Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | PAULO COSTA | ||
| Descritores: | BUSCAS DOMICILIÁRIAS CONSENTIMENTO PROIBIÇÃO DE PROVA | ||
| Nº do Documento: | RP20201209362/20.3PBMAI-D.P1 | ||
| Data do Acordão: | 12/09/2020 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | RECURSO DO MP | ||
| Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
| Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | As buscas domiciliárias não consentidas, enquadram-se no âmbito da proibição de prova, passíveis de nulidade absoluta e insanável, não podendo ser validadas, exceptuando nos casos previstos no nº 3 do artigo 177º ou no nº 5 do artigo 174º, ambos do CPP, e mesmo nestes casos dependem sempre de apreciação do juiz de instrução em ordem à sua validação, aferindo se a busca domiciliária é necessária, adequada ou proporcional, tal como o exige a lei processual penal ao nível dos pressupostos da sua determinação. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Processo n º n º 362/20.3PBMAI-D.P1 Acórdão, julgado em conferência, na 1ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto: I-Relatório. Ministério Público não se conformando como despacho que decretou nula a busca e apreensão na residência da ofendida proferido no Tribunal Judicial da Comarca de Porto- Juízo de Instrução Criminal de Matosinhos-Juiz 1, que nos autos à margem referenciados decidiu: “Requerimento de fls. 165: Nos termos do artigo 194.º, n.º 8, do Código de Processo Penal, e pelo seu interesse para a defesa, autoriza-se a consulta na secção, pela defensora do arguido, no prazo previsto para a interposição de recurso, de cópia dos seguintes elementos dos autos: - fls. 3 a 6, 9, 10, 18 a 24, 28 a 32, 38 a 53, 54 a 59, 66 a 81, 95, 99 a 103, 109 a 113, 116,117, 121 a 122 e 127 a 130; - fls. 4 a 6 e 26 a 28, 32 a 35, 70 a 73, 82 a 83 e 89 a 92 do apenso A (3097/15.5T9MAI) e fls. 2 a 16 do apenso 1674/15.3PIPRT (3097/15.5T9MAI-A); e ainda de: - fls. 3 a 12, 54 a 56, 59 a 61, 88, 101 e 103 a 107 do apenso B. D.N. * Do requerimento do Ministério Público para a tomada de declarações à vítima para memória futura:Com prévia nomeação de patrono oficioso à ofendida B…, notifique-a para, em dez dias, esclarecer, querendo, se pretende prestar declarações para memória futura no decurso do inquérito, perante um juiz de instrução criminal, e se pretende receber apoio psicossocial. * Da matéria do aditamento n.º 6:Independentemente da justificação apresentada pelos agentes de investigação criminal, consideramos que a busca ali aludida e documentada a fls. 146 a 158 não obedeceu aos requisitos previstos no artigo 174.º, n.º 3 e n.º 5, a), b) ou c), do Código de Processo Penal. Com efeito, a vítima identificada nos autos, B…, não deve ser considerada a visada pela diligência; não é formulada qualquer suspeita contra ela. O visado, arguido nos autos, não consentiu na busca porque não estava presente. Consequentemente, consideramos inválidas a busca e as apreensões realizadas, que não têm valor como meio de prova, o que se declara nos termos dos artigos 174.º, n.º 6, e126.º, n.º 3, do Código de Processo Penal. Notifique e devolva os autos ao DIAP para os fins tidos por convenientes. 10-07-2020”, veio recorrer nos termos que ali constam, que ora aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os legais efeitos, concluindo pela forma seguinte (partes relevantes): (transcrição) “1- Este recurso versa sobre o despacho de fls. 173 e verso, datado de 10 de julho de 2020, que julgou inválidas a busca e apreensão realizadas no dia 2 de julho de 2020, à residência da ofendida B… e do arguido C…, na Rua …, n º …., …, Maia, por o arguido não ter dado consentimento e aquele que foi prestado pela ofendida não ser válido. 2-Na fase de inquérito, o Juiz de Instrução é competente para conhecer e declarar nulidade de actos da sua competência e por isso determinados nesse âmbito, o que não é o caso da busca em causa, cabendo ao Ministério Público, nessa fase, a competência para conhecer de nulidades, invalidades e irregularidades processuais cometidas durante a investigação. 3-A existir vício na busca domiciliária autorizada pela ofendida, ele seria, quando muito, o de nulidade sanável ou relativa, nos termos do artigo 120º, n º 1 do Código do Processo penal, não se tratando seguramente de uma nulidade insanável ou absoluta que estão devidamente tipificadas no artigo 119º do Código do Processo penal. 4-No despacho recorrido, o Mmº Juiz de Instrução trata como invalidade, seguramente por também entender que não estamos perante uma qualquer nulidade insanável. 5-tratando-se, pois, de uma eventual nulidade sanável ou relativa, não poderia o Mmº Juiz de Instrução conhecê-la oficiosamente, uma vez que nada lhe foi requerido pelo arguido ou por qualquer outro sujeito processual. 6-Neste inquérito investiga-se a prática de crimes de violência doméstica e tentativa de homicídio praticados pelo arguido C… no interior da residência, na Rua …, n º …., …, Maia. 7- No dia 2 de Julho de 2020, no decurso da investigação, a ofendida autorizou, por escrito, a realização de busca na sua residência, onde foram apreendidos uma bengala, uma barra de ferro, uma barra em PVC e umas luvas de combate. 8-O Mmº juiz de Instrução, sem que nada lhe fosse requerido, entendeu que quem devia autorizar a busca era o arguido e, por via disso, declarou a invalidade da busca domiciliária e consequentemente das apreensões realizadas, nos termos dos artigos 174º, n º 6 e 126º, n º 3 do Código de Processo penal. 9-A diligência em causa nestes autos não integra a alínea a) do nº 5 do referido artigo 174º, ou seja, a realização oficiosa de busca não ordenada, nem autorizada pela autoridade judiciária competente em casos de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, quando haja fundados indícios da prática iminente de crime que ponha em grave risco a vida ou a integridade física de qualquer pessoa. 10-No caso dos autos, trata-se da previsão da alínea b) do n º 5 do referido artigo 174º, busca domiciliária com o consentimento do visado. 11-O consentimento por escrito prestado pela ofendida é válido e eficaz por ter sido prestado por quem tem a livre disponibilidade da totalidade da residência onde a busca domiciliária se realizou. 12- Ao julgar inválida a busca e, por via disso, as apreensões efectuadas, o Mmº Juiz de Instrução violou, por deficiente interpretação, o preceituado nos artigos 174º, n ºs. 3, 5 alíneas a), b), e 6, 126º, n º 3, 118º, 119º, 120º, 121º, 122º, 123º, 17º, 268º e 269º, todos do Código do Processo penal” O Sr. Juiz de instrução manteve o seu despacho concluindo ter assumido que a remessa dos autos ao JIC continha implícita a comunicação da busca para os efeitos previstos no art. 174º, n º 6 do CPP, pelo que não o sendo, verifica-se nulidade do art. 174º, n º 6 do CPP, nulidade insanável nos termos das disposições conjugadas dos artigos 18º, n º 1 e 34º da CRP e do art, 119º, al.b) do CPP: Neste tribunal de recurso o Digno Procurador-Geral Adjunto no parecer que emitiu pugnou pela procedência do recurso. Cumprido o preceituado no artigo 417º número 2 do Código Processo Penal nada veio a ser acrescentado de relevante no processo. Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais foram os autos submetidos a conferência. Nada obsta ao conhecimento do mérito. II. Objeto do recurso e sua apreciação. O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pela recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar (Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal" III, 2ª ed., pág. 335 e jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, nomeadamente os vícios indicados no art. 410º nº 2 do CPP. Legitimidade do JIC para declarar a nulidade da busca em fase de inquérito. Validade de busca e consequente apreensão de objetos, feita por órgão de polícia criminal, fora de flagrante delito, no domicílio do arguido como consentimento da ofendida também ali residente em sede de investigação de indícios da prática de crime de violência doméstica agravada p. e p. pelo art. 152º, n º 1, al.a) e n º 2 e de homicídio agravado na forma tentada p. e p. pelo art. 131º e 132º, n º 2, al.b), 22º e 23º, todos do C.P. Do enquadramento dos factos. 1.Decisão questionada. “Requerimento de fls. 165: Nos termos do artigo 194.º, n.º 8, do Código de Processo Penal, e pelo seu interesse para a defesa, autoriza-se a consulta na secção, pela defensora do arguido, no prazo previsto para a interposição de recurso, de cópia dos seguintes elementos dos autos: - fls. 3 a 6, 9, 10, 18 a 24, 28 a 32, 38 a 53, 54 a 59, 66 a 81, 95, 99 a 103, 109 a 113, 116,117, 121 a 122 e 127 a 130; - fls. 4 a 6 e 26 a 28, 32 a 35, 70 a 73, 82 a 83 e 89 a 92 do apenso A (3097/15.5T9MAI) e fls. 2 a 16 do apenso 1674/15.3PIPRT (3097/15.5T9MAI-A); e ainda de: - fls. 3 a 12, 54 a 56, 59 a 61, 88, 101 e 103 a 107 do apenso B. D.N. * Do requerimento do Ministério Público para a tomada de declarações à vítima para memória futura:Com prévia nomeação de patrono oficioso à ofendida B…, notifique-a para, em dez dias, esclarecer, querendo, se pretende prestar declarações para memória futura no decurso do inquérito, perante um juiz de instrução criminal, e se pretende receber apoio psicossocial. * Da matéria do aditamento n.º 6:Independentemente da justificação apresentada pelos agentes de investigação criminal, consideramos que a busca ali aludida e documentada a fls. 146 a 158 não obedeceu aos requisitos previstos no artigo 174.º, n.º 3 e n.º 5, a), b) ou c), do Código de Processo Penal. Com efeito, a vítima identificada nos autos, B …, não deve ser considerada a visada pela diligência; não é formulada qualquer suspeita contra ela. O visado, arguido nos autos, não consentiu na busca porque não estava presente. Consequentemente, consideramos inválidas a busca e as apreensões realizadas, que não têm valor como meio de prova, o que se declara nos termos dos artigos 174.º, n.º 6, e126.º, n.º 3, do Código de Processo Penal. Notifique e devolva os autos ao DIAP para os fins tidos por convenientes. 10-07-2020” 2. Auto de busca e apreensão datado de 02.07.2020, pelas 19h, devidamente assinado pela ofendida B… que presta o consentimento para o ato, com objetos apreendidos à entrada do quarto do arguido, dentro do seu quarto e nuns anexos da habitação. 3. Auto de interrogatório do arguido datado do dia 02.07.2020,pelas 17h03, tendo sido proferida decisão de aplicação de medida de coação de prisão preventiva. Apreciação O âmbito do recurso é delimitado pelo teor das conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, sem prejuízo da apreciação pelo tribunal ad quem das questões de conhecimento oficioso. A fim de se apreciar as questões suscitadas, impõe-se antes de demais situar os factos. Está em causa uma busca domiciliária, ocorrida no decurso de um inquérito pela prática de indícios de um crime de violência doméstica e de homicídio tentado agravado e realizada por autoridade judicial sem prévio despacho de autoridade judiciária. Conforme Ac da RC de 8/02/2017, processo 360/16.1GASEI-A.C1, in www.dgsi.pt: I – A busca é um meio de obtenção de prova tipificado no CPP, que visa a detenção do arguido ou de outra pessoa, ou a descoberta de objectos relacionados com um crime ou que possam servir de prova no processo. II – A busca só deve ser autorizada quando se revele estritamente necessária para que o Estado assegure o direito à administração da justiça, com respeito pelo princípio da proporcionalidade. São aplicáveis as regras previstas nos arts. 177º e 174º do CPP. A Constituição da República no seu artigo 26º, nº 1 consagra, entre os direitos fundamentais, a reserva de vida privada e no seu artigo 34º a inviolabilidade do domicílio. Os direitos fundamentais apenas podem ser restringidos, “nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.” (artigo 18º da Constituição da República). O legislador ordinário, na densificação da salvaguarda dos referidos direitos fundamentais, ao nível do Código Processo Penal, consagra que as buscas são ordenadas, “ (...) Quando houver indícios de que os objectos referidos no número anterior, ou o arguido ou outra pessoa que deva ser detida, se encontram em lugar reservado ou não livremente acessível ao público” e podem ser efetuadas por “órgão de polícia criminal nos casos: a) De terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, quando haja fundados indícios da prática iminente de crime que ponha em grave risco a vida ou a integridade de qualquer pessoa; b) Em que os visados consintam, desde que o consentimento prestado fique, por qualquer forma, documentado; ou c) Aquando de detenção em flagrante por crime a que corresponda pena de prisão.” (artigo 174º, nº 2 e nº 5 do Código de Processo Penal (CPP). No que respeita às buscas domiciliárias, as mesmas são ordenadas pelo juiz, podendo também ser, “ordenadas pelo Ministério Público ou ser efectuadas por órgão de polícia criminal: a) Nos casos referidos no n.º 5 do artigo 174.º, entre as 7 e as 21 horas; b) Nos casos referidos nas alíneas b) e c) do número anterior, entre as 21 e as 7 horas.”, isto é, nos casos de “consentimento do visado, documentado por qualquer forma” ou “flagrante delito pela prática de crime punível com pena de prisão superior, no seu máximo, a 3 anos.” (artigo 177º nº 3 e nº 2 alíneas b) e c) do Código Processo Penal). A busca domiciliária em causa não foi noturna. Tendo ocorrido pelas 19h e não entre as 21 e no caso do consentimento, o lesado prescinde do seu direito (inviolabilidade do domicílio e reserva da vida privada). O legislador considera flagrante delito, “todo o crime que se está cometendo ou se acabou de cometer” e ainda “(…) o caso em que o agente for, logo após o crime, perseguido por qualquer pessoa ou encontrado com objectos ou sinais que mostrem claramente que acabou de o cometer ou nele participar” e no caso de crime permanente “(…) o estado de flagrante delito só persiste enquanto se mantiverem sinais que mostrem claramente que o crime está a ser cometido e o agente está nele a participar” (artigo 256º do CPP). Ora, tendo em conta a definição legal de flagrante delito dúvidas não existem que a busca foi realizada fora de flagrante delito, já que ocorreu horas depois da detenção do arguido e do seu interrogatório judicial que lhe cominou prisão preventiva. Não podemos esquecer que o legislador constitucional ao consagrar, excecionalmente, a busca domiciliária o faz balizando expressamente o seu âmbito de modo a comprimir ao mínimo estritamente indispensável os direitos fundamentais, para salvaguarda de outros direitos (segurança, realização da justiça) em cumprimento do artigo 18º do mesmo texto constitucional. A realização da justiça através da perseguição dos criminosos e da procura da verdade material, só pode ser feita dentro e de acordo com as regras do processo. Não existe justiça fora do processo e das suas regras num Estado de Direito Democrático. Só nesta visão democrática e garantística do processo, cumpridora das regras democraticamente sufragadas, se cumpre a República baseada na “dignidade da pessoa humana” em todas as suas dimensões. Verifica-se, subsequentemente que não nos encontramos perante uma situação de flagrante delito, importando verificar se houve consentimento pelo visado na busca realizada por órgão de polícia criminal. O M.P. diz que que houve consentimento válido, porque prestado pela ofendida que ali residia e tinha a disponibilidade do local estando o mesmo devidamente documentado. O JIC diz que não, considerando que o visado é o arguido e não a ofendida. Como atrás já referimos o art. 177º do CPP refere-se às buscas domiciliárias e o art. 174º às buscas não domiciliárias. O consentimento do visado, livre esclarecido, tem de preceder a busca, podendo todavia ser prestado de forma verbal, impondo-se quando assim sucede que, ulteriormente, tal consentimento seja documentado. Neste sentido, por mais significativos: vide acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 2 de Dezembro de 1992 (Colectânea de Jurisprudência XVII-4-90); - acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 13 de Janeiro de 2000 (Colectânea de Jurisprudência XXV-1-137); - Paulo Pinto de Albuquerque (no «Comentário do Código de Processo Penal», Universidade Católica Editora, 2007, pp. 471/472, nota 15 ao artigo 174.°); - Cons. Santos Cabral (no «Código de Processo Penal Comentado», Almedina, 2014, pág. 736). E ainda Ac RP de 29.01.2001 in www.dgsi.pt: A validade da realização da busca domiciliária basta-se com o consentimento da pessoa afectada que era e que tenha a livre disponibilidade, quanto ao local onde a diligência é efectuada e que possa ser por ela afectado, mormente o seu quarto, não se exigindo o consentimento cumulativo de todos os outros residentes na casa. A entrada na habitação será porém irregular se houver oposição de algum dos demais titulares, que terá que ser manifestada. O consentimento do visado para a realização da busca, incluindo a domiciliária, não exige qualquer específico formalismo na sua prestação, importando, apenas, que ele fique documentado por qualquer forma, ou seja, tal consentimento pode ser verbalmente prestado antes da realização da busca, desde que ulteriormente fique, por qualquer forma, documentado, como por exemplo, no auto de busca e apreensão, assinado pelo arguido, fique a constar esse consentimento. Relativamente ainda à questão de saber se se entende como sendo visada, para dar o consentimento, a ofendida ou quem habite local habitado também pelo arguido, subscrevemos na íntegra o teor do Ac. Trib Const. Nº 126/2013, cujas partes muito pertinentes ao nosso caso, transcrevemos: (…) 7. O art.º 34.º da Constituição garante que "2. A entrada no domicílio dos cidadãos contra sua vontade só pode ser ordenada pela autoridade judicial competente, nos casos e segundo as formas previstos na lei. 3. Ninguém pode entrar durante a noite no domicílio de qualquer pessoa sem o seu consentimento, salvo em situação de flagrante delito ou mediante autorização judicial em casos de criminalidade especialmente violenta ou altamente organizada, incluindo o terrorismo e o tráfico de pessoas, de armas e de estupefacientes, nos termos previstos na lei”. E o art. 177.º do Código de Processo Penal correspondentemente prescreve: Artigo 177.º Busca domiciliária 1 - A busca em casa habitada ou numa sua dependência fechada só pode ser ordenada ou autorizada pelo juiz e efectuada entre as 7 e as 21 horas, sob pena de nulidade. 2 - Entre as 21 e as 7 horas, a busca domiciliária só pode ser realizada nos casos de: a) Terrorismo ou criminalidade especialmente violenta ou altamente organizada; b) Consentimento do visado, documentado por qualquer forma; c) Flagrante delito pela prática de crime punível com pena de prisão superior, no seu máximo, a 3 anos. 3 - As buscas domiciliárias podem também ser ordenadas pelo Ministério Público ou ser efectuadas por órgão de polícia criminal: a) Nos casos referidos no n.º 5 do artigo 174.º, entre as 7 e as 21 horas; b) Nos casos referidos nas alíneas b) e c) do número anterior, entre as 21 e as 7 horas. 4 - É correspondentemente aplicável o disposto no n.º 6 do artigo 174.º nos casos em que a busca domiciliária for efectuada por órgão de polícia criminal sem consentimento do visado e fora de flagrante delito. 5 - Tratando-se de busca em escritório de advogado ou em consultório médico, ela é, sob pena de nulidade, presidida pessoalmente pelo juiz, o qual avisa previamente o presidente do conselho local da Ordem dos Advogados ou da Ordem dos Médicos, para que o mesmo, ou um seu delegado, possa estar presente. 6 - Tratando-se de busca em estabelecimento oficial de saúde, o aviso a que se refere o número anterior é feito ao presidente do conselho directivo ou de gestão do estabelecimento ou a quem legalmente o substituir. A noite é tempo de descanso da generalidade das pessoas e de maior vulnerabilidade dos cidadãos, sendo corrente nas ordens jurídicas do nosso horizonte civilizacional o reforço da tutela do domicílio contra intrusões dos agentes do Estado no período nocturno. Na revisão operada pela LC 1/2001 (5ª revisão), estabeleceu-se uma restrição expressa à inviolabilidade do domicílio, passando o n.º 3 do art.º 34.º da Constituição a prever a entrada no domicílio durante a noite, mas somente no caso de criminalidade especialmente violenta ou altamente organizada e mediante autorização judicial ou, mesmo sem ela, em caso de flagrante delito. Fora destas duas hipóteses, apenas com consentimento do seu titular pode ocorrer a entrada de agentes do Estado no domicílio de qualquer pessoa. Como os factos pelos quais o recorrente foi detido não integram qualquer daquelas restrições, só com consentimento poderia a busca ter-se realizado. E, no caso, invoca-se para a legitimação da busca o consentimento conferido aos agentes policiais pela mulher do arguido. Valerá este consentimento de um co-domiciliado para efeito de legitimação das buscas, ou terá o consentimento de ser prestado por quem é visado pela medida processual-penal? Esta questão de saber qual o conceito de "visado" para efeito de consentimento de buscas domiciliárias não é nova na doutrina e na jurisprudência, designadamente na jurisprudência do Tribunal Constitucional. O Tribunal enfrentou-a no acórdão n.º 507/94, tendo decidido que não basta o consentimento de um outro domiciliado na mesma habitação com igual poder de disponibilidade, tendo considerado que a reserva da intimidade da vida privada impõe que não possa prescindir-se do consentimento do visado com a medida probatória. Disse-se nesse acórdão: "Na realidade, o domicílio tem de se ver como uma projecção espacial da pessoa que reside em certa habitação, uma forma de uma pessoa afirmar a sua dignidade humana. Daí que, no caso de várias pessoas partilharem a mesma habitação, deva ser exigido o consentimento de todas. Costa Andrade, entre nós, dá conta desse entendimento, comparando a situação do direito penal substantivo com a do processo penal: Assim — e sob ressalva de especificidades e singularidades que aqui não cabe recensear — em direito penal substantivo tende a prevalecer o entendimento de que o «consentimento» de um dos portadores concretos do bem jurídico bastará para dirimir a ilicitude, logo por exclusão da tipicidade […]. Simplesmente, e ao contrário do que alguns autores são levados a supor […], a exclusão da ilicitude penal não se comunica directamente e sem refracção ao processo penal no sentido de ditar, sem mais, a admissibilidade dos correspondentes meios de prova. Como, reportando-se à hipótese de buscas domiciliárias consentidas por um dos habitantes na mesma casa — e depois de sublinhar que este consentimento é bastante para legitimar no plano penal substantivo a conduta —, refere Amelung: «cada um dos que habitam na mesma casa é portador de um direito fundamental na forma de exigência de omissão dirigida ao Estado e só pode dispor-se de um direito alheio na base de autorização bastante. Na medida em que falta uma autorização no mínimo concludente, o consentimento de uma só pessoa não basta para legitimar as buscas na casa habitada por várias (…). Quando um dos membros da casa autoriza que outro dos habitantes permita a entrada de pessoa particular ou do homem do gás, daí não pode concluir-se que o autorize também a franquear a porta a quem vem preparar a sua condenação, isto é, a inflicção de um mal» […]. (Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal, Coimbra, 1992, pp. 51-52)". 8. É este entendimento que se mantém. Com efeito, diversas pessoas podem ter, e normalmente têm, sobretudo, no âmbito de relações familiares, domicílio no mesmo espaço de habitação. Mas cada uma delas é titular do direito fundamental à inviolabilidade do domicílio (da sua esfera espacial de privacidade e segredo), que não se transforma, em função da coincidência do objecto material sobre o qual incide, num direito colectivo. Tendo este direito carácter instrumental de protecção da privacidade pessoal, e não do poder de disposição sobre a coisa ou do seu uso, não é constitucionalmente admissível entender que da convivência de diversas pessoas na mesma habitação deriva a co-titularidade do (de um mesmo) direito fundamental à inviolabilidade do domicílio. Nas situações de co-habitação o que existe é uma pluralidade de direitos individuais que incidem sobre o (ou se exercem através do) mesmo objecto material (o espaço de habilitação compartilhado), cujo conteúdo essencial consiste na faculdade de excluir intrusões de terceiro nesse espaço reservado. É certo que a vida familiar, nomeadamente a relação conjugal, pressupõe vinculações e práticas de confiança recíproca, o que implica a aceitação de que um dos membros permita a entrada de terceiros nesse espaço que se compartilha. Como regra geral, não cabendo aqui abordar os critérios de resolução de situações de conflito ou dissonância, cada membro do casal pode consentir na entrada de terceiro no espaço domiciliário comum, habilitando terceiros de boa fé a presumir o consentimento do outro. Todavia, a essas situações comuns, inerentes à convivência familiar, tem de contrapor-se a situação excepcional que consiste em facultar a entrada no espaço comum de domicílio a órgãos de polícia criminal com o objectivo de recolher provas contra o outro membro do casal (centrando o discurso na relação conjugal). Aqui a entrada no domicílio vai intencionada à intromissão em domínios de intimidade e privacidade do investigado para obtenção de provas que possam incriminá-lo. Não se trata de uma ocorrência inerente à vida familiar ou às situações correntes de convivência; é a privacidade e, indirectamente, o direito de defesa do outro cônjuge que a entrada no domicílio permite atingir. Perante essa incidência específica da intrusão na esfera espacial de privacidade e segredo do investigado, o radical de tutela da privacidade presente no direito de inviolabilidade do domicílio não consente que se considere o outro cônjuge legitimado a prestar o consentimento, ou se presuma o daquele que é visado pela diligência processual. De outro modo, seguindo a orientação do acórdão recorrido, se fosse suficiente a qualidade de co-titular do domicílio com poder de disponibilidade do lugar onde a busca se realiza para permitir a entrada dos agentes policiais a fim de efectuar uma busca sem prévia autorização judicial – na circunstância, como busca nocturna, parece que nunca poderiam constitucionalmente obtê-la –, investir-se-ia esse terceiro no poder de disposição da privacidade (com reflexos no direito de defesa) de quem com ele co-habita, aspecto este que é objecto de protecção instrumental reforçada pelo direito à inviolabilidade do domicílio. Neste domínio do processo penal, “cada pessoa que partilha a habitação é portadora autónoma de um direito fundamental sob a forma de uma exigência de não ingerência virada contra o Estado. E sobre direito alheio só pode dispor-se na base de uma legitimação concludente (Costa Andrade, “Violação de domicílio e de segredo de Correspondência ou Telecomunicações” Ab Vno ad Omnes, pg. 729). Assim, perante a intrusão que significa a busca no âmbito de um processo criminal, o consentimento previsto no n.º 3 do art.º 34.º da Constituição tem necessariamente de provir do titular do domicílio que seja visado pela diligência processual (não importa aqui esclarecer se e em que condições esse consentimento além de necessário é suficiente). Viola a Constituição a norma que considere suficiente, para legitimar a entrada dos órgãos de polícia criminal no domicílio do arguido ou suspeito a fim de realizar uma busca, a permissão conferida por um co-domiciliado com poder de disposição sobre o espaço em causa (correspondentemente, não cabe aqui versar a questão de saber se e em que condições, não sendo suficiente, esse consentimento será também necessário). 9. Aliás, esta perspectiva diferenciada relativamente ao consentimento para o tipo de intrusão em causa (no âmbito do processo penal) é a que melhor satisfaz o mandato de optimização desta garantia constitucional. Com efeito, não é fácil assegurar as exigências de consentimento esclarecido e livre por parte do co-domiciliado a quem é pedido que faculte a entrada no domicílio. Este nem sempre sabe o que convém ao sujeito a quem a investigação respeita, com quem, nas circunstâncias em que o consentimento geralmente lhe é pedido, está impedido de contactar. É certo que a inviolabilidade do domicílio não o converte em “santuário” para a prática ou ocultação da prática de crimes. Mas isso já está ponderado nas restrições constitucionalmente previstas (criminalidade especialmente violenta ou organizada, flagrante delito, autorização judicial). 10. No presente recurso cumpre apenas apreciar a (in)constitucionalidade das normas ao abrigo da qual se considerou validamente efectuada a busca domiciliária nocturna e que foram indicadas no requerimento de interposição do recurso ( art.º 79.º-C da LTC). Assim, não compete ao Tribunal apreciar neste recurso normas estranhas a esta questão do “consentimento” para a busca, nem determinar as consequências do julgamento de inconstitucionalidade a que chegou, designadamente em matéria de validade da prova obtida. É ao tribunal a quo que incumbe reformar ou mandar reformar a decisão em conformidade com o julgamento agora proferido. III. Decisão Pelo exposto, concedendo provimento ao recurso, decide-se: a) Julgar inconstitucional, por violação do n.º 3 do artigo 34.º da Constituição, a norma da alínea b) do n.º 3, com referência al. b) do n.º 2, do art.º 177.º do Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido de que o “consentimento” para a busca no domicílio do arguido possa ser dado por pessoa diferente deste, mesmo que tal pessoa seja um co-domiciliado com disponibilidade da habitação em causa; Importa ainda referir que as buscas, habitualmente vistas como um meio de obtenção de provas, podem também surgir como medidas cautelares e de polícia, nos casos previstos no artigo 251º do CPP. Podemos definir as buscas como sendo “meios de obtenção da prova, que se realizam em locais reservados ou não livremente acessíveis ao público, desde que sobre esse mesmolocal existam indícios de que se encontram objetos relacionados com a prática de um facto qualificado como crime e que são suscetíveis de servirem de prova no processo-crime em curso ou que nele se esconde (m) pessoa (s) que deve(m) ser detido(s), para ser(em) presente(s) à autoridade judiciária competente”. As buscas integram, pois, o âmbito da atividade probatória e abrangem todos os atos materiais destinados à obtenção de indícios que permitam à AJ formar a sua convicção sobre a existência e relevância criminal de certos factos. Tal diligência processual “encontra-se associada a uma entrada em espaço de acesso restrito ou vedado e a uma atividade direcionada à descoberta de algo (objetos ou indivíduo a deter) que se encontrará tendencialmente escondido ou dissimulado”. Efetivamente, as buscas são levadas a cabo pela autoridade judiciária competente ou, por ordem ou autorização desta, pelo OPC, nos casos previstos na lei. Pode ainda suceder que estes atuem, sem precedência de ordem ou autorização, nos casos excecionais que se indicarão infra. A operação desenvolvida por eles pretende “obter indícios probatórios para serem carreados para o processo de modo a que se possa prosseguir os fins do processo penal: a realização da justiça através da condenação dos culpados e a absolvição dos inocentes”. Nas palavras de Marcolino de Jesus, “a busca visa, pois, a detenção do arguido ou de outra pessoa, ou a descoberta de objetos relacionados com um crime ou que possam servir de prova no processo” in, Os meios de Obtenção da Prova em Processo Penal, Coimbra: Almedina, 2011, p. 180. Quer a busca seja efetuada pela AJ, quer pelos OPC, a sua validade carece de autorização “por despacho pela autoridade judiciária competente, devendo esta, sempre que possível, presidir à diligência”, tal como prevê o nº 3 do artigo 174º do CPP. No entanto, o legislador consagrou exceções a este preceito, não só no CPP, mas também na CRP. Efetivamente “há buscas que se podem realizar antes da abertura oficiosa do inquérito, que caso não fossem efetuadas, as provas materiais do crime e do(s) seu(s) agente(s) desapareceriam ou pereceriam com o tempo”. Perante situações em que se exija uma atuação mais célere dos OPC, o legislador, temendo a morosidade da emissão do despacho, “previu e legitimou a realização dessas buscas” por essa entidade “sem que para tal seja necessário recorrer previamente à autorização judicial, conforme regimes excecionais previstos na al. a) do nº 1 do art. 251º, no nº 5 do art. 174º ambos do CPP, e no nº 3 do art. 34º da CRP. A “vida privada compreende aqueles atos que, não sendo secretos em si mesmos, devem subtrair-se à curiosidade pública por naturais razões de resguardo e melindre, como os sentimentos e afetos familiares, os costumes da vida e as vulgares práticas quotidianas, a vergonha da pobreza e as renúncias que ela impõe e, até por vezes, o amor da simplicidade, a parecer desconforme com a grandeza dos cargos e a elevação das posições sociais; em suma tudo: sentimentos, ações e abstenções, que podem ser altamente meritórios do ponto de vista da pessoa a que se referem mas que, vistos do exterior, tendem a apoucar a ideia que delas faz o público em geral”. Cfr. Paulo Mota Pinto, “A proteção da vida privada e a Constituição”, in Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, nº 76, Volume LXXVI, Ano 2000, p. 164. O TC formulou, pela primeira vez, uma definição do conteúdo do direito à reserva da vida privada no Acórdão n.º 128/92, como constituindo o direito de cada um a ver protegido o espaço interior ou familiar da pessoa ou do seu lar contra intromissões alheias, isto é, como um direito a uma esfera privada onde ninguém pode penetrar sem autorização do respetivo titular-Ac. TC nº 403/2015, Proc. nº 773/15, disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordao. Idêntica formulação retiramos do Acórdão do TC nº 216/2012, Proc. nº 166/12, que afirma que “o caráter intrusivo da busca – que abrangerá a abertura, nomeadamente com recurso a arrombamento, de portas, armários, gavetas; a visualização e o manuseamento de objetos de uso lícito, estranhos à investigação em curso – tem uma incidência virtualmente lesiva, de devassa, sobre as pessoas que ocupam o espaço que é alvo da busca”. E acrescenta que “tal intromissão acentua-se no caso das buscas domiciliárias, face ao caráter especialmente reservado desse espaço”. No caso de a busca não ter sido previamente autorizada ou ordenada, nas hipóteses em que tal é admissível, deve o OPC dizer à pessoa que tem a disponibilidade do lugar, fazendo constar do auto, as razões que fundamentam a busca, não só para garantir o direito de defesa do visado, mas também para possibilitar o posterior controlo pelo JIC, que terá de a validar, apreciando os pressupostos. Fazendo a comparação com as buscas domiciliárias, pode-se afirmar que as buscas não domiciliárias não estão sujeitas “aos limites de tempo consagrados para as domiciliárias, nem à rigidez dos pressupostos para a sua efetivação, apesar de quem a efetuar ter de seguir mutatis mutandis as formalidades consignadas para as buscas domiciliárias” Cfr. Guedes Valente, Guedes Valente, Processo Penal – Tomo I, Coimbra: Almedina, p. 385. As buscas não domiciliárias devem ser autorizadas ou ordenadas por despacho da autoridade judiciária competente, que lhes deve presidir sempre que possível, tal como decorre do nº 3 do artigo 174º do CPP. Saliente-se, a este propósito, que, de uma leitura conjugada dos artigos 268.º, 269.º a contrario sensu e 174.º, n.º 3, todos do CPP, resulta que nas buscas não domiciliárias, (que não é o caso dos autos) a competência originária para autorização e validação das mesmas caberá ao MP, já que este tipo de buscas não faz parte do elenco de atos que competem ao juiz de instrução autorizar ou validar, em sede de inquérito. Referimo-nos ao inquérito porque, na maioria das vezes, é nesta fase que a busca decorre. Isto altera-se se estivermos na fase de instrução, pois aqui a responsabilidade de ordenação das buscas é do JIC, como resulta do nº 1 do artigo 288º e nº 2 do artigo 290º, ambos do CPP. O despacho de autorização tem um prazo de validade máxima de 30 dias, como exige o nº 4 do artigo 174º do CPP. O legislador, a exemplo do que estabeleceu para as revistas, consagrou para as buscas um regime especial em que dispensa a autorização judicial prévia previsto no nº 5 do artigo 174º do CPP. Assim, nos casos de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, quando haja fundados indícios da prática iminente de crime que ponha em grave risco a vida ou a integridade de qualquer pessoa, de consentimento documentado do visado e de detenção em flagrante por crime punível com pena de prisão, os OPC podem efetuar busca sem necessidade de aguardarem o mandado judicial de autorização. Refira-se que, nos casos de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, a realização da diligência deve ser imediatamente comunicada ao JIC para por ele ser apreciada em ordem à sua validação, tal como prevê o nº 6 do artigo 174º do CPP. No caso dos autos, tendo presente os indícios mencionados pelo M.P, estamos perante uma situação de criminalidade especialmente violenta (violência doméstica e tentativa de homicídio agravado), mas não iminente. Por criminalidade especialmente violenta consideram-se “as condutas que dolosamente se dirigirem contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou a autoridade pública e forem puníveis com pena de prisão demáximo igual ou superior a 8 anos”, ver artº. 1º, al. l) d CPP. Já por criminalidade altamente organizada devem-se entender “as condutas que integrarem crimes de associação criminosa, tráfico de pessoas, tráfico de armas, tráfico de estupefacientes ou de substâncias psicotrópicas, corrupção, tráfico de influência, participação económica em negócio ou branqueamento. Para além destes casos, o legislador, na al. a) do nº 1 do artigo 251º do CPP, legitimou a atuação dos OPC, sem necessidade de prévia autorização da AJ, na realização de buscas como medidas cautelares e de polícia, no caso de existir fundada razão para crer que no local onde se encontram os suspeitos se ocultam objetos relacionados com o crime, suscetíveis de servirem de prova e que de outra forma poderiam perder-se, desde que os suspeitos se encontrem em fuga iminente ou detidos e não se trate de busca domiciliária. Estes pressupostos diferem dos da al. c) do nº 5 do artigo 174º do CPP, pois nestes “o periculum in mora” só é aceitável se existir uma detenção em flagrante delito, exigência que não se verifica no artigo 251º do CPP, uma vez que pode ser efetuada mesmo fora do flagrante delito. Contudo, a realização destas buscas não domiciliárias devem ser imediatamente comunicadas ao JIC e por este apreciadas em ordem à sua validação, sob pena de nulidade, conforme nº 6 do artigo 174º ex vi nº 2 do artigo 251º, ambos do CPP. Sobre a apreciação, Marques Ferreira afirma que “a competência para apreciação e validação deve caber ao MP, uma vez que tem competência para as autorizar (artigo 174º, nº 3) e tal ato não consta do elenco dos que competem exclusivamente ao JIC em sede de inquérito (artigos 268º e 269º) ”. Guedes Valente refere que “existe uma diferença entre as buscas realizadas no âmbito do nº 5 do art.º 174º e as que se realizam no âmbito do art.º 251º, ambos do CPP”. As primeiras, enquadradas no regime geral das buscas (artigos 174º, 175º e 176º do CPP), “representam uma exceção ao regime das buscas não só não domiciliárias, mas também às domiciliárias, que se justifica pelos valores jurídicos a defender (a vida, a integridade física) que são superiores ao valor da inviolabilidade do domicílio”. Já as segundas, previstas na al. a) do nº 1 do artigo 251º do CPP, “são as que os OPC efetuam sem autorização ou ordem prévia da AJ e que decorrem dos atos de polícia, que apenas serão atos processuais após a sua validação pela autoridade judicial competente”. Relativamente às buscas domiciliárias, como a do caso dos autos, dispõe o CPP de um artigo próprio (art. 177º) sobre esta matéria, a busca domiciliária, para além dos pressupostos gerais impostos para a generalidade das buscas, “só poderá ser levada a cabo se houver indícios de que o arguido ou outra pessoa que deva ser detida, ou quaisquer objetos relacionados com um crime ou que possam servir de prova, se encontram numa casa habitada ou numa sua dependência fechada”, conforme prevê o nº 1 do artigo 177º do CPP. Esta é uma diligência que, regra geral, só pode ser ordenada ou autorizada pelo juiz. É este um princípio consagrado constitucionalmente através do nº 2 do artigo 34º da CRP e que se justifica “pela necessidade de salvaguardar a reserva da privacidade do domicílio e a sua inviolabilidade, como marcos fulcrais da liberdade individual”. Dizemos regra geral, porque o nº 3 do mesmo artigo 177º admite a realização de buscas domiciliárias ordenadas pelo MP ou efetuadas por OPC em casos excecionais expressamente aí consagrados. Assim, da leitura conjugada dos artigos 177º, nos 2 e 3, e 174º, nº 5, do CPP, podemos afirmar que pode ser ordenada pelo MP ou efetuada por OPC busca domiciliária, entre as 7 e as 21 horas, nos casos de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, quando haja fundados indícios da prática iminente de crime que ponha em grave risco a vida ou a integridade de qualquer pessoa, de consentimento documentado do visado e de detenção em flagrante por crime punível com pena superior, no seu máximo, a três anos; e entre as 21 e 7 horas, nos casos de consentimento documentado do visado e de flagrante delito pela prática de crime punível com pena superior, no seu máximo, a três anos. Refira-se, ainda, que quando a busca domiciliária for efetuada por OPC, sem autorização prévia, nos casos de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, com prática iminente a realização da diligência deve ser, sob pena de nulidade, imediatamente comunicada ao JIC e por este apreciada em ordem à sua validação, Cfr. nº 4 do art. 177º, conjugado com o nº 6 do art. 174º, ambos do CPP. E mais, o legislador exige ainda no caso de buscas domiciliárias ao contrário das buscas não domiciliárias, aumentando o grau de exigência, que também nos casos de ausência de consentimento e fora de flagrante delito haja comunicação imediata ao JIC sob pena de nulidade. O nº 2 do artigo 177º apresenta um conjunto de casos onde a busca domiciliária poderá ser realizada neste período noturno. Trata-se de hipóteses muito semelhantes com as do nº 5 do artigo 174º, que dispensam a autorização da busca através de despacho da AJ. Um desses casos prende-se com a possibilidade de o visado consentir a realização da busca. Seja de que tipo for a busca, a sua autorização ou ordenação é feita através de despacho elaborado pela autoridade judiciária competente (MP ou JIC), tal como decorre do nº 3 do artigo 174º do CPP. A validade de uma busca depende, pois, da emissão do chamado mandado de busca, sendo que a entidade que o emana deve, sempre que possível, presidir à diligência, nos termos do mesmo preceito. Contudo, quando estamos no domínio das buscas domiciliárias, os pressupostos da sua admissibilidade bem como o despacho são ainda mais exigentes. Impõe o nº 1 do artigo 177º do CPP que a busca domiciliária “só pode ser ordenada ou autorizada pelo juiz”. Portanto, temos como pressuposto da realização de buscas domiciliárias a pré existência de um despacho judicial que autorize tal diligência. O despacho da AJ emitido nos termos supramencionados legitima a realização de uma busca domiciliária. No entanto, o legislador, através do nº 5 do artigo 174º do CPP, admitiu algumas hipóteses que não carecem de autorização através da elaboração de despacho. Assim, nos casos de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, quando haja fundados indícios da prática iminente de crime que ponha em grave risco a vida ou a integridade de qualquer pessoa (al. a)); em que os visados consistam, desde que o consentimento prestado fique, por qualquer forma, documentado (al. b)); aquando de detenção em flagrante por crime a que corresponda pena de prisão (al. c)), o OPC pode atuar sem necessidade de autorização da autoridade judiciária. Trata-se de casos em que se verifica uma especial perigosidade de lesão de bens jurídicos individuais e comunitários fundamentais, o que implica uma rápida atuação dos OPC, de forma a evitar esse dano que poderia ocorrer se aquela entidade tivesse que esperar pelo despacho de autorização da realização da diligência. Assim se entende esta opção legislativa, que de outra forma poderia trazer consequências nefastas para a paz jurídica comunitária. O sacrifício do direito à inviolabilidade do domicílio por razões imperiosas de investigação criminal consubstancia uma restrição ao conteúdo constitucional daquele direito fundamental. O direito à inviolabilidade do domicílio não é, pois, um direito absoluto, visto que a CRP autoriza uma intervenção normativa do legislador, para salvaguarda de outros valores constitucionais, nomeadamente de bens jurídicos dotados de dignidade penal (bens jurídico-penais), ao serviço dos quais se encontra o processo criminal. O artigo 177º do CPP reflete basicamente o regime adotado naquele preceito constitucional. O legislador processual penal teve um especial cuidado na admissibilidade das buscas domiciliárias, sendo prova disso o facto de ter consagrado a nulidade das provas obtidas mediante intromissão na vida privada e no domicílio, ressalvados os casos previstos na lei (nº 3 do artigo 126º do CPP). O domicílio é visto, hoje, não como uma estrutura, uma casa, mas sim como um espaço fechado onde é desenvolvido um conjunto de comportamentos que caraterizam a vida privada e familiar. O pressuposto noite deixa de vigorar a partir do momento em que a busca domiciliária é consentida pelo visado, como expressamente decorre da al. b) do nº 2 do artigo 177º do CPP, já que, “face ao consentimento do visado, torna-se ilegítimo falar em entrada no domicílio dos cidadãos contra a sua vontade”. Contudo, deve-se ter em conta que a busca consentida “só é admissível se o consentimento tiver sido prestado sem ofensa da integridade física e psíquica do visado e sem ofensa do princípio do respeito da dignidade da pessoa humana, isto é, se não recair numa das situações de proibição de prova previstas no artigo 126º do CPP”. Existindo consentimento do visado não há necessidade de se verificarem os outros pressupostos de admissibilidade, nomeadamente o despacho de autorização da diligência. No processo penal, o consentimento aparece “invariavelmente como via de legitimação dos correspondentes meios de prova. No que diz respeito ao direito à reserva da vida privada e familiar a possibilidade de consentimento é unânime, pois “tratando-se de um direito disponível, as pessoas podem consentir em limitações voluntárias do direito à proteção da vida privada. Já no que respeita à questão de saber quem deve prestar o consentimento, a respeito do que acima já foi referido, as posições não são uniformes. Os referidos preceitos acima falam em consentimento do visado. Mas a verdade é que o visado pode não ser o disponente do bem. Muitas vezes não é sobre este (proprietário, arrendatário, possuidor, por exemplo) que recaem as suspeitas de ocultar os objetos relacionados com um crime ou que possam servir de prova. E é neste aspeto que se colocam mais dúvidas no seio da nossa jurisprudência. Desde logo afigura-se ilógico que seja necessário o consentimento de pessoas que nada têm a ver com o processo, da mesma forma que o consentimento dado por uma pessoa que partilha a habitação não deve ser suficiente para se realizar a busca, porque em ambos os casos o visado, que é a quem respeita o processo, não é chamado a dar ou não o seu consentimento. E é este, no nosso entendimento, o primeiro passo a dar para a resolver a questão. O visado pela diligência, como resulta clara e inequivocamente daquelas normas do CPP, terá de dar o seu consentimento à realização da busca, o que não se verificando impede a execução da diligência. Refira-se, a exemplo, o Acórdão do TC nº 126/2013, Proc. 850/12, que considera que “diversas pessoas podem ter, e normalmente têm, sobretudo, no âmbito de relações familiares, domicílio no mesmo espaço de habitação. Mas cada uma delas é titular do direito fundamental à inviolabilidade do domicílio (da sua esfera espacial de privacidade e segredo), que não se transforma, em função da coincidência do objeto material sobre o qual incide, num direito coletivo”. E acrescenta que “não é admissível entender que, da convivência de diversas pessoas na mesma habitação, deriva a cotitularidade do direito fundamental à inviolabilidade do domicílio”. E apesar de reconhecer que “a vida familiar, nomeadamente a relação conjugal, pressupõe vinculações e práticas de confiança recíproca, o que implica a aceitação de que um dos membros permita a entrada de terceiros nesse espaço que se compartilha”, todavia, “a essas situações comuns, inerentes à convivência familiar, tem de contrapor-se a situação excecional que consiste em facultar a entrada no espaço comum de domicílio a órgãos de polícia criminal com o objetivo de recolher provas contra o outro membro do casal. Aqui a entrada no domicílio vai intencionada à intromissão em domínios de intimidade e privacidade do investigado para obtenção de provas que possam incriminá-lo. Não se trata de uma ocorrência inerente à vida familiar ou às situações correntes de convivência; é a privacidade e, indiretamente, o direito de defesa do outro cônjuge que a entrada no domicílio permite atingir. Perante essa incidência específica da intrusão na esfera espacial de privacidade e segredo do investigado, o radical de tutela da privacidade presente no direito de inviolabilidade do domicílio não consente que se considere o outro cônjuge legitimado a prestar o consentimento, ou se presuma o daquele que é visado pela diligência processual”. Neste sentido, conclui que “o consentimento previsto no n.º 3 do art.º 34.º da CRP tem necessariamente de provir do titular do domicílio que seja visado pela diligência processual”. Concorda-se com esta posição, como já dito anteriormente, pois “o consentimento pressupõe a intervenção do titular do direito lesado e não da pessoa que tiver a livre disponibilidade sobre ele”. A reserva da intimidade privada obriga a que não se possa prescindir do consentimento do visado. A não existência do consentimento da pessoa visada configuraria “um cerceamento da autonomia pessoal, cuja ineficácia apresentar-se-ia igualmente onerosa para o Estado”. E mais assim porque à justiça penal cumpre “proteger bens jurídicos, reafirmar a validade das normas e reforçar a confiança na sua vigência, restabelecer a paz jurídica e prosseguir a verdade preordenada à realização da justiça material” e nunca, como afirma Hassemer, encurtar a diferença “ética que deve subsistir entre a perseguição do crime e o próprio crime”. Em suma, reafirmamos que a interpretação do consentimento para a realização da busca domiciliária deverá ser a de que ele tenha de ser prestado pelo visado com a diligência e sendo titular do direito à inviolabilidade do domicílio, não sendo suficiente a disponibilidade do local de habitação. Donde se infere que o visado da busca é a pessoa que está a ser investigada e é esta quem tem de dar o consentimento para a busca. Sendo a casa habitada por cotitulares do locado, o consentimento deve ser obtido dos dois. Tratando-se de objetos depositados em casa de terceiro, naturalmente é a este que cabe consentir, porque é a sua reserva de intimidade que está em causa, ou seja, privacidade presente no direito de inviolabilidade do domicílio. Portanto nos presentes autos o consentimento da ofendida mulher é inócuo, pelo que não houve consentimento do visado pela diligência, o arguido, pelo que se impunha imediata comunicação ao JIC. Finalmente, cumpre-nos, ainda, fazer mais uma distinção entre as chamadas proibições de prova (artigo 126º do CPP) e o regime das nulidades processuais (artigos 118º e ss. do CPP). Resulta do nº 1 do artigo 122º do CPP que as nulidades tornam inválido o ato em que se verificarem, bem como os que dele dependerem e aqueles puderem afetar. Assim, “o ato não produz efeito, não tem valor, podendo na declaração de nulidade que determina quais os atos nulos, ordenar a sua repetição desde que necessário e desde que seja possível fazê-lo”, como preceitua o nº 2 do mesmo artigo. O CPP distingue as nulidades insanáveis (ou absolutas), a que se refere o artigo 119.º, das nulidades dependentes de arguição (ou nulidades relativas), previstas nos artigos 120.º e 121.º. Ao contrário das nulidades ditas insanáveis, as restantes nulidades ficam sanadas se os interessados renunciarem expressamente à sua arguição, tiverem aceitado expressamente os efeitos do ato ou se tiverem prevalecido de faculdade a cujo exercício o ato anulável se dirigia (artigo 121.º, n.º 1, do CPP). Já o artigo 126º do CPP apresenta-nos os métodos proibidos de prova, considerando como nulas as provas deles resultantes. E repare-se que o art. 118º do CPP no seu nº 3, refere expressamente que “As disposições do presente título não prejudicam as normas deste Código relativas a proibições de prova.” O nº 1 do artigo 126º afirma que são nulas as provas obtidas mediante tortura, coação ou ofensa à integridade física ou moral das pessoas, pelo que nunca podem ser utilizadas “contra o arguido, mesmo tendo ele consentido por contenderem com a dignidade e integridade física ou moral das pessoas, que são bens jurídicos indisponíveis para o seu titular”. Relativamente às provas obtidas segundo os métodos prescritos nos nºs 1 e 2 do artigo 126º do CPP, “quer a jurisprudência, quer a doutrina, são uniformes em defender que estão feridas de nulidade absoluta, insanável e de conhecimento oficioso, como se retira da expressão «não podendo ser utilizados» ” prescrita no nº 1 daquele artigo, “exceto como prova contra quem as obteve de tal forma censurável e ilegal”. O nº 3 do artigo 126º do CPP consagra como nulas, ainda, não podendo ser utilizadas(tal como consta também do nº 1), as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respetivo titular. Da leitura do preceito decorre que se o titular do direito der o seu consentimento à realização da diligência, a nulidade é afastada, pois encontramo-nos perante bens jurídicos pessoais disponíveis. E é neste aspeto que radica a grande diferença entre esta estipulação e a verificada nos nºs 1 e 2 do artigo 126º do CPP, pois nestes a prestação de consentimento é irrelevante. Nestes, “a lei leva a censura destes métodos ao ponto de impor e sobrepor a proibição à renúncia de tutela por parte do portador do bem jurídico concretamente atingido”. “O indivíduo não pode dispor do interesse do Estado se apresentar como um Estado de Direito, que rejeita em absoluto os métodos nele descritos”. O nº 3 do artigo 126º do CPP consagra, assim, métodos de proibição relativa, pois estes, sendo “suscetíveis de consentimento relevante do respetivo titular, as provas obtidas também serão nulas. Ainda que inicialmente disponíveis, não havendo consentimento, a lei claramente estipula a nulidade e não podem ser utilizadas as provas obtidas. A relativa indisponibilidade passa a absoluta por ausência do consentimento, adquirindo o mesmo grau de relevância, quer queiramos quer não porque assim o impõe o legislador ao afirmar que não podem ser utilizadas as provas assim obtidas. Tal nulidade é sanável, depende da arguição do interessado, ficando sujeita à disciplina dos artigos 120º e 121º do CPP.? Assim o defende o M.P ora recorrente. Maia Gonçalves defende que “as provas obtidas mediante o processo descrito no nº 3 são dependentes de arguição, e portanto sanáveis, pois que não são apontadas como insanáveis no artigo 119º ou em qualquer outra disposição da lei”. Contudo, na esteira de Teresa Beleza, Germano Marques da Silva e Guedes Valente, rejeitamos esta ideia. As proibições de prova previstas no nº 3 do artigo 126º referem-se a direitos que se enquadram, como tivemos oportunidade de expor supra, na tutela da reserva da intimidade da vida privada, e, por isso, a sua violação carreia para a comunidade um sentimento de insegurança jurídica, algo que não deve suceder no processo penal. Assim, defendemos, como Germano Marques da Silva, que a nulidade proveniente de prova proibida não está sujeita a arguição, sendo de conhecimento oficioso até decisão que transite em julgado. No mesmo sentido, Teresa Beleza considera que “se alguém obtiver qualquer prova através de um destes métodos proibidos, essa prova será totalmente inútil porque em absoluto não utilizável. Ou melhor, ela poderá ser utilizada com o fim exclusivo de basear uma condenação da pessoa que ilegalmente a obteve: (…) é o que dispõe o nº 4 do artigo 126º”. Também perfilha desta ideia Costa Andrade, que refere que “proibições de prova e nulidades perfilam-se (entre si) como sistemas (normativos) distintos e, por isso, interpenetrados”. Seguindo este raciocínio, Germano Marques da Silva, considera, que em face de ser “no título dedicado às nulidades que o CPP inscreve o preceito segundo o qual as disposições do presente título não prejudicam as normas deste Código relativas a proibições de prova (artigo 118º, nº 3) ” e de, frequentemente, a lei enunciar “as proibições de prova, cominando precisamente com a sanção de nulidade a violação dos pertinentes imperativos legais”, o regime das proibições de prova não se reconduz “pura e simplesmente ao regime das nulidades”, pois se assim ocorresse “seria dificilmente explicável o nº 3 do artigo 118º”. Ver a este respeito AS BUSCAS E A SUA ADMISSIBILIDADE: PROBLEMAS EMERGENTES de Rafael Fernando de Sousa Cardoso- Dissertação apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra no âmbito do 2º Ciclo de Estudos em Direito. Coimbra, 2016. Em forma de conclusão, podemos afirmar que as buscas domiciliárias, que se enquadram no âmbito da proibição de prova, não poderão ser validadas, excetuando nos casos previstos no nº 3 do artigo 177º ou no nº 5 do artigo 174º, ambos do CPP, e mesmo nestes dependem de apreciação do juiz de instrução em ordem à sua validação, aferindo se a busca domiciliária é necessária, adequada ou proporcional, tal como o exige a lei processual penal ao nível dos pressupostos da sua determinação. No âmbito do artigo 126º do CPP, aqui esses princípios são irrelevantes por a busca não ser permitida por lei. Ou seja, a verificação dos pressupostos de determinação em ordem à validação, pressupõe que a busca seja legal, isto é, que a lei a permita naquelas específicas circunstâncias. Esta ilegalidade reconduz a busca domiciliária a um meio proibido de prova, por violação do direito à privacidade e do domicílio e, consequentemente, à nulidade da prova obtida com a mesma, a qual só pode ser sanada com o consentimento posterior do titular dos direitos violados (artigos 126º, nº 3, 125º, 118º, nº 1 e 3, todos do Código de Processo Penal). No caso dos autos temos uma busca domiciliária que foi efetuada por órgão de polícia criminal sem prévio despacho de autoridade judiciária, onde se investigam crimes especialmente violentos, a qual foi realizada sem o consentimento do visado e fora de flagrante delito. Se no art. 174º, n º 6 do CPP se exigia a validação do JIC, apenas nos casos de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada na iminência da prática de crimes que ponham em causa a vida e integridade física de qualquer pessoa, no caso das buscas domiciliárias acresce para além daquelas situações,validação para os casos em que a busca se faz sem consentimento e fora de flagrante delito. Sendo ainda mais exigentes verifica-se que no art. 177º, nº 2, al.a) do CPP, busca domiciliária em situação de criminalidade especialmente, como é o caso dos autos, definida no art. 1º, al. l) do CPP não está abrangida pelo seu nº 3, al.a), já que os casos do art. 174º, nº 5, al.a) do CPP, reportam-se a casos de criminalidade violenta e não especialmente violenta, pelo que nesta situação nem estas buscas poderiam ser ordenadas pelo M.P nem efetuadas pelo órgão de polícia criminal, pelo que deviam ter sido obrigatoriamente precedidas de despacho judicial do JIC a não ser que houvesse consentimento do visado ou fosse em situação de flagrante delito, que não aconteceu, sendo da sua exclusiva competência, o que configura nulidade. Não obstante, realizada a busca, a mesma teria de passar pelo crivo do JIC, art. 177º, nº 4 e 174º, nº 6 do CPP, para validação,constituindo nulidade a sua não apresentação ao JIC. Uma vez que a lei exige a validação do JIC, a arguição da nulidade quer da busca quer da não apresentação para validação ao JIC deve ser feita perante a mesma entidade -JIC e não perante o M.P. Relativamente à nulidade mencionada no nº 6 do art. 174º do CPP (ausência de validação), refira-se que em matéria de nulidades vigora, pois, o princípio da taxatividade, ou seja, só existem nulidades sanáveis, ou não, desde que previstas em normativo. Relativamente às insanáveis estas estão taxativamente indicadas no artº 119° do C.P.P. Quanto às sanáveis estão enumeradas no artº 120º do CPP e no que ao caso importa serão nulidades dependentes de arguição a omissão de atos obrigatórios em inquérito, situação que deve ser arguida nos termos do nº3 do mesmo artigo. Conforme já decidiu o STJ in Ac STJ de 8.2.95, CJ ano III, tomo I, pág. 194, a inobservância do disposto no n°1 do art° 177º e acrescentamos nós também do nº 6 do mesmo artigo, no que respeita à falta de mandato do juiz para a busca domiciliária e sujeição ao JIC para validação configura-se como nulidade relativa, cuja arguição está sujeita a prazo, nos termos do art° 120º n°3 do CPP, isto porque este tipo de nulidade da busca domiciliária, não se integra no art° 119º daquele diploma legal. Contudo, entendendo nós que estamos perante uma situação de prova proibida atacada por nulidade insanável bem andou pois o Mmº Juiz de Instrução Criminal ao considerar a nulidade da busca domiciliária efetuada. Decisão. Acordam em conferência na Primeira Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em julgar totalmente improcedente o recurso interposto pelo M.P. mantendo-se a decisão que julgou nula e não validada a busca realizada. Sem custas por não serem devidas pelo M.P. Notifique. Sumário: (Da exclusiva responsabilidade do relator) ……………………………… ……………………………… ……………………………… Porto, 09 de dezembro de 2020. (Elaborado e revisto pelo 1º signatário) Paulo Costa Nuno Pires Salpico |