Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
137748/18.9YIPRT-C.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JORGE MARTINS RIBEIRO
Descritores: DIREITO DE CRÉDITO
PRESCRIÇÃO
FALTA DE CITAÇÃO
ANULAÇÃO DA CITAÇÃO
Nº do Documento: RP20250428137748/18.9YIPRT-C.P1
Data do Acordão: 04/28/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGAÇÃO
Indicações Eventuais: 5.ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – Como previsto no art.º 303.º do Código Civil, C.C., a prescrição de um direito de crédito tem de ser invocada por aquele a quem aproveita.
II – Nos termos conjugados do disposto nos artigos 10.º, n.º 1, da Lei n.º 23/96, de 26/07, e nos artigos 303.º, 304.º, n.º 1, e 323.º, a contrario, do C.C., verifica-se a prescrição de um crédito (pagamento do preço) no âmbito de uma relação de prestação de serviço público essencial se, por causa imputável ao credor, a citação do requerido ocorre depois de decorridos seis meses sobre a data do último dia de prestação de serviço em causa.
III – No âmbito do disposto no art.º 323.º, n.º 3, do C.C., há que efetuar a distinção entre falta de citação (em que, de todo, não foi efetuada), casos previstos no art.º 188.º do C.P.C., e os casos em que foi efetuada ainda que padecendo de uma nulidade, por preterição ou imperfeita observância de uma formalidade, cabendo estas situações na previsão do art.º 191.º do C.P.C.
IV – Se tiver havido falta de citação (nulidade principal), não tem aplicabilidade o previsto no art.º 323.º 3 do C.C. – que apenas se aplica nos casos de nulidade (secundária) da citação ou notificação (art.º 191.º do C.P.C.).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: APELAÇÃO N.º 137748/18.9YIPRT-C.P1

SUMÁRIO (art.º 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil, C.P.C.)

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Acordam os Juízes na 3.ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto, sendo

Relator: Jorge Martins Ribeiro;

1.ª Adjunta: Teresa Fonseca e

2.º Adjunto: José Eusébio Almeida.

ACÓRDÃO

I – RELATÓRIO

Nos presentes autos é autora (A.) e recorrida A... SA”, titular do N.I.P.C. ...84, com sede na Rua ..., ... ..., e é réu (R.) e recorrente Condomínio do Edifício ..., titular do N.I.P.C. ...01, com sede na R. ..., ... ..., representado pela sua administração.

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Procedemos agora a uma síntese do processado, e factual, destinada a facilitar a compreensão do objeto do presente recurso.

A) Começamos pelos antecedentes processuais([1]).

Do apenso A resulta, em suma, o seguinte:

A.1.) Aos 30/10/2020 a administradora do ora recorrente (o R. Condomínio ... é administrado pela sociedade “B...”.) interpôs recurso de revisão([2]), invocando que o processo tinha decorrido à sua revelia por não ter sido citada, por não ter tido conhecimento do processo e por nunca ter sido enviada alguma citação para a sua sede.

Neste sentido, transcrevemos dois artigos essenciais desse requerimento inicial([3]):

33º Não entendendo assim o Recorrente qual o intuito da Recorrida ao fazer constar do requerimento de injunção morada diferente da constante das faturas e da interpelação extrajudicial, bem sabendo, frise-se, quem era a administradora do Recorrente.

34º Do exposto, resulta que, não tendo nenhuma carta de citação sido enviada para a morada da administração, o Recorrente não foi citado para os termos da presente ação, havendo assim falta de citação, que determina a nulidade de tudo o que se processou desde a entrega do requerimento de injunção no Balcão Nacional de Injunções (cfr. artigo 188º, nº1, al. e) e artigo 187º, ambos do C.P.C.)”.

A recorrente concluiu nos seguintes termos:

Termos em que, nestes e nos melhores de direito que V.ª Ex.ª doutamente suprirá, deve ser dado provimento ao recurso, e consequentemente, declarado nulo todo o processado após a apresentação do requerimento de injunção, ordenando-se, no processo principal, a citação do Réu/Recorrente, prosseguindo-se os ulteriores termos até final”.

A.2) Regularmente notificada, a recorrida não respondeu ao referido requerimento de interposição de recurso.

Assim, aos 10/12/2020 foi proferida a seguinte decisão:

Na medida em que a recorrente comprovou que o Condomínio réu não foi citado na pessoa do seu legal representante “B..., LDA.”, com sede na Rua ..., ..., ..., nos termos do art. 696 alínea e) e sub-alínea i), sendo a citação nula, nos termos do art. 191 n.º 1 do CPC por falta de observância dessa formalidade, julgo procedente o recurso de revisão e anulo o processado nos autos principais, ordenando que o réu aí seja novamente citado, na pessoa e sede da sociedade acima identificada.

Custas pela recorrente pois o processo só a si aproveita e não há vencimento na causa – art. 527 n.º 1 do CPC – e que se fixam em 2 UCs.”.

A.3) Aos 08/02/2021 seria junto aos autos o aviso de receção da citação que foi então enviada para a sede da administradora do réu, assinado aos 03/02/2021.

A.4) No dia 25/04/2021 o R. apresentou a sua contestação, defendendo-se por exceção (prescrição e caducidade) e por impugnação.

A.5) Aos 06/09/2021 foi proferida a seguinte sentença:

Antes de tudo o mais, verificando-se a excepção dilatória de erro na forma de processo, visto que a acção ultrapassa o valor de € 15.000 euros, não podendo os autos seguir a forma de processo comum, porquanto não está em causa o pagamento de uma transacção comercial cfr. 10 n.º 2 e art. 2 n.º 2 alínea a) do DL. n.º 62/2013 de 10 de Maio, nem o procedimento especial para cumprimento de obrigações pecuniárias – cfr. art. 1.º do Preâmbulo do DL. n.º 269/98 de 01/09, e não podendo os autos ser aproveitados para seguirem a forma correcta, por implicar uma diminuição de garantias (art. 193 n.º 2 do CPC), absolvo o réu da instância.

Custas pelo autor.

Registe e notifique”.

A.6) Aos 22/09/2021 a A. interpôs recurso, o qual foi admitido no dia 07/11/2021.

A.6.1) Aos 15/12/2021 foi proferido acórdão nesta Secção, cujo dispositivo é o seguinte:

IV-DECISÃO

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente a apelação e consequentemente, revogando a decisão recorrida, deverá o tribunal a quo ordenar a tramitação subsequente dos autos observando o disposto no artigo 10.º, nº 2 do DL. 62/2013 de 10/05.

*

Custas pela parte vencida a final e na proporção em que o for (artigo 527.º nº 1 do C.P.Civil)”.

A.6.2) Aos 10/02/2022 foi proferido o seguinte despacho:

Vi o douto aresto que antecede.

*

Remeta cópia para o meu webmail.

*

Em obediência ao douto Acórdão que antecede, determino a convolação dos autos para a forma de processo comum – art. 10 n.º 2 do DL. n.º 62/2013 de 10 de Maio([4]).

A.6.3) Os autos prosseguiram os seus termos e no dia 11/09/2022 foi proferido despacho saneador-sentença cujos últimos parágrafos são do seguinte teor([5]):

Ora, resulta dos autos que relativamente aos serviços cujo pagamento a autora reclama existe 1 factura com o n.º ...81, vencida em 10/09/2018, no valor de € 12.773,19 euros, reportada ao período de 12/07/2018 a 09/08/2018.

Ora o requerimento injuntivo entrou em 18/12/2018, logo não está prescrita a dívida, ou seja, a factura não se venceu com mais de 6 meses em relação à data de instauração do requerimento injuntivo.

Em face de tudo quanto ficou exposto, conclui-se que o pagamento dos serviços em débito e aqui reclamado, foi exigido ao réu antes de se ter completado seis meses sobre a prestação desses mesmos serviços.

Assim, julgo improcedente a excepção de prescrição invocada pelo réu”.

A.7) Interposto recurso, viria a ser proferido o acórdão no apenso B.

A.8) O dispositivo do acórdão atrás referido, proferido aos 10/10/2023, na Segunda Secção, é do seguinte teor:

Decisão.

Em face do exposto, acordam os juízes desta Relação em anular a decisão apelada, devendo os autos baixar para ser fixada a matéria de facto tida como relevante e proferida nova decisão.

Custas pela parte vencida a final([6]).

A.9) Vistos os apensos A e B, sendo este recurso o apenso C, continuemos então com os autos principais (A)([7]).


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B) No dia 07/06/2024, em sede de audiência-prévia, foi proferido o seguinte despacho saneador-sentença:

I RELATÓRIO

O réu, na sua oposição, invocou a excepção da prescrição, com base no art.º 10º, nº1, da Lei nº 23/96 de 26 de Julho, alegando que, entre a data em que os serviços lhe foram prestados e a data em que a autora intentou a presente acção, decorreram mais de 6 meses.

A autora, em resposta à oposição, defende-se alegando que a dívida titulada pela única factura em jogo, não está prescrita.

Cumpre apreciar e decidir COMO OBJECTO DO LITÍGIO, se a única dívida em jogo, titulada pela factura n.º ...81, emitida em 16/08/2018, no valor de € 12.773,19 euros é inexigível na direcção do réu, por este ter esgrimido a prescrição, excepção essa que a paralisa.

Antes de mais, importa fazer a distinção entre o que seja a prescrição presuntiva e a prescrição extintiva.

Assim, prescrição presuntiva, de acordo com o disposto no art.º 312º do Código Civil, é aquela que tem na sua base uma presunção de cumprimento.

A preocupação do legislador, ao criar esta figura, prendeu-se, de uma forma geral, com situações de créditos normalmente exigidos a curto prazo e prontamente satisfeitos pelo devedor, que muitas vezes não exige ou não guarda recibo.

Para que os fins da prescrição presuntiva não sejam frustrados, o credor só poderá provar o incumprimento mediante confissão do devedor – art.º 313º, nº1, do Código Civil.

Já a prescrição extintiva, é aquela que, completada, confere ao beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito – art.º 304º, nº1, do Código Civil.

Ora, o nº1 do art.º 10º da Lei nº 23/96, de 26 de Julho (diploma invocado pelo réu), dispõe que o direito de exigir o pagamento do preço do serviço prestado prescreve no prazo de seis meses após a sua prestação.

É manifesto que estamos perante uma prescrição extintiva, pois, como resulta do próprio texto legal, completados os seis meses após a prestação do serviço sem que tenha sido exigido o respectivo pagamento, prescreve o direito de crédito, pelo que pode o beneficiário da prescrição opor-se ao seu exercício.

Ultrapassada que está esta questão, e não restando dúvidas que, a estarmos perante uma prescrição, esta será extintiva e não presuntiva, cumpre agora analisar se tal prescrição se verifica efectivamente.

Deflui do art.º 10 da Lei n.º 23/96 de 26 de Julho:

Artigo 10.º Prescrição e caducidade

1 - O direito ao recebimento do preço do serviço prestado prescreve no prazo de seis meses após a sua prestação.

2 - Se, por qualquer motivo, incluindo o erro do prestador do serviço, tiver sido paga importância inferior à que corresponde ao consumo efectuado, o direito do prestador ao recebimento da diferença caduca dentro de seis meses após aquele pagamento.

3 - A exigência de pagamento por serviços prestados é comunicada ao utente, por escrito, com uma antecedência mínima de 10 dias úteis relativamente à data-limite fixada para efectuar o pagamento.

4 - O prazo para a propositura da acção ou da injunção pelo prestador de serviços é de seis meses, contados após a prestação do serviço ou do pagamento inicial, consoante os casos.

Resulta, pois, das normas supra referidas que o que releva, para efeitos de prescrição, é a data em que as facturas são apresentadas ao utente do serviço, para pagamento, e não a data em que o prestador dos serviços reclama judicialmente esse mesmo pagamento.

II FACTOS PROVADOS

(Por acordo das partes e por documento, máxime a factura ...81)

1- A autora “A..., S.A.” é uma sociedade anónima que presta serviços públicos essenciais de água e saneamento aos utilizadores finais, constituída pelo Decreto-Lei n.º 93/2015, de 29 de Maio, alterado pelo Decreto-lei n.º 72/2016, de 4 de Novembro, a qual sucedeu nos direitos e obrigações das sociedades extintas, “C..., S.A.”, a partir da sua data de entrada em vigor, ou seja, a partir do dia 30 de Junho de 2015.

2- Através de um Contrato de Parceria celebrado em 5 de Julho de 2013 entre o Estado Português e os municípios de Amarante, Arouca, Baião, Celorico de Basto, Cinfães, Fafe, Santo Tirso e Trofa foi criado o Sistema de Águas da Região do Noroeste, que agregou os respectivos sistemas municipais de abastecimento de água para consumo público (com excepção dos municípios de Fafe, Santo Tirso e Trofa) e de saneamento de águas residuais urbanas.

3- Em virtude do Contrato de Gestão da Parceria celebrado em 26 de Julho de 2013, foi atribuída à autora “A..., S.A.” a gestão e exploração do Sistema de Águas da Região do Noroeste.

4- Por opção dos municípios a autora, em regime de parceria, gere, explora e presta os serviços públicos de abastecimento de água para o consumo público e saneamento de águas residuais urbanas, assim como outros serviços decorrentes destas actividades, aos utilizadores finais nos municípios de Amarante, Arouca, Baião, Celorico de Basto e Cinfães.

5- No exercício da sua actividade a autora prestou serviços de fornecimento de água ao réu Condomínio do Edifício ..., desde 28/12/2017.

6- Para o fornecimento de água, encontra-se instalado no Edifício ..., constituído em propriedade horizontal, um contador divisionário para medição do consumo das partes comuns (contador nº...52), e vários contadores divisionários que medem o consumo de cada uma das fracções.

7- A autora emitiu, em nome do réu([8]), a factura n.º ...81, no valor de € 12.773,19 euros, relativa a consumos associados ao contador totalizador de água (contador n.º ...73), também instalado em zona comum do Edifício ....

8- O período de facturação que consta da factura é de 12/07/2018 a 09/08/2018([9]).

9- O período de consumo real incluído, que consta da factura, corresponde ao hiato de 13/02/2018 a 09/08/2018([10]) ([11]).

10- A data de vencimento da factura é de 10/09/2018, conforme data limite de pagamento aposta na mesma.

11- O requerimento injuntivo entrou em 18/12/2018.

12- O réu foi citado em 3 de Fevereiro de 2021.

13- A autora alegou despender € 53,74 euros com as tentativas de obtenção do pagamento extra-judicial da factura, vulgo, custos de recuperação da dívida, sendo que no tarifário da autora para o ano de 2018, surge expressamente contemplado o valor de € 53,74 euros a título de custos de recuperação da dívida.

III DECISÃO DE DIREITO

Ora, o requerimento injuntivo entrou em 18/12/2018.

A ÚNICA factura cujo pagamento vem reclamado tem a seguinte data de vencimento: 10/09/2018.

Ou seja, a factura foi emitida com menos de 6 meses em relação da data de instauração do requerimento injuntivo.

Por outro lado, se a citação ou notificação se não fizer no prazo de 5 dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os 5 dias. – art. 323 n.º 2 do CC.

A anulação da citação do réu declarada em 10/12/2020, no processo apenso de revisão, nos termos do art. 323 n.º3 do CC, não impede o efeito interruptivo previsto no art. 323 n.º 2 do CC.

Assim ao instaurar o requerimento injuntivo em 18/12/2018, tem-se a prescrição por interrompida em 23/12/2028, nos termos do art. 323 n.º 2 do CC.

Entre a data de vencimento da factura – 10/09/2018 e a data da interrupção da prescrição – 23/12/2018, não mediaram 6 meses.

Em face de tudo quanto ficou exposto, conclui-se que o pagamento dos serviços em débito e aqui reclamado respeitante à única factura em mérito, foi exigido ao réu antes de se ter completado seis meses sobre a prestação desses mesmos serviços.

Assim, julgo improcedente a excepção de prescrição invocada pelo réu.

Notifique.


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C) Aos 08/07/2024 o R. interpôs recurso.

Formulou as seguintes conclusões([12]):

I) Vem o presente recurso interposto do Douto Despacho Saneador que julgou improcedente a excepção de prescrição do montante de 12.773,19€ (doze mil, setecentos e setenta e três euros e dezanove cêntimos) titulado na factura n.º ...81, emitida em 16/08/2018 e vencida em 10/09/2019.

II) Ao julgar improcedente a referida excepção, o Tribunal a quo violou por erro de interpretação e aplicação do preceituado nos artigos 323.º, nºs 2 e 3 do CC e 10.º da Lei 23/96 de 26 de Julho, impondo-se a prolação de decisão que julgue procedente tal excepção peremptória e absolva a ora Recorrente de todos os pedidos formulados pela Recorrida.

III) Em 18/03/2022, através de requerimento com a referência 41678267, nos artigos 14.º e seguintes do referido articulado, a Autora/Recorrida reduziu o valor do pedido à quantia total de 15.980,39€ (quinze mil, novecentos e oitenta euros e trinta e nove cêntimos), peticionando as seguintes quantias:

- capital titulado na factura n.º ...81, no valor de 12.773,19€;

- juros de mora na quantia de 3.153,46€.;

- despesas de cobrança na quantia de 53,74€;

IV) Pelo que, nos presentes autos, apenas se discute a (in)exigibilidade do valor constante da factura nº ...81 no valor de 12.773,19€ (doze mil, setecentos e setenta e três euros e dezanove cêntimos) emitida em 16/08/2018, respectivos juros de mora e despesas extrajudiciais de cobrança.

V) O Réu/Recorrente invocou, com base no nº1 do artigo 10º da Lei nº23/96 de 26 de Julho, que o direito da Recorrida encontrava-se prescrito, em virtude de apenas ter sido citado, nos presentes autos, no dia 3 de fevereiro de 2021 e de tal citação tardia se dever a facto imputável à autora, por inobservância pela mesma de regras procedimentais a que estava adstrita (artigos 4º a 37º da contestação).

VI) O Recorrente não pode concordar com o segmento seguinte da Douta Decisão no qual se refere, após transcrição do disposto no artigo 10º da Lei nº23/96 de 26 de julho, o seguinte: “Resulta, pois, das normas supra referidas que o que releva, para efeitos de prescrição, é a data em que as faturas são apresentadas ao utente do serviço, para pagamento, e não a data em que o prestador dos serviços reclama judicialmente esse mesmo pagamento.”

VII) Resulta da redação do nº1 do artigo 10º da Lei nº23/96 de 26 de julho e é entendimento unânime na Doutrina e na Jurisprudência que a contagem do prazo de prescrição se inicia logo após a prestação do serviço e não como resulta da decisão a partir da “data em que as faturas são apresentadas ao prestador dos serviços.”

VIII) Neste sentido, veja-se, entre outros, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 10/07/2018, processo 78754/17.0YIPRT.G1, publicado in www.dgsi.pt e o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 28/02/2013, processo 6682/05.0TBMTS.P1, também publicado in www.dgsi.pt.

IX) O Recorrente não pode ainda conformar-se com o seguinte fundamento do Douto Despacho Saneador, em virtude dos mesmos violarem o disposto nos artigos 323.º, nºs 2 e 3 do CC e 10.º da Lei 23/96 de 26 de Julho: “ Por outro lado, se a citação ou notificação se não fizer no prazo de 5 dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os 5 dias. – art. 323 n.º 2 do CC. A anulação da citação do réu declarada em 10/12/2020, no processo apenso de revisão, nos termos do art. 323 n.º3 do CC, não impede o efeito interruptivo previsto no art. 323 n.º 2 do CC.

Assim ao instaurar o requerimento injuntivo em 18/12/2018, tem-se a prescrição por interrompida em 23/12/2028([13]), nos termos do art. 323 n.º 2 do CC.

Entre a data de vencimento da factura – 10/09/2018 e a data da interrupção da prescrição – 23/12/2018, não mediaram 6 meses.

Em face de tudo quanto ficou exposto, conclui-se que o pagamento dos serviços em débito e aqui reclamado respeitante à única factura em mérito, foi exigido ao réu antes de se ter completado seis meses sobre a prestação desses mesmos serviços.

Assim, julgo improcedente a excepção de prescrição invocada pelo réu.”

X) No Douto Despacho Saneador proferido, a Meritíssima Juíza a quo considerou como provados os seguintes factos:

“7- A autora emitiu, em nome do réu, a factura n.º ...81, no valor de € 12.773,19 euros, relativa a consumos associados ao contador totalizador de água (contador n.º ...73), também instalado em zona comum do Edifício ....

8- O período de facturação que consta da factura é de 12/07/2018 a 09/08/2018.

9- O período de consumo real incluído, que consta da factura, corresponde ao hiato de 13/02/2018 a 09/08/2018.

10- A data de vencimento da factura é de 10/09/2018, conforme data limite de pagamento aposta na mesma.

11- O requerimento injuntivo entrou em 18/12/2018.

12- O réu foi citado em 3 de Fevereiro de 2021.”

XI) Deveria o Tribunal a quo, dar ainda como provados/assentes outros seguintes factos alegados pelo Réu/Recorrente e não impugnados pela Autora, com interesse para a decisão sobre a exceção de prescrição:

a) Da fatura nº ...81 consta como endereço a morada da Administração do Réu, ... ...; Cfr. Doc. nº 3 junto com a P.I.

b) A primeira tentativa de notificação do Réu foi realizada pelo BNI em 10/01/2019 e endereçada para a Rua ... ... ..., a qual veio devolvida com a menção “objecto não reclamado”. Cfr. documentos junto aos autos em 10/01/2019 e 29/01/2019 com as referências 23150527 e 23251561.

c) A segunda tentativa de citação do Réu ocorreu no dia 24/05/2019, por carta registada com aviso de receção, endereçada para a Rua ... ... ..., a qual também veio devolvida com a menção “objecto não reclamado; Cfr. documentos junto aos autos em 24/05/2019 e 12/06/2019 com as referências 79876604 e 5564066

d) Foi enviada nova carta de citação a 13/06/2019, por carta registada com aviso de receção, endereçada para a Rua ... ... Amarante, a qual também veio devolvida com a menção “endereço insuficiente”. Cfr. Documentos junto aos autos em 13/06/2019 e 17/06/2019 com as referências 79876604 e 5564066

e) Foi enviada nova carta de citação a 18/06/2019, por carta registada com aviso de receção, endereçada para a Rua ... ... Amarante, a qual também veio devolvida. Cfr. documentos junto aos autos em 18/06/2019, 24/06/2019 e ...47 com as referências 80098376, ...34 e 01/07/2019

f) No dia 3 de julho de 2019 foi tentada nova notificação por depósito, na seguinte morada Rua ... ... Amarante; Cfr. documentos junto aos autos em 02/07/2019 e 05/07/2019 com as referências 80197637 e 5623715

g) O R. foi considerado citado em 03/07/2019. Cfr. documento junto aos autos em 05/07/2019 com a referência 5623715

h) Por decisão proferida no recurso de revisão interposto pelo R., em 10/12/2020, apenso aos presentes autos, foi a citação realizada considerada nula e ordenada a citação do R. na pessoa e sede da sua administradora “B..., Lda.”. Cfr. decisão proferida em 10/12/2020 – recurso de revisão

i) O Réu foi validamente citado para a presente ação no dia 3 de fevereiro de 2021. Cfr. documentos junto aos autos em 02/02/2021 e 08/02/2021 com a referência 84612136 e 6892354

j) A Autora indicou, no requerimento de injunção, morada diferente da sede da empresa administradora do Réu. Cfr. requerimento de injunção

k) Antes da instauração da presente ação a Autora enviou, através da mandatária subscritora do requerimento de injunção, uma comunicação para o Réu a exigir o pagamento de faturas, incluindo a fatura em causa nestes autos. Cfr. doc. nº 6 junto com a contestação

l) A referida interpelação foi enviada para a morada/sede da administração de condomínio. Cfr. doc. nº 6 junto com a contestação

m) A morada da administração também consta no cabeçalho da fatura ...81 (... ...). Cfr. doc. nº 3 da P.I.

n) A citação apenas ocorreu em 03 de Fevereiro de 2021 por causa imputável à Autora.

o) À data da citação do Requerido, encontravam-se decorridos mais de seis meses desde a prestação dos serviços constantes da fatura ...81. Cfr. doc. nº 3 da P.I. e documento junto aos autos em 08/02/2021 com a referência 6892354.

p) À data da interposição do requerimento de injunção encontravam-se decorridos mais de seis meses desde a data dos consumos de água inerente ao período de 13/02/2018 a 17/06/2018. Cfr. doc. nº 3 e requerimento de injunção

XII) Tal matéria de facto, tem pleno suporte nos documentos acima referidos e é importante para decidir da procedência ou improcedência da exceção de prescrição invocada pelo Réu/Recorrente.

XIII) Para interromper a prescrição não basta a instauração da acção, é preciso que a parte contra a qual se pretende fazer valer o direito tenha conhecimento da sua intenção.

XIV) Estabelece o artigo 323º do Código Civil que: “A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente”.

XV) Por sua vez, o nº2 da referida disposição legal dispõe que: “Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias.”

XVI) Por força da mencionada disposição legal, não obstante o Réu/Recorrente apenas ter sido citado para a presente acção no dia 3 de fevereiro de 2021, a prescrição poderia considerar-se interrompida no dia 23 de dezembro de 2018, desde que tal demora não pudesse ser imputável à Recorrida.

XVII) Sucede que, no caso dos autos, a citação só não ocorreu nesses cinco dias por causa imputável à Recorrida.

XVIII) Nos termos do artigo 223.º, nº 1 do CPC: Os incapazes, os incertos, as pessoas coletivas, as sociedades, os patrimónios autónomos e o condomínio são citados ou notificados na pessoa dos seus legais representantes, sem prejuízo do disposto no artigo 19.º.

XIX) A Recorrida conhecia a morada da administradora do Recorrente e não a podia ignorar, por um lado, porque a referida morada era a que constava da fatura em análise e, por outro lado, era a morada que constava da comunicação, datada de 27 de novembro de 2018, que antes da instauração da presente acção, enviou para o ora Recorrente, a exigir o pagamento da fatura em causa nestes autos (doc.6 junto com a Contestação).

XX) Não obstante ter pleno conhecimento da referida morada (Rua ..., ..., ... ...), no requerimento de injunção, a Recorrida, em violação do disposto no artigo 223º, nº1 do C.P.C., indicou uma morada diferente da sede da empresa administradora do Réu/Recorrente.

XXI) Pelo que, não tendo a Autora indicado a morada da sede da administração, morada essa que, frise-se, era do seu conhecimento, até porque consta da fatura em causa nestes autos e foi para a referida morada que foi enviada a interpelação extrajudicial para pagamento, a citação só não ocorreu cinco dias após a entrada da injunção, por causa que lhe é imputável.

XXII) Com tal conduta, a Autora violou o artigo 223º, nº1 do C.P.C., bem como o artigo 10.º, nº2, alínea c) do D.L. 269/98 de 1 de Setembro, tendo indicado como morada um lugar diferente daquele onde deveria ser feita a citação.

XXIII) O Réu/Recorrente apenas foi citado no dia 3 de fevereiro de 2021, por culpa da Autora/Recorrida, pelo que, não se verificando qualquer causa de interrupção, o direito da Autora já estava prescrito.

XXIV) Ora, no caso dos autos, a notificação do requerimento de injunção e a citação após distribuição do processo apenas não se realizou por causa imputável à Autora, que não indicou no requerimento de injunção a morada da sede da administração do Réu, a qual era do seu perfeito conhecimento, regra procedimental que estava obrigada a observar.

XXV) Pelo que tendo a Autora violado culposamente o disposto no artigo 223º, nº1 do CPC, não pode beneficiar do regime previsto no nº 2 do artigo 323º do Código Civil.

XXVI) A Recorrida contribuiu, de forma causal, para o retardamento da citação, levando a que não se deva considerar interrompida a prescrição nos termos do artigo 323º do CPC.

XXVII) Assim, só tendo o Réu sido citado em 3 de Fevereiro de 2021, e contabilizandos e a prescrição a partir do último dia do serviço prestado, ou seja, 9 de Agosto de 2018, não se tendo verificado qualquer interrupção da prescrição, a mesma consumou-se em 10 de Fevereiro de 2019.

XXVIII) Refira-se ainda a este propósito, que o que foi declarada por decisão judicial transitada em julgado, no processo apenso de revisão, foi a nulidade da citação, pelo que não pode ocorrer a interrupção da prescrição, nos termos do artigo 323, n.º 3 do Código Civil, contrariamente ao que resulta do Douto Despacho Saneador proferido.

XXIX) O Tribunal a quo fez uma interpretação errada da norma jurídica em grave violação da lei substantiva no que respeita ao previsto no artigo 323.º do CC.

XXX) Tendo sido declarada nula a citação, deve o presente recurso ser julgado procedente com a revogação da decisão impugnada e sua substituição por uma outra, de conteúdo, alcance e sentido opostos, declarando-se a procedência da exceção de prescrição invocada pelo ora Recorrente e absolvendo-o de todos os pedidos formulados pela Recorrida.

Sem prescindir,

XXXI) A fatura nº ...81 no valor de 12.773,19€, reporta-se ao período de consumo de 13/02/2018 a 09/08/2018.

XXXII) Uma vez que a referida fatura abrange mais que um mês, sendo que, nos termos do artigo 9º, nº2 da Lei nº 23/96, de 26 de Julho, a fatura deve ter uma periodicidade mensal, temos que discriminar os períodos mensais incluídos na mesma.

XXXIII) A fatura ...81 diz respeito a acertos relativos aos seguintes períodos mensais;

- 13/02/2018 a 09/03/2018;

- 10/03/2018 a 10/04/2018;

- 11/04/2018 a 10/05/2018;

- 11/05/2018 a 11/06/2018;

- 12/06/2018 a 11/07/2018;

- 12/07/2018 a 09/08/2018.

XXXIV) Pelo que, o direito ao recebimento do preço, relativo:

- ao período de 13/02/2018 a 09/03/2018, prescreveria em 10/09/2018;

- ao período de 10/03/2018 a 10/04/2018, prescreveria em 11/10/2018;

- ao período de 11/04/2018 a 10/05/2018, prescreveria em 11/11/2018;

- ao período de 11/05/2018 a 11/06/2018 prescreveria em 12/12/2018;

- ao período de 12/06/2018 a 11/07/2018 prescreveria em 12/01/2019;

- ao período de 12/07/2018 a 09/08/2018, prescreveria em 10/02/2019;

XXXV) Assim, relativamente ao período de 13/02/2018 a 09/03/2018, ao período de 10/03/2018 a 10/04/2018, ao período de 11/04/2018 a 10/05/2018 e relativo ao período de 11/05/2018 a 11/06/2018, incluídos na fatura ...81, os mesmos prescreveram mesmo antes da entrada da injunção (18/12/2018).

XXXVI) Sendo que, não obstante tratar-se de acertos dos consumos faturados por estimativa, tal facto não pode afastar a aplicação do disposto no nº1 do artigo 10º da Lei nº23/96, de 26 de julho.

XXXVII) Neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, processo 93017/13.2YIPRT.L.2-7, de 05-04-2016, publicado in www.dgsi.pt: “IV- O prazo de seis meses previsto no n.º1 do artigo 10º da Lei 23/96, de 26 de Julho, é de prescrição; como tal, interrompe-se através da citação efetuada no âmbito de acção executiva instaurada pelo credor visando obter do devedor o pagamento do respectivo crédito, ainda que nessa acção este seja absolvido da instância por ilegitimidade. V – No n.º2 do artigo 10.º da Lei 23/96, de 26 de Julho, quis-se dar relevância ao pagamento levado a cabo pelo consumidor por forma a constituir o marco determinante do início do prazo (seis meses) de caducidade para o prestador do serviço instaurar a acção, afastando-os do regime (geral) contido no n.º4, do mesmo preceito. VI – O pagamento parcial de um crédito por prestação de serviços de energia eléctrica não assume, por isso, o alcance de afastar o regime ínsito no n.º1 do citado artigo 10.º da Lei 23/96. Estão em causa prazos de diferente natureza (prescrição e caducidade) (…)

XXXVIII) Por tudo o supra exposto, deve o Douto Despacho Saneador ser revogado, impondo-se a prolação de decisão que julgue procedente tal excepção peremptória e absolva a ora Recorrente de todos os pedidos formulados pela Recorrida.

Termos em que, e sempre com o douto suprimento de V.ªs Ex.ªs, deverá o presente recurso merecer provimento, devendo este Venerando Tribunal proferir acórdão no qual se revogue a decisão recorrida na parte em que julgou improcedente a excepção de prescrição invocada pela Recorrida, substituindo-a por outra que a julgue procedente e absolva a ora Recorrente de todos os pedidos formulados.

Fazendo-se assim a habitual JUSTIÇA!
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D) Aos 06/09/2024 a A. apresentou as contra-alegações, tendo formulado as seguintes conclusões([14]):

1. O saneador-sentença recorrido ajuiza pela improcedência da excepção de prescrição invocada pelo ora Recorrente,

2. decisão à qual este vem reagir, e a cujo entendimento não podemos de forma alguma anuir.

Vejamos,

3. A presente demanda tem por base uma factura emitida pela ora A. ao aqui Apelante, decorrente da prestação de serviço de abastecimento de água,

4. cujo requerimento injuntivo foi instaurado em 18/12/2018.

5. A factura reporta-se a um período de facturação do serviço entre 12/07/2018 e 09/08/2018,

6. Afirmando o próprio recorrente que inclui acertos de facturação “uma vez que já tinham sido emitidas, ao Réu, facturas relativas a esse período de consumo, realizado por estimativa.”

7. Isto porque, não obstante a Recorrida ter remetido ao ora R. as facturas com a devida periodicidade mensal, no hiato entre leituras reais retiradas do contador de água (leitura em 12/02/2018, e a seguinte apenas em 09/08/2018) facturou tendo em consideração consumos estimados.

8. Com efeito, a factura em litígio, emitida para o período mensal de 12/07/2018 e 09/08/2018, inclui acertos de consumo entre 13/02/2018 e 09/08/2018.

Isto dito,

9. Sempre atendendo à aplicabilidade do estatuído nos n.ºs 1 e 4 do art. 10.º da Lei n.º 23/96, de 26 de Julho,

10. no que contende ao início da contagem prazo de prescrição previsto naquela norma, aludimos ao vertido no Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães, de 10/07/2018. Assim, o último dia do período mensal de referência a considerar in casu é o dia 09/08/2018.

11. Tenciona o Recorrente que sejam dados como provados factos que discrimina, por forma a que influam na decisão distinta sobre a excepção ajuizada, mas cuja exposição carece de elementos factuais adicionais. Rectificando:

i) Da factura peticionada constam duas moradas: 1) morada da administração do R. como endereço de envio; 2) morada do local onde o serviço é prestado;

ii) A primeira tentativa de notificação do R. foi realizada pelo BNI em 10/01/2019 para a morada indicada no requerimento de injunção (onde se localiza o Condomínio), devolvida com a menção “objecto não reclamado” e a indicação “não atendeu”;

iii) Sucedeu-se a distribuição do procedimento de injunção por frustração da notificação em 21/03/2019;

iv) Em 24/05/2019 e 13/06/2019, oficiosamente e sem notificação prévia à A., foram efectuadas novas tentativas de citação postal pelo Tribunal recorrido para aquela morada, devolvidas com a menção “objecto não reclamado”;

v) Em 18/06/2019 foram efectuadas pesquisas oficiosas pelo Tribunal para apuramento da morada do R., para a qual foi enviada nova missiva de citação na mesma data, devolvida com a indicação de “endereço insuficiente”;

vi) Em 27/06/2019 foi a A. notificada daquelas tentativas de citação, e dos motivos da não realização dos actos;

vii) Logo em 02/07/2019 foi efectuada a citação por depósito naquela morada apurada nas pesquisas;

viii) O R. foi considerado citado em 03/07/2019;

ix) Em 01/10/2019 foi conferida força executiva ao requerimento de injunção;

x) A citação foi anulada em sede de recurso de revisão em 10/12/2020, e foi ordenada a citação do R. na pessoa e sede da sua administradora, que foi então citada em 03/02/2021;

xi) A A, indicou no requerimento de injunção a morada do local da prestação do serviço ao cliente;

xii) Previamente à propositura do procedimento, a A. enviou uma comunicação para o R. a exigir o pagamento a factura em causa nestes autos;

xiii) A morada da administração também consta no cabeçalho da factura.

12. Por se tratarem de conclusões omissas e/ou desviantes da exactidão dos factos, não compactua a Apelada que sejam dados como factos assentes as n), o) e p) descritas pelo Recorrente;

13. Por consideração aos factos tidos como provados no despacho saneador, respalda o Tribunal a quo o ajuizamento de improcedência da excepção de prescrição, por força do estatuído nos n.ºs 2 e 3 do art. 323.º do CC;

14. Ainda que para efeitos de contagem do prazo prescricional seja considerado o último dia do período mensal facturado (09/08/2018), à data da instauração do requerimento injuntivo não se havia ainda verificado a sua preclusão, assim como nos cinco dias posteriores;

15. Remetido o procedimento à distribuição por frustração da citação, aquela operou-se apenas dois meses após a devolução da carta devolvida ao BNI;

16. Foram efectuadas sucessivas tentativas oficiosas (actos judiciais) de citação pela secretaria do Tribunal, nos termos do art. 246.º do C.P.C., não tendo sido a A. notificada antes da data de 27/06/2019;

17. Neste âmbito, o Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, de 27/09/2022, e o Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, de 28/09/2021;

18. Colhemos os ensinamentos desenvolvidos no Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, de 02/07/2009, Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 04/03/2010, Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 12/05/2016 e Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, de 27/09/2022, para melhor reflexão quanto ao espírito que baseia a existência do instituto jurídico da prescrição: a inércia do credor no exercício do seu direito durante um período de tempo razoável;

19. O que no caso sub judice não se verifica, porquanto a A. exercitou o seu direito dentro do tempo estabelecido pelo legislador para o efeito;

20. Não se afere da sucessão dos acontecimentos relatados uma causalidade que obstrua a aplicabilidade da ficção legal contemplada no n.º2 do art. 323.º do C.C., na medida em que tratou-se aqui de irregularidade, sanável mediante a citação do administrador, que não compromete sequer o efeito interruptivo da prescrição previsto no n.º3 daquele preceito;

21. Nesta senda, o Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, de 28/10/2010;

22. Reflectindo objectivamente, não pode o Recorrente firmar com a convicção com que o faz que a citação só (!) não ocorreu naquele prazo de cinco dias por causa imputável à ora A., excluindo toda e qualquer hipótese de que a citação na morada de citação da administração ser realizada com entraves, e decorrente remessa à distribuição;

23. Sendo que, na realidade, o prazo de prescrição aplicável decorreu quando os autos aguardavam ainda a distribuição, retardamento este inimputável à aqui A.,

24. ainda que a mesma tenha intentado o procedimento de injunção cerca de dois meses antes de precludido aquele hiato.

25. Se cumpriria sanar a irregularidade, jamais a A. o poderia ter feito antes de decorrido o prazo por força da demora na distribuição;

26. Sendo certo apenas em 27/06/2019 a A. tomou efectivo conhecimento das diligências oficiosas realizadas concernentes às tentativas de citação (sem reacção aduzida pela A. uma vez que imediatamente em 02/07/2019 foi expedida nova citação);

27. Não se resigna a aqui Recorrida que lhe seja atribuída falta de zelo ou diligência no tempestivo exercício do seu direito;

28. E, como tal, que ocorra impedimento para reconhecimento, nestes autos, do efeito interruptivo da prescrição declarado no n.º2 do art. 323.º do C.C..

Finalmente,

29. Evitando escusadas repetições, reportamo-nos novamente ao período de facturação mensal da factura ora peticionada nesta instância, que inclui acertos de consumos face às leituras reais do contador de água de que a Recorrida dispunha.

30. A considerar-se ultrapassado o prazo de prescrição de 6 meses, sempre seria quanto às facturas emitidas e remetidas nos meses anteriores à ora peticionada, mas não quanto à factura aqui em causa, em obediência ao previsto nos n.ºs 1 e 4 do art. 10.º do Lei n.º 23/96, de 26 de Julho.

31. Não podendo deixar de conjecturar-se que poderemos, aqui, estar perante alguma falta de clareza do Recorrente quanto ao instituto da caducidade - Ac. do Tribunal da Relação do Porto, de 28/02/2013.

EM SUMA,

32. Salvo devido respeito por distinto entendimento, deve o Venerando Tribunal ad quem julgar totalmente improcedente o recurso interposto,

33. porquanto, o douto tribunal recorrido bem andou ao arbitrar pela improcedência da excepção de prescrição invocada, nos termos e com os fundamentos em que o foi.

Nestes termos, e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente Recurso interposto ser julgado totalmente improcedente, por não provado e infundado, devendo manter-se inalterado o saneador-sentença Recorrido, com o que se fará a acostumada

JUSTIÇA!

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E) Aos 27/09/2024 foi proferido despacho a admitir corretamente o requerimento de interposição de recurso([15]).

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O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1 e n.º 2, do C.P.C., não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (como expresso nos artigos 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art.º 663, n.º 2, in fine, do C.P.C.).

Também está vedado a este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objeto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de questões prévias judiciais, destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente confirmação, revogação ou anulação.

Assim a questão (e não razões ou argumentos) decidenda consiste em saber se se verificou, ou não, a invocada prescrição do direito de crédito da A. no âmbito da prestação de um serviço público essencial.

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II – FUNDAMENTAÇÃO

Os factos

Além do constante da sinopse processual antecedente, que nesta vertente adjetiva tem força probatória plena, há a considerar a matéria de facto dada como provada no despacho recorrido, que é a seguinte:

FACTOS PROVADOS

(Por acordo das partes e por documento, máxime a factura ...81)

1- A autora “A..., S.A.” é uma sociedade anónima que presta serviços públicos essenciais de água e saneamento aos utilizadores finais, constituída pelo Decreto-Lei n.º 93/2015, de 29 de Maio, alterado pelo Decreto-lei n.º 72/2016, de 4 de Novembro, a qual sucedeu nos direitos e obrigações das sociedades extintas, “C..., S.A.”, a partir da sua data de entrada em vigor, ou seja, a partir do dia 30 de Junho de 2015.

2- Através de um Contrato de Parceria celebrado em 5 de Julho de 2013 entre o Estado Português e os municípios de Amarante, Arouca, Baião, Celorico de Basto, Cinfães, Fafe, Santo Tirso e Trofa foi criado o Sistema de Águas da Região do Noroeste, que agregou os respectivos sistemas municipais de abastecimento de água para consumo público (com excepção dos municípios de Fafe, Santo Tirso e Trofa) e de saneamento de águas residuais urbanas.

3- Em virtude do Contrato de Gestão da Parceria celebrado em 26 de Julho de 2013, foi atribuída à autora “A..., S.A.” a gestão e exploração do Sistema de Águas da Região do Noroeste.

4- Por opção dos municípios a autora, em regime de parceria, gere, explora e presta os serviços públicos de abastecimento de água para o consumo público e saneamento de águas residuais urbanas, assim como outros serviços decorrentes destas actividades, aos utilizadores finais nos municípios de Amarante, Arouca, Baião, Celorico de Basto e Cinfães.

5- No exercício da sua actividade a autora prestou serviços de fornecimento de água ao réu Condomínio do Edifício ..., desde 28/12/2017.

6- Para o fornecimento de água, encontra-se instalado no Edifício ..., constituído em propriedade horizontal, um contador divisionário para medição do consumo das partes comuns (contador nº...52), e vários contadores divisionários que medem o consumo de cada uma das fracções.

7- A autora emitiu, em nome do réu, a factura n.º ...81, no valor de € 12.773,19 euros, relativa a consumos associados ao contador totalizador de água (contador n.º ...73), também instalado em zona comum do Edifício ....

8- O período de facturação que consta da factura é de 12/07/2018 a 09/08/2018.

9- O período de consumo real incluído, que consta da factura, corresponde ao hiato de 13/02/2018 a 09/08/2018.

10- A data de vencimento da factura é de 10/09/2018, conforme data limite de pagamento aposta na mesma.

11- O requerimento injuntivo entrou em 18/12/2018.

12- O réu foi citado em 3 de Fevereiro de 2021.

13- A autora alegou despender € 53,74 euros com as tentativas de obtenção do pagamento extra-judicial da factura, vulgo, custos de recuperação da dívida, sendo que no tarifário da autora para o ano de 2018, surge expressamente contemplado o valor de € 53,74 euros a título de custos de recuperação da dívida.

O Direito

Citando Mota Pinto, “[o] tempo é um facto jurídico não negocial, susceptível de influir, em muitos domínios do direito civil, em relações jurídicas do mais diverso tipo. Os problemas mais importantes colocados pela repercussão do decurso do tempo no mundo dos efeitos jurídicos refere--se à prescrição extintiva e à caducidade([16]).

Como explica o autor, “[s]e o titular de um direito o não exercer durante certo tempo fixado na lei, extingue-se esse direito. Diz-se, nestes casos, que o direito [prescreveu]. O beneficiário da prescrição, completada esta, pode recusar o cumprimento da prestação ou pode opor-se ao exercício do direito prescrito. [A] prescrição extintiva, possam embora não lhe ser totalmente estranhas razões de justiça, é um instituto endereçado fundamentalmente à realização de objectivos de conveniência ou oportunidade. [Diversamente] da caducidade, a prescrição arranca, também, da ponderação de uma inércia negligente do titular do direito em exercitá-

-lo, o que faz presumir uma renúncia ou, pelo menos, o torna indigno da tutela do Direito, em harmonia com velho aforismo «dormientibus non succurrit jus»”([17]).

A situação em causa nos autos enquadra-se no regime constante da Lei n.º 23/96, de 26/07, cujo escopo é a criação de “mecanismos destinados a proteger o utente de serviços públicos essenciais”([18]).

De acordo com o art.º 10.º deste Diploma, “1 - O direito ao recebimento do preço do serviço prestado prescreve no prazo de seis meses após a sua prestação. [3 -] A exigência de pagamento por serviços prestados é comunicada ao utente, por escrito, com uma antecedência mínima de 10 dias úteis relativamente à data-limite fixada para efectuar o pagamento. 4 - O prazo para a propositura da acção ou da injunção pelo prestador de serviços é de seis meses, contados após a prestação do serviço ou do pagamento inicial, consoante os casos”([19]).

Importa, igualmente, mantermos presente o disposto no art.º 13.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 269/98, de 01/09([20]), “[a]s notificações efectuadas nos termos do número e dos artigos anteriores interrompem a prescrição nos termos do disposto no artigo 323.º do Código Civil” – in casu, leia-se citação.

Segundo o disposto no art.º 301.º do C.C., “[a] prescrição aproveita a todos os que dela possam tirar benefício, sem excepção dos incapazes”, tem de ser invocada, como previsto no art.º 303.º do C.C., resultando do que já dissemos que, e como disposto no art.º 304.º, n.º 1, do C.C., “[c]ompletada a prescrição, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito”, começando o decurso do prazo quando o direito puder ser exercido (isto nos termos do art.º 306.º, n.º 1, do C.C.).

A prescrição, de acordo com o disposto no art.º 323.º, n.º 1, do C.C., “interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente”([21]), prevendo o n.º 2 que “[s]e a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias”([22]) e estatuindo o n.º 3 do mesmo artigo que “[a] anulação da citação ou notificação não impede o efeito interruptivo previsto nos números anteriores”.

Nos termos do art.º 219.º, n.º 1, do C.P.C.([23]), a “citação é o ato pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada ação e se chama ao processo para se defender; emprega-se ainda para chamar, pela primeira vez, ao processo alguma pessoa interessada na causa”, sendo efetuada, no caso de pessoas coletivas, nos termos do art.º 246.º: “1 - Em tudo o que não estiver especialmente regulado na presente subsecção, à citação de pessoas coletivas aplica-se o disposto nas subsecções anteriores, com as necessárias adaptações. 2 - A carta referida no n.º 1 do artigo 228.º é endereçada para a sede da citanda inscrita no ficheiro central de pessoas coletivas do Registo Nacional de Pessoas Coletivas. 3 - Se for recusada a assinatura do aviso de receção ou o recebimento da carta por representante legal ou funcionário da citanda, o distribuidor postal lavra nota do incidente antes de a devolver e a citação considera-se efetuada face à certificação da ocorrência. 4 - Nos restantes casos de devolução do expediente, é repetida a citação, enviando-se nova carta registada com aviso de receção à citanda e advertindo-a da cominação constante do n.º 2 do artigo 230.º, observando-se o disposto no n.º 5 do artigo 229.º. 5 - Às citandas cuja inscrição no ficheiro central de pessoas coletivas do Registo Nacional de Pessoas Coletivas não seja obrigatória aplicam-se as regras de citação das pessoas singulares. 6 - Salvo o disposto no número anterior, a citação das pessoas coletivas efetua-se por via eletrónica, nos termos previstos nos n.os 2 a 6 do artigo 230.º-A e do artigo 230.º-B, com as especificidades previstas nos números seguintes”.

Na situação dos autos está em causa saber se os procedimentos para citação foram efetuados em conformidade ao disposto no art.º 246.º, mormente n.º 2 e n.º 4.

A administração do condomínio réu (“B..., Lda.”) é uma pessoa coletiva, uma sociedade comercial. De acordo com o disposto no Decreto-Lei n.º 129/98, de 13/05 (na redação em vigor, conferida pelo Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23/09), referente ao instituto do Registo Nacional de Pessoas Coletivas, R.N.P.C., dos artigos 1.º e 2.º, n.º 1, resulta ser objetivo a organização de informação atualizada, que, nos termos do art.º 4.º1 a) aplica-se, também, às sociedades comerciais, tendo de constar do Ficheiro Central de Pessoas Coletivas, F.C.P.C., segundo o art.º 6.º, al. d): a inscrição de alteração da sede, dispondo o art.º 21.º, al. a), ter como função fornecer a autoridades do Estado informação básica sobre as pessoas coletivas.

Posto isto.

Este caso apresenta particularidades, é um facto.

No seguimento do recurso de revisão interposto pela recorrente aos 30/10/2020, a citação foi anulada (por decisão de 10/12/2020, anulando-se o processado após o requerimento inicial e ordenando-se a citação da requerida para a sua sede) e, como referido na decisão recorrida, viria a ocorrer aos 03/02/2021.

Como a própria recorrente refere, ainda que a sua inscrição no ficheiro central de pessoas coletivas do Registo Nacional de Pessoas Coletivas não seja obrigatória, o que é um facto é que estava inscrita, pelo que as vicissitudes inerentes ao procedimento inicial de citação acabam por ser algo incomuns, até porque nos termos do art.º 223.º, n.º 1, do C.P.C. o requerido condomínio tem de ser citado na pessoa do legal representante, “[o]s incapazes, os incertos, as pessoas colectivas, as sociedades, os patrimónios autónomos e o condomínio são citados ou notificados na pessoa dos seus legais [representantes]([24])” – que é a administração, como estatuído no art.º 1437.º, n.º 1, do C.C., “[o] condomínio é sempre representado em juízo pelo seu administrador, devendo demandar e ser demandado em nome daquele”.

Surge então a questão: tendo em conta o disposto no acima citado art.º 246.º, n.º 5, do C.P.C., será que no caso nos devemos afastar do procedimento previsto nos números 2 e n.º 4? – Não haverá uma resposta consensual; todavia, cremos que não, tanto mais que no caso a requerente conhecia a morada da sede do requerido e para essa morada enviou a(s) fatura(s) e a interpelação extrajudicial, não se compreendendo assim a falha cometida no requerimento injuntivo, ao indicar outra morada.

Ademais, na sua conclusão n.º 11, a recorrida admite ter tido conhecimento das vicissitudes processuais (que aí descreve com as referências Citius) relativas ao procedimento de citação, admitindo também conhecer a morada da sede da requerida e para a qual enviou a fatura e a interpelação extrajudicial, como já referido.

O que vimos dizendo e ainda diremos é, naturalmente, com todo o respeito por diferente entendimento.

Contudo, parece-nos que a questão essencial (da verificação da prescrição) pode ser vista em diferentes perspetivas.

Assim, reiterando a ressalva atrás feita, não acompanhamos a conclusão do tribunal a quo ao considerar aplicável a interrupção da prescrição nos termos do art.º 323.º, n.º 2, do C.C., e não porque se nos afigura patente o contrário do ali disposto e numa dupla vertente.

Ou seja, além de as vicissitudes atinentes à morada para citação serem imputáveis apenas à requerente (a “falha imputável” referida na norma), que indicou morada que não a da sede (e, como dissemos, para onde enviou a fatura e a interpelação extrajudicial), também é de manter presente que, apesar de ter sido notificada delas, não interveio nos autos chamando a atenção para a sede da requerida.

Acresce que a norma antecedente (a do art.º 323.º, n.º 1) é explícita, referindo-se não à data de “interposição” – seja de uma petição em ação, seja de um requerimento injuntivo – mas à “citação ou notificação judicial de qualquer ato” que demonstre a intenção de exercer o direito.

Do acabado de dizer resulta que não houve citação ou notificação judicial de qualquer ato e resulta também que tal sucedeu por falha imputável à A.

Em abono deste nosso entendimento, passamos a citar Júlio Gomes em anotação ao art.º 323.º, n.º 1, do C.C., “no nosso regime, apenas a prática de atos [judiciais] pode operar a interrupção da prescrição. A interrupção da prescrição não ocorrerá, por exemplo, com o envio de comunicações extrajudiciais pelo [credor]. [Sublinhe-se] que a mera propositura da ação não é, em si mesma, suficiente para interromper a prescrição – ao contrário do que sucede em matéria de [caducidade]”([25]).

Em anotação ao n.º 2, e continuando com o autor, “[s]e a causa não foi imputável ao requerente, os efeitos interruptivos da prescrição retroagem aos cinco dias após a citação ou notificação ter sido requerida. Se o atraso for imputável ao requerente a interrupção da prescrição terá lugar no momento em que a citação ou notificação é efetivamente realizada. Ainda de acordo com a nossa jurisprudência «a expressão causa não imputável ao requerente […] tem de interpretar-se em termos de causalidade objetiva, de tal modo que o retardamento da citação só será imputável ao autor quando este viole objetivamente a lei não pagando o preparo inicial no prazo normal, indicando falsa residência do [réu]»”([26]) – “falsa” ou errada, dizemos…; importa assim que o comportamento do autor não tenha dado causa, ou contribuído, para um atraso na citação.

Resta-nos a questão do art.º 323.º, n.º 3, “[a] anulação da citação ou notificação não impede o efeito interruptivo previsto nos números anteriores”.

Na nulidade da citação é crucial efetuar-se a distinção entre falta de citação (em que, de todo, não foi efetuada), casos previstos no art.º 188.º do C.P.C., e os casos em que foi efetuada ainda que padecendo de uma nulidade, por preterição ou imperfeita observância de uma formalidade, cabendo estas situações na previsão do art.º 191.º do C.P.C.

Voltando à sinopse processual, mormente à parte final de A.1) (arguição de falta de citação) e a A.2), decisão de anulação do processado por falta de citação, o que se verificou no caso foi falta de citação por se ter demonstrado que o destinatário (citando) não chegou a ter conhecimento do ato, por facto que não lhe é imputável, como previsto no art.º 188.º, n.º 1, al. e) do C.P.C.

O disposto no art.º 323.º, n.º 3, do C.C. é assim aplicável aos casos de nulidade (secundária) da citação e não à nulidade (principal) de falta de citação.

Neste sentido, passamos a citar sumário do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no processo n.º 771/19.0T8CTB.C1.S1, aos 24/03/2021, “I. Há que distinguir entre falta de citação e nulidade da citação. II. Tendo sido declarada por decisão judicial, transitada em julgado, a nulidade da citação, não ocorre a interrupção da prescrição, nos termos do art.º 323.º, n.º 3, do Código Civil”([27]).

Como observam Pires de Lima e Antunes Varela, “[i]mporta distinguir entre falta e nulidade da citação ou notificação. Como se exige que seja levada ao conhecimento do obrigado a intenção de exercer o direito, se falta a citação ou a notificação, a prescrição não se [interrompe]; se porém, há nulidade, não deixa de haver interrupção, se, não obstante a nulidade, se exprimiu aquela intenção”([28])exprimiu no processo, dizemos([29]).

Neste mesmo sentido, ainda que a contrario, na fundamentação do aresto atrás citado lemos o seguinte: “[t]endo sido declarada a nulidade da citação e não que ocorreu falta de citação, temos de considerar, nos termos do art.º 323.º, n.º 3, do Código Civil, que ocorreu a interrupção da prescrição, tal como foi decidido no acórdão recorrido com as respetivas consequências”.

Em suma: o período de prestação do serviço (12/07/2018 a 09/08/2018) tem como último dia 09/08/2018, a fatura foi emitida aos 16/08/2018 (com data de vencimento ou data limite de pagamento a 10/09/2018), seis meses após o período da prestação do serviço ocorreriam aos 09/02/2019 e, por facto imputável à requerente, a citação ocorreu aos 03/02/2021, data em que já estava ultrapassado o prazo de prescrição, pelo que nos termos conjugados do disposto nos artigos 10.º, n.º 1, da Lei n.º 23/96, de 26/07, e nos artigos 303.º e 304.º, n.º 1, do C.C., verificou-se, e por referência ao art.º 303.º do mesmo Código, a invocada prescrição extintiva do direito de crédito reclamado pela requerente.

Assim, nos termos sobreditos, o presente recurso será julgado procedente.

III – DECISÃO

Pelos motivos expostos, e nos termos das normas invocadas, acordam os juízes destes autos no Tribunal da Relação do Porto em julgar procedente o recurso de apelação interposto pelo recorrente e, consequentemente, em revogar a decisão recorrida, declarando prescrito o crédito reclamado.

Custas, incluindo da apelação, pela requerente recorrida, art.º 527.º, n.º 2, do C.P.C.

Porto, 28/04/2025.


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Este acórdão é assinado eletronicamente pelos respetivos:

Relator: Jorge Martins Ribeiro;

1.ª Adjunta: Teresa Fonseca e

2.º Adjunto: José Eusébio Almeida.

__________________________________-
[1] O processado revela-se também numa dimensão ipso-fáctica, pelo que faremos constar factos relevantes para a decisão da causa, segundo as possíveis soluções de Direito, que resultam dos apensos.
[2] Dado que aos 01/10/2019 tinha sido proferida a seguinte sentença:
Na presente acção declarativa, com processo especial para cumprimento de obrigação pecuniária emergente de contrato, o réu foi citado para contestar.
O réu não contestou.
Assim, nos termos do artigo 2º do Regime dos Procedimentos Destinados a Exigir o Cumprimento de Obrigações Pecuniárias Emergentes de Contrato (Decreto-Lei 269/98 de 1 de Setembro), confiro força executiva ao requerimento de injunção.
Custas pelo réu, sem prejuízo da dispensa de elaboração da conta.
Registe.
Notifique”.
[3] Como resulta do requerimento de injunção, e processado subsequente, naquele foi indicada a seguinte morada do requerido Condomínio ...: “RUA ..., ..., ... ... ...”.
[4] Transcrevemos em nota o teor do art.º 10.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10/05: “2 - Para valores superiores a metade da alçada da Relação, a dedução de oposição e a frustração da notificação no procedimento de injunção determinam a remessa dos autos para o tribunal competente, aplicando-se a forma de processo comum”.
[5] Sublinhado no original.
[6] Tendo sido verificada a nulidade da sentença, perante o disposto no art.º 615.º, n.º 1, al. b), do C.P.C., nos termos do disposto no art.º 608.º, n.º 2, do C.P.C., ficou prejudicado o conhecimento da também invocada prescrição.
[7] Entre 10/10/2023 e a audiência-prévia (07/06/2024) foram proferidos diferentes despachos de expediente.
[8] A fatura foi enviada para a sede do R. “Condomínio .... ...”, “RUA ..., ... ... ...”.
[9] Trata-se de um acerto, tendo sido deduzidos os consumos já contabilizados.
[10] Por ser útil, permitimo-nos fazer aqui uma observação: este facto resulta do verso da fatura em questão (a pp. 7-8 do documento n.º 1 junto com a contestação aos 25/04/2021) mas logo na linha abaixo consta o seguinte: “Deduzido Consumo Faturado por Estimativa (2018.02.13 a 2018.07.11)”.
[11] No anverso da fatura consta também a informação que as faturas anteriores, de fevereiro, abril, maio e junho de 2018 estavam em processo jurídico, constando a informação quanto à de julho de 2018 estar “em trânsito”.
[12] Itálico, negrito, sublinhado e aspas no original.
[13] O lapso de escrita é patente, será de ler “23/12/2018”.
[14] Itálico, negrito e sublinhado no original.
[15] Sobre o nosso lapso no despacho de 25/10/2024 já nos penitenciámos no despacho precedente.
[16] Cf. Carlos Alberto da Mota PINTO, Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra, Coimbra Editora, 3ª edição atualizada, 1989, p. 637 (itálico no original).
[17] Cf. Carlos Alberto da Mota PINTO, Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra, Coimbra Editora, 3ª edição atualizada, 1989, pp.373-376 (Interpolação nossa; itálicos e aspas no original).
[18] Conforme o sumário da mesma.
[19] Interpolação e itálico nosso.
[20] Aprova o regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1.ª Instância.
[21] Itálico nosso.
[22] Itálico nosso.
[23] Diploma a que pertencem outras normas referidas sem menção.
[24] Interpolação nossa.
[25] Cf. Júlio GOMES, AA.VV., Comentário ao Código Civil. Parte Geral, 2.ª edição revista e atualizada, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2023, p. 942 (interpolação nossa).
[26] Cf. Júlio GOMES, AA.VV., Comentário ao Código Civil. Parte Geral, 2.ª edição revista e atualizada, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2023, pp. 942-943 (interpolação nossa; aspas e reticências no original, com citação de fonte).
[27] Relatado por Chambel Mourisco.
O acórdão está acessível em:
https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/4475845336bb655d802586a300375232?OpenDocument [23/04/2025].
[28] Cf. Pires de LIMA e Antunes VARELA, Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª edição revista e atualizada, Coimbra, Coimbra Editora, 1987, p. 291 (interpolação nossa e itálico no original).
[29] Neste sentido, cf. as citações doutrinais constantes da fundamentação do aresto referido, mormente o entendimento de Ana Filipa Morais Antunes: “[a] interpretação e correta aplicação do normativo sobre a interrupção da prescrição deve ser feita em termos estritos  ̶  atenta a natureza excecional do respetivo figurino  ̶ , só podendo vislumbrar-se um ato do credor com eficácia interruptiva na eventualidade de o credor revelar, através da prática de atos de natureza judicial, a intenção de exercer o seu direito”.