que esta realiza está a aceder e a colaborar com uma tentativa de resolução do problema, o que demonstra que ambas as partes estão a concorrer para resolução do problema.
27. Situação esta que até já foi analisada pela Jurisprudência, nomeadamente, o Tribunal da Relação de Guimarães, por decisão datada de 24/10/2019, no âmbito do processo 3138/19.7T8BRG.G1., de onde se retira expressamente o entendimento de jurisprudência assente de que ao marcar uma reunião para decidir da questão em apreço, é implícito que se peticiona tempo para a sua realização e por isso, esse tempo despendido não pode ser usado contra a parte contrária, que agiu de boa-fé!
28. Ora, o Recorrente, com a realização de tais negociações, claro que não avançou para os Tribunais, precisamente porque estava de boa-fé e tinha a vontade de dirimir o litigio que ali se iniciativa, sem recurso a Tribunais. Com efeito, com que consciência viria o recorrente para os Tribunais, ciente de que estava a falar com a parte contrária e que a mesma estava a diligenciar por analisar a situação e ver uma solução amigável. Tratar-se-ia de uma situação sem sentido, cremos…
29. Motivos pelos quais a invocação da exceção de caducidade, ao invés do que considerou a decisão a quo, acaba por ser, cremos, um abuso de direito, tentando prevalecer à custa das regras da caducidade que servem os interesses de certeza, segurança e pacificação social e não os interesses particulares da requerida.
30. Aliás, a Recorrida apenas contrariou o levantamento topográfico do Recorrente na Oposição dos presentes embargos, nunca tendo rejeitado a sua validade anteriormente, uma vez mais se demonstrando que todos comportamentos e comunicações que a Recorrida dirigiu ao Recorrente justificam o investimento de confiança que o recorrente fez na resolução extrajudicial do problema, desde logo pela circunstância de a requerida ter suspendido os trabalhos de construção assim que interpelados para o efeito, sendo que, agora, com a invocação de uma exceção de caducidade, causa a impressão de que se trataram apenas de mera diligências dilatórias e nunca foi um verdadeiro objetivo o de chegar a acordo!
31. Assim, concluindo no que concerne à exceção de caducidade julgada procedente, pode até dizer-se que a decisão proferida acaba por violar o disposto no artigo 334.º do Código Civil, devendo por isso ser revogada e substituída por outra que julgue a exceção de caducidade improcedente, com todas as legais consequências.
32. Ainda, em terceiro lugar, surge a questão dos pedidos formulados e, ainda, de uma alegada ineptidão parcial que se decidiu a título parcial quanto a alguns dos pedidos formulados.
33. No entanto, o objeto principal dos presentes autos, por se tratar de uma ratificação judicial de embargo de obra nova realizado extrajudicialmente, é precisamente a pronúncia quanto ao pedido de suspensão imediata dos trabalhos, sendo que quanto a isto não há qualquer tipo de ineptidão que impeça o seu conhecimento e prolação de decisão.
34.E assim, uma vez que o presente procedimento cautelar de embargo de obra nova assume natureza conservatória, sempre será de considerar que era esse o pedido que importava conhecer, decidindo-se pelo indeferimento dos demais pedidos que, porventura, se revelassem incompatíveis com este.
35. E, coadunado com o anteriormente referido relativamente à não verificação da ilegitimidade passiva e da exceção de caducidade, é de concluir que o Tribunal se deveria ter pronunciado sobre esse pedido de suspensão imediata dos trabalhos.
36. E para que essa questão fosse apreciada e julgada e assim, fosse proferida decisão, o Tribunal a quo deveria ter procedido à marcação de julgamento, a fim de se verificar a produção de prova necessário para boa decisão de mérito da causa, pois sem isso, não havia ainda condições para conhecer do fundo da questão.
37.Quanto à destruição do muro, não se poderá referir que haja uma eventual inutilidade superveniente da lide, questão esta que foi respondida pelo Recorrente a convite do tribunal, onde se demonstrou que o muro não deixou de existir, simplesmente se encontra no mesmo local, mas danificado, pelo que se demonstrou que continuava a existir interesse na apreciação do Tribunal, pois poderia ser possível que as Recorridas retificassem o muro continuar a erigir dentro do prédio do requerente.
38. Ora, e tanto assim é que nenhuma das Recorridas suscitou tal questão nas Oposições apresentadas, por bem saberem que o muro continuava ali, descartando-se assim qualquer inutilidade superveniente da lide.
39. No entanto, a referida matéria não foi levada ao elenco da factualidade prova porque deveria ser considerada controvertida e, com isso, essa questão deveria ter sido apreciada em sede de Julgamento.
40. E apesar de o Tribunal avisar e notificar as partes para evitar decisões surpresa quanto a esta questão, a realidade é que não considerou toda a factualidade que foi oportunamente alegada. Tratando-se de inutilidade superveniente, estamos diante uma exceção que nem sequer foi invocada pelas requeridas, cientes que estão de que não há qualquer causa para a pretensa inutilidade superveniente da lide, porque como reconhece o próprio Tribunal, a destruição apenas versou parte do muro. Sendo, por isso, matéria de que o Tribunal nem sequer deveria conhecer.
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2.2. Foram, apresentadas contra-alegações nos seguintes termos:
A) Atenta a confissão do Recorrente e o teor dos documentos por si juntos, ao Tribunal a quo não restava outra fixação da matéria de facto relevante além da que fez, por lhe estar vedada a livre apreciação da prova por imposição legal – art.607º/5 do CPC,
B) Nunca a Recorrida C… teve qualquer comportamento que levasse a um qualquer investimento de confiança no Recorrente no sentido de ver reconhecido extrajudicialmente o direito de propriedade que alega lesado
C) Nunca foram propostas ao Recorrente quaisquer negociações com o fito de ajuizar do dano alegado, ou seja, da violação da sua propriedade.
D) É o Recorrente que estabelece ab initio que quaisquer conversações com a Recorrida C… não afastam ou suspendem o teor integral da comunicação por si efectuada e de 28 de Novembro de 2020- data em que o Recorrente comunica à Recorrida C… o conhecimento do alegado dano.
E) Considerando esta postura não pode o Recorrente, quando confrontado com a caducidade do seu direito, vir invocar abuso de direito da Recorrida C…
F) É o Recorrente que ao imputar o abuso de direito à Recorrida está a agir em manifesto abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium: não abdica expressamente dos efeitos legais da sua comunicação de 28 de Novembro de 2020 pretendendo depois argumantar que o prazo para arguição da excepção de caducidade por parte da Recorrida C… se encontrava suspenso
G) O Recorrente apelida de “vício/omissão de fundamentação” a sua discordância com a convicção que o Tribunal a quo formou a partir de factos confessados e subsequente aplicação do Direito a esses factos
H) O Recorrente não indica qualquer fundamento objectivo para discordar da decisão que põe em crise, não invoca normas jurídicas violadas ou mal aplicadas aos factos assentes, produzindo conclusões deficientes, obscuras, quase inintelígiveis e pouco sintéticas.

3. Questões a decidir
1. Em primeiro lugar apreciar as questões processuais que podem obstar ao conhecimento total do mérito da causa (inutilidade superveniente, incompatibilidade de pedidos e legitimidade).
2. Depois, apreciar a questão da caducidade que foi alegada por ambas as partes.
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4. Factos indiciados
Foi alegado no requerimento inicial que:
1. No final do mês de Novembro de 2020, o Requerente teve conhecimento de que estavam a ser executados trabalhos relacionados com o referido muro.
2. Na sequência desses factos, no dia 28/11/2020 (sábado), o Requerente interpelou as Requeridas (conforme documento n.º 10 que ora se junta e se dá por reproduzido para os devidos efeitos) dando conhecimento de que as obras estavam a ser feitas de forma ilegal, solicitando a suspensão imediata dos trabalhos no prédio do Requerente; a reposição imediata dos limites dos prédios; a destruição imediata do muro construído dentro do terreno do Requerente; reposição imediata do terreno com o respetivo aterro ao estado pré-existente à demolição (sistema de rega, relva, trepadeiras, muro, etc.) e remoção imediata dos bens depositados no logradouro do Requerente:
3. Pese embora a interpelação ser dirigida a ambas as Requeridas, apenas a C… respondeu a tais comunicações, em 07-12-2020, na pessoa do Sr. Eng. E…, solicitando uma reunião para esclarecimento daquelas questões bem como solicitando o envio do referido levantamento topográfico, conforme documento n.º 11
4. O requerente respondeu à C…, L.da em 10-12-2020, enviando o levantamento topográfico e indicando possíveis datas para o agendado da reunião solicitada, referindo que “(…) Espero que todos se encontrem bem, considerando o tempo que vivemos. Na senda da v/ comunicação, serve o presente para partilhar convosco o levantamento e o resultado da sobreposição dos dois levantamentos. Pf. considere as seguintes datas alternativas para a realização da referida reunião: Hoje, a partir das 16h30m. 11/12, de manhã 15/12, de tarde 16/12, de tarde 17/12, todo o dia, 18/12, todo o dia. Sublinho que a disponibilidade para reunir não suspende ou contende, por alguma forma, com o teor da interpelação do dia 28/11/2020. E que, aliás, reforço, pois, pelas evidências no local, não está a ser observada. (…)
5. A C… respondeu ao Requerente, em 11-12-2020, não demonstrando disponibilidade para realizar a reunião no dia agendado, por via zoom, referindo que era preferível que a reunião fosse presencial, conforme documento n.º 14 que ora se junta e se dá por reproduzido para os devidos efeitos.
6. No dia 18/12/2020 foi realizada a referida reunião, na presença do Mandatário do Requerente Dr. F… e do Eng. E… e Eng. G…, em representação da C… e D… respectivamente.
7. Tendo estes últimos afirmado que o novo muro estava no exato sítio em que encontrava o muro anterior.
8. No dia 22/12/2020, a C… solicitou os ficheiros electrónicos referentes ao levantamento topográfico do Requerente, para análise, conforme documento n.º 17.
9. Tendo o requerente, no dia 29/12/2020 remetido às Requeridas a documentação solicitada, conforme documento n.º18 que ora se junta e se dá por reproduzido para os devidos efeitos.
10. Após a interpelação do requerente, nos termos acima descritos, a realidade é que as requeridas suspenderam a execução dos trabalhos, não avançando com a construção.
11. Contudo, desde pelo menos a última resposta da D… (comunicação datada de 04/01/2021, conforme documento n.º 19), torna-se perceptível que não tem qualquer intenção de resolver, extrajudicialmente, o conflito que há entre as partes.
12. Perante esta situação, no dia 14 de janeiro de 2021 pelas 16 horas, o Mandatário do Requerente, o Exmo. Sr. Dr. F…, acompanhado do Requerente e na presença das testemunhas H…, com o n.º cartão de cidadão n.º …….., residente na Rua …, …, hab .., ….-… Porto e I…, com o nº de cartão de cidadão …….., residente na Rua …, n. .. , hab .., ….-…, Porto, notificou verbal e presencialmente o Sr. Engenheiro J… diretor adjunto da D… e responsável pelos trabalhos (…)
13. (O procedimento deu entrada em 19.1.2021).
14. Art. 57. Requerimento inicial: Perante esta situação, no dia 14 de janeiro de 2021 pelas 16 horas, o Mandatário do Requerente, o Exmo. Sr. Dr. F…, acompanhado do Requerente e na presença das testemunhas H…, com o n.º cartão de cidadão n.º …….., residente na Rua …, …, hab .., ….-… Porto e I…, com o nº de cartão de cidadão …….., residente na Rua …, n. .. , hab .., ….-…, Porto, notificou verbal e presencialmente o Sr. Engenheiro J… diretor adjunto da D… e responsável pelos trabalhos de que: “deveria proceder (1) à suspensão imediata dos trabalhos no prédio do requerente (com excepção da intervenção já acordada), (2) à reposição imediata dos limites dos prédios, designadamente do muro do Dr. B…, na observância dos limites anteriores à demolição efectuada conforme o levantamento que foi comunicado, (3) à destruição imediata do muro executado, indicando e apontando para o efeito o muro melhor descrito acima, dentro do terreno do requerente, (4) à reposição imediata do terreno com o respectivo aterro ao estado pré-existente à demolição (sistema de rega, relva, trepadeiras, muro, etc), atentas as escavações efectuadas no prédio do meu constituinte e (5) à remoção imediata dos bens depositados no logradouro do meu constituinte”.

5. Motivação jurídica

5. 1. Da inutilidade superveniente da lide
O art. 277.º, al. e) do CPC dispõe que a instância se extingue com a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide.
Seguindo o Ac de Uniformização de jurisprudência do STJ[1]: “a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, enquanto causas determinantes da extinção anormal da instância, resultarão de circunstâncias acidentais/anormais que, na sua pendência, precipitam o desinteresse na solução do litígio, induzindo a que a pretensão do demandante não possa ou não deva manter-se: seja, naqueles casos, pelo desaparecimento dos sujeitos ou do objeto do processo, seja, nestes, pela sua alcançada satisfação fora do esquema da providência pretendida”.
In casu, o que se considerou foi que a lide é desnecessária, porque o dano já está integralmente verificado.
O tribunal a quo entendeu, num primeiro despacho que: “há a considerar que obra em causa nos autos – construção ou reposição do muro – foi já destruída pelo requerente como este reconhece no art. 179º da sua resposta e se mostra documentada no email enviado pelo requerente a 22 de janeiro de 2021, pelo que se equaciona uma inutilidade superveniente da lide”.
Mais tarde veio efectivamente a decidir que: “este procedeu à destruição do muro pelo que não existe a obra que se pretendia ver embargada, o que conduziria a uma inutilidade superveniente da lide, art. 277 al. e) do CPC.
Ora, é evidente que o muro em causa foi completamente destruído.
Mas o presente embargo de obra nova não visa apenas proteger o muro mas sim o direito de propriedade do requerente alegadamente violado na grande quantidade de 25,6 cm.
Bastará reproduzir o alegado no art. 49º, do requerimento inicial: “Com efeito, entre o limite poente e o limite nascente, a 2ª Requerida vem progressivamente a ocupar o prédio do Requerente, chegando a um valor máximo de ocupação do prédio deste em precisamente 25,6 cm!.”.
Acresce que a construção em causa ainda não terminou, pois “Neste momento, as requeridas C… e D… preparam-se para, a qualquer momento, edificar sobre o referido muro/alicerce, elevando ainda mais a construção existente e invadindo o prédio do requerente”.
Ora, só existiria inutilidade superveniente da lide se o trabalho ou o serviço já estivessem concluídos.
Com efeito, nesta providência a inutilidade do prosseguimento da lide só existe se for patente a insubsistência de qualquer vantagem para o requerente, com ao procedimento intentado. Nesta matéria a nossa jurisprudência defende que a obra está concluída quando, mesmo que alguns trabalhos continuem, o prejuízo já não possa ser aumentado com a continuação da obra, nem eliminado com a sua suspensão[2].
Ora, não é isso que acontece neste caso.
Com efeito a ofensa do direito de propriedade continua e a mesma será agravada, pois à medida que a construção aumentar mais difícil será, eventualmente, repor a situação inicial, já que recorde-se a dimensão do muro vai ser aumentada e o prédio vizinho construído através de uma nova e maior construção.
Logo, não existe inutilidade superveniente da lide.
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2. Da incompatibilidade de pedidos
Os pedidos formulados pelo requerente foram:
a) ratificar o embargo extrajudicial efetuado pelo requerente a 14 de janeiro de 2021, sendo lavrado o auto a que se refere o artigo 400º n.º 1 do CPC;
B) Seja notificado o dono da obra, ou na sua ausência, o encarregado ou quem o substituam para não a continuar, sob pena de, desrespeitando tal determinação judicial, poder ser destruída qualquer inovação abusiva e incorrer em responsabilidade penal pela prática de crime de desobediência qualificada, como prevê o artigo n.º 375 do CPC.
C) Deverá, ainda, ser ordenada, a notificação dos Requeridos de tal decisão, nos termos e para os efeitos dos n.ºs 6 do artigo 366º.
Cumpre salientar que a incompatibilidade de pedidos só gera a ineptidão se estes forem substancialmente incompatíveis. A incompatibilidade substancial dos pedidos verifica-se quando os efeitos jurídicos que com eles se pretendem obter estão, entre si, numa relação de oposição ou contrariedade, de tal modo que o reconhecimento de um é a negação dos demais. Como o autor os apresenta a todos simultaneamente, e no mesmo plano, torna-se impossível discernir qual é, na realidade, a pretensão que pretende ver judicialmente reconhecida”.[3]
In casu nada disso acontece, pois, a intenção do requerente é clara e perceptível pretende a suspensão da obra e a aplicação da garantia penal à providência.
Inexiste, pois, qualquer incompatibilidade formal ou substancial entre estes pedidos, pois visam apenas ratificar o embargo e evitar qualquer prosseguimento da obra (após o mesmo embargo).
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3. Da legitimidade
A legitimidade é um pressuposto processual apreciado de acordo com o objecto da acção apresentado na versão do autor/requerente. Por isso e de acordo com o critério legal, o réu será parte legítima se tiver interesse em contradizer, exprimindo-se este pelo prejuízo derivado da procedência da acção (art. 30º, 1 e 2 do CPC).
Deste modo estamos perante uma realidade plástica que pode variar de acordo com a concreta alegação do autor.
Mas, o certo é que, no caso do embargo de obra nova, o titular substancial da posição jurídica que ofende o alegado direito do requerente é o dono da obra e não o empreiteiro que a realiza.
Basta dizer que se o pedido formulado é o suspender provisoriamente uma obra, então o mesmo só produz efeitos e terá efeito útil, se o dono dessa obra for demandado, já que no caso contrário, bastaria ao mesmo mudar de empreiteiro para obviar aos efeitos de qualquer embargo. Pelo contrário, parece que o empreiteiro não pode, naquele local, mudar de dono da obra.
Acresce que, certamente por lapso, o requerente omite que a letra da lei é clara ao dispor no art. 397º, nº2, do CPC que é o dono da obra o titular do interesse passivo controvertido pelo que nunca poderíamos estar perante uma situação de litisconsórcio necessário passivo.
Ou seja, nessa controvérsia o legislador tomou uma opção indicando às partes qual deve ser a relação jurídica material controvertida.
Ora, conforme salienta o Ac da RP de 10.11.2005, nº JTRP00038485 (Deolinda Varão)[4] “O dono da obra é aquele sob cuja direcção é executada a obra, o trabalho ou o serviço novo ofensivos do direito de que o requerente do embargo se arroga titular. E “- A obra pertence a quem decide e ordena a sua execução, que é quem tem interesse directo em contradizer o procedimento cautelar de embargo de obra nova, pois que é a ele que a suspensão da obra vai prejudicar. Por isso é parte legítima”.
É certo que existem decisões que admitem a intervenção em certos casos do empreiteiro[5], mas essas decisões dependem da particularidade dos casos concretos (por exemplo acção intentada apenas contra o empreiteiro), e no fundo, omitem que na sua actividade o empreiteiro atua por conta e em representação do dono da obra, sendo pois que será este o responsável pela sua atuação nos termos do art. 800º, do CC.
Acresce que, conforme salienta Miguel Teixeira de Sousa, “a legitimidade tem de ser apreciada e determinada pela utilidade (ou prejuízo) que da procedência (ou improcedência) da acção possa advir para as partes, face aos termos em que o autor configura o direito invocado e a posição que as partes, perante o pedido formulado e a causa de pedir, têm na relação jurídica material controvertida, tal como o apresenta o autor” (“A Legitimidade Singular em Processo Declarativo”, in BMJ nº 292, pág. 105).
Ou seja, neste caso a única entidade que pode efetivamente determinar a suspensão da obra é o dono da mesma e não o empreiteiro que, recorde-se está sujeito aos termos do acordo celebrado com este.
Logo, no caso concreto e não obstante as vagas e imprecisas insinuações genéricas efectuadas pelo requerente no seu requerimento, o certo é que nada está alegado sobre “outra forma de associação entre o dono da obra e o empreiteiro”, pelo que este será parte ilegítima, tanto mais que a regularidade e efeito útil da acção está assegurado com a intervenção e contestação do dono da obra.
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4. Da caducidade
As providências cautelares três funções principais: uma função de garantia de um direito, que corresponde à categoria das providências cautelares conservatórias; uma função de regulação provisória de uma situação, correspondendo também à categoria das providências cautelares conservatórias; e, por fim, uma função de antecipação da tutela definitiva, correspondendo à categoria das providências cautelares antecipatórias[6].
Esta providência cautelar de embargo de obra nova visa nos termos do art. 397.º, do CPC obter a suspensão imediata de uma obra, trabalho ou serviço novo do qual resulte ou possa resultar a ofensa de um direito de propriedade, de um direito real ou pessoal de gozo ou da posse, resultando dessa ofensa um prejuízo ou uma ameaça de prejuízo.
Para que esta providência cautelar possa ser decretada, é necessário que, cumulativamente, estejam preenchidos os seguintes requisitos:
1) deve estar em causa uma obra, um trabalho ou um serviço;
2) essa obra, trabalho ou serviço devem estar em curso;
3) essa obra, trabalho ou serviço devem ser novos;
4) da obra, trabalho ou serviço deve resultar a ofensa de um direito real ou pessoal de gozo ou da posse;
5) deve existir um prejuízo ou uma ameaça de prejuízo;
Acresce que ao estarmos perante um embargo extra-judicial este terá de ser realizado 30 dias após o conhecimento dos factos e depois, judicialmente ratificado. Ou seja, nos termos do art. 397º, nº3, do CPC o requerente deve pedir ao tribunal competente a ratificação judicial do embargo no prazo de cinco dias, sob pena de o mesmo caducar (art. 397.º, n.º 3).
Entendeu o tribunal a quo que esse prazo estava violado, porque:
a) resulta seguro que o requerente teve conhecimento da obra em Novembro e apenas em 14.1.2021 realizou o embargo
b) as negociações entretanto decorridas entre as partes não teriam a virtualidade de suspender esse prazo, pois, num dos emails o requerente reafirmou que se mantinha o sentido e comunicação por si realizada em 28.11.2020.
Pretende, em primeiro lugar o apelante que a decisão está carenciados de factos controvertidos que podem implicar uma decisão diferente.
Não concordamos.
Desde logo, demos (como se viu) por comprovados todos os factos relevantes alegados no requerimento inicial sendo posteriormente só foram alegados factos sob o estado de espírito do requerente e nunca se descreveu qualquer outro comportamento dos requeridos, apto a provocar essa convicção.
Deste modo está assente, por acordo, que desde 28.11 até 18.12 as partes tiveram reuniões, solicitaram e depois receberam levantamentos topográficos.
É evidente que este facto não implica qualquer reconhecimento tácito do direito do requerente nos termos do art. 219º, do CC, mas pode constituir, como este afirma, uma modalidade de abuso de direito na modalidade de venire.
Mas para que isso ocorra seria necessário, nos termos do art.º 334. do CCº “(que)o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”
Em termos gerais, VAZ SERRA[7] salienta que “pode dizer-se, de um modo geral, que há abuso do direito quando o direito, legítimo (razoável) em princípio, é exercido, em determinado caso, de maneira a constituir clamorosa ofensa do sentimento jurídico socialmente dominante”.
Ora, nada disso foi alegado pelo requerente.
Na verdade este alega[8] apenas que:
“ 11. O que bem evidencia a vontade das requeridas em resolver o problema amigavelmente, ou, pelo menos, assim pensou o requerente.
13. O requerente, confiando na boa fé para resolver o problema e crendo que poderia haver um erro legítimo das requeridas, acedeu ao pedido de reunião e, tal como solicitado, apresentou datas para reunir e ainda o seu levantamento topográfico, para contribuir para o esclarecimento e definição dos limites da sua propriedade, na esperança de as requeridas retificarem o muro/alicerce feito e, sobretudo a demais construção que se seguirá.
44.O requerente, em boa fé, aguardou quer pela recuperação do Eng. E… que estava a conduzir a marcação da reunião e definição do problema em apreço, quer pela data que este agendou.
Note-se, pois que nunca alega sequer qual foi o concreto acto praticado pelo dono da obra apto a gerar em si a convicção de que seria obtido um acordo extra-judicial.
Bem pelo contrário.
No seu requerimento inicial o mesmo alegou que:
“a obra (que quer embargar) diz respeito ao cumprimento de um acordo escrito anterior”.
“apenas a C… respondeu a tais comunicações, em 07-12-2020, na pessoa do Sr. Eng. E…, solicitando uma reunião para esclarecimento daquelas questões bem como solicitando o envio do referido levantamento topográfico, conforme documento n.º 11 que ora se junta e se dá por reproduzido para os devidos efeitos”.
O Requerente respondeu à C… em 10-12-2020, enviando o levantamento topográfico e indicando possíveis datas para o agendado da reunião solicitada, conforme documento n.º 12 que ora se junta e se dá por reproduzido para os devidos efeitos”.
No dia 18/12/2020 foi realizada a referida reunião, na presença do Mandatário do Requerente Dr. F… e do Eng. E… e Eng. G…, em representação da C… e D… respectivamente.
Tendo estes últimos afirmado que o novo muro estava no exato sítio em que encontrava o muro anterior (art. 33).
Daí resulta, pois, que nunca o dono da obra garantiu ou actou por forma a gerar uma situação concreta de confiança na realização de qualquer acordo, bem pelo contrário, afirmou de forma clara o desacordo com a versão da realidade defendida pelo requerente, a tempo útil de este querendo proceder ao embargo extra-judicial.
Logo, com diferentes fundamentos do tribunal a quo, podemos concluir que não existe qualquer comportamento concreto do dono da obra que possa ter criado num terceiro com um comportamento razoável (bonus pater familiae) a convicção que iria ser obtido um acordo negocial.
Bastará dizer que só ocorreu uma reunião; que o dono da obra nem sequer respondeu à interpelação do requerente (apenas o empreiteiro) e que logo em 18.12.2021 lhe comunicou que não tinha cometido qualquer dano passível de embargo.
Ora, convém não esquecer que a existência de abuso de direito na modalidade de venire pressupõe, basicamente uma desconformidade entre duas condutas sendo que uma delas implica a criação de uma situação de confiança na contraparte de que (na tese do requerente) um acordo seria obtido, e uma posterior conduta ativa desconforme com essa situação e, por isso, violadora da boa fé.
In casu, não obstante os factos alegados na sua oposição o certo é que nunca o requerente alega qual o concreto acto praticado pela parte contrária que a fez acreditar que o acordo seria obtido e, ou, que a caducidade nunca seria invocada.
Por isso, a instrução dos factos subjetivos por si alegados sempre seria inócua para diferente decisão da excepção material de abuso de direito, pois, nunca foi alegado, e por isso nunca poderá ser provado, o concreto acto da requerida gerador de um clamoroso abuso de direito na invocação da caducidade.
Nesta matéria veja-se a diferença dos factos provados do Ac da RG de 24.10.2019, nº 3138/19.7T8BRG.G1, (Sandra Melo) [9], citado pelo requerente. Naquele aresto está demonstrado um acordo entre as partes com vista a um acordo, nesta acção a missiva do requerente só mereceu resposta do empreiteiro não do dono da obra. Depois, nesta acção a reunião foi marcada por ser necessária a presença do advogado da requerida, o que denota logo uma situação de conflituosidade, pois, a obra em causa note-se tinha sido já acordada por escrito entre as partes. Por fim e, em terceiro lugar, na outra situação nada foi dito durante largos meses, nesta segundo o requerente este soube logo em 18.12.2020 que “o novo muro estava no exacto lugar do anterior”.
Diga-se, por fim que esta situação foi também analisada por outros arestos, sendo que o Ac da RP de 19.11.2013, nº 1857/09.5TJVNF.S1.P1 (Fernando Samões), concluiu que “ Não existe reconhecimento eficaz, nem abuso do direito, por parte de quem invoca a caducidade duma acção fundada na venda de uma coisa com defeitos, que não aceita e cuja causa se propõe averiguar”.
Por seu turno o Ac do STJ de 09/10/2007, nº 07A2649 considerou que uma manifestação implícita de que se pretende ver o assunto amigavelmente resolvido não implica uma garantia de pagamento, nem a abdicação do direito de invocar a caducidade da acção[10].
Com efeito o que seria necessário ter ocorrido era, como salienta o Ac. do STJ de 24/9/09, no P. 2210/06.8TVPRT.S1, uma situação tal em que se “dispense razoavelmente o recurso à via judiciária: como se afirma, por exemplo, no não se inicia o prazo curto de caducidade, contado da denúncia do defeito, para agir em juízo por carecer o demandante, nesse momento, de interesse processual, perante a atitude do vendedor que se compromete a reparar os denunciados defeitos construtivos”.
Ou seja, o que a nossa jurisprudência defende é algo bem diverso do que pretende o requerente. Isto é, caso existam negociações anteriores à propositura da acção é necessário, uma ponderação cuidada das circunstâncias peculiares do caso concreto, de modo a avaliar da seriedade e consistência das expectativas de resolução amigável do litígio acerca dos vícios da coisa, dispensando o recurso à via judiciária enquanto se não revelar plenamente o resultado das tentativas do vendedor de eliminar os defeitos da coisa vendida, que admite como eventualmente existentes: na realidade, neste, como em muitos outros casos, estando em causa a densificação e concretização de cláusulas gerais – boa fé, abuso de direito – a actividade do intérprete e aplicador do direito passa necessariamente por uma cuidada avaliação e ponderação casuísticas do significado a atribuir às condutas das partes, face às circunstâncias peculiares de cada situação litigiosa”.[11] (nosso sublinhado).
Ora, como é evidente isso não acontece neste caso. Com efeito, usando o teor do seu requerimento inicial podemos concluir que:
a) o dano alegado neste caso parece ser diminuto (veja-se a ocupação alegada);
b) os requeridos nunca assumiram qualquer responsabilidade;
c) comunicaram essa conclusão 10 dias antes do prazo de caducidade terminar;
d) a obra em causa visou reparar um dano anterior nos termos de um acordo extra-judicial celebrado entre as partes por escrito.
Logo, não se vislumbra como poderia o requerente condicionar a sua conduta, com base no comportamento, que não foi contraditório, nem abusivo e, muito menos, desconforme com a boa fé.
Desde logo, porque o requerente parece ter esquecido que esta obra visou já reparar um dano anterior assumido por escrito pelas requeridas. E que, estas lhe disseram imediatamente (na primeira reunião) que o muro estava no mesmo local do anterior (sic).
Logo, nunca aceitaram a existência de um dano reparável e por isso a sua conduta não pode ser considerada, por um qualquer terceiro isento, objectivo e mediamente diligente, geradora de uma situação em que não seria necessário interpor qualquer acção.
Por último, na data dessa reunião 18.12.2020 o requerente tinha ainda 10 dias para realizar o embargo.
Teremos, assim de concluir que, no caso presente, não podemos imputar à requerida qualquer acto gerador da convicção de que se obteria um acordo ou não seria invocada a caducidade.
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Decorre do artigo 328.º do Código Civil que o prazo de caducidade não se suspende nem se interrompe, senão nos casos em que a lei o determine, acrescentando o artigo 329.º da referida disposição legal que, o prazo de caducidade, se a lei não fixar outra data, começa a correr no momento em que o direito puder ser legalmente exercido.
E, nos termos do artº 331º, nº 1 do Código Civil, só impede a caducidade a prática, dentro do prazo legal ou convencional, do acto a que a lei ou convenção atribua efeito impeditivo.
Logo, teremos de concluir que o prazo de realização do embargo já tinha decorrido em 14.1.2021.
Diga-se, ainda que a suspensão dos prazos judiciais devido à situação de calamidade, só ocorreu com a Lei 4-B/2021, de 1 de fevereiro, como tal já após o termo do prazo em causa[12].
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6. Decisão
Pelo exposto, este tribunal julga o presente recurso improcedente por não provado e, por via disso, mantém, parcialmente, a decisão recorrida determinando que o embargo de obra nova foi realizado após o termo do prazo de caducidade.
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Custas a cargo do requerente porque decaiu.

Porto em 27.5.2021.
Paulo Duarte Teixeira
Deolinda Varão
Freitas Vieira
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[1] Acórdão uniformizador de jurisprudência do STJ n.º 1/2014, de 8/05/2013 (relator Fernandes da Silva), in Diário da República, 1.ª série, de 25 de Fevereiro de 2014.
[2] Ac da RG de 17.12.2010, nº 5977/14.6T8VNF-C.G1 (Alcides Rodrigues); Ac da RL de 5.7.2009, nº 233/08.1TBPTS.L1-6 (Carlos Valverde); Acs. do TRP de 10.01.2002, proc. 0131319 (Pinto de Almeida) e de 02.05.2000, proc. 0020285 (Pelayo Gonçalves). Na doutrina Marco Gonçalves, PROVIDÊNCIAS CAUTELARES CONSERVATÓRIAS: QUESTÕES PRÁTICAS ATUAIS, pág. 19.
[3] Rodrigues Bastos, in Notas ao Código de Processo Civil, Vol. I, págs. 388.
[4] 1º adjunta do presente aresto.
[5] Ac da RP de 28.11.2017, nº 11599/17.2T8PRT.P1 (Ana Cabral).
[6] Miguel Teixeira de Sousa, As providências cautelares e a inversão do contencioso, disponível em https://www.fd.unl.pt/docentes_docs/ma/PCN_MA_25215.pdf.
[7] BMJ, n.º 85, Lisboa, Abril de 1959, pág. 253
[8] Transcrevemos pontos do seu requerimento para se pronunciar sobre esta excepção.
[9] Esses factos são: “Nessa mesma data o requerente marido contactou os requeridos. 18. Que se mostraram disponíveis a conversar e a reunir com os requerentes e quem lhes vendeu o prédio, com vista a esclarecerem se efetivamente estavam a invadir o prédio dos requerentes. 19. Os contactos entre as partes continuaram pelo menos até 15.4.2019. 20. Aguardando os requerentes que fosse agendada a tal reunião. 21. Os requerentes em final de Abril ausentaram-se da sua residência, em férias. 22. Quando regressaram de férias, no final da primeira semana de maio, constataram que a obra prosseguia os seus termos. 23. Cansados de esperar pela concretização da tentativa de resolução amigável do litigio, que passaria pelo agendamento da já aludida reunião, pelos requeridos, os requerentes intentaram o procedimento a 4.6.2019. (nosso sublinhado).
[10] Em sentido diverso o Ac do STJ de 18.9.2014, nº 1857/09.9TJVNF.S1.P1 (Lopes do Rego), porque neste caso o vendedor além de negociar tentou reparar o defeito do objecto do contrato. O sumário desse aresto é “integra violação das cláusulas gerais da boa fé (…) o comportamento do vendedor de coisa alegadamente defeituosa que – embora sem reconhecer inequívoca e expressamente o vício ou defeito denunciado - admitiu como possível a sua existência e tentou, por várias vezes, corrigi-lo (…)”.
[11] Ac do STJ de 18.9.2014, supracitado.
[12] O Artigo 4.º, desse diploma, dispõe que: “O disposto nos artigos 6.º-B a 6.º-D da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, produz efeitos a 22 de janeiro de 2021, sem prejuízo das diligências judiciais e atos processuais entretanto realizados e praticados”.