Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
9903/24.6T8VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA
Descritores: ALIMENTOS PROVISÓRIOS ENTRE EX-CÔNJUGES
PERICULUM IN MORA
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: RP202506269903/24.6T8VNG.P1
Data do Acordão: 06/26/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - No procedimento cautelar de alimentos provisórios o periculum in mora preenche-se com a demonstração da necessidade dos alimentos.
II - Para poder exigir alimentos do ex-cônjuge, o requerente não pode limitar-se a demonstrar a insuficiência dos seus rendimentos, tem de alegar e provar que se empenhou activamente na procura de emprego ou ocupação profissional para obter os rendimentos de que necessita e que só por razões que não lhe são imputáveis e não têm a ver com as suas próprias escolhas ou opções essa procura não teve resultado positivo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: RECURSO DE APELAÇÃO
ECLI:PT:TRP:2025:9903.24.6T8VNG.P1
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SUMÁRIO:
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ACORDAM OS JUÍZES DA 3.ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

I. Relatório:
AA, contribuinte fiscal n.º ..., portadora do cartão de cidadão n.º ..., residente em Sacavém, instaurou procedimento cautelar de alimentos provisórios a ex-cônjuge contra BB, contribuinte fiscal n.º ..., portador do cartão de cidadão n.º ..., residente em Vila Nova de Gaia, pedindo a condenação do requerido a pagar-lhe €1.000 mensais a titulo de pensão de alimentos.
Para fundamentar o seu pedido alegou em súmula, que foi casada com o requerido, tendo esse casamento sido dissolvido por divórcio; por opção do casal, a requerente prescindiu da sua carreira profissional de jornalista que exercia quando casou com o requerido, em prol da carreira profissional deste e da organização familiar; no acordo de divórcio o requerido ficou vinculado a pagar durante 12 meses uma pensão de alimentos à requerente no valor de €1.000; esse período terminou mas a requerente continua a necessitar desse valor para fazer face às suas despesas com alimentação uma vez que não conseguiu arranjar um trabalho que se coadune com a sua vida familiar e com o facto de estar sozinha e por isso não ter quaisquer rendimentos.
O requerido deduziu oposição, impugnando parte dos factos alegados e sustentando que não deve pagar à requerente nenhuma pensão de alimentos.
Realizada audiência de julgamento foi proferida sentença, tendo o procedimento cautelar sido julgado improcedente e o réu absolvido do pedido.
Do assim decidido, a requerente interpôs recurso de apelação, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões:
a. A requerente intentou o presente procedimento cautelar de alimentos provisórios devidos a ex-cônjuge fosse decretado procedente e provado, devendo ser o requerido condenado a continuar a pagar à requerente o valor mensal de mil (1.000€) a titulo de pensão de alimentos, com inversão do contencioso, atento o disposto no artigo 369º do mesmo diploma legal.
b. A questão principal dos autos e a decidir prende-se com a necessidade da requerente de lhe serem deferidos alimentos e com a capacidade do requerido para os prestar.
c. O tribunal entende que a requerente não necessita de alimentos para si, uma vez que tem as pensões de alimentos dos filhos para fazer face às suas despesas.
d. Em conclusão, “o tribunal reconhece que a requerente precisa de alimentos, mas que esses alimentos são assegurados pelas pensões de alimentos pagas aos filhos!!”
e. Não é esta conclusão do tribunal a quo, com o devido respeito, um verdadeiro contrassenso? Então afinal, a requerente não tem meios de subsistência, mas os filhos podem prover-lhe alimentos, do valor que recebem de pensão de alimentos? Mormente da pensão de alimentos do filho menor, uma vez que a filha mais velha faz 25 anos em Junho, terminando a pensão de alimentos, apesar de continuar desempregada e a viver com a requerente.
f. Não podemos olvidar que ficou atribuída uma pensão de alimentos à requerente, para além das pensões de alimentos dos filhos, precisamente porque esta carecia de alimentos e os pressupostos dessa atribuição de alimentos não se alteraram.
g. De referir que a situação da requerente é urgente, uma vez que desde que findou a pensão de alimentos que lhe foi atribuída, por acordo pelo período de um ano, facto assente sob o n.º 6, a situação económica da requerente não se alterou.
h. A expectativa da requerente era de que no período de um (1) ano a partilha dos bens comuns do casal estive efectivada e esta com o seu quinhão dos bens comuns poderia fazer face às suas necessidades básicas de alimentos e poderia prover ao seu sustento, sem necessidade de manter a pensão de alimentos.
i. As espectativas da requerente de ver os bens comuns partilhados no período de um (1) ano não aconteceu, facto dado como provado sob o n.º 15, atento que corre em tribunal o processo de inventário sob o n.º 1845/24.1T8VNG que corre termos no juiz 2 do Juízo de Família e Menores de Vila Nova De Gaia do Tribunal Judicial da Comarca do Porto.
j. E, objectivamente, ao contrário do que o tribunal a quo alega, nos factos não provados, com interesse para a boa decisão da causa, não é revelante se a partilha se não concretizou por o requerido não aceitar acordo, ou se por recusar a dividir os saldos bancários, a verdade é que a partilha ainda não se efectivou, facto dado como provado sob o n.º 15.
k. Quando existem bens comuns a partilhar que ajudarão a resolver a vida económica da requerente, nomeadamente com a partilha de uma casa, veja-se facto dado como assente sob o n.º 8 e documento n.º 1 junto com o requerimento inicial.
l. E, este facto é essencial e fundamenta a necessidade da requerente a se manter a pensão de alimentos, tal como aquela reclama.
m. A situação económica da requerente não se alterou, por isso o pressuposto para se manter a pensão de alimentos são os mesmos. Melhor, diga-se na verdade, a situação alterou-se: deixou de ter a pensão de alimentos e passou a acumular dividas, veja-se o facto 23 dado como provados: os montantes emprestados são para serem devolvidos.
n. Também não é verdade que não se tenham apurado montantes ou datas para que os empréstimos sejam feitos. A testemunha CC ouvida na sessão de julgamento do dia 14 de Fevereiro de 2025, entre as 15:36 e as 15:55, pelo período de 18:28 minutos: Perguntada (ao minuto 05:27) - Tem emprestado dinheiro ou não? Respondeu: Tenho.
o. Perguntado se tem noção das quantias, se é recorrente emprestar dinheiro, uma vez por mês ou por semana, de dois em dois meses, respondeu, cerca do minuto 06:16: “é uma vez por mês (…) cem ou cento e tal euros”.
p. A testemunha, ainda explicaram quando e como é que a requerente começou a fazer o trabalho no ginásio: quando o requerido, ainda antes de serem assinados os acordos de divórcio, retirou todo o dinheiro da conta e a requerente se deslocou ao ginásio para cancelar a sua mensalidade.
q. Tal como a testemunha DD, ouvida na sessão de 14 de Fevereiro de 2025, entre as 16:05 e as 16:28, como é sócio do ginásio tentou perceber porque é que ia cancelar a assinatura no ginásio e quando aquela lhe contou, disse-lhe para ela continuar a treinar sem pagar, emprestou-lhe 500€ e ainda lhe arranjou uma horas para fazer na recepção do ginásio.
r. Portanto a testemunha DD é que emprestou 500€ à recorrente quando o requerido retirou todo o dinheiro da conta e deixou sem dinheiro, quando, em pleno supermercado, com a filha ao seu lado, foi pagar as compras, a conta não tinha dinheiro, cf. depoimento da requerente, prestado na sessão de 21 de Fevereiro, entre as 15:43 e as 16:38.
s. O facto de não ter o apoio do requerido, pai do menor, para ajudar em nenhuma tarefa, deixa-a sobrecarregada com todas as tarefas, incluído as de ir levar à escola e ir buscar e levar às actividades extracurriculares, não tendo condições, tal como já não tinha antes, para ter um horário completo num emprego a tempo inteiro.
t. As horas que a requerente faz no ginásio nunca são certas, atento os horários e por isso, tal como a testemunha explicou faz as horas que lhe são possíveis, mas que nunca são certas.
u. Este facto foi corroborado pelas outras testemunhas ouvidas, nomeadamente a CC que sabe que foi quando a requerente ficou sem dinheiro na conta e que foi cancelar sua inscrição que lhe “arranjou as horas para fazer no ginásio”.
v. A testemunha EE, primeira testemunha a ser ouvida na sessão do dia 14 de Fevereiro de 2025, entre as 14:47 e as 15:24 foi peremptória ao descrever como foi separação entre o casal, como era a relação entre eles e como foi acordado a desistência da requerente da sua carreira profissional para se poder dedicar à família e à casa, ficando o requerido a viver a mais de trezentos quilómetros de distância e dedicado à sua carreira profissional.
w. Quanto às questões monetárias que são relevantes nestes autos, a testemunha explicou as dificuldades económicas da recorrente, quando pediu o divórcio que ficou sem dinheiro na conta, retirado pelo requerido e as dificuldades actuais com o fim da pensão de alimentos.
x. A testemunha explicou que a única fonte de rendimento da recorrente é as horas que faz no ginásio, afirmando a partir das 09:45 que empresta quantias monetárias, até 200€ mensais.
y. Também a partir das 10:30 a testemunha EE, explicou que as despesas de saúde dos menores estão atrasadas. Contando que a requerente não tem dinheiro para comprar uma cama para as filhas que estão a dormir no chão.
z. A testemunha explicou ainda, a partir dos 10:45 que a recorrente não tem qualquer apoio do recorrido em relação aos filhos, sem ser o pagamento da pensão de alimentos e um almoço com o filho mais novo e uma das filhas mais velhas que vão à vez acompanhar o mais novo, de quinze em quinze dias.
aa. A partir das 14:45 a testemunha EE explicou que existe património comum para partilhar, nomeadamente uma casa que poderá ajudar a recorrente a alavancar a sua vida económica.
bb. É certo que a situação da requerente não se alterou desde o divórcio, uma vez que não conseguiu arranjar um trabalho que se coadune com a sua vida familiar e com o facto de estar sozinha, sem qualquer ajuda, a gerir a vida familiar dos três (3) filhos, o mais novo com oito (8) anos de idade.
cc. É preciso não esquecer que estamos perante um pai que nunca está com os filhos, almoçando esporadicamente ao fim de semana, de duas em duas semanas, com o filho mais novo e uma das irmãs, uma vez que o menor não aceita estar sozinho com o requerido, facto assente sob o n.º 16.
dd. O Tribunal a quo insinua que não é urgente atribuir alimentos à requerente, mas que aquela poderia ter intentado acção definitiva de alimentos e não providencia cautelar.
ee. Ora, com o devido respeito é um despropósito considerar que os alimento não são urgentes, mas por outro lado considerar que haveria fundamentos para acção de alimentos. E, no entretanto, a requerente, aqui recorrente, vai acumulando dividas aos amigos, principalmente à sua amiga EE e CC e vai se socorrendo do valor da pensão de alimentos dos seus filhos, para fazer face à suas próprias despesas.
ff. A pensão de alimentos atribuída aos filhos, sejam maiores, sejam menores é decretada em função das necessidades daqueles e não da progenitora que com eles vive. Por isso foi decretada uma pensão de alimentos à requerente, aqui recorrida, que com o fim da pensão, se vê sem condições para fazer face às suas próprias despesas.
gg. O pressuposto segundo o qual foi acordada a pensão de alimentos na quantia de mil euros mantem-se neste momento, fazendo com que, sem o seu pagamento, a família viva com dificuldades. E, sem necessidade de tal, uma vez que os rendimentos do requerido, se mantém, pelo menos, os mesmos. Aliás, como se alcança pelo documento n.º 4 que se juntou aos autos, facto assente sob o n.º 20, o requerido teve um rendimento anual no ano de 2022 de 111.257,21€ o que perfaz um montante mensal de cerca de 9.271,43€.
hh. Os rendimentos da requerente a única alteração que tiveram foi a perda da pensão de alimentos que lhe é indispensável para a sua alimentação e as suas necessidades básicas. O recorrido, apesar dos rendimentos que tem, deixa a família passar necessidades e ter se sujeitar a pedir ajuda a amigos próximos.
ii. Tal como ficou provado, n.º 21 e 22 da matéria dada como assente, a requerente recebe uma média de 180€ mensais da sua actividade laboral, pedindo dinheiro emprestado a duas de suas amigos, artigo 23 dos factos assente.
jj. Não sendo verdade, tal como o tribunal deu como provado, que não se tenham apurado os montantes que lhe são emprestados pela EE e pela CC, como acima se explanou.
kk. O tribunal desvaloriza o facto de a requerente não trabalhar durante o casamento, insinuando até que seria matéria para processo de indemnização, mas não de providencia cautelar de alimentos, como não importante para a continuidade da pensão de alimentos, uma vez que, na verdade, aqui o que urge é decretar a continuidade desta pensão de alimentos.
ll. É importante contextualizar, as testemunhas, para além das filhas do casal, a FF e a GG ouvidas na sessão do dia 14 de Fevereiro de 2025, entre as 16:28 e as 17:24 que explicaram a dinâmica familiar: o pai vive no Porto, a mais de trezentos quilómetros de distancia e a mãe, sempre organizou a vida familiar, prescindiu do trabalho, sua carreira profissional para se dedicar à família e à organização da vida familiar.
mm. O depoimento da requerente, gravado na sessão do dia 21 de Fevereiro de 2025, entre as 15:43 e as 16:38, durante 54 minutos e 43 segundos, é revelador da vida do casal e da sua dinâmica durante o casamento e do que aconteceu quando se separam.
nn. Tal como aquela refere entre o minuto 30:46, a instâncias do Ilustre advogado da parte contrária: “já me é humilhação suficiente tudo o que passei até aqui se não precisasse efectivamente não estaria aqui (…) uma vergonha à frente duas filhas adultas estar a passar por isto, aos 48 anos é triste é muito triste, preferia ter uma vida normal, conseguir trabalhar conseguir estar com os meus filhos, preferia.” (…) ainda não aconteceu, mas tenho a certeza que vai acontecer, mas enquanto não acontecer eu preciso de ajuda.”
oo. O Advogado do recorrido ainda veio questionar se a requerente, não poderia contra com a ajuda dos pais que vivem nas caldas da rainha, alegando que é perto de lisboa, mas entre lisboa e as caldas da rainha são mais de 90 quilómetros de distancia, tornando-se impraticável a ajuda diária daqueles, com o menor, de oito anos.
pp. As despesas médicas e medicamentosas que o requerido tem de pagar, são pagas com atraso, veja-se o documento n.º 3 junto com o requerimento inicial e a facto assente sob o n.º 13, onde se afere que na data não existem quantias vencidas e não pagas.
qq. A requerente constantemente tem de suplicar ao requerido para pagar as despesas medicas e escolares dos menores, deixando acumular quantias elevadas, por vezes superiores a 400€ e a 500€ que fazem, muita diferença, no orçamento familiar da requerente.
rr. É verdade que, como é alegado em sentença, o direito a alimentos deve ser transitório, mas a recorrente também assim o alega. O que esta propugna é que seja determinado o pagamento da pensão, até que consiga organizar a sua vida, mormente ser partilhado o património comum do casal.
ss. A quantia de 1.000€ foi a quantia que foi acordada como imprescindível e mínima para o seu sustento, alimentação, vestuário, despesas da casa e demais despesas com a sua pessoa, por isso a recorrente solicitou que lhe fosse deferido esse valor.
tt. O tribunal a quo ainda alvitra que “se a pretensão da requerente fosse de assegurar a sua subsistência básica, o valor peticionado seria necessariamente mais baixo (…) do que os 1.000€ peticionados.”
uu. Veja-se que para além do tribunal poder condenar em valor mais baixo, utilizando o principio da equidade e da proporcionalidade, a verdade é que falamos de 33€ diários, que não é nenhum luxo e chegará para satisfazer apenas o básico na vida de um ser humano.
vv. Além de que foi o valor acordado entre as partes, como sendo o mínimo razoável quando se estipulou o valor de pensão de alimentos a atribuir à requerente, aquando dos acordos de divórcio.
ww. Ao contrário do determinado pelo tribunal, a recorrente entende estar preenchido o requisito do periculum in mora, atenta a sua situação económica de carência de rendimentos com que possa satisfazer o básico do que a lei determina e define como caber no âmbito de alimentos.
xx. Não é esta uma situação de carência? Então a situação da recorrente é a mesma, de quando recebia pensão e agora não tem necessidade de a receber? A pensão que lhe ficou atribuída não era uma indemnização que lhe estivesse a ser paga em prestações pelo fim do matrimónio ou pelo tempo que dedicou aquele casamento. O valor que estava a receber, é a quantia que foi acordada como minimamente razoável para que a recorrente pudesse fazer uma vida minimamente condigna e com o mínimo de condições, sem ter de recorre a empréstimos de amigos.
yy. Tal como foi decidido no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, … de 11 de Setembro de 2020, no âmbito do processo 12078/19.9T8LSB, que se encontra em: https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc7323 16039802565fa00497eec/3eeeb7c1956 92a09802585eb004aff22.
zz. A recorrente tem necessidade que lhe sejam deferidos os alimentos de modo provisório de imediato, uma vez que a sua situação não se coaduna com o ter de esperar por uma acção de alimentos definitiva. A recorrente está a viver de empréstimos de amigos.
aaa. E, tão pouco se diga que a recorrente tem as pensões de alimentos dos seus filhos, uma vez que as pensões de alimentos dos menores forem acertadas de modo a prover às necessidades daqueles e não às da recorrente.
bbb. Os alimentos dos filhos são um crédito daqueles, é o ex-marido quem tem em primeiro lugar a obrigação, ainda que provisoriamente e de modo transitório aos alimentos da recorrente e não os seus filhos, que também eles vivem das pensões que lhe foram atribuídas.
ccc. É desrazoável, com o devido respeito, que o tribunal entenda que não urge atribuir alimentos à recorrente uma vez que esta pode usufruir do valor das pensões de alimentos pagas aos seus filhos. Tal é obtuso e desproporcional, indo contra todos os princípios que regem a atribuição das pensões de alimentos aos filhos, sejam maiores de idade, sejam menores de idade. Pode-se ler na sentença que “a requerente deverá poder contar com o auxilio das filhas maiores de idade”.
ddd. O tribunal até poderia ter alguma razão, se as filhas não fossem, também elas, dependentes de pensões de alimentos que lhe foram atribuídas. Com o devido respeito, este argumento não pode tolher, nem ser válido perante o caso em discussão nos autos.
eee. A obrigação de alimentos incide em primeiro lugar sobre o requerido, aqui recorrido, artº 2009º, nº 1, do Código Civil, de acordo com o qual a vinculação à prestação de alimentos deve observar a ordem nele indicada e, em primeiro lugar encontra-se o ex-cônjuge, não podendo o tribunal impor esse ónus sobre os filhos do casal, eles próprios dependentes de pensões de alimentos, uma vez que auxiliando a mãe, aqui recorrente, podem pôr em risco a sua própria subsistência.
fff. Entende a recorrente que ao julgar improcedente a providência cautelar intentada pela recorrente o tribunal a quo violou o disposto nos artsº 381º e 399º e seguintes do Código de Processo Civil, bem como o disposto nos artsº 2004º e 2009º, ambos do Código Civil.
Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Ex.ª suprirão se requer julguem as presentes conclusões procedente por provadas e fundamentadas, revogando a douta sentença proferida, a ser substituída por outra que condene o recorrido a pagar à recorrente quantia não inferior a 1.000€ mensais, a título de alimentos provisórios, por ser de inteira Justiça.
O recorrido não respondeu a estas alegações.
Após os vistos legais, cumpre decidir.

II. Questões a decidir:
As conclusões das alegações de recurso demandam desta Relação que decida as seguintes questões:
i. Se foi deduzida de forma válida impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
ii. Quais são os pressupostos do decretamento da providência cautelar de alimentos provisórios entre ex-cônjuges.
iii. Se no caso a providência deve ser decretada.

III. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto:
O tribunal a quo inseriu na fundamentação de facto o ponto 23 com a seguinte redacção: «A requerente recorreu, por várias vezes, ao auxílio de amigos, que lhe entregaram dinheiro para pagamento de despesas não determinadas, em montantes não apurados concretamente e em datas não especificadas, mediante o compromisso da sua devolução».
Nas alegações de recurso a recorrente parece discordar do entendimento do tribunal a quo de não terem sido «apurados» os montantes e as datas desses empréstimos (alínea n. e seguintes).
Sucede que a impugnação da decisão sobre a matéria de facto possui requisitos específicos que têm de ser cumpridos para que a impugnação possa ser considerada válida e tenha de ser apreciada pelo tribunal de recurso.
Querendo impugnar a decisão da matéria de facto o recorrente tem de especificar, obrigatoriamente e sob pena de imediata rejeição do recurso nessa parte, os concretos pontos de facto considerados incorrectamente julgados, os concretos meios probatórios que na sua óptica impunham decisão diversa, o sentido da decisão que deve ser proferida, as passagens da gravação em que se funda o seu recurso quando este se funda em depoimentos gravados (artigo 640.º do Código de Processo Civil).
Desse modo, o recorrente é obrigado a individualizar os factos que estão mal julgados, a concretizar especificamente os meios de prova que impõem a modificação da decisão, a indicar a decisão a proferir e, inclusivamente, tratando-se de depoimentos de testemunhas gravados, a precisar as passagens do depoimento que tal hão-de permitir.
A violação deste ónus, preciso e rigoroso, conduz, nos termos expressos e, por conseguinte, intencionais da norma, à rejeição imediata do recurso na parte afectada, não havendo sequer lugar a qualquer convite ao aperfeiçoamento da falha – neste sentido cf. Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, Novo Regime, pág. 145 e seguintes – porquanto esse convite se encontra apenas consagrado no n.º 3 do artigo 639.º do Código de Processo Civil para as conclusões das alegações sobre matéria de direito.
Para cumprir minimamente os requisitos específicos da impugnação da decisão sobre a matéria de facto e permitir que essa seja uma das questões a apreciar pelo tribunal de recurso, o recorrente tem de indicar nas conclusões das alegações de recurso, pelo menos, quais os concretos pontos da matéria de facto cuja decisão pretende ver modificada e qual o sentido da decisão que sobre eles deve ser proferida (os restantes requisitos podem estar cumpridos apenas no corpo das alegações).
A ausência dessas indicações nas conclusões das alegações é motivo de rejeição imediata da impugnação da decisão sobre a matéria de facto. Os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade não podem ir a ponto de aceitar uma impugnação que manifestamente não cumpre o mínimo dos requisitos a incluir nas conclusões.
Através do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 12/2023, publicado no D.R. de 14/11/2023, o Supremo Tribunal de Justiça fixou jurisprudência sobre o único aspecto em relação ao qual o próprio Supremo parecia estar ainda dividido no tocante ao modo e local onde aqueles requisitos devem ser cumpridos, firmando o entendimento de que o recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar a decisão alternativa nas conclusões, bastando, portanto, que faça essa indicação no corpo das alegações.
No aludido Acórdão o Supremo Tribunal de Justiça assinalou que os requisitos (os factos, a decisão, os meios de prova) mencionados no n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil são «ónus primários», que têm a função de delimitar o objecto do recurso, fundando os termos da impugnação, pelo que a sua falta importa a imediata rejeição do recurso; em contrapartida o requisito (passagens da gravação do depoimento) previsto no n.º 2 do artigo 640.º por referência à alínea b) do n.º 1, é um «ónus secundário», com finalidade puramente instrumental do disposto no artigo 662.º que regula a modificabilidade da decisão sobre a matéria de facto pelos Tribunais da Relação.
Assinalou ainda o Supremo Tribunal de Justiça o seguinte:
«Da articulação dos vários elementos interpretativos, com cabimento na letra da lei, resulta que em termos de ónus a cumprir pelo recorrente quando pretende impugnar a decisão sobre a matéria de facto, sempre terá de ser alegada e levada para as conclusões, a indicação dos concretos pontos facto que considera incorrectamente julgados, na definição do objecto do recurso.
Quan(t)o aos dois outros itens, caso da decisão alternativa proposta, não podendo deixar de ser vertida no corpo das alegações, se o for de forma inequívoca, isto é, de maneira a que não haja dúvidas quanto ao seu sentido, para não ser só exercido cabalmente o contraditório, mas também apreendidos em termos claros pelo julgador, chamando à colação os princípios da proporcionalidade e razoabilidade instrumentais em relação a cada situação concreta, a sua não inclusão nas conclusões não determina a rejeição do recurso, conforme o n.º 1, alínea c) do artigo 640.º, (…).
Em síntese, decorre do artigo 640, n.º 1, que sobre o impugnante impende o dever de especificar, obrigatoriamente, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera julgados de modo incorrecto, os concretos meios de probatórios constantes do processo, de registo ou de gravação nele realizado, que imponham decisão diversa da recorrida, bem como aludir a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Tais exigências, traduzidas num ónus tripartido sobre o recorrente, estribam-se nos princípios da cooperação, adequação, ónus de alegação e boa-fé processuais, garantindo a seriedade do recurso, num efectivo segundo grau de jurisdição quanto à matéria de facto, necessariamente avaliado de modo rigoroso, mas sem deixar de ter em vista a adequada proporcionalidade e razoabilidade, de modo a que não seja sacrificado um direito das partes em função de um rigorismo formal, desconsiderando aspectos substanciais das alegações, numa prevalência da formalidade sobre a substância que se pretende arredada.
O recorrente que impugne a decisão sobre a matéria de facto, cumpre o ónus constante do n.º 1, c), do artigo 640.º, se a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, constar das conclusões, mas também da leitura articulada destas últimas com a motivação do vertido na globalidade das alegações, e mesmo na sequência do aludido, apenas do corpo das alegações, desde que do modo realizado, não se suscitem quaisquer dúvidas
Em suma, encontra-se agora fixado o entendimento, que os Tribunais da Relação deverão seguir, de que para cumprir minimamente os requisitos específicos da impugnação da decisão sobre a matéria de facto e permitir que essa seja uma das questões a apreciar pelo tribunal de recurso, o recorrente tem de indicar nas conclusões das alegações de recurso, pelo menos, quais os concretos pontos da matéria de facto cuja decisão pretende ver modificada, podendo os restantes requisitos estar cumpridos apenas no corpo das alegações.
Lidas as alegações de recurso, constata-se que as conclusões são praticamente a repetição integral do corpo das alegações e que nem naquelas nem neste se encontra a indicação concreta da decisão que na opinião da recorrente o tribunal deve proferir sobre os montantes que lhe foram emprestados e em que data.
O que a recorrente faz é apenas um relato do que as testemunhas terão afirmado a esse respeito, ou seja, uma descrição da prova, não expondo de forma minimamente perceptiva a conclusão factual que a seu ver o tribunal deverá retirar desses meios de prova, sendo certo que tais meios de prova oferecem visões pontuais e parcelares do facto em causa e por isso não afirmam um facto único e unívoco que não deixasse dúvidas sobre o que a recorrente pretende que se julgue provado.
Pelo exposto, ao abrigo do disposto no artigo 640.º do Código de Processo Civil, na parte em que o mesmo tem por objecto a impugnação da decisão da matéria de facto, o recurso é rejeitado.

IV. Fundamentação de facto:
Encontram-se julgados provados os seguintes factos:
1. As partes casaram, sem precedência de convenção antenupcial, no dia 26 de Agosto de 2000.
2. Por decisão da Conservatória do Registo Civil, de 9 de Setembro de 2023, proferida no âmbito de procedimento de divórcio por mútuo consentimento e transitada em julgado, foi declarado dissolvido o casamento entre as partes.
3. As partes tiveram, na constância do casamento, três filhos, HH, nascido em ../../2016, GG e FF, ambas maiores de idade a esta data.
4. Por acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais homologado por decisão da Conservatória do Registo Civil, de 9 de Setembro de 2023, proferida no âmbito de procedimento de divórcio por mútuo consentimento e transitada em julgado, as partes fixaram a residência da criança com a mãe, tendo o pai ficado obrigado ao pagamento da quantia mensal de €550,00, a ser actualizada para € 650,00 assim que cessar o pagamento da pensão de alimentos acordada com a filha maior FF, bem como ao pagamento integral das despesas médicas e medicamentosas da criança, incluindo exames e consultas, de rotina ou extraordinárias, seguro de saúde, e despesas com necessidades especiais de saúde e educação, material escolar, incluindo actividades extracurriculares e ATL, estabelecimentos de ensino públicos ou privados e centros de actividades circum-escolares que frequente.
5. Por acordo das partes nessa mesma sede, homologado pela dita decisão, o uso da casa de morada de família, arrendada, foi atribuído à requerente.
6. Igualmente por acordo das partes, homologado pela Conservatória do Registo Civil, o ora requerido ficou obrigado a pagar à aqui requerente, a título de alimentos, a quantia de € 1.000,00, pelo período de 12 meses, com início em Maio de 2023.
7. Ficou também acordado, e foi homologado, que os dois animais de companhia existentes ficariam entregues aos cuidados da requerente, estando o ora requerido obrigado ao pagamento das despesas de alimentação e de veterinário.
8. As partes declararam existirem bens comuns a partilhar, conforme consta da relação junta ao identificado procedimento de divórcio por mútuo consentimento, acompanhando o requerimento petição inicial como documento n.º 1, e cujo teor se dá aqui por reproduzido.
9. Os três filhos das partes residem, desde a separação de facto e do subsequente divórcio, com a requerente, em habitação arrendada, sita em Sacavém, cuja renda é suportada integralmente pelo aqui requerido, no montante mensal de € 1.500,00, tendo este assumido o compromisso de manter o pagamento de renda desse valor até, pelo menos, ao fim da formação do filho menor já na sua maioridade, com o limite dos seus 25 anos.
10. O aqui requerido acordou com as filhas maiores, FF e GG, proceder ao pagamento de pensão de alimentos, para cada uma delas, no valor mensal de €550,00, até aos 25 anos de idade, bem como à liquidação integral das suas despesas médicas e medicamentosas, incluindo exames e consultas, de rotina ou extraordinárias, seguro de saúde, e despesas com educação, incluindo propinas e material escolar, em estabelecimentos de ensino públicos ou privados.
11. O requerido entregou à requerente a quantia mensal de €1.000,00, conforme descrito em 6), até Abril de 2024, inclusive.
12. O requerido procede à entrega das pensões de alimentos dos três filhos à requerente, mensalmente, no valor total de €1.650,00, pagando ainda a renda mensal da habitação, no valor de €1.500,00, as despesas com a alimentação de um animal de companhia actualmente existente, no valor de €23,00 mensais, as mensalidades e propinas dos estabelecimentos de ensino privados frequentados pelo filho HH e pela filha GG, que frequenta o 4.º ano da licenciatura ..., em montante mensal global não concretamente apurado, mas não inferior a €800,00.
13. O requerido procede ao pagamento das despesas de saúde dos filhos, embora a requerente indique atraso na sua liquidação, sendo habitual acumular quantias a pagar de €400,00 a €500,00, não existindo, à data, quantias vencidas e não pagas a esse título.
14. O requerido paga os custos de manutenção do veículo automóvel usado pela requerente e pelas filhas, bem como o prémio do respectivo seguro obrigatório e o imposto único de circulação.
15. Os bens comuns do casal não foram, até à data, partilhados.
16. O requerente tem habitualmente consigo o filho mais novo, aos fins de semana, de quinze em quinze dias, para convívios, geralmente tomando apenas uma refeição com este.
17. A requerente procede ao pagamento das despesas correntes do agregado, designadamente com alimentação, fornecimento de água, electricidade, gás, comunicações, produtos de higiene e domésticos, executando todas as tarefas de tratamento e limpeza da casa e da roupa e de confecção de todas as refeições da família, sendo a principal responsável por ir levar e buscar o filho à escola e às actividades extracurriculares, com pontual auxílio das filhas maiores.
18. Não estão declarados ao Instituto da Segurança Social, I.P. quaisquer rendimentos das partes.
19. A criança HH não beneficia de qualquer prestação social do Instituto da Segurança Social, I.P..
20. No ano de 2022, o requerido, que exerce a actividade de apresentador de programas televisivos, declarou à Autoridade Tributária e Aduaneira, o rendimento anual de €111.257,21.
21. A requerente, desde que cessou a prestação de alimentos acima referida, procurou trabalho, tendo apenas conseguido prestar serviço como recepcionista num ginásio, a tempo parcial e apenas por algumas horas por mês, auferindo €6,00 por hora.
22. Nessa actividade, no passado mês, recebeu montante não concretamente apurado, não inferior a €180,00.
23. A requerente recorreu, por várias vezes, ao auxílio de amigos, que lhe entregaram dinheiro para pagamento de despesas não determinadas, em montantes não apurados concretamente e em datas não especificadas, mediante o compromisso da sua devolução.

V. Matéria de Direito:
A requerente instaurou contra o requerido uma providência cautelar de alimentos provisórios, com a forma de processo prevista no artigo 384.º e seguintes do Código de Processo Civil.
A relação pessoal entre a requerente e o requerido que legitima o pedido de alimentos é a relação de ex-cônjuges. A requerente e o requerido foram casados entre si, tendo o respectivo casamento sido dissolvido por divórcio, vindo a requerente pedir alimentos do ex-marido, invocando a qualidade de ex-mulher deste.
Não estão em causa na presente lide os alimentos provisórios devidos na pendência da acção de divórcio, entre a separação de facto e o trânsito em julgado da sentença que decretar o divórcio, situação a que se refere o n.º 9 do artigo 931.º do Código de Processo Civil (na redacção proveniente da Lei n.º 3/2023, de 16.01).
Aliás, no acordo de divórcio por mútuo consentimento o requerido acordou pagar à requerente uma pensão de alimentos por um período de 12 meses que ultrapassou aquele limite e que entretanto cessou, pelo que a questão dos alimentos devidos durante o referido período não se coloca sequer.
Também não estão em causa os alimentos definitivos porque a requerente não os pediu. Pediu sim apenas a fixação de alimentos provisórios, embora requerendo logo o decretamento da inversão do contencioso para que fosse dispensada da instauração da acção de alimentos definitivos de que o procedimento cautelar é dependência, e assim almejando transformar a decisão provisória numa decisão definitiva (artigo 369.º e 371.º do Código de Processo Civil).
Assente que se trata de uma providência cautelar de alimentos provisórios entre ex-cônjuges após o trânsito em julgado da decisão que decretou o divórcio, importa ver quais são os pressupostos de que depende o decretamento da providência, rectius, da fixação de alimentos provisórios.
O procedimento cautelar de alimentos provisórios integra-se no título dedicado aos procedimentos cautelares, é um dos procedimentos legalmente previstos, no caso um procedimento nominado. Enquanto procedimento cautelar ele está sujeito aos pressupostos que são próprios desta forma de tutela dos direitos subjectivos, a tutela provisória ou antecipada destinada a evitar o risco de perda ou lesão grave do direito.
O artigo 376.º do Código de Processo Civil diz que com excepção do preceituado no n.º 2 do artigo 368.º (a possibilidade de a providência ser recusada para evitar prejuízos maiores), as disposições constantes do capítulo do procedimento cautelar comum são aplicáveis aos procedimentos cautelares nominados regulados no capítulo subsequente, em tudo quanto nele se não encontre especialmente prevenido.
No procedimento cautelar de alimentos provisórios são, pois, aplicáveis também o disposto no artigo 362.º, nos termos do qual a providência conservatória ou antecipatória pode ser requerida havendo fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao direito do requerente, seja este direito emergente de decisão a proferir em acção constitutiva, já proposta ou a propor, e no artigo 368.º do Código de Processo Civil, nos termos do qual a providência deve ser decretada desde que haja probabilidade séria da existência do direito e se mostre suficientemente fundado o receio da sua lesão.
A aplicação aos alimentos provisórios destes pressupostos gerais da tutela cautelar, comumente designados por fumus boni iuris e periculum in mora, necessita, contudo, de ser feita com alguma cautela.
O requerente necessita seguramente de demonstrar a probabilidade séria da existência do direito, ou seja, em termos de prova sumária, que estão preenchidos os elementos constitutivos do direito que invoca.
Todavia, quanto ao periculum in mora, a necessidade dos alimentos, sendo embora um elemento constitutivo do direito, encerra em si mesma a demonstração da suficiente necessidade da tutela provisória desse direito.
A noção de alimentos constante do artigo 2003.º do Código Civil não se reconduz ao que é necessário para a alimentação, ela compreende tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário. Trata-se portanto do indispensável para assegurar as necessidades básicas da pessoa, as necessidades com que qualquer pessoa se defronta no seu dia-a-dia precisamente por pessoa. Incluem-se aí as despesas com a alimentação stricto sensu, com a saúde, com a habitação, com o vestuário, com as deslocações para poder fazer a sua vida, com a educação ou formação se se tratar de uma pessoa ainda na fase da formação.
Estas despesas correspondem a necessidades que são criadas de modo contínuo e cuja satisfação tem de ter lugar num momento muito próximo da sua produção, sob pena de se colocar imediatamente em perigo a própria vida e saúde da pessoa. É por isso que a ordem jurídica procura proporcionar ao credor dos alimentos uma verba que ele pode gerir para satisfação das respectivas necessidades respeitantes durante um período de tempo, estabelecendo que em regra os alimentos deverão ser fixados em prestações pecuniárias mensais (cf. artigo 2005.º, n.º 1, do Código Civil).
A continuidade das necessidades ou da produção das necessidades justifica essa proximidade ou contemporaneidade entre as necessidades e a sua satisfação, leia-se, o recebimento dos alimentos. Se a pessoa está carecida de alimentos não só é necessário que a entrega destes não sofra delongas, como, pela própria natureza das coisas, a falta dos alimentos coloca a pessoa em perigo, leia-se, coloca em perigo a possibilidade de fruir dos seus direitos, entre os quais se conta o próprio direito à alimentos.
Acresce que se tratam de necessidades que se esgotam assim que são satisfeitas. A alimentação é uma necessidade permanente; cada vez que o alimentando gasta os alimentos recebidos para satisfazer essa necessidade, não pode mais repor o consumo que fez ou impedir a necessidade que teve. Por isso o n.º 2 do artigo 2007.º do Código Civil estabelece que não há lugar, em caso algum, à restituição dos alimentos provisórios recebidos.
Daí que nos pareça que a alegação dos pressupostos do direito a alimentos provisórios não exige do requerente que alegue mais que a necessidade dos mesmos, designadamente, não exige que se alegue que se os alimentos não forem prestados a sua vida, a sua saúde ou o seu bem-estar correm perigo. É com esse sentido que, cremos, deve ser lido o que consta do requerimento inicial.
O n.º 1 do artigo 2007.º do Código Civil estabelece que enquanto se não fixarem definitivamente os alimentos, o tribunal pode, a requerimento do alimentando, ou oficiosamente se este for menor, conceder alimentos provisórios, que serão taxados segundo o seu prudente arbítrio.
Da mesma forma, o artigo 384.º do Código de Processo Civil estabelece que o titular de direito a alimentos pode requerer a fixação da quantia mensal que deva receber, a título de alimentos provisórios, enquanto não houver pagamento da primeira prestação definitiva.
Refira-se que o novo Código de Processo Civil eliminou o nº 2 do anterior artigo 399º, passando o artigo 384º a dispor apenas o que acima se transcreve, ou seja, passaram a valer também para os alimentos provisórios os critérios definidos no Código Civil para os alimentos definitivos, nomeadamente nos artigos 2004º e 2007º.
Daqui decorre que o direito a alimentos provisórios não está subordinado a nenhum outro pressuposto para além da titularidade do direito a alimentos … definitivos cuja fixação falta fazer. Face à natureza do direito cuja tutela provisória é reclamada, havendo necessidade de que um terceiro preste alimentos ao requerente o pressuposto do periculum in mora está presente de modo natural.
Dito isto, vejamos agora os contornos do direito a alimentos entre ex-cônjuges.
Resulta do disposto no n.º 2 do artigo 2016.º do Código Civil que qualquer dos cônjuges tem direito a alimentos, independentemente do tipo de divórcio (ou seja, qualquer dos ex-cônjuges, como resulta da epigrafe do artigo).
Nos termos da alínea a) do artigo 2009.º do Código Civil o cônjuge ou o ex-cônjuge está vinculado à prestação de alimentos (leia-se, a prestá-los ao cônjuge ou ex-cônjuge que deles necessite).
A obrigação de, apesar do divórcio, prestar alimentos ao ex-cônjuge, tem os mesmos pressupostos da obrigação dos outros obrigados a prestar alimentos: as necessidades do alimentando, as possibilidades do obrigado (artigo 2004.º do Código Civil).
Todavia, naquele caso, a carência que justifica a obrigação necessita de uma justificação acrescida uma vez que, nos termos do artigo 2016.º do Código Civil, depois do divórcio cada cônjuge deve prover à sua subsistência, e, nos termos do n.º 3 do artigo 2016.º-A do mesmo diploma, o cônjuge credor de alimentos não tem o direito de exigir a manutenção do padrão de vida de que beneficiou na constância do matrimónio.
Estas disposições traduzem não apenas o princípio da auto-responsabilidade dos cônjuges pela obtenção, após o divórcio, dos meios necessários para assegurar a sua subsistência que afastará a necessidade de alimentos de terceiro, mas ainda o princípio do auto-sucesso nos termos do qual após o divórcio cada cônjuge aspirará ao padrão de vida que lograr obter por si mesmo, ainda que se trate de um padrão substancialmente diferente daquele que o casamento lhe permitia ter.
Para Guilherme de Oliveira, in A Nova Lei do Divórcio, Lex Familiae - Revista Portuguesa de Direito da Família, Ano 7, nº 13, 2010, Coimbra Editora, «depois do divórcio, é de esperar que os dois ex-cônjuges ganhem a vida, sendo a relação de alimentos um recurso excepcional (...) embora se permita a fixação de uma medida decente que não signifique uma descida radical do estatuto económico, mas que também não transforme o casamento num seguro de bem estar à custa do outro ex-cônjuge».
Nas palavras do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23.01.2024, proc. n.º 2649/14.5TBALM-A.L1.S1, in https://juris.stj.pt/26492F14.5TBALM-A.L1.S1 «do princípio da auto-suficiência, consagrado no art.º 2016.º n.º 1 do Código Civil, conjugado com o desligamento da obrigação de alimentos do padrão de vida gozado na constância do matrimónio (art.º 2016.º-A n.º 3), se deduz o carácter excepcional, subsidiário e transitório da obrigação de alimentos entre ex-cônjuges. Esta visa suprir as dificuldades de subsistência com que se depare um dos ex-cônjuges na sequência da cessação da relação matrimonial, que deverão ser por ele solucionadas de molde a desonerar o outro ex-cônjuge de uma obrigação que dificilmente se compagina com a extinção da relação matrimonial, decorrente do divórcio - mas tudo dependendo, como é óbvio, das possibilidades concretas de cada um (neste sentido, cf. a jurisprudência uniforme do STJ, in, v.g., acórdãos de 03.3.2016, processo n.º 2836/13.3TBCSC.L1.S1, de 27.4.2017, processo n.º 1412/14.8T8VNG.P1.S1, de 19.6.2019, processo n.º 3589/15.6T8CSC-A.L1.S1, de 14.01.2021, processo n.º 5279/17.6T8LSB.L1.S1, de 04.5.2021, processo n.º 3777/18.3T8FNC.L1.S1, de 09.12.2021, processo n.º 10093/17.6T8PRT-C.P1.S1, de 31.01.2023, processo n.º 242/12.6TM SB.L1.S1).»
Segundo Diogo Leite de Campos e Mónica Martinez de Campos, in Lições de Direito da Família, Almedina, 2023, 6.ª edição revista e actualizada, pág. 379 e seguintes:
«Ao contrário do que alguma jurisprudência tem entendido, o dever de alimentos não significa que um dos cônjuges se vá transformar vitaliciamente em pensionista do outro. Tal situação levaria, como tem levado … a infindáveis disputas entre os ex-cônjuges, com graves prejuízos patrimoniais para o cônjuge obrigado a alimentos que se vê impedido de gerir convenientemente a sua actividade profissional e o seu património. O casamento extinguiu-se; portanto, todas as suas consequências patrimoniais e pessoais também se devem extinguir.
O dever de alimentos deve durar só durante um curto período transitório. Durante o período necessário para adaptação do ex-cônjuge mais necessitado, a uma vida economicamente independente, em que é de sua responsabilidade a angariação dos meios necessários à sua subsistência. Numa sociedade adulta, cada pessoa deve suprir às suas necessidades de existência, ou então ser assistida pela Segurança Social. Os restantes casos serão excepcionais.
Assim, e nesta ordem de ideias, se um dos cônjuges no momento do divórcio se encontra doente, poderão ser-lhe arbitrados alimentos durante o período previsível da sua recuperação física. Ou, se um dos cônjuges, não exercia uma profissão remunerada, podem ser-lhe arbitrados alimentos durante o período necessário para ele encontrar trabalho. Período que deve ser pré-fixado pelo tribunal.
Só não será assim em casos excepcionais. Suponha-se que o marido sempre impediu a mulher de exercer uma actividade remunerada. E que esta, depois do divórcio, por condições de saúde, idade ou outras, se encontra sem meios de ganhar o seu sustento. Neste caso, competirá ao marido sustentá-la indefinidamente.
[…] Resumindo: os alimentos serão concedidos durante um prazo intercalar, entre a extinção do casamento e a retomada da actividade económica normal pelo cônjuge alimentando; prazo normalmente curto. Estes alimentos não visam colocar o cônjuge alimentando no nível de vida que tinha enquanto casado, mas unicamente garantir-lhe a satisfação das suas necessidades, embora de modo condigno.»
O artigo 2016.º-A do Código Civil fornece critérios orientadores da fixação do montante dos alimentos.
O primeiro é a duração do casamento: quanto maior tiver sido a duração do casamento, maior será a obrigação de contribuir para a subsistência do outro cônjuge. O segundo é a colaboração prestada à economia do casal: quanto maior a colaboração maior a justificação para ter direito a alimentos e a medida destes. O terceiro é a idade, o estado de saúde, as qualificações profissionais e as possibilidades de emprego: quanto mais estes diminuírem a capacidade de granjear meios de subsistência maior será a justificação para ter direito a alimentos e a medida destes. O quarto é o tempo que terão de dedicar, eventualmente, à criação de filhos comuns: a medida desse tempo interfere com a capacidade antes referida e repercute-se do mesmo modo.
Depois vêm os rendimentos e os proventos, o que remete para o critério da necessidade do credor dos alimentos. A seguir vem a existência de uma nova relação pessoal (de casamento ou união de facto): se o ex-cônjuge tira benefício dos rendimentos do novo companheiro deixa de se justificar que os peça ao ex-cônjuge ou que os peça na medida que teria lugar se esse benefício não ocorresse. Por fim, a lei manda atender, de modo geral, a todas as circunstâncias que influam sobre as necessidades do cônjuge que recebe os alimentos e as possibilidades do que os presta.
No que concerne à colaboração prestada à economia do casal importa não perder de vista o disposto no artigo 1676.º do Código Civil.
Nos termos do n.º 1 do preceito, ambos os cônjuges têm, na medida das suas possibilidades, o dever de contribuir para os encargos da vida familiar, contribuição essa que pode ser cumprida, por qualquer deles, pela afectação dos seus recursos àqueles encargos e pelo trabalho despendido no lar ou na manutenção e educação dos filhos. A lei equipara pois a contribuição pecuniária à contribuição material, considerando ambas formas válidas de contribuir para os encargos da via familiar.
Porém, como a dissolução do casamento pode evidenciar implicar disparidades económicas entre os cônjuges que foram potenciadas pela forma como o casal organizou a sua vida familiar e repartiu entre si encargos e tarefas, o n.º 2 da norma estabelece o chamado direito à compensação do cônjuge prejudicado.
Nos termos da norma, se a contribuição de um dos cônjuges para os encargos da vida familiar for consideravelmente superior ao previsto no número anterior, porque renunciou de forma excessiva à satisfação dos seus interesses em favor da vida em comum, designadamente à sua vida profissional, com prejuízos patrimoniais importantes, esse cônjuge tem direito de exigir do outro a correspondente compensação.
Este direito não se confunde com o direito a alimentos, até porque dele pode não resultar uma situação de carência. Do que se trata é de compensar os prejuízos patrimoniais importantes sofridos pelo cônjuge que por ter renunciado de forma excessiva à satisfação dos seus interesses em favor da vida em comum, designadamente à sua vida profissional, acaba por ser colocado pelo divórcio numa situação patrimonial em que não estaria se tivesse contribuído para a família na justa medida, de modo paritário ou equilibrado comparativamente com o outro cônjuge.
Segundo o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31.01.2023, proc. n.º 242/12.6TMLSB.L1.S1, in https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2023:242.12.6TMLSB.L1.S1.85:
«[…] em termos de princípio geral, cada ex-cônjuge deve prover à sua subsistência, nesse sentido a obrigação de alimentos assume-se como excepcional e necessariamente transitória, com decorrentes implicações no seu conteúdo, mais restrito, inexistindo o direito a exigir a manutenção de um padrão de vida de que beneficiava na pendência do casamento.
De igual modo o dever de alimentos deve durar durante um curto período transitório, necessário para adaptação do ex-cônjuge mais necessitado, a uma vida economicamente independente, sendo sua, a responsabilidade de prover ao seu sustento, afastando expectativas de perpetuidade, com efeito embora num primeiro momento seja reconhecida uma obrigação a alimentar, a auto-suficiência é o fim que se pretende atingir, sendo assim os alimentos concedidos, para e até que tal auto-suficiência seja atendida.
[…] Sendo visível que estamos perante uma análise casuística, … no caso do ex-cônjuge credor deter património imobiliário, não só se deve atender aos rendimentos que tais bens lhe proporcionam, mas também à possibilidade da sua alienação com vista a obter proventos que possibilitem a sua subsistência. Tal possibilidade tem, porém, de ser analisada caso a caso, uma vez que, não é exigível que o credor aliene o seu património imobiliário, se tal implicar, a prazo, ficar o credor exaurido de património e, portanto, do rendimento potencial que o mesmo é capaz de proporcionar, e/ou ficar, até, privado do direito à habitação.
Também no que concerne à capacidade de trabalho do alimentando, caso não se encontre a exercer uma actividade profissional remunerada, deve ter-se em conta a sua formação e qualificação profissional, a idade e o seu estado de saúde, bem assim como a possibilidade real de efectiva ocupação laboral, dada a dificuldade com que se pode deparar em encontrar posto de trabalho em consequência do desemprego e da situação económica com que a nossa sociedade actualmente se confronta.
[…] serão de atender as situações criadas, “emergentes de uniões matrimoniais, estáveis e duradouras, firmadas há várias décadas, onde foram assumidas obrigações e criadas à luz dos valores então dominantes, fundadas expectativas de perpetuidade do vínculo matrimonial”.
[…]a grande questão que se deve colocar em primeiro lugar é saber se a requerente está impossibilitada ou tem grave dificuldade, total ou parcial, de prover à sua subsistência, seja com os seus bens pessoais seja com o seu trabalho, situação a aferir pelo rendimento produzido pelo património, pelo rendimento de capital e pela sua capacidade de trabalho. Só assim lhe assiste o direito a alimentos a suportar pelo requerido …»
Tendo presente este enquadramento podemos, por fim, passar à questão jurisdicional de saber se a requerente tem, em concreto, direito a alimentos do requerido.
Resulta da matéria de facto que nos acordos para o divórcio por mútuo consentimento os agora ex-cônjuges acordaram que o requerido pagaria à requerente uma pensão de alimentos de €1.000 mensais durante 12 meses, tendo o presente procedimento cautelar sido instaurado mais de meio ano após o fim desse período.
Este acordo constituiu a forma como as partes, no exercício da sua liberdade negocial, entenderam compor a sua relação jurídica no tocante a alimentos, designadamente fixando um prazo para a respectiva duração.
Como o direito a alimentos é irrenunciável (artigo 2008, n.º 1, do Código Civil), a circunstância de a requerente ter celebrado aquele acordo não a impede, uma vez esgotado o prazo fixado no acordo para efeitos de divorcio por mútuo consentimento, de pedir a fixação judicial de alimentos para o tempo posterior.
Contudo, aquele acordo não deixa de poder ser visto como a interpretação das próprias partes da necessidade dos alimentos, do montante da pensão a suportar pelo requerido e ainda da duração da necessidade que justifica os alimentos.
Daí que, não vindo, como não vem, alegado qualquer vício na celebração do acordo, ou existem factos supervenientes ao acordo que revelem o surgimento motivos novos ou inesperados para a situação de carência ou a sua manutenção (v.g. uma doença detectada depois), o tribunal terá de ponderar com grande reserva a fixação de alimentos à margem e diferentemente do que os próprios interessados acordaram.
A fundamentação de facto não revela nenhum evento superveniente ao acordo ou ao termo do prazo durante a qual foi estipulado por acordo o pagamento da pensão de alimentos, designadamente um evento que represente uma ruptura em relação à situação de facto sobre essa matéria que existia aquando da celebração do acordo.
Acresce que a fundamentação de facto só revela que a requerente procurou trabalho quando cessou a pensão de alimentos. Ora, com o vimos, a regra do sistema jurídico vigente é a de que com a cessação do casamento cada um dos cônjuges deve prover à respectiva subsistência, pelo que a sua obrigação era começar a procurar trabalho assim que foi decretado o divórcio.
O prazo de 12 meses durante o qual os cônjuges acordaram que seriam pagos à requerente alimentos servia precisamente para isso, para dar à requerente tempo suficiente para se ajustar à nova realidade da sua vida e procurar meios próprios de subsistência. O prazo de um ano parece perfeitamente razoável e adequado.
Não resulta da fundamentação de facto nenhum facto que revele que a requerente não tem formação profissional ou habilitações ou que por razões de saúde ou outras está impedida de arranjar um trabalho para ter meios de subsistência próprios, sendo certo que, se fosse esse o caso, o período de um ano podia ser usado para ela fazer alguma formação suplementar.
Cremos que para ter o direito a alimentos do seu ex-cônjuge não basta a requerente demonstrar que só conseguiu trabalho como recepcionista num ginásio a tempo parcial. Era indispensável alegar e provar que se empenhou activamente na procura de emprego ou ocupação profissional e que só por razões que não lhe são imputáveis e não têm a ver com as suas próprias escolhas ou opções essa procura não teve resultado positivo.
Essa demonstração passaria pela prova de que não tem habilitações para desempenhar outras funções porque a vida familiar a impediu de as obter, ou de que se disponibilizou para desempenhar outras funções mas apesar de ter procurado activamente um alternativa compatível não encontrou no mercado de trabalho nenhuma oferta.
É necessário atentar no que a requerente alega para justificar o seu pedido.
Segundo a requerente ela tinha a expectativa (!) que no prazo um ano a partilha dos bens comuns do casal estivesse feita e ela dispusesse do seu quinhão dos bens comuns para prover ao seu sustento sem necessidade de pensão de alimentos, pois a sua intenção é montar um negócio próprio que lhe permita manter a rotina de levar e recolher o filho menor do casal na escola e nas actividades extracurriculares e executar todas as tarefas domésticas como tratamento e limpeza da casa, da roupa e confecção de todas as refeições da família.
Parece, portanto, que a requerente não arranjou outro trabalho porque por um lado o que deseja mesmo é montar um negócio e por outro lado pretende continuar a ter o seu tempo livre para ir levar e buscar o filho à escola e a actividades extracurriculares e ocupar-se das tarefas domésticas. A requerente esquece que a sua vida mudou e muito e que terá de se adaptar às novas circunstâncias.
A requerente é livre para decidir como granjear meios próprios de subsistência, designadamente decidir se tem aptidões, características e meios para montar um negócio e obter lucros com a sua exploração, ou optar antes por arranjar um emprego, mas, em qualquer caso terá de priorizar a obtenção de rendimentos, diminuindo, se necessário, o nível e o modo de vida que na pendência do casamento lhe era permitido pelos rendimentos do requerido.
Terá de se ocupar do filho como faz a esmagadora maioria das mulheres que tem filhos e, em simultâneo, ocupações profissionais, levá-lo mais cedo para poder ir trabalhar de seguida ou ir buscá-lo mais tarde apenas quanto estiver disponível, recorrendo se necessário a ATL’s ou outras organizações para que se ocupem dele fora do horário escolar e o conduzam às actividades extracurriculares possíveis. Não pode é pretender que como a sua opção é continuar a acompanhar o filho como fez na pendência do casamento, cabe ao requerido sujeitar-se a essa opção dela e proporcionar-lhe os alimentos de que nesse caso necessitará.
Acresce que o filho tem praticamente nove anos e com eles vivem ainda as outras duas filhas da requerente e do requerido que já são maiores, razão pela qual existirão, por certo, formas de o agregado familiar, como qualquer outro semelhante, aliás, se organizar na realização daqueles actos, sendo certo que essa cooperação e solidariedade está compreendida nos deveres sociais, pessoais e familiares dos membros de um agregado familiar.
Não esquecendo que qualquer negócio, mesmo os que estão condenados ao insucesso ou têm esse desfecho, necessita igualmente de tempo, dedicação e esforço, porventura em não menos intensidade que um trabalho por conta de outrem, caso se queira que o mesmo tenha sucesso e não seja apenas uma ocupação que se correr mal outros compensarão.
O atraso na partilha se é que existe nunca é imputável apenas a um dos interessados. Uma teima exige sempre mais que um teimoso, sendo certo que estando a partilha a ser feita mediante inventário judicial, cabe ao tribunal gerir a prática dos respectivos actos. Até lá a requerente terá de organizar a sua vida, sendo certo que para o efeito o requerido já lhe proporcionou alimentos durante um ano.
A requerente afirma no requerimento inicial que «foi opção do casal a requerente prescindir da sua carreira profissional de jornalista, que exercia quando casou com o requerido».
Isso significa, parece, que a requerente tem habilitações profissionais e já teve mesmo uma carreira. Não é, pois, uma pessoa sem formação académica, sem habilitações profissionais ou sem condições para as obter, designadamente por razões de idade ou de saúde. Logo, para demonstrar os pressupostos do direito a alimentos sobre o ex-cônjuge, cabia à requerente alegar e demonstrar que mesmo com essas condições e apesar delas, não consegue arranjar um emprego e meios de subsistência.
Cabe assinalar que resulta da fundamentação de facto que de qualquer modo o requerido proporciona à requerente alimentos em espécie.
Ficou provado, com efeito, que o requerido paga a totalidade da renda mensal pelo arrendamento da antiga casa de morada de família, onde a requerente continua a viver com os filhos. Dessa forma, o requerido, para além de pagar todas as despesas com a alimentação, saúde e educação dos filhos, proporciona-lhes habitação, o que poderia fazer, por exemplo, em sua própria casa, poupando aquela despesa, e proporciona igualmente um tecto para a requerente morar sem suportar qualquer renda, o que nos dias que correm, com os valores que são praticados no mercado de arrendamento, representa uma utilidade económica significativa (a renda é de €1.500 mensais).
Além disso, o requerido ainda suporta todos os custos com a manutenção do veículo automóvel usado pela requerente e pelas filhas, e ainda o respectivo prémio de seguro e o imposto de circulação. Também isso representa um benefício económico que o requerido proporciona às filhas e à requerente, permitindo a esta poupar essas despesas que de outra forma teria de suportar para usar o veículo nas suas deslocações.
Por tudo isso, reconhecendo embora que a requerente, como qualquer outra pessoa que não tenha rendimentos ou bens próprios que lhe permitam fazer face às respectivas necessidades essenciais, está numa situação de carência económica, afigura-se-nos que não foram demonstrados os pressupostos do direito a alimentos sobre o ex-cônjuge.
Mais especificamente, com todo o devido respeito, entendemos que a requerente não demonstrou que a situação de carência provém directamente do divórcio e não é, total ou parcialmente, imputável à própria requerente, uma vez que não demonstrou ter feito tudo quanto, no caso, lhe era exigível face à responsabilidade legal de assegurar a sua própria subsistência e prosseguir a sua vida de forma autónoma.
Assim, para efeitos do presente procedimento cautelar não pode julgar-se demonstrada a probabilidade séria da existência do direito a tutelar, isto é, o que a requerente seja titular do direito a alimentos sobre o seu ex-cônjuge. Sem essa demonstração não podem ser fixados alimentos provisórios.
Em suma, ainda que não exactamente com a mesma fundamentação, a decisão recorrida deve ser confirmada.

VI. Dispositivo:
Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação julgar o recurso improcedente e, em consequência, confirmam a sentença recorrida.
As custas do recurso são responsabilidade da recorrente; por não ter havido resposta às alegações, não são devidas custas de parte; as custas do recurso correspondem apenas à taxa de justiça pela interposição do recurso; a recorrente não paga a taxa de justiça por estar dispensada do seu pagamento.
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Porto, 26 de Junho de 2025.
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Os Juízes Desembargadores
Aristides Rodrigues de Almeida (R.to 896)
Carlos Cunha Rodrigues Carvalho
Judite Pires

[a presente peça processual foi produzida pelo Relator com o uso de meios informáticos e tem assinaturas electrónicas qualificadas]