Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
6130/22.0T8PRT-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOAQUIM MOURA
Descritores: ATRIBUIÇÃO DA CASA DE MORADA DE FAMÍLIA
DIVÓRCIO
COMPENSAÇÃO PELA ATRIBUIÇÃO
Nº do Documento: RP202303276130/22.0T8PRT-B.P1
Data do Acordão: 03/27/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – Através do processo de jurisdição voluntária regulado no artigo 990.º do CPC, visa-se a constituição, a favor de um dos (ex)cônjuges, de relação jurídica de arrendamento tendo por objecto a casa de morada de família (seja ela bem comum do casal, seja bem próprio do outro cônjuge) ou a transmissão/concentração do direito ao arrendamento (sendo a casa de morada de família arrendada), nos termos do artigo 1105.º do CC, para vigorar mesmo depois de findo o processo de divórcio;
II - A finalidade desse processo é, pois, a definição, com carácter duradouro, do regime de utilização da casa de morada de família e distingue-se da providência destinada a estabelecer um regime provisório para essa utilização, com duração limitada ao período da pendência do processo de divórcio (ou seja, ainda na vigência do casamento), prevista no artigo 931.º, n.º 7, do CPC;
III - Não tendo nenhum dos cônjuges despoletado o adequado procedimento ao abrigo do normativo legal dos artigos 990.º do CPC e 1793.º, n.os 1 e 2, do CC, uma decisão quanto à utilização da casa de morada de família só poderia ser proferida a coberto do disposto nos n.os 2 e 7 do artigo 931.º do CPC e a fixação de uma compensação ao cônjuge excluído dessa utilização dependerá da «valoração prudencial das circunstâncias pessoais e patrimoniais dos cônjuges».
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 6130/22.0T8PRT-B.P1
Comarca do Porto
Juízo de Família e Menores do Porto (Juiz 1)

Acordam na 5.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto

I - Relatório
Em 30 de Março de 2022, AA intentou no Juízo de Família e Menores do Porto acção especial de divórcio sem consentimento do outro cônjuge contra BB, alegando, em síntese, que, em 24.09.1983, contraíram, entre si, casamento católico, sem convenção antenupcial; que, a partir do ano de 2011, a ré começou a ter comportamentos de infidelidade conjugal consubstanciados no estabelecimento e manutenção de relação afectiva com um seu ex-namorado; que, já em 2020, devido à reincidência em comportamento infiel da ré, a relação entre eles deteriorou-se rapidamente e descambou em episódio de agressões mútuas ocorrido em 19.02.2022, tornando patente e irreversível a ruptura da relação conjugal.
Pede que, na procedência da acção, seja decretado o divórcio e, consequentemente, dissolvido o contrato matrimonial que entre si celebraram.
Em 20.04.2022, realizou-se tentativa de conciliação, que se frustrou, nem foi possível o acordo para a conversão em divórcio por mútuo consentimento (apesar do conteúdo da respectiva acta).
No mesmo acto, os cônjuges deram a conhecer ao tribunal que não estavam de acordo quanto à utilização da casa de morada de família. No entanto, pelo autor foi transmitido que aceita que tal direito seja atribuído à sua (ainda) mulher, mediante o pagamento de uma contrapartida de € 750,00 por mês, correspondendo a metade do valor locativo da casa de habitação.
Por seu turno, a ré declarou pretender ficar a utilizar a casa, mas não aceitando o pagamento de qualquer quantia, como contrapartida por essa utilização, até porque o seu ainda marido está sujeito a medida de coação de proibição de contactos consigo.
Foi, então, proferido despacho em que, face à falta de acordo sobre essa matéria, o tribunal concedeu às partes o prazo de 10 dias para alegarem nos termos do artigo 293.º, n.º 1, do CPC.
O autor apresentou as suas alegações, reafirmando a sua concordância em que seja a ré a utilizar a casa de morada de família, mas mediante o pagamento de uma renda mensal tendo em conta o valor locativo da fracção predial, a determinar em função dos seguintes factores:
- é uma casa de tipologia T3 integrada num condomínio com zonas verdes, vista mar, com lugar de garagem e arrumos, sito na União de Freguesias ..., ... e ..., zona residencial da cidade do Porto com elevada procura, próximo de transportes públicos, escolas e equipamentos de lazer;
- tem 94,4 m2 de área útil privativa e 112,4 m2 de área bruta;
- o seu valor tributário, apurado no ano de 2021, é de € 117.140,00;
- a fracção foi adquirida por autor e ré no ano de 2017 pelo preço de € 140.000,00;
- para imóveis de idêntica tipologia situados no mesmo espaço geográfico o valor médio por metro quadrado, para arrendamento, é próximo de € 15,00, pelo que, para uma fracção autónoma como a que constitui a casa de morada de família, seria expectável obter-se, em condições de mercado, um valor de renda mensal de € 1.686,00 euros;
- reconhece, no entanto, que a situação não pode ser equiparada a uma situação normal de mercado e por isso entende que será equitativo que aquele valor seja reduzido em 10%,
- donde resultaria um valor global de renda mensal de € 1.517,40.
Manifesta, ainda, disponibilidade para tomar de arrendamento a fracção nestes termos, caso à ré deixe de interessar a sua utilização.
Também a ré apresentou alegações, dizendo, em síntese:
- foi vítima de violência doméstica por parte do autor, o qual está impedido, «por expressa e inequívoca determinação judicial, de ocupar, gozar, usar e fruir da casa que foi a sua morada de família, proibição essa que só a si, integral e exclusivamente, o responsabiliza, por culpa, única e absolutamente sua, pelo que o seu pedido, ainda que subsidiário, de poder vir a tomar por arrendamento tal casa, para além de ser ilegal é, ainda, absolutamente, imoral e ofende, de forma acintosa e vexatória, a dignidade da Ré, vítima da brutal agressão a que foi sujeita por parte do Autor e também aquilo que constitui as normais regras da vida, do bom senso e da experiência comum»;
- a fracção autónoma em apreço não está integrada em qualquer condomínio fechado, mas sim num conjunto imobiliário construído há, pelo menos, 18 anos, não tem varanda, a cozinha está muito desgastada e a sua área é «muito inferior à generalidade dos apartamentos mais recentes com a mesma tipologia e que se mostram disponíveis no mercado de arrendamento»;
- entende que não tem que pagar qualquer renda pela sua própria casa, pois foi quem a pagou na sua maior parte porque sempre auferiu um rendimento superior ao do autor e foi este que deu causa a esta situação ao agredi-la;
- o contrário, «além de representar uma violência sobre a vontade e os legítimos direitos e interesses da Ré, importa, também, inelutavelmente, em enriquecimento sem causa do Autor, nos termos do prescrito no artigo 473.º do Código Civil em vigor»;
- aufere a retribuição líquida mensal de € 1.296,78;
- as suas «despesas normais e regulares» ascendem a € 500,00;
Conclui que lhe deve ser reconhecido o direito de utilizar a casa de morada de família, mas gratuitamente e em exclusivo; se assim não for entendido, que na fixação da renda se tenha em atenção que foi vítima de violência doméstica exercida pelo autor.
*
Em 13 de Junho de 2022, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto, e nos termos do artigo 990º do CPC e 1793º, n.º 1 e 2 do C. Civil, atribuo, até à venda ou partilha do imóvel, o direito de utilização da casa de morada de família à requerente mulher, mediante o pagamento, ao requerimento (?) marido, da quantia mensal de trezentos e oitenta euros (380,00 €), a ser entregue ao requerente marido, até ao dia 8 de cada mês, por transferência bancária, para conta a indicar por aquele.
Custas pelos requerentes em partes iguais.»
*
Inconformada com esta decisão, a ré dela interpôs recurso de apelação (requerimento apresentado em 02.09.2022), com os fundamentos explanados na respectiva alegação, que “condensou” nas seguintes “conclusões”:
«1) Vem o presente recurso interposto da Sentença proferida pelo Tribunal recorrido que decidiu nos termos do artigo 990º do CPC e 1793º, nº 1 e 2 do C. Civil, atribuir até à venda ou partilha do imóvel, o direito de utilização da casa de morada de família à Ré/requerente mulher, mediante o pagamento, ao requerente marido, da quantia mensal de trezentos e oitenta euros, a ser entregue ao requerente marido, até ao dia 8 de cada mês, por transferência bancária, para a conta a indicar por aquele;
2) A sentença recorrida assenta em erróneos pressupostos e premissas e lesa os legítimos direitos, interesses e expectativas da Ré/Apelante e afronta as regras da Moral, do bom senso e daquilo que constitui as normais regras da vida e da experiência comum em Sociedade;
3) A manutenção na Ordem Jurídica da sentença recorrida, caso venha a ser do conhecimento público, poderá vir a causar enorme alarme social e compreensível indignação face à patente e clara injustiça material em que a mesma se estriba;
4) O presente recurso visa a reapreciação ou reponderação da matéria de direito e da matéria de facto, concretamente a matéria fixada pelo Tribunal recorrido no ponto 8. dos factos considerados provados, cujo teor aqui se dá por integrado e que resultou ipsis verbis do alegado pelo Apelado no seu requerimento de Alegações com a Referência 42015884, datado de 22/04/2022;
5) O Tribunal recorrido na fixação da matéria de facto não observou o disposto no nº 4 do artigo 607º do CPC, não procedendo a uma séria e fundada análise crítica das provas quanto àquele ponto 8 dos Factos Provados;
6) O valor mencionado naquele ponto 8. foi determinado tendo apenas em atenção aquilo que o Apelado alega no ponto 7. sob as alíneas a) a d) inclusive daquele seu articulado de Alegações e, alegadamente, suportado pelos documentos ali juntos sob os números 2 a 5 inclusive, os quais foram sujeitos a impugnação;
7) Tal impugnação resultou do facto de aqueles documentos (2 a 5 do articulado de Alegações do Autor/Apelado) respeitarem a apartamentos muito mais recentes, com áreas muito superiores e com acabamentos e equipamentos mais modernos e funcionais, quando comparados com a fracção autónoma (imóvel) em causa nos presentes autos;
8) A Ré/Apelante, impugnou, ainda, para efeitos de arrendamento, o valor médio por metro quadrado referenciado pelo Autor/Apelado, tendo, expressamente, dito que “… valor este (15,00€) que jamais será aceite pela Ré”.;
9) Estando expressa e devidamente contestada, pela Ré/Apelante, a matéria de facto vertida pelo Autor naquele ponto 8. acima melhor transcrito, o Tribunal recorrido, nos termos do preceituado no artigo 607º, nº 4, do CPC jamais poderia ter levado à matéria dos factos provados o que consta da Sentença sob aquele ponto 8.;
10) O Tribunal recorrido não fez qualquer análise critica que permitisse compreender o percurso que levou aquele a considerar como provado aquele ponto 8., não especificando nem externalizando as razões e os fundamentos, de facto e de direito que, em sua convicção, lhe permitiriam dar por provado aquele ponto 8. dos Factos Provados, tendo cometido erro grosseiro de interpretação e qualificação grosseiro quanto a considerar como provado o ponto 8. dos Factos Provados;
11) O ponto 8 dos Factos Provados deverá transitar dos Factos Provados e passar a constar dos Factos Não Provados, devendo aditar-se, para tal efeito, à Sentença censurada um segmento novo com o seguinte teor, a saber:
B) Factos Não Provados:
O valor médio por metro quadrado, para arrendamento, em prédios de similar natureza, situados em áreas adjacentes, será, portanto, próximo de €15,00, conforme os valores avançados.
12) A matéria relativa à utilização da casa de morada, erradamente denominada por casa de morada de família (que foi, mas já não o é), surge no âmbito de uma acção de divórcio iniciada pelo Autor/Apelado sob a forma de divórcio sem o consentimento do outro cônjuge deduzida contra a Ré/Apelante e alegadamente convertida em sede de Audiência de Tentativa de Conciliação para mútuo consentimento, contra a sua real vontade, sem o efectivo e expresso consentimento da Ré/ Apelante e sem o seu expresso acordo, convolação essa que foi autoritária e unilateralmente imposta pelo Tribunal recorrido;
13) A acção de divórcio por mútuo consentimento imposta pelo Tribunal recorrido encontra-se pendente de recurso, de Apelação, não tendo, ainda, transitado;
14) A título de questão Prévia importa referir que a Apelante foi gravemente agredida, na sua integridade moral e física e, ainda, no seu bem-estar moral e psicológico, pelo seu marido, aqui Autor/Apelado, no dia 14 de Abril de 2022, tendo apresentado nestes autos o Requerimento com a Referência 41949162, cujo teor, apenas por razões de pura economia processual, aqui se dá por integralmente reproduzido;
15) A Apelante naquele seu Requerimento deu conta ao Tribunal recorrido de ter sido gravemente agredida pelo seu marido, solicitava adequada protecção, requeria, a sua audição na Tentativa de Conciliação em ambiente informal e reservado, com preservação da sua integridade física, psíquica e o seu bem-estar psicológico, de molde a evitarem-se quaisquer pressões ou condicionamentos;
16) A Apelante informou o Tribunal recorrido da existência de um processo crime contra o seu marido pelo crime de Violência Doméstica, identificando devidamente o processo e o Tribunal onde o mesmo se encontra pendente;
17) O Tribunal recorrido proferiu despacho determinando a participação da aqui Apelada na diligência de Tentativa de Conciliação através de meios de comunicação à distância (WhatsApp), o que veio a suceder na data daquela Tentativa de Conciliação;
18) Ao Autor/Apelado foi-lhe imposta pela Mmª Juíz de Instrução a obrigação de afastamento da residência da aqui Autora/Apelante, a proibição de contactar a mesma por qualquer meio e em qualquer lugar, tudo fiscalizado por meios de controlo à distância (pulseira eletrónica), tendo à Ré/Apelante sido entregue um botão de pânico;
19) Face à medida de coacção de obrigação de afastamento da residência da ofendida, o Autor/Apelado encontra-se, formalmente, por decisão judicial, desde o dia 30 de Março de 2022, proibido de ocupar, gozar, usar e fruir da casa que foi a sua casa de morada de família;
20) O Tribunal recorrido, no despacho que proferiu em 18 de Maio de 2022, com a Referencia 43670269, cometeu um manifesto e patente lapso ao ali afirmar: “Vi o inquérito vindo do DIAP, onde se retira que não foi aplicada qualquer medida de coacção ao aqui requerente. Devolva os autos.”.;
21) A Apelante insurgiu-se contra tal menção apresentando nos autos o Requerimento com a Referência 42442308 com o qual seguiu uma certidão emitida pelo DIAP Porto, 2ª Secção, com a Referência 413070079 referente ao Inquérito 314/22.9PIPRT, emitida em 24 de Maio de 2022, cujo teor aqui se dá por integrado;
22) O Tribunal recorrido, na Sentença notificada à Ré/Apelante, fez consignar o seguinte: “… constata-se que foram aplicadas ao aqui requerente medidas de coacção, o que não constava do expediente remetido pelo mesmo DIAP.”;
23) A obrigação de afastamento da residência imposta judicialmente ao Autor/Apelado faz com que este esteja, legalmente, impedido de ocupar, gozar e fruir da casa que foi a casa de morada de família, sendo tal vicissitude lhe é, única e exclusivamente, imputável ou atribuível, por integral culpa do Autor/Apelado e só a si o responsabilizando;
24) O Tribunal recorrido conhecia, perfeitamente, a situação processual penal em que o Autor/Apelado se encontrava, conhecendo, igualmente, as medidas de coacção e garantia patrimonial que lhe foram aplicadas;
25) Encontrando-se o Autor/Apelado sujeito à medida de coação da obrigação de afastamento da residência da Apelante não existia qualquer necessidade do Tribunal recorrido regular, e nos precisos termos em que o fez, a questão ou matéria da casa de morada que foi casa de morada de família e que já o não era à data da entrada em juízo da acção de divórcio em apreço;
26) A imposição ao Apelado da medida de afastamento implica, enquanto durar tal medida de coacção, a atribuição indirecta à Apelante do direito de utilizar a casa com exclusão do Apelado;
27) O Tribunal recorrido, a poder entender haver necessidade de regulação de tal matéria, sempre deveria ter tomado em consideração a realidade retratada na antecedente conclusão, o que não ocorreu;
28) O Tribunal recorrido, a entender haver necessidade de proceder à regulação da utilização da casa de morada que foi casa de morada de família, poderia ter proferido decisão em que atribuísse à aqui Ré/Apelante um direito exclusivo, gratuito, provisório de ocupação, a título de medida temporária, sem recorrer à figura do contrato de arrendamento urbano, de molde a proteger os interesses da Apelante, antes de ser tomada uma decisão definitiva respeitante ao direito de ocupação;
29) O Tribunal recorrido desvalorizou tal possibilidade (um direito exclusivo, gratuito, provisório de ocupação), atirando a Ré/Apelante para uma situação de grave injustiça material, lesando-a nos seus direitos e interesses, patrimoniais e não patrimoniais, deixando-a numa situação material de clara inferioridade àquela em que fica o Apelado, o qual, fica a receber, como “prémio” da sua agressão, o valor da renda fixado pelo Tribunal recorrido;
30) A renda fixada pelo Tribunal recorrido foi-o apenas com base nas informações imobiliárias prestadas pelo Autor, sem que o Tribunal tenha realizado, oficiosamente, ou até tivesse convidado a Ré a indicar, as diligências probatórias reputadas por necessárias com vista à tomada da justa decisão que viesse a proferir, caso existisse necessidade de regulamentação, o que não ocorria; A decisão aqui posta sob censura é, claramente, inconstitucional e ilegal, por desrespeitar as medidas de coação impostas ao arguido, aqui Apelado, sendo prejudicial e lesiva dos legítimos direitos e interesses da Apelante;
31) A decisão sob censura, a ser do público conhecimento, irá, pela flagrante injustiça material que corporiza causar um compreensível alarme social e desconfiança junto da Sociedade e do cidadão comum na Justiça e no Direito;
32) A decisão recorrida assenta numa errónea e incoerente fundamentação;
33) A decisão recorrida quanto à utilização da casa denominada de casa de morada de família deveria ter sido tomada, caso o Tribunal recorrido entendesse existir necessidade para tal (entendimento que não colhe o nosso acordo), nesse pressuposto, de forma provisória, ao abrigo do disposto no artigo 931º, nº 7, do CPC, normativo que permite e consente pela atribuição da casa de morada de família a título gratuito e sem que seja dada pela via do arrendamento a um dos cônjuges e não pela via do preceituado nos artigos 990º do CPC e 1793º do CC., como erradamente o faz a decisão recorrida;
34) Tal via, em caso limite, sempre possibilitaria proteger a Ré/Apelante, que é quem mais é atingida pelo divórcio por mútuo consentimento - que lhe está a ser imposto - quanto à estabilidade da habitação;
35) A questão da utilização da denominada casa de morada de família surgiu em sede da Tentativa de Conciliação não tendo existido acordo entre Autor e Ré quanto a esta questão;
36) Da Acta de Audiência de Tentativa de Conciliação consta que: “… Pelo autor foi dito aceitar que tal direito seja atribuído à sua ainda mulher, mediante o pagamento de uma contrapartida, entendendo ser de fixar a mesma em 750,00€, correspondendo a metade do valor locativo da habitação.”. “Já pela ré foi dito pretender ficar a utilizar a casa, não aceitando o pagamento de qualquer quantia, como contrapartida por essa utilização, até porque o seu ainda marido está sujeito a medida de coacção de proibição de contactos consigo.”;
37) O Mmº Juiz do Tribunal recorrido, no Despacho ali proferido, fez constar que:
“No mais, e uma vez que não se logrou acordo quanto ao direito de utilização da casa de morada de família, seguem os presentes autos para decisão desta questão. Assim, notifique as partes para no prazo de 10 dias alegarem, nos termos do artigo 293º, nº 1 do CPC.”;
38) Em sede de Tentativa de Conciliação Autor e Ré limitaram-se a produzir apenas e tão só duas declarações, manifestaram as suas vontades, sendo que das declarações acima transcritas não se extrai a formulação de qualquer pedido, seja da parte do Autor, seja da parte da Ré;
39) Resulta claro que as declarações formuladas pelo Autor/Apelado e pela Ré/Apelante em sede de Tentativa de Conciliação, no que concerne à utilização da casa denominada por casa de morada de família, não podem ser reconduzidas ao processo tipificado no artigo 990º do CPC;
40) O processo tipificado no artigo 990º do CPC é um processo de jurisdição voluntária, especial, que importa num meio gracioso, a ser deduzido em separado e por apenso à acção principal de divórcio, por meio de requerimento, com uma causa de pedir e um pedido, expressamente, formulados;
41) A factualidade que resultou da Tentativa de Conciliação e, bem assim, do alegado pelo Autor/Apelado com o seu articulado de Alegações, não permite que o Tribunal recorrido tivesse feito uso de um normativo legal adjectivo que visa tutelar ou salvaguardar uma situação de facto que não coincide com aquela que se verifica nos presentes autos;
42) O Tribunal recorrido ao socorrer-se do meio processual previsto no artigo 990º do CPC fez um errado uso quanto à forma do processo relativamente à questão da utilização da casa denominada por casa de morada de família, erro esse tipificado no artigo 193º do CPC e que aqui se invoca, para os devidos e legais efeitos;
43) Em sede de articulado de Petição Inicial, o Autor/Apelado nada requereu quanto à casa que foi casa de morada de família;
44) O Apelado fez constar da Petição Inicial a sua morada como sendo residente na Alameda ..., ..., 4º B, ... Porto, o que não corresponde à verdade, pois já naquela data se encontrava proibido de dali se aproximar;
45) Desde o dia 19/02/2022, dia em que o Autor levou a cabo a grave agressão sobre a Apelante, até ao dia 30/03/2022, que aquele deixou de livre vontade de residir na casa que foi casa de morada de família de ambos, passando, desde então, a ali residir única e exclusivamente a Ré/Apelante;
46) O Autor/Apelado, no seu articulado de Petição Inicial, mencionou os dados pessoais da ora Ré/Apelante, mas omitiu, indesculpavelmente, a morada da mesma, em grosseira violação ao preceituado no artigo 552º, nº 1, alínea a, do CPC;
47) Incumbia à Secretaria verificar a existência, ou não, dos requisitos da Petição Inicial, pelo que tal articulado nem sequer deveria ter sido recebido - artigo 558º alínea b) do CPC, sendo que o Tribunal recorrido também não verificou e sancionou tal vício;
48) O Apelado não formulou nos autos qualquer pedido, por via principal ou através de Requerimento próprio para esse efeito, no sentido de lhe ser atribuída a casa de morada de família, nem tão pouco alegou quaisquer circunstâncias ou factos que consentissem ou justificassem da sua necessidade pela atribuição de tal direito, quer em sede de PI quer em sede de articulado de Alegações relativo à casa de morada de família, limitando-se, aí, a produzir uma declaração negocial no sentido de que “… reitera a sua concordância para que a casa de morada de família seja habitada pela Ré, condicionando-se tal ocupação ao pagamento da renda mensal que se repute como equitativa.”;
49) No ponto 14 daquele articulado de Alegações, o Autor/Apelado refere que o valor global da renda mensal calculada em temos equitativos (com redução de 10%), seria de €1.517,40 e, subsidiariamente, no ponto 15 daquele mesmo articulado produz uma pura declaração de vontade, não formulando qualquer pedido, no sentido de que “Caso a R. deixe de ter interesse em ocupar o imóvel, o aqui A. manifesta disponibilidade para o tomar de arrendamento, nos termos expostos no presente requerimento.”;
50) No findar das Alegações, o Autor/Apelado formula o seguinte pedido: “Nestes termos e nos melhores de Direito requer-se a V. Exa. que receba o presente requerimento e, em consequência, fixe o valor de metade da renda mensal, a liquidar pela Ré ao A. em € 758,70 (setecentos e cinquenta e oito euros e setenta cêntimos), devidas a partir do decretamento do divórcio.
Subsidiariamente, na hipótese da R. deixar de ter interesse em ocupar o imóvel, o A. manifesta a disponibilidade para o tomar de arrendamento, liquidando o valor de em € 758,70 (setecentos e cinquenta e oito euros e setenta cêntimos), devidos a partir do decretamento do divórcio.”;
51) Tal pedido, ainda que subsidiário, de poder vir a tomar por arrendamento tal casa não consubstancia, nos termos da lei, um verdadeiro pedido subjacente a um qualquer pedido de atribuição de casa de morada de família a um dos cônjuges, por ausência de concreta e efectiva causa de pedir, por falta de materialidade concreta real e actual demonstrativa da sua necessidade para lhe poder ser reconhecido o direito a poder utilizar a casa de morada que foi casa de morada de família;
52) Caso o pedido do Autor/Apelado possa ser subsumido a um pedido subsidiário, em tal hipótese o mesmo consubstancia um pedido ilegal e absolutamente imoral, ofendendo, de forma acintosa e vexatória, a dignidade da Apelante e aquilo que constitui as normais regras da vida, do bom senso e da experiência comum, o Direito, a Moral e a própria Justiça;
53) A decisão sob censura desconsidera, indesculpavelmente, o justamente decidido pelo Tribunal de Instrução Criminal, em sede de aplicação das medidas de coação impostas ao arguido, aqui Autor/Apelado;
54) O Tribunal recorrido, salvo melhor opinião, cometeu um erro grosseiro e patente no que concerne à forma do processo utilizado para a utilização da casa de morada de família;
55) O incidente da atribuição da casa de morada de família previsto no artigo 990º do CPC constitui um procedimento distinto daquele que visa disciplinar ou regular a utilização da casa de morada de família durante a pendência do processo de divórcio, nos termos do fixado no artigo 931º, nº2, do CPC, divergindo os procedimentos constantes de tais normativos legais quer na forma quer no conteúdo;
56) O artigo 931º, nº 7 do CPC constitui um meio processual civil de cariz incidental, ao qual são aplicáveis as normas constantes dos artigos 292º a 295º do CPC;
57) Este meio processual (artigo 931º, nº 7 do CPC) tem por fim a obtenção de uma decisão provisória destinada a vigorar na pendência do processo judicial de divórcio;
58) Em causa está um procedimento especialíssimo ou um incidente do processo de divórcio, consubstanciando uma antecipação das consequências da composição definitiva do litígio e apresenta uma natureza ou índole verdadeiramente cautelar de procedimento;
59) O incidente previsto no artigo 931º, nº 7 do CPC é suscitado no âmbito de um processo de jurisdição contenciosa que corre nos próprios autos, não se confundindo com o processo de jurisdição voluntaria de atribuição da casa de morada da família regulado no artigo 990º do CPC;
60) Os termos definitivos de uma atribuição/arrendamento da casa de morada de família só se pode obter através de um processo de jurisdição voluntária, previsto no artigo 990º do CPC;
61) Não existe na Lei qualquer impedimento no sentido do Tribunal recorrido não poder ter estabelecido, provisoriamente, a atribuição da casa de morada de família a favor da Apelante, com uma vigência limitada ao transito em julgado da decisão que decretasse o divórcio, ou até à partilha;
62) Enquanto incidente processual (apenso) da acção de divórcio, o processo de jurisdição voluntária do artigo 990º do CPC foi pensado para disciplinar a situação em que encontrando-se os cônjuges em conflito se mostra impossível que continuem a residir ambos na antiga casa de morada de família;
63) No caso vertente este pressuposto básico não se verifica na medida em que o Autor/Apelado deixou de residir na casa que foi casa de morada de família, inicialmente de livre vontade e ulteriormente por douta decisão judicial face ás medidas de coacção aplicadas;
64) A Ré/Apelante tem sob recurso de Apelação a matéria sobre a convolação ou conversão do divórcio litigioso em divórcio por mútuo consentimento;
65) Na acção de divórcio sem consentimento de um dos cônjuges convertido em divórcio por mútuo consentimento, inexistindo acordo quanto à casa de morada de família, como acontece no caso vertente, o Tribunal recorrido, regra geral, tem a obrigação de observar e fazer seguir a tramitação própria da resolução da questão no contexto de uma acção de divórcio sem consentimento de um dos cônjuges;
66) A casa que foi morada de família de Ré/Apelante e Autor/Apelado é uma fracção autónoma tipo T3, situada à Alameda ..., nesta cidade do Porto, não se encontra integrada em qualquer condomínio fechado, mas conjunto imobiliário cuja construção foi levada a cabo por uma cooperativa a quem a Câmara Municipal ... cedeu o terreno para tal efeito integrando as zonas verdes com relevância ali existentes o domínio público;
67) A fracção em apreço não é de recente construção, tendo, pelo menos, 18 anos, sem varanda, com uma cozinha já muito velha e desgastada;
68) Aquela fracção autónoma tem uma área muito inferior à generalidade dos apartamentos mais recentes com a mesma tipologia e que se mostram disponíveis no mercado de arrendamento;
69) A Ré/Apelante não só nunca imaginou que pudesse vir a estar numa situação tão grave e tão injusta como aquela em que se encontra por causa da violência doméstica grave a que foi sujeita, como também nunca representou que sendo vítima de grave violência doméstica pudesse vir a ser condenada e obrigada por um Tribunal a ter de pagar, para poder gozar e usufruir da sua casa, ao agressor, ainda seu marido e aqui Apelado, uma renda para a poder legal e legitimamente habitar;
70) Aquela que foi a casa de morada de família da Ré/ Apelante e do Autor/Apelado foi adquirida, na sua maior parte, com o fruto do trabalho da Ré/Apelante, uma vez que esta sempre auferiu, a título de trabalho subordinado, rendimentos muito superiores aos do Autor/Apelado;
71) Entende a Ré/Apelante que, tendo sido o Autor/Apelado quem deu, objectiva e subjectivamente, causa à impossibilidade de coabitação, por facto que só a si o responsabiliza e onera, então, não é legal, nem moralmente justo, nem sequer aceitável à luz das normais regras da vida, do bom senso e da experiência comum, de acordo com aquilo que se mostra aceitável em Sociedade, impor à Ré/Apelante o pagamento de qualquer quantia, seja a que título for, pelo uso normal e habitual da sua residência, que sempre foi, como é, a sua casa de morada de família, onde a mesma tem a sua vida pessoal e social devidamente organizada e estabilizada;
72) Não fora a grave agressão do Autor/Apelado sobre a Ré/Apelante e sempre ambos poderiam continuar a coabitar aquela mesma casa na pendência do divórcio e até à partilha ou venda;
73) A imposição à Ré/Apelante do pagamento de qualquer importância em virtude da constituição de um contrato de arrendamento imposto pelo Tribunal sobre a casa que foi de morada de família para além de representar uma violência sobre a vontade e os legítimos direitos e interesses da Ré/Apelante importa, objectiva e inelutavelmente, em enriquecimento sem causa do Autor/Apelado, nos termos do prescrito no artigo 473º do Código Civil;
74) Já em momento anterior à apresentação em Juízo da presente acção o ora Autor/Apelado, estava, por força da violência doméstica por si exercida sobre a Ré/Apelante e por determinação judicial, impedido de poder habitar a fracção autónoma em causa (casa que foi morada de família), proibição essa a que ainda hoje se encontra sujeito, não recebendo da Ré/Apelante qualquer quantia que lhe devesse ser entregue por esta continuar a habitar aquela casa;
75) Tal situação deve continuar a manter-se, inexistindo qualquer causa justificativa que permita ao Autor/Apelado receber da Ré/Apelante qualquer importância a título de renda ou a qualquer outro pelo facto de a Ré continuar, como desde sempre o tem feito, a habitar, usar e fruir da casa que para si sempre foi, inquestionavelmente, a casa de morada de família;
76) A Apelante aufere um salário líquido de 1.296,78€;
77) A poder admitir-se que a Ré/Apelante pudesse vir a ter de pagar qualquer importância pelo gozo, uso e fruição da casa de morada de família que sempre habitou, tal importância nunca poderá ter por referência o excessivo valor estabelecido pelo Tribunal recorrido face ao contexto aqui descrito;
78) O Tribunal recorrido deveria ter tido em atenção o rendimento mensal efectivo que a Ré/Apelante aufere e as despesas que a mesma suporta no seu quotidiano de vida, as quais lhe consomem, mensalmente, parte substancial daquele seu rendimento e em quantia nunca inferior a 500,00€, tendo o Tribunal recorrido ignorado, de forma absolutamente injusta, tal factualidade;
79) O Autor/Apelado não reúne as condições legais para poder gozar, usar e fruir da casa que foi morada de família, seja a que título for, não se mostrando aplicável, no que à sua pessoa diz respeito, o disposto no artigo 1793º do Código Civil em vigor;
80) O Autor/Apelado não alegou qualquer sério e fundado motivo que justificasse pela necessidade da atribuição da casa de morada que foi casa de morada de família, sendo que o por si peticionado é-o, a título, meramente, subsidiário e não por via principal;
81) Não tendo sido possível qualquer conciliação entre as partes, e não estando a Ré/Apelante de acordo em divorciar-se do Autor/Apelado por mútuo, não tendo havido acordo quanto ao destino da casa de morada de família o Tribunal recorrido deveria ter ordenado a notificação da Ré para contestar no prazo de 30 dias a presente acção, de harmonia com o que prescreve o nº 5 do artigo 931º do CPC, o que, não ocorreu;
82) Este Venerando Tribunal não deve impor à Ré/Apelante, contra a sua vontade e sem o seu consentimento, a constituição sobre a casa que para si foi desde sempre a sua casa de morada de família de um qualquer contrato de arrendamento pelo seu gozo, uso e fruição e muito menos impor-lhe o pagamento a favor (em benefício) do Ator/Apelado de qualquer quantia, a título de renda, ou a qualquer outro título, nos precisos termos supra assinalados;
83) O Venerando Tribunal da Relação do Porto não apreciação e valoração do caso vertente deverá considerar o facto de a Ré ter sido gravemente agredida pelo Autor/Apelado, assim como deverá considerar que a Ré/Apelante, sendo comproprietária do imóvel em questão, nos termos do disposto no artigo 1406º do Código Civil, tem o direito de poder usar ou servir-se dele, não tendo o Autor/Apelado qualquer direito de indemnização ou compensação;
84) O Tribunal recorrido, ao decidir como, efectivamente, veio a decidir e nos precisos termos que constam da sentença recorrida, fez uma errada interpretação e aplicação do direito, tendo desrespeitado, os seguintes preceitos legais, a saber:
- A certidão extraída do Inquérito nº 314/22.9PIPRT com a Referência 413070079, datada de 24/05/2022 e junta aos presentes autos através do Requerimento da Ré/Apelante com a Referência 42442308, datado de 01/06/2022,
- Da CRP – artigos 20º, 202 e 205º, nº 1;
- Do Código Civil: artigo 1793º, 1022º, 1023º, 1406º;
- Do CPC: artigos 193º, 607º, 931º, nº 7, 986º, nº 2 e 990º;
86) A decisão recorrida faz apelo a uma decisão do Tribunal da Relação de Évora de 10 de Maio de 2018 que assenta numa realidade factual diversa da que curam os presentes autos, pelo que as normas substantivas e adjectivas que ali foram aplicadas e, bem assim, as considerações e os juízos que constam do citado Acórdão jamais poderiam ser, por força do acima explicitado, transpostos e aplicados no caso vertente objecto destes autos».
Não foram apresentadas contra-alegações.
O recurso foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo, por despacho de 18.10.2022.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

Objecto do recurso
São as conclusões que o recorrente extrai da sua alegação, onde sintetiza os fundamentos do pedido, que recortam o thema decidendum (cfr. artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil) e, portanto, definem o âmbito objectivo do recurso, assim se fixando os limites do horizonte cognitivo do tribunal de recurso. Isto, naturalmente, sem prejuízo da apreciação de outras questões de conhecimento oficioso (uma vez cumprido o disposto no artigo 3.º, n.º 3 do mesmo compêndio normativo).
Apesar das 86 (!) “conclusões” do recurso, é, apenas, uma a questão essencial a apreciar e decidir. Quaestio decidendi que consiste em saber se ao autor, privado da utilização da casa que foi a morada de família e que é bem comum do casal, é devida uma contrapartida, a pagar pela ré, que tem o gozo exclusivo da casa, e, na afirmativa, como chegar ao quantum dessa compensação.
Previamente, importa apreciar a impugnação da decisão quanto aos factos considerados provados.

IIFundamentação
1. Fundamentos de facto
Para decidir nos termos supra reproduzidos, o tribunal deu como provados os seguintes factos:
1. Os requerentes contraíram casamento católico, em 24/09/1983;
2. A casa de morada de família consiste num imóvel de tipologia T3, integrado num condomínio, com lugar de garagem e arrumos, sito na União de Freguesias ..., ... e ...;
3. O imóvel tem 94,4 m2 de área útil privativa e 112,4 m2 de área bruta,
4. E um valor tributário de € 117.140,00, apurado no ano de 2021;
5. O imóvel foi adquirido, pelos aqui A. e R., no ano de 2017 pela quantia de € 140.000,00 (cento e quarenta mil euros)
6. O requerente marido aceita que o direito à utilização da casa de morada de família seja atribuído à sua ainda mulher, mediante o pagamento de um valor mensal de 758,70 €;
7. A requerente mulher pretende que lhe seja atribuído tal direito, embora entenda que nada deve pagar ao seu ainda marido;
8. O valor médio por metro quadrado, para arrendamento, em prédios de similar natureza, situados em áreas adjacentes, será, portanto, próximo de € 15,00;
9. Corre termos no DIAP Porto o Inquérito Crime a que foi atribuído o nº 314/22PIPRT, no qual o aqui requerente marido é arguido, sendo a requerente mulher vítima, estando em investigação a prática de factos que podem constituir o crime de violência doméstica;
10.No âmbito de tal inquérito, e por despacho de 30 de Março de 2022, foram aplicadas ao aqui requerente as medidas de coação de obrigação de afastamento da residência da ofendida, e de proibição de qualquer contacto com a mesma, com fiscalização por meios de controle à distância;
11.O requerente é trabalhador por conta doutrem, auferindo um rendimento mensal ilíquido de 2.311,70 €;
12.Sendo que, no ano de 2020, apresentou um rendimento ilíquido de 32.195,80 €;
13.A requerente é trabalhadora por conta doutrem, auferindo um rendimento mensal ilíquido de 2.073,16 €;
14.Sendo que, em 2020, apresentou um rendimento ilíquido de 28.856,24 €;
15.E, em 2021, de 28.856,24 €;
*
A recorrente insurge-se contra a decisão de dar como provado o que está descrito no ponto 8, alegando que o tribunal não observou o disposto no n.º 4 do artigo 607.º do CPC porque não procedeu «a uma séria e fundada análise crítica das provas» e que aquele ponto dado como provado resulta, apenas, do que foi alegado pelo apelado no n.º 7 da sua peça alegatória, supostamente suportado pelos documentos oferecidos (n.os 2 a 5), que foram por si impugnados.
Por isso deve aquele ponto 8 passar a figurar como facto não provado.
Importa fazer notar que a circunstância de se impugnar um documento particular (rectius, a veracidade da letra e assinatura do documento) não tem por efeito a negação de qualquer valor probatório, como parece pretender a recorrente.
Não terá a força probatória prevista no artigo 376.º do Código Civil, mas pode sempre ser tido em conta pelo tribunal no âmbito da liberdade de apreciação que lhe é reconhecida (n.º5 do artigo 607.º do CPC).
Os documentos em causa são a reprodução (em suporte de papel) de anúncios de casas para arrendar (da mesma tipologia e situados na mesma zona geográfica daquela em que se localiza a fracção dos aqui autor e ré) publicados em sites da especialidade (portal “idealista.pt”, portal “Imovirtual.com”, portal “Casa Sapo, “Portal Nacional de Imobiliário” e Portal da “Era Imobiliária”) e o que pode dizer-se é que os proprietários desses imóveis têm-nos disponíveis para arrendamento mediante rendas cujos montantes são aí indicados, mas não que esses são valores locativos razoáveis.
Por outro lado, além da tipologia dos apartamentos, há outros factores importantes a considerar para determinar o respectivo valor locativo (maior ou menor vetustez, qualidade de construção, equipamentos disponíveis, existência de garagem fechada ou simples lugar de parqueamento, etc.).
Por isso, dar como provado o que consta do ponto 8 tendo como suporte probatório, apenas, esses anúncios não é, decididamente, uma decisão ponderada e com a fundamentação exigível.
Mas o que destacamos naquele ponto é a imprecisão, dir-se-á mesmo, a ambiguidade do seu conteúdo: aí não se afirma que, para fins de arrendamento, o valor médio por metro quadrado é de € 15,00, mas que será próximo desse valor, fórmula que transmite a ideia de que se trata, apenas, de uma eventualidade e não de um facto concreto, certo e preciso.
Tal como refere a recorrente, o ponto 8 dos factos provados é a reprodução, ipsis verbis, do que foi alegado pelo autor no mesmo número daquela sua peça processual e vem na sequência do exposto no n.º 7, em que alude aos tais anúncios de imóveis disponíveis para arrendamento e as respectivas rendas pretendidas.
O ponto de facto questionado revela-se assim mais uma afirmação conclusiva (que decorreria do anteriormente alegado) do que a afirmação de um facto.
Justifica-se, pois, a sua eliminação, pura e simples, do conjunto de factos que serviu de suporte à decisão recorrida.

2. Fundamentos de direito
Na fundamentação de direito da decisão recorrida, afirma-se que esta é proferida «nos termos do artigo 990º, n.º 3 do CPC», que visa regular o direito à utilização da casa de morada de família e que não se trata de «uma decisão provisória, a ser proferida nos termos do artigo 931º, n.º 7 do CPC», com o que não está de acordo a recorrente. Com razão, diga-se.
Sob a epígrafe «Atribuição da casa de morada de família», o artigo 990.º do CPC estabelece o seguinte:
«1 — Aquele que pretenda a atribuição da casa de morada de família, nos termos do artigo 1793.º do Código Civil, ou a transmissão do direito ao arrendamento, nos termos do artigo 1105.º do mesmo Código, deduz o seu pedido, indicando os factos com base nos quais entende dever ser-lhe atribuído o direito.
2 — O juiz convoca os interessados ou ex-cônjuges para uma tentativa de conciliação a que se aplica, com as necessárias adaptações, o preceituado nos n.ºs 1, 5 e 6 do artigo 931.º, sendo, porém, o prazo de oposição o previsto no artigo 293.º.
3 — Haja ou não contestação, o juiz decide depois de proceder às diligências necessárias, cabendo sempre da decisão apelação, com efeito suspensivo.
4 — Se estiver pendente ou tiver corrido ação de divórcio ou separação, o pedido é deduzido por apenso

O preceito legal citado prevê e regula o instrumento processual por via do qual se exerce o direito consagrado no artigo 1793.º do Código Civil, que importa, também, dar a conhecer na íntegra:
«1 - Pode o tribunal dar de arrendamento a qualquer dos cônjuges, a seu pedido, a casa de morada da família, quer essa seja comum quer própria de outro, considerando, nomeadamente, as necessidades de cada um dos cônjuges e o interesse dos filhos do casal.
2 - O arrendamento previsto no número anterior fica sujeito às regras do arrendamento para habitação, mas o tribunal pode definir as condições do contrato, ouvidos os cônjuges, e fazer caducar o arrendamento, a requerimento do senhorio, quando circunstâncias supervenientes o justifiquem.
3 - O regime fixado, quer por homologação do acordo dos cônjuges, quer por decisão do tribunal, pode ser alterado nos termos gerais da jurisdição voluntária

Através deste processo de jurisdição voluntária (antes previsto no artigo 1413.º do antigo CPC), visa-se a constituição, a favor de um dos (ex)cônjuges, de relação jurídica de arrendamento tendo por objecto a casa de morada de família (seja ela bem comum do casal, seja bem próprio do outro cônjuge) ou a transmissão/concentração do direito ao arrendamento (sendo a casa de morada de família arrendada), nos termos do artigo 1105.º do CC, para vigorar mesmo depois de findo o processo de divórcio.
A finalidade deste processo é, pois, a definição, com carácter duradouro, do regime de utilização da casa de morada de família e distingue-se da providência destinada a estabelecer um regime provisório para essa utilização, com duração limitada ao período da pendência do processo de divórcio (ou seja, ainda na vigência do casamento), prevista no artigo 931.º, n.º 7, do CPC (que corresponde ao artigo 1407.º, n.º 7, do anterior CPC)[1].
Como anotam A.S. Abrantes Geraldes, L.F. Pires de Sousa e P. Pimenta (Código de Processo Civil Anotado, vol. II, Almedina, 2019, pág. 443), «o procedimento de atribuição da casa de morada de família não se confunde com a situação regulada no art. 931.º, n.os 2 e 7 (RE 11-7-19, 8214/16): o regime provisório ali previsto justifica-se perante a demonstração de uma situação de necessidade e/ou de urgência relativa à utilização da casa de morada de família por parte de um dos cônjuges, ainda na pendência do casamento».
O processo de atribuição da casa de morada de família inicia-se, necessariamente, com um pedido, nesse sentido, formulado pelo cônjuge interessado nessa atribuição. É o que, expressamente, se prevê no citado artigo 990.º, n.º 1 («Aquele que pretenda a atribuiçãodeduz o seu pedido…»). Quer isto dizer que o tribunal não pode impor a nenhum dos cônjuges a constituição de uma relação de arrendamento sem que seja requerido por um deles. No entanto, foi isso mesmo que aconteceu neste caso: embora no dispositivo da sentença não se fale em arrendamento ou em renda, foi determinado que a ré, ora recorrente, teria o direito de utilização da casa de morada de família mediante o pagamento ao autor da quantia mensal de trezentos e oitenta euros (380,00 €), a ser entregue «ao requerente marido» até ao dia 8 de cada mês, decisão esta proferida, supostamente, ao abrigo do disposto nos artigos 990.º do CPC e 1793.º, n.os 1 e 2 do C. Civil.
Não tendo nenhum dos cônjuges despoletado o adequado procedimento ao abrigo desse normativo legal, uma decisão quanto à utilização da casa de morada de família só poderia ser proferida a coberto do disposto nos n.os 2 e 7 do artigo 931.º do CPC.
É ponto pacífico que seja a ré/recorrente quem tem direito a essa utilização. Não porque ao, ainda, marido foi imposta uma medida de coação que o afasta da casa de residência (a residência da ofendida podia ser outra, que não a casa de morada de família), mas porque a recorrente manifestou ser essa a sua vontade e o recorrido concordou, expressamente, com essa solução.
O que não tem tido resposta uniforme na jurisprudência é a questão de saber se a atribuição provisória da casa de morada de família por imposição judicial implica o pagamento de uma contrapartida ou compensação ao cônjuge excluído da utilização da casa[2].
No acórdão do STJ de 18.11.2008, processo n.º 08A2620 (Cons. Moreira Camilo), decidiu-se (com dois votos de vencido) que «tendo o aqui Autor saído da casa de morada de família e aí permanecendo sua mulher, aqui Ré, não mais sendo reatada a vida em comum, não tem aquele (que nem sequer alega se ter oposto a tal situação) direito a ser compensado por aquela em termos do valor locativo do prédio», argumentando-se que, mesmo com a separação do casal, mantém-se o dever de assistência previsto nos artigos 1675.º e 2015.º do Código Civil e «poderá ter sucedido que a Ré só não tenha intentado uma acção de alimentos contra seu marido pelo facto de, ocupando a casa de morada de família, não vislumbrar necessidade na fixação de uma prestação alimentar a cargo de seu marido, o que poderia ser diferente se ela tivesse ido viver para uma casa que tomasse de arrendamento ou que adquirisse com empréstimo bancário».
Manifestamente, não é essa a situação que aqui se nos depara e, actualmente, tende a consolidar-se a doutrina do acórdão do mesmo STJ de 13.10.2016, proferido no processo n.º 135/12.7TBPBL-C.C1.S1 (Cons. Lopes do Rego), publicado com o seguinte sumário:
«I. A medida provisória e cautelar de atribuição da casa de morada de família pode ou não comportar, em função de uma valoração judicial concreta das circunstâncias dos cônjuges e atentas as exigências de equidade e de justiça, a fixação de uma compensação pecuniária ao cônjuge privado do uso daquele bem, pressupondo esta atribuição a título oneroso, quando decretada, uma aplicação analógica do regime que está previsto para a atribuição definitiva da casa de morada de família. II. Na verdade, ao limitar-se a prescrever a possibilidade de o juiz proferir decisão provisória acerca da utilização da casa de morada de família na pendência do processo, a norma do art.do n.º 7 do art. 931.º do CPC é suficientemente ampla, indeterminada e flexível para consentir, em função de uma valoração prudencial das circunstâncias pessoais e patrimoniais dos cônjuges, quer numa atribuição do bem imóvel a título gratuito, quer numa atribuição a título oneroso, fundada em razões de equidade e justiça, estabelecida por analogia com o regime que está legalmente previsto para a atribuição definitiva da casa de morada de família. III. Deste modo, dependendo constitutivamente esse direito a uma compensação pelo uso exclusivo da casa de morada pelo outro cônjuge de uma ponderação judicial, casuística e equitativa, ele só existe se o juiz o tiver efectivamente atribuído na decisão oportunamente proferida sobre tal matéria, não podendo ser inovatoriamente reconhecido através da propositura de acção ulterior. IV. O acordo dos cônjuges, judicialmente homologado, no qual se não prevê o pagamento de qualquer compensação pecuniária pelo uso exclusivo da casa, nele atribuído a um dos cônjuges, deve ser interpretado, à luz do princípio da impressão do destinatário, no sentido de que as partes não contemplam o pagamento de qualquer quantia como contrapartida da utilização do imóvel – não sendo admissível uma modificação substancial dos respectivos termos, ao pretender transformar-se a utilização incondicionada, efectivamente prevista no acordo, numa utilização condicionada ao pagamento de quantia pecuniária, que não encontra o mínimo rasto ou traço nas cláusulas que o integravam.»[3].
No caso, o autor/recorrido expressou, como já referido, a sua concordância em que a utilização da casa de morada de família fosse atribuída à ré/recorrente, mas na condição de esta lhe pagar uma contrapartida de € 750,00 (que considerou corresponder a metade do valor locativo do apartamento), propondo-se pagar esse valor à sua, ainda, mulher se for ele a utilizá-la neste período transitório.
A recorrente, por seu turno, pretende ficar (continuar) a utilizar a casa, mas gratuitamente, e entende que não tem que pagar qualquer quantia como contrapartida por essa utilização, basicamente, por duas razões:
- a casa foi adquirida, «na sua maior parte», com o fruto do seu trabalho, pois que sempre auferiu, a título de trabalho subordinado, rendimentos muito superiores aos do Autor/Apelado (conclusão 70.ª);
- foi o autor/apelado quem deu causa à impossibilidade de coabitação, por ter cometido contra si um crime de violência doméstica e por determinação judicial ter ficado impedido de poder habitar na fracção autónoma em causa (conclusão 74.ª).
Quanto ao primeiro argumento, o que vem provado é, apenas, que, por referência ao ano de 2020, o autor apresentou um rendimento ilíquido de € 32.195,80 e a ré um rendimento ilíquido de € 28.856,24.
Quanto à segunda razão para ser negada a contrapartida, é certo que, estando a recorrente a residir na casa de morada de família e estando o recorrido sujeito à medida coactiva de afastamento da residência da ofendida, está, necessariamente, afastada a possibilidade de, também ele, a utilizar.
No entanto, estar a penalizar, desde já, o cônjuge excluído da utilização de um bem que também lhe pertence (negando-lhe o direito a uma compensação) no pressuposto de ter praticado violência doméstica contra a recorrente quando nem sequer foi acusado (foi, apenas, indiciado pela prática de factos susceptíveis de consubstanciar o crime de violência doméstica) é que constituiria erro grosseiro porque afrontaria um princípio basilar do processo penal - a presunção de inocência do arguido - que, consabidamente, tem consagração constitucional (artigo 32.º, n.º 2, da CRP).
Aliás, mesmo que já tivesse sido condenado numa pena, com decisão transitada em julgado, nem assim haveria fundamento para a pretensão da recorrente, uma vez que nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de direitos civis (artigo 30.º, n.º 4, da CRP).
Por outro lado, não se vislumbra como é que o pagamento de uma contrapartida pela utilização exclusiva da casa comum poderia configurar um enriquecimento sem causa do apelado, como afirma a recorrente.
Concluindo, não há fundamento para negar ao autor/recorrido o direito a uma compensação por estar excluído da utilização da casa de morada de família, bem comum do casal.
Resta, então, resolver o problema da fixação do montante da compensação a pagar pela ré/recorrente por estar nela concentrado o uso de um bem que é de ambos.
Nesse conspecto, o entendimento claramente prevalecente é o de que o valor locatício (ou valor de mercado) da fracção que constitui a casa de morada de família, serve, apenas, como referência para fixar um limite máximo[4].
Decisivo para esse efeito é a «valoração prudencial das circunstâncias pessoais e patrimoniais dos cônjuges» a que se refere o citado acórdão do STJ de 13.10.2016.
Ora, a factualidade apurada é, manifestamente, escassa para se proceder a essa valoração, pelo que se impõe que na primeira instância se diligencie no sentido de obter o acervo factual necessário para tal avaliação.

III - Dispositivo
Por tudo o exposto, acordam os juízes desta 5.ª Secção Judicial (3.ª Secção Cível) do Tribunal da Relação do Porto em julgar parcialmente procedente a apelação de BB e, em consequência, revogar, em parte, a decisão recorrida para que se proceda às diligências de averiguação tidas por necessárias e convenientes com vista ao apuramento dos factos que permitam a «valoração prudencial das circunstâncias pessoais e patrimoniais dos cônjuges» e, assim, fixar o montante da compensação devida ao cônjuge excluído da utilização da casa de morada de família, bem comum do casal.
Por ter decaído parcialmente, a recorrente suportará as custas do recurso, na proporção de metade.
(Processado e revisto pelo primeiro signatário).

Porto, 27.03.2023
Joaquim Moura
Ana Paula Amorim
Manuel Domingos Fernandes
_______________
[1] Cfr. acórdão do STJ de 26.04.2012, processo n.º 33/08.9TMBRG.G1.S1 (Cons. Serra Baptista) e acórdão desta Relação e desta Secção de 01.07.2013, processo n.º 3835/11.5TJVNF-B.P1 (Des. Manuel D. Fernandes).
[2] Sobre esta controvérsia, ver a anotação ao artigo 1793.º de Nuno de Salter Cid in Código Civil Anotado, Livro IV, Direito da Família, Almedina, 2020, pág. 576.
[3] Manifestando a sua adesão a esta doutrina, cfr. A.S. Abrantes Geraldes, L.F. Pires de Sousa e P. Pimenta, ob. cit., pág. 376. Na mesma linha de entendimento, cfr. o acórdão da Relação de Guimarães de 18.01.2018, acessível em www.dgsi.pt., onde estão recenseadas muitas outras decisões que se pronunciaram sobre esta questão.
[4] Assim, o citado acórdão de STJ de 26.04.2012 em que se considerou não haver que fixar «a compensação devida ao ex-cônjuge privado da casa de morada de família a favor do outro pelos valores de mercado, desconsiderando a situação económica daquele que da casa mais necessitar».