Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | TERESA SÁ LOPES | ||
| Descritores: | ACIDENTE DE TRABALHO DESLOCAÇÃO EM COBERTURA COM PLACAS DE FIBROCIMENTO NÃO PROVA DA EXIGIBILIDADE DE MEDIDAS DE PROTEÇÃO COLETIVA E INDIVIDUAL POR PARTE DO SINISTRADO | ||
| Nº do Documento: | RP202412116582/20.3T8VNG.P1 | ||
| Data do Acordão: | 12/11/2024 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | PROCEDENTE. ALTERADA A SENTENÇA. | ||
| Indicações Eventuais: | 4. ª SECÇÃO SOCIAL | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - A deslocação numa cobertura não é, por si só, bastante para justificar a utilização de meios específicos de segurança. II - Nada se tendo provado sobre as características e condições concretas do local de onde o Sinistrado caiu, ou seja, sobre qual o estado das demais placas de fibrocimento da cobertura, para além de uma placa defeituosa, tendo-se provado tão só que a inclinação da cobertura é suave, não constituindo perigo de escorregadela e que as condições atmosféricas existentes no dia do acidente eram de tempo seco, a prova da tarefa que o Sinistrado havia sido chamado a efetuar, por si só, e em termos de normal previsibilidade, não nos permite concluir pela existência de risco de queda em altura. III – Não resultando provado que, no caso concreto, era exigível o cumprimento de medidas de proteção coletiva e individual, por parte do Sinistrado, o facto de o mesmo, ter sofrido uma queda, vindo a cair no solo, numa altura de cerca de seis metros, não nos permite concluir sobre quais os meios de proteção (coletivos ou individuais), nomeadamente, equipamentos anti-queda se justificariam. (Da responsabilidade da Relatora) | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Processo nº: 6582/20.3T8VNG.P1 Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo do Trabalho de Vila Nova de Gaia - Juiz 3 4ª Secção Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto: 1. Relatório (inclui transcrição do relatório efetuado na sentença): “Na presente ação especial emergente de acidente de trabalho em que é sinistrado AA e são indicadas como entidades responsáveis A..., S.A. e B... Lda, realizou-se tentativa de conciliação, a qual não se concretizou. Apresentou o sinistrado petição inicial, deduzida contra tais entidades, peticionando que, ao abrigo do disposto nos artigos 2º, 8º, 18º nºs 1 e 4, al, c), 23º, 39º, 47, nº 1. al. a) e c), 48°, nº 3, al. c), d) e e), 71 º, 75° e 79°, nº 3, da Lei 98/2009, de 4/09 e nos mais de direito aplicável, se determine qual das Rés é responsável pela reparação do devido ao Autor em consequência das lesões que lhe advieram de acidente, condenando-a a pagar-lhe, no mínimo, a pensão anual e vitalícia que se vier a apurar, consoante o grau de incapacidade que em Junta Médica for atribuído ao Autor e com base na retribuição anual por este auferida de 16 800.00 euros, ou, caso exista culpa da Ré Patronal na produção do acidente, ser esta condenada a pagar ao Autor uma pensão anual e vitalícia agravada, nos termos do art. 18°, nº 4, al. c) da LAT (sendo que a Ré Seguradora responde sempre pelo pagamento da pensão caso não houvesse atuação culposa nos termos do disposto no art. 79º nº 3, da LAT), a diferença que se vier a encontrar nas indemnizações por incapacidades temporárias, a quantia de 20.00 euros despendida em transportes e não paga em deslocações ao INML e ao Tribunal e juros de mora nos termos do disposto no art. 135º do CPT. Invocou para o efeito e em síntese a ocorrência dum acidente de trabalho, decorrente duma queda enquanto tentava reparar um telhado, nas condições por si descritas na petição inicial, de onde resultaram lesões que determinaram os danos cujo ressarcimento aqui pretende, estando a responsabilidade infortunística da sua entidade patronal transferida para a Ré Seguradora. Pela Ré Seguradora foi apresentada contestação defendendo que o acidente ocorreu por falhas graves de regras de segurança que, se tivessem sido observados, evitariam a sua ocorrência, sendo consequentemente o acidente de culpa da entidade patronal, podendo responder a Seguradora pelo ressarcimento peticionado, mas não prescindindo do direito de regresso. Mais invocou o pagamento de outros montantes, para além dos alegados na petição inicial, a título de indemnização por ITA e ITP do sinistrado. Pela Ré Entidade Patronal foi apresentada contestação negando a violação de quaisquer regras de segurança que imponham a sua responsabilidade pelo ressarcimento dos danos advenientes do acidente de trabalho sofrido pelo sinistrado, mais requerendo o chamamento à lide do FAT, atenta a sua declarada insolvência e não disposição de qualquer património. Foi indeferido o chamamento do FAT aos autos, por despacho proferido a 3-10-2022. Foi proferido despacho saneador, verificando-se a validade e regularidade da instância, selecionando a matéria de facto assente e controvertida e ordenando a criação de apenso para fixação da incapacidade do Autor. No apenso A), teve lugar exame por Junta Médica, tendo sido proferida decisão no mesmo. Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento com observância de todos os formalismos legais.” Foi realizada a audiência de discussão e julgamento. Foi proferida sentença, de cujo dispositivo consta: “Nestes termos, julgo a presente ação procedente, por provada, e em consequência: a) fixo ao sinistrado, AA, a incapacidade permanente parcial de 20,50% desde 13-10-2021, dia seguinte à data da alta; b) condeno a Ré A..., S.A., a par com a Ré B... Lda, e sem prejuízo do eventual direito de regresso da Ré Seguradora nos termos do art. 79º da LAT, a pagar ao sinistrado as seguintes prestações: - a indemnização pelo período das incapacidades temporárias sofridas pelo sinistrado devida e ainda não paga no valor de € 1.140,57; - o capital de remição de uma pensão anual e vitalícia no valor de €2.410,80, vencida desde 13-10-2021. - a quantia de € 20,00 a título de despesas de transporte; - juros de mora sobre as prestações atribuídas, vencidos e vincendos, à taxa legal, desde a data do vencimento de cada prestação até efetivo e integral pagamento. c) Mais condeno a Ré B... Lda a pagar ao sinistrado as seguintes prestações: - a indemnização pelo período das incapacidades temporárias sofridas pelo sinistrado devida e ainda não paga no valor de €1.888,00; - o capital de remição de uma pensão anual e vitalícia no valor de €1.033,20, vencida desde 13-10-2021. - juros de mora sobre as prestações atribuídas, vencidos e vincendos, à taxa legal, desde a data do vencimento de cada prestação até efetivo e integral pagamento. Fixo o valor da ação em € 3.048,57 acrescido do capital de remissão e juros que sejam entretanto apurados (art. 120º do CPT). Custas pelas entidades responsáveis na proporção do decaimento – cfr. art. 527º do CPC.” Não se conformando com o assim decidido, a Entidade empregadora apelou. Foram as seguintes as suas conclusões: “i. Vem a douta decisão recorrida a condenar a R. empregadora na obrigação de pagar a indemnização ou parte dela por alegada violação das normas de segurança na produção do acidente; ii. Com efeito assumiu-se nela expressamente que a R. violou, no que se refere ao acidente, essencialmente as normas do artº 15 nº 5 Lei 102/2009; artº 40 e 41 do Decreto 41.821; artº 8 do Decreto lei 155/95 e os artº 8, 14 e 18 do Decreto Lei 50/2005; iii. Certo é que os normativos invocados nenhuma pertinência têm com o caso dos autos. O DL 155/95 trata da organização de estaleiros temporários, que manifestamente nada tem a ver com um trabalho num telhado; o Decreto 41821 aplica-se a empresas de construção civil, que não o é a R. empregadora, e os artº 40 e 41 dizem respeito a aberturas feitas no soalho ou plataforma de trabalho para passagem de operários; a norma do artº 15 nº 5 da Lei 102/2009 refere-se a “zonas de risco elevado”, que não é também manifestamente o caso, nem a douta sentença o considera como tal; as normas focadas do DL 50/2005 referem-se genericamente à utilização de equipamentos no trabalho, não se vislumbrando também aqui a pertinência da sua aplicação. Salvo pois todo o respeito, as normas invocadas não servem de ajuda à subsunção dos factos comprovados ao direito; iv. Apenas a norma do artº 36 (nº 7 e 8) do DL 50/2005, não invocada na douta sentença, tem interesse para o caso dos autos, como defendido nas alegações; Posto isto, v. A R. empregadora está em Plano de Insolvência, conforme o facto nº 29, não tendo sido notificada a AJ, para informar se subsiste alguma obrigação legal junto do tribunal. Em caso de existir, há ilegitimidade da R. vi. A douta decisão recorrida imputa à R. empregadora a violação de normas de segurança, determinantes da culpa; todavia, analisada a petição, nem o próprio sinistrado acusa a sua entidade empregadora dessa violação, sendo certo que ele melhor que ninguém tem a percepção da ocorrência dos factos e do seu desenrolar. Deve ser um factor a ponderar; vii. A R. seguradora aceitou na conciliação que o acidente era caracterizadamente de trabalho, o que significa que aceita que o ato do sinistrado não foi negligente nem temerário, e simplesmente aconteceu no tempo e local de trabalho; importa também retirar desta aceitação as devidas consequências: viii. Por outro lado, decorre do contexto da douta sentença, que o A. para a realização do trabalho cuja incumbência aceitou devia utilizar instrumentos próprios de trabalho e destinados a zonas de elevado risco (arnês, cinto de segurança, linha de vida, e formação profissional); ora a empresa onde trabalha não é de construção civil, nem ele é operário de construção, não podendo os preceitos legais que impõem tais exigências aplicar-se à R., como é reconhecido na mais alta jurisprudência (STJ e TRP Proc. nº 1564/15.0Y2MTS.P1.S1); o caso versado nestas decisões tem semelhança flagrante com o dos autos; ix. Dada a simplicidade do trabalho e a zona de nível baixo de risco, como é, o A. utilizava o que a lei recomenda para casos similares – uma escada aposta sobre o telhado; x. A matéria de facto não obedece à prova produzida, devendo assim ser objeto de ponderação, de forma a que corresponda à realidade dos factos (artº 341 CC; artº 640 e 662 CPC). - O facto nº 8 contém um juízo conclusivo – a R. entidade empregadora não avaliou os riscos do local. Visto ser um juízo de valor não pode figurar no facto, devendo dele ser retirado, o que se requer; - O facto nº 2 não corresponde à prova feita com base na declaração do próprio sinistrado, referindo que pisou uma telha translúcida e não uma de fibrocimento; assim deve ser retirada do facto “uma das telhas de fibrocimento ” e substituída a expressão por “uma telha transparente” - O facto nº 4 não descreve o local da queda nem o movimento antecedente da queda, também referidos pelo sinistrado. Deve ficar, segundo a prova feita com a seguinte redação: “O A. deslocou-se de cócoras em cima da escada posta sobre o telhado, até à placa fissurada e no regresso ao sair da escada para a voltar a colocar à sua frente falhou a viga e foi aí que o telhado cedeu” xi. O facto nº 10 não reflete totalmente a prova produzida, designadamente a premência da substituição da telha ou placa fissurada, devendo ser aditado outro com a seguinte redacção: “Entretanto o tempo ameaçava chuva (chuvas de outono) e era necessário proceder à substituição dessa placa para evitar impedimentos no serviço do sinistrado que tinha de ser feito nesse local”. xii. As alª c), d) e) e f) dos factos não provados não correspondem às provas produzidas; Os factos das alª c) e d), pelos fundamentos expostos, aqui dados por reproduzidos, devem passar a integrar o facto aditado referido na conclusão XI; O facto da alª e) não deve manter-se como não provado, devendo ser integrado no dito facto aditado, por ser dominante; este facto não provado é contrário a toda a prova produzida, visto ser do conhecimento, tanto do sinistrado como da entidade patronal, que era premente e necessária a substituição da telha ou placa, em face do período das chuvas eminente. Assim, deve transitar para os factos provados com a seguinte redacção: “Por estarem conscientes da premência da substituição da placa, face às consequências no trabalho do A., por causa do período de chuvas, e por a empresa encarregada do trabalho ter falhado, foi concertada entre A. e gerência a subida ao telhado para a dita substituição” - O facto não provado da alª f) não deve manter-se como tal, sendo certo que a prova, tanto do sinistrado como da gerência da R., não corrobora as considerações da motivação, visto que o telhado era regularmente vistoriado para substituição de placas que não estavam em condições; para além da placa translúcida inadvertidamente fraturada pelo A. e a que estava a ser substituída não há qualquer outra referência ao estado do telhado; por outro lado, sendo uma oficina de automóveis, é impensável pelas regras de experiência, que possa chover dentro da oficina (no caso de mau estado do telhado). Deve assim o facto transitar para os factos provados com a seguinte redação: “O telhado, composto de placas de fibrocimento e translúcidas, não demonstrava fragilidades, além da placa a substituir, tendo sido já substituídas ao longo do tempo algumas placas” xiii. Postos estes factos, antes de mais, não pode sufragar-se o entendimento expendido na douta sentença, de que o telhado era de risco elevado (artº 15 nº 5 DL 102/2009) para obrigar à utilização de instrumentos adequados para tais sítios. A matéria de facto comprova que a inclinação do telhado é suave, não oferecendo perigo de escorregadela (facto nº 16); o tempo estava seco e as placas não estavam húmidas (facto nº 13); as placas assentam em vigas de metal com o espaço de 1 m (facto nº 14); era empregada uma escada aposta no telhado, onde o A. progredia de cócoras (facto nº 15); o estado do telhado era normal, com placas de fibrocimento e placas translúcidas, com exceção da placa que estava a ser substituída; xiv. Sobre isto, a mais alta jurisprudência: Ac de 22-09-2003 do TRP: I - O trabalho em cima de telhados não implica, só por si, um risco efetivo de queda. II - O não uso de equipamentos de proteção contra quedas em alturas, nomeadamente o cinto de segurança, só constitui violação das regras de segurança no trabalho se a configuração do telhado, a sua estrutura, a natureza e estado do material de cobertura e as condições climatéricas ou outras o exigirem. Diz-se ainda que “O facto de a queda ter ocorrido por uma telha se ter partido, como se refere na fundamentação das respostas aos quesitos, não é suficiente para concluir que a cobertura estava manifestamente degradada, decorrendo daí a necessidade imperiosa do uso de equipamentos antiqueda”. Discorre ainda o STJ (P 1564/15): “Podemos pois assentar que a adoção de medidas especiais de proteção, para evitar quedas em altura ou as quedas de telhados, só é obrigatória quando existir um risco efetivo de queda, o que significa que a simples laboração sobre a estrutura de um telhado não potencia, só por si, um risco efectivo de queda e, consequentemente, também não impõe, ipso facto, a adoção dessas medidas especiais”. E continua “Sendo que não basta que tenha ocorrido um acidente de trabalho traduzido em queda em altura para e imediato, sem mais, se poder afirmar que houve violação de regras de segurança” xv. Concluindo, toda a matéria de facto comprovada indica que o telhado onde ia ser feita a substituição da placa deve ser considerado de nível baixo de risco, e que o A. utilizava o instrumento previsto na lei (escada) que lhe permitia andar sobre o telhado sem risco (artº 35 nº 7 e 8 DL 50/2005); portanto, não obstante o acidente por motivo imponderável, não pode afirmar-se que foram violadas normas de segurança, quer num juízo de prognose, quer até num juízo a posteriori, considerando o modo do acidente e os factos concretos evidenciados na matéria de facto; xvi. O facto concreto que levou ao acidente não foi o estado do telhado, nem a progressão sobre ele, nem o trabalho a realizar, nem qualquer outro facto antevisível, cuja prognose se impusesse, mas um facto inesperado, imprevisível para o sinistrado, e para a R., com que ninguém contava e podia contar, alheio a todo o planeamento prévio – pisar sem querer uma telha translúcida, consabidamente menos resistente que as de fibrocimento, que são a maioria. xvii. Sabe-se que o perigo típico nos trabalhos em telhados e que as normas de segurança têm o cuidado de prevenir são as escorregadelas nos telhados. Não era este o caso (facto nº 12) xviii. A interpretação que o tribunal fez dos factos (comprovados e dos de que se requereu o reexame) e das normas referidas, decidindo pela culpabilidade da R. entidade patronal, é violadora dos princípios do processo justo e equitativo e da proporcionalidade, na medida em que alicerçou juízos de facto em suposições, sem provas concludentes, e contra as regras de experiência. xix. Decidindo como decidiu, fez o tribunal uma deficiente interpretação das normas explicitadas, com a consequente errada aplicação Nestes termos e nos mais de direito, sempre doutamente supridos por V.Ex.as, deve revogar-se a douta decisão recorrida e prolatar-se douto acórdão que absolva a R. recorrente da obrigação correspondente ao direito de regresso, como é da mais elementar e esperada JUSTIÇA” A Seguradora contra-alegou sem formular conclusões, apelando a que sejam julgadas improcedentes por não provadas todas as conclusões do recurso apresentado pela Entidade empregadora. O Ministério Público, no exercício do patrocínio oficioso do Sinistrado, respondeu, entendendo que o recurso interposto pela Ré Empregadora deverá ser julgado totalmente improcedente, porquanto: “1.º- A Ré Entidade Empregadora, ora recorrente, é parte legítima na ação, porquanto o acidente de trabalho em apreço nos autos ocorreu em data anterior à declaração de insolvência, sendo discutida a responsabilidade da mesma pelo acidente, decorrente da violação de regras de segurança; 2.º - A chamada da Entidade Empregadora a intervir nos autos decorreu da circunstância de lhe ser imputada, pelo sinistrado e pela Seguradora, a violação de regras de segurança, inexistindo qualquer contradição nas declarações consignadas no auto de não conciliação; 3.º - A prova produzida em audiência de julgamento foi corretamente apreciada e valorada pelo Tribunal, segundo as regras de experiência, não tendo ocorrido nenhum erro de avaliação, designadamente, dos depoimentos e declarações de parte prestados pelo A. e pela legal representante da Ré Empregadora; 4.º- Quando aos pontos de facto descritos sob as alíneas 8), 2) e 4) da factualidade provada, a sua demonstração resultou devidamente sustentada na prova produzida em audiência de julgamento, designadamente no teor dos documentos constantes dos autos, como seja o relatório sobre o acidente elaborado pela ACT, e nas declarações e depoimentos prestados em audiência de julgamento; 5.º- Considerando o conteúdo de tais pontos de facto dados como provados, nomeadamente os elencados sob as alíneas 2), 4) e 10), não se afigura necessária nenhuma alteração na sua redação, já que os mesmos contêm a descrição correta da dinâmica do acidente, sendo que relativamente todos os demais foram aceites pela Ré Recorrente; 6.º- De igual modo, os pontos de factos tidos por não provados, nomeadamente os elencados sob as alíneas c) a f), foram corretamente julgados, já que quanto aos mesmos não foi efetivamente produzida prova bastante da sua verificação. 7.º - Também a decisão sobre matéria de Direito se afigura acertada, tendo o Tribunal feito uma aplicação correta das normas legais, designadamente, do disposto no artigo 18.º da Lei n.º 98/2009, de 04-09 e dos artigos 281.º, n.º 2, do Código do Trabalho, 15.º, n.º, 2, als. a), b), c) e h) e n.º 5, do Regime Jurídico da Promoção da Segurança e Saúde no Trabalho, aprovado pela Lei n.º 102/2009, de 10-09, e 44.º e 45.º do Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil, aprovado pelo Decreto n.º 41821/58, de 11-08; 8.º - O que resulta da factualidade provada em audiência de julgamento é que a empregadora adotou um comportamento altamente temerário e descuidado, integrando, como tal, uma atuação culposa nos termos em que a mesma é definida pelo artigo 18.º da Lei n.º 98/2009, de 04-09, porquanto não cuidou de avaliar os riscos inerentes à tarefa que atribuiu ao sinistrado, nem diligenciou pela implementação de medidas de prevenção aptas a afastar o perigo, real e elevado, de acidente por queda em altura; Devendo, como tal, manter-se a decisão recorrida, no sentido da condenação da R. Recorrente.” O recurso foi admitido, como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo. Remetidos os autos a este Tribunal da Relação, apresentados que foram ao Exmo. Procurador-Geral Adjunto, não foi exarado parecer, por o Ministério Público patrocinar o Autor e lhe estar legalmente vedado. Corridos os vistos legais, foram os autos inscritos em tabela. Foi entretanto determinada a remessa dos autos à 1ª instância para fixação do valor à ação, não apenas por referência ao normativo do artigo 120º do Código de Processo do Trabalho. Por despacho de 08.11.2024, a Mm.ª Juiz a quo atualizou a fixação do valor da ação para €52.855,40, com a fundamentação que se transcreve: “Na Sentença proferida nestes autos foi fixado o valor da ação nos seguintes termos: Fixo o valor da ação em € 3.048,57 acrescido do capital de [remição] e juros que sejam entretanto apurados (art. 120º do CPT). Cumpre fixar o valor da ação nos termos já determinados. Capital de remissão: €2.410,80x12,732 + €1.033,20x12,732 = €30.694,31+€13.154,70 = €43.849,01 Juros até 8.11.2024: Sobre capital de remissão €30.694,31 = €3.774,14 Sobre capital de remissão €13.154,70 = €1.617,49 Sobre indemnização por IT €1.140,57 = €212,49 Sobre indemnização por IT €1.888,00 = €351,74 Sobre despesas de transporte €20,00 = €1,96 = €5.957,82 Atualizo a fixação do valor da ação para €52.855,40.” Nada obstando ao conhecimento do mérito, cumpre decidir. Objeto do recurso: Sendo pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso (artigos 635º, nº4 e 639º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil – aplicável ex vi do artigo 87º, nº1 do Código de Processo do Trabalho –, integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, são as seguintes as questões a decidir: - saber se pode a massa insolvente da B... Lda. ser condenada como responsável pelo pagamento da indemnização devida ao Sinistrado; - impugnação da matéria de facto; - responsabilidade agravada da Entidade empregadora. 2. Fundamentação: 2.1. Fundamentação de facto: 2.1.1. Na fundamentação da decisão de facto, lê-se na sentença: “A – Factos provados: Com relevância para a decisão da causa provaram-se os seguintes factos: 1) O Autor nasceu no dia ../../1968. 2) No dia 28 de setembro de 2020, pelas 10h, em ..., no exercício da sua atividade de chapeiro de automóveis, ao serviço da segunda Ré, sob as suas ordens, direção e fiscalização, o Autor, por determinação da representante legal da empresa (BB), subiu ao telhado para proceder à colocação de uma telha, e no decurso da execução da tarefa, ao colocar o pé diretamente sobre uma das telhas de fibrocimento, esta partiu-se e provocou a sua queda. 3) No momento e lugar referido em 2) o sinistrado subiu por uma escada encostada à parede que, depois, estendeu sobre o telhado, para alcançar a telha a substituir. 4) Depois de se deslocar de cócoras até ao fim da escada, impunha-se sair da escada para a deslocar mais, o que o sinistrado fez pisando uma telha de fibrocimento. 5) Ao fazê-lo, a telha partiu com o peso do seu corpo e o sinistrado caiu para o interior do edifício, numa altura de cerca de seis metros. 6) Não existia no local da obra qualquer equipamento de proteção contra o risco de quedas em altura, nomeadamente passadiços sobre o telhado. 7) Não foi utilizado equipamento de proteção individual adequado, designadamente arnês e cinto de segurança, criação de uma linha de vida, botas e capacete de proteção. Alterado para: - Não foi utilizado equipamento de proteção individual, designadamente arnês e cinto de segurança, criação de uma linha de vida, botas e capacete de proteção. 8) A Ré entidade empregadora não avaliou os riscos do local (extenso telhado em placas de fibrocimento, peso do sinistrado, com 1,79 m de altura), não deu formação ao sinistrado sobre os riscos do trabalho em altura e não implementou medidas de proteção coletiva, nomeadamente linhas de vida ou material que permitisse a utilização de arnês. Alterado para: - A Entidade empregadora não avaliou a extensão do telhado em placas de fibrocimento, o peso do Sinistrado, com 1,79 m de altura, não deu formação a este sobre os riscos do trabalho em altura e não implementou medidas de proteção coletiva, nomeadamente linhas de vida ou material que permitisse a utilização de arnês. 9) À data do evento em apreço o sinistrado não tinha experiência profissional na execução de trabalhos em altura, nem lhe foi ministrada formação específica para o efeito. 10) Antes do momento referido em 2), tendo começado a cair alguns pingos de chuva no sítio em que o Autor fazia o seu trabalho de chapeiro, e perturbavam o seu desempenho, a Ré empregadora contratou com uma empresa de construção civil o serviço de substituição da placa defeituosa do telhado, de cerca de 1,5 m por 1,5 m. 11) A empresa contratada para realizar o serviço faltou à palavra, não aparecendo na data marcada, nem a seguir, qualquer empregado seu. 12) A inclinação da cobertura é suave, não constituindo perigo de escorregadela. 13) O tempo estava seco e as placas não estavam húmidas 14) As vigas de metal em que assentam as ditas placas são espaçadas cerca de 1 m entre elas. 15) Foi o sinistrado quem sugeriu o emprego de uma escada de alumínio composta de duas partes, deitada sobre o telhado, em cima da qual ia deslocar-se, o que permitia não fazer incidir o peso do corpo sobre qualquer placa, mas distribuí-lo pela superfície da escada. 16) Em consequência daquele evento sofreu o Autor as lesões descritas e examinadas nos autos de exame médico de fls. 112 e 113, designadamente, no membro superior esquerdo, défice de extensão do cotovelo de 25%. 17) Resultando do mesmo para o Autor uma I.T.A. de 29-9-2020 até 22-10-2020 e de 15-9-2021 a 11-10-2021, uma I.T.P. desde 8-5-2021 até 4-6-2021 de 40% e uma I.T.P. desde 5-6-2021 até 14-9-2021 de 20%. 18) Ficando afetado duma I.P.P. de 20,50% desde a data da alta a 12-10-2021. 19) À data do evento o Autor auferia o salário mensal de € 1 200 x 14 meses; 20) A Ré entidade empregadora havia transferido a sua responsabilidade infortunística para a Ré seguradora através do contrato de seguro titulado pela apólice n.º ...13, pela indicada retribuição anual; 21) O Autor gastou a quantia de € 20 em transportes para se deslocar ao I.N.M.L. e ao tribunal. 22) O sinistrado recebeu da Ré Seguradora a quantia de € 773,30 a título de indemnizações referentes ao período de I.T.A. 23) Antes da queda descrita em 5) o Autor não tinha sofrido qualquer lesão ou apresentado qualquer queixa no membro superior esquerdo, limitativa do exercício da sua atividade. 24) O sinistrado sente dificuldade em trabalhar chapas por necessidade de muita força no membro superior que suporta as peças a martelar. 25) Na tentativa de conciliação a Ré seguradora aceitou: a existência e a caracterização do acidente dos autos como de trabalho; a transferência de responsabilidade pela retribuição salarial anual reclamada pelo Autor. 26) Não aceitando, contudo, a responsabilidade pelo sinistro uma vez que entende que houve violação das regras de segurança por parte da entidade empregadora. 27) Por sua vez, na mesma tentativa de conciliação aceitou a Ré empregadora: o acidente como de trabalho; o nexo causal entre as lesões sofridas e o mesmo; o resultado do exame médico efetuado no I.N.M.L.. 28) Não aceitando, contudo, pagar ao Autor qualquer quantia por entender não ter havido violação de normas de segurança. 29) A Ré entidade empregadora foi declarada insolvente por sentença transitada em julgado a 3-3-2021 no âmbito do processo 280/21.8T8VNG, tendo o referido processo sido declarado encerrado por homologação de plano de insolvência. B – Factos não provados: Não se provaram quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa, designadamente que: a) O sinistrado agiu da forma descrita em 4) por ter de percorrer mais espaço até atingir o local da telha a substituir. b) Após o referido em 10) a Ré empregadora ficou de encomendar o material adequado a outra empresa, e logo que este chegou voltou a contactar a empresa que tomou o encargo de vir fazer o serviço, e que confirmou a vinda de um empregado nos princípios da segunda quinzena de setembro de 2020. c) Entretanto, o tempo ameaçava chuva (chuvas do outono) e era necessário proceder à substituição da placa para evitar impedimentos no serviço do sinistrado, que tinha de ser feito nesse local. d) A substituição da placa tinha de ser feita antes da chuva. e) Sendo por estarem conscientes dessa premência que entre a gerência e o sinistrado ficou consertada a subida deste ao telhado para fazer a substituição mencionada em 2). f) Com exceção da placa fissurada, todo o telhado mostrava-se em bom estado, sendo resistentes as placas de fibrocimento, e pouco espaçados entre si os apoios de vigas de ferro em que assentavam, com algumas placas translúcidas para claridade no interior. g) Havia nas extremidades do telhado uma antepara, impeditiva de queda no solo depois de lá se estar em cima. h) A progressão em cima do telhado de 4,5 m a 5 m de altura era fácil. i) A gerente da Ré empregadora advertiu o A. para que andasse com o maior cuidado sobre a escada, cuja largura de 50 a 60 cm era suficiente para o efeito. j) Antes do pisar e partir da telha pelo sinistrado mencionado em 4) e 5) o mesmo desequilibrou-se. k) Para além da quantia referida em 22) o sinistrado recebeu também da Ré Seguradora a quantia adicional de € 8.106,73 para compensação por períodos de I.T.P. e I.T.A. devidos. C – Motivação: O teor da factualidade provada e não provada resultou da análise dos autos e posição assumida pelas partes nos seus articulados, do teor da prova documental junta, da prova pericial produzida, dos depoimentos e declarações de parte realizados e prova testemunhal inquirida. Os factos provados 1), 2), 9), 16), 19) a 21) e 25) a 28) correspondem à factualidade que foi dada como assente (sem qualquer reclamação pelas partes) em sede de despacho saneador. Os factos provados 3) a 8) e 10) a 15) correspondem à descrição da dinâmica do acidente, e as razões prévias que o determinaram. Sendo que a prova produzida acabou por ser unívoca no relato do ocorrido, sendo especialmente relevantes as declarações de parte do sinistrado, que duma forma que se teve como concretizada e coerente, sem empolamentos nem contradições que sejam de destacar, e de forma consonante com o descrito pela legal representante da Ré Entidade Empregadora e pelas testemunhas inquiridas, descreveu que foi instado a reparar a placa de fibrocimento que se encontrava por cima do seu posto de trabalho, de forma a evitar um gotejamento que o perturbava, depois duma empresa que havia sido contatada para tal não comparecer no local – cfr. comprovado em 10) e 11). Agindo para o efeito do modo descrito em 3), 4) e 15) – que, perante as suas declarações, se tiveram assim como comprovados. Descrevendo ainda o sinistrado, de forma plenamente credível, que na execução de tal tarefa, quando se encontrava a tentar voltar ao solo – e não ao tentar chegar a telha a reparar, o que levou ao teor do facto não provado a) - e após pisar uma telha como referido em 4), o peso do seu corpo levou a que tal telha se partisse, levando à sua queda duma altura de cerca de seis metros, como descrito e comprovado em 5). As declarações de parte produzidas, as testemunhas inquiridas, e prova documental junta ao processo, são igualmente consentâneas na inexistência de qualquer equipamento de proteção utilizado, nem de qualquer formação ou sequer conselhos dados ao sinistrado antes da execução da tarefa de substituição da telha – conforme factos provados 6) a 8) e facto não provado i) – sendo o sinistrado contundente ao referir que pura e simplesmente lhe foi dito para reparar a telha, não sendo dadas quaisquer instruções da forma como o deveria fazer. Foi também das declarações de parte prestadas e testemunhas inquiridas que resultou a prova do vertido em 12), 13 e 14), descrevendo os inquiridos em juízo a conformação e estado do telhado em termos consonantes com os ali descritos. A prova produzida foi no entanto insuficiente ou omissa para atestar o vertido em b) – havendo prova do contato duma outra empresa para a reparação do telhado, não foi concretamente atestado o vertido neste facto não provado. Certo é igualmente que contrariamente ao referido na contestação da Entidade Empregadora não podemos ter por certo o referido em c) a e). Sendo certo que a “ameaça” de período de chuva foi confessada pelo Autor, o certo é que não o foi pela Seguradora, pelo que tal confissão não pode ter como efeito a imediata prova de tais factos. Não decorrendo de forma certa de qualquer elemento instrutório adicional que estivesse previsto um qualquer período de chuva concreto, efetivo, que determinasse, com urgência, a substituição da placa de fibrocimento danificada e que levava ao gotejamento, ou sequer que tal gotejamento impedisse, em absoluto, o trabalho do sinistrado. Só tal impedimento absoluto (e não a mera perturbação) perante chuvas concretas é que justificaria concluirmos pela alegada urgência na reparação indicada nestes preceitos não provados. Razão pela qual, pese embora a assentada realizada – e que não importa a imediata confissão de todos os factos confessados pelo Autor em face da posição assumida pela Ré Seguradora – os pontos aqui em apreço se tiveram como não provados. Pelo contrário, o relatado pelos inquiridos em juízo, designadamente pelas declarações de parte da legal representante da Ré Entidade Empregadora, denota que o trabalho foi ordenado após alguma frustração com a falta de comparência de agentes de empresa contratada para o efeito, mas sem que existisse um verdadeiro perigo para o trabalho dos funcionários de Ré Entidade Empregadora que se impusesse afastar, com rapidez. A própria legal representante da Ré Entidade Empregadora admitiu igualmente que as telhas da oficina eram já antigas, sendo igualmente certo, de acordo com as regras da experiência, que placas de fibrocimento não são habitualmente resistentes ao ponto de permitirem a um adulto andar, de forma segura, em cima das mesmas – sendo as fotos a fls. 3v dos autos demonstrativas da aparente fragilidade das mesmas. Do exposto decorrendo a não prova do facto f). O facto não provado g) resulta da inexistência de prova produzida que tenha atestado de forma convincente a existência de tais anteparas – que, mesmo a existirem, seriam aqui indiferentes para o desfecho do caso, atenta a concreta dinâmica da queda ocorrida, que não se deu por escorregadela, mas sim por queda através duma placa fissurada. A concreta natureza do telhado, e fragilidade das placas de fibrocimento para suportarem o peso dum adulto, leva a que não se possa ter como fácil a progressão em cima do telhado – levando à não prova do facto h). O facto não provado j) resulta da forma como o sinistrado relatou o ocorrido, negando qualquer desequilíbrio que tenha provocado a sua queda. De sublinhar ainda que os factos atinentes à dinâmica do acidente são também corroborados pelo relatório da ACT a fls. 38 e ss. dos presentes autos. Os factos provados 17) e 18) resultam da conjugação a prova pericial junta aos autos. Assim, e no tocante ao facto provado 17), o relatório do INML e as juntas médicas realizadas no âmbito do apenso A foram consentâneas na descrição dos períodos de ITA e ITP nos termos descritos. Decorrendo por sua vez o descrito em 18) do já aludido na sentença proferida no referido apenso A), ou seja, e como ali se referiu, face aos elementos clínicos juntos aos autos e à maioria que se formou na Junta Médica, que entendemos fazer a melhor integração da situação clínica do sinistrado na Tabela Nacional de Incapacidades, concluímos que o sinistrado padece duma IPP de 20,50% (considerando em tal valor um fator de bonificação 1.5), sendo a data da consolidação das suas lesões a indicada de forma unívoca na junta médica, ou seja, 12-10-2021. O facto provado 22) resulta do teor do documento a fls. 17 dos autos e da admissão de recebimento de tal quantia pelo próprio sinistrado no âmbito da petição inicial. Mas tal admissão não existe relativamente a qualquer quantia adicional. Sendo por força disso, e consequente insuficiência da prova produzida para o efeito, que se deu como não provado o facto k). É certo que da leitura da contestação resulta a Ré Seguradora defende a existência de todos os pagamentos mencionados no documento por si junto a fls. 107 dos autos, datado de 18-10-2021. Tal documento foi, no entanto, apresentado nos autos em momento anterior à petição inicial, onde é admitido apenas o pagamento da quantia mencionada em 22). O pagamento de qualquer adicional tem assim que se ter como impugnado face à posição global assumida pelo sinistrado em tal articulado. E denotando o documento junto a fls. 107 um indício do pagamento das quantias ali descritas, não é um comprovativo certo de transferência ou recebimento das quantias ali mencionadas pelo sinistrado. É uma mera declaração da Ré de que tais pagamentos foram realizados. O que é pouco para preencher de forma suficiente o ónus probatório que incidia sobre a Ré Seguradora para comprovar tais pagamentos – sendo que os mesmos não foram corroborados por qualquer outra prova produzida em juízo. Inexistindo qualquer indício de lesão ou queixa anterior do membro superior esquerdo sinistrado nos autos, quer por força de declarações de intervenientes inquiridos em juízo, quer por força da prova pericial realizada, teve-se como comprovado o vertido em 23). As lesões comprovadas, o descrito pelo sinistrado em juízo e as regras da experiência levam-nos a ter por certo o comprovado em 24). O facto provado 29) resulta do teor da informação prestada aos autos a 10-8-2022 pelo processo de insolvência em causa, bem como da consulta direta de tal processo no sistema CITIUS (de onde se retira a ocorrência do encerramento do mesmo por homologação de plano de insolvência).” 2.1.2. Impugnação da matéria de facto: De harmonia com o disposto no artigo 662º, nº1 do Código de Processo Civil (ex vi do artigo 1º, nº 2, al. a) do Código de Processo do Trabalho), o Tribunal da Relação deve alterar a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto, “se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”. Os poderes da Relação sobre o julgamento da matéria de facto foram reforçados na atual redação do Código de Processo Civil. Abrantes Geraldes, (in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2014, 2ª edição, pág. 230) refere que, “… a modificação da decisão da matéria de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova (sujeitos à livre apreciação do tribunal) determine um resultado diverso daquele que foi declarado na 1.ª instância”. Apesar de (obra citada, pág. 245), “… a reapreciação da matéria de facto no âmbito dos poderes conferidos pelo art. 662º não poder confundir-se com um novo julgamento, pressupondo que o recorrente fundamente de forma concludente as razões por que discorda da decisão recorrida, aponte com precisão os elementos ou meios de prova que implicam decisão diversa da produzida e indique a resposta alternativa que pretende obter”. Na reapreciação da força probatória das declarações de parte, dos depoimentos das testemunhas e dos documentos, importa ter presente o princípio da livre apreciação, como resulta do disposto nos artigos 607º, nº5 e 466º, nº3, ambos do Código de Processo Civil e 396º e 366º. Preceitua ainda o artigo 640º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil: «1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida. c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; (…)». Desde já se adianta o entendimento seguido quanto a matéria de natureza conclusiva: “Como é entendimento pacífico da jurisprudência dos tribunais superiores, mormente do Supremo Tribunal de Justiça, as conclusões apenas podem extrair-se de factos materiais, concretos e precisos que tenham sido alegados, sobre os quais tenha recaído prova que suporte o sentido dessas alegações, sendo esse juízo conclusivo formulado a jusante, na sentença, onde cabe fazer a apreciação crítica da matéria de facto provada.(…)” - Acórdão desta Secção de 27.09.2017, proferido no processo nº3978/15.6T8VFR.P1, (Relator Desembargador Jerónimo Freitas). “Só acontecimentos ou factos concretos podem integrar a seleção da matéria de facto relevante para a decisão, sendo, embora, de equiparar aos factos os conceitos jurídicos geralmente conhecidos e utilizados na linguagem comum, verificado que esteja um requisito: não integrar o conceito o próprio objeto do processo ou, mais rigorosa ou latamente, não constituir a sua verificação, sentido, conteúdo ou limites objeto de disputa das partes” -Acórdão do S.T.J. de 12.03.2014, in www.dgsi.pt. Conclui a Apelante que a matéria de facto não obedece à prova produzida. Na resposta, considerou o Ministério Público que a prova produzida em audiência de julgamento foi corretamente apreciada e valorada pelo Tribunal, segundo as regras de experiência, não tendo ocorrido nenhum erro de avaliação, designadamente, dos depoimentos e declarações de parte prestados pelo Autor e pela Legal representante da Ré Empregadora. Analisando: É este o teor do item 8º dos factos provados: - A Ré entidade empregadora não avaliou os riscos do local (extenso telhado em placas de fibrocimento, peso do sinistrado, com 1,79 m de altura), não deu formação ao sinistrado sobre os riscos do trabalho em altura e não implementou medidas de proteção coletiva, nomeadamente linhas de vida ou material que permitisse a utilização de arnês. Conclui a Ré que este item contém um juízo conclusivo – a Ré entidade empregadora não avaliou os riscos do local –, o qual não pode figurar no facto, devendo ser retirado, o que se requer. Vejamos: A formulação conclusiva do segmento “não avaliou os riscos do local”, em causa, tem ainda assim de ser lida com a demais matéria deste item, ou seja que a Ré Entidade empregadora não avaliou as características do telhado, da condição física do Sinistrado consignadas, a atender assim como a demais matéria, não deu formação ao Sinistrado sobre os riscos do trabalho em altura e não implementou medidas de proteção coletiva, nomeadamente linhas de vida ou material que permitisse a utilização de arnês - em sede de subsunção dos factos ao direito. Altera-se o teor deste item para: - A Entidade empregadora não avaliou a extensão do telhado em placas de fibrocimento, o peso do Sinistrado, com 1,79 m de altura, não deu formação a este sobre os riscos do trabalho em altura e não implementou medidas de proteção coletiva, nomeadamente linhas de vida ou material que permitisse a utilização de arnês. É este o teor do item 2º dos factos provados: - No dia 28 de setembro de 2020, pelas 10h, em ..., no exercício da sua atividade de chapeiro de automóveis, ao serviço da segunda Ré, sob as suas ordens, direção e fiscalização, o Autor, por determinação da representante legal da empresa (BB), subiu ao telhado para proceder à colocação de uma telha, e no decurso da execução da tarefa, ao colocar o pé diretamente sobre uma das telhas de fibrocimento, esta partiu-se e provocou a sua queda. Não foi com base na declaração do Sinistrado que tal matéria foi dada como provada. Com efeito, lê-se na motivação da decisão de facto: “Os factos provados 1), 2), 9), 16), 19) a 21) e 25) a 28) correspondem à factualidade que foi dada como assente (sem qualquer reclamação pelas partes) em sede de despacho saneador.” Improcede como tal nesta parte a pretensão da Apelante. É este o teor do item 4º dos factos provados: - Depois de se deslocar de cócoras até ao fim da escada, impunha-se sair da escada para a deslocar mais, o que o Sinistrado fez pisando uma telha de fibrocimento. A este respeito lê-se na motivação da decisão recorrida: “Os factos provados 3) a 8) e 10) a 15) correspondem à descrição da dinâmica do acidente, e as razões prévias que o determinaram. Sendo que a prova produzida acabou por ser unívoca no relato do ocorrido, sendo especialmente relevantes as declarações de parte do sinistrado, que duma forma que se teve como concretizada e coerente, sem empolamentos nem contradições que sejam de destacar, e de forma consonante com o descrito pela legal representante da Ré Entidade Empregadora e pelas testemunhas inquiridas, descreveu que foi instado a reparar a placa de fibrocimento que se encontrava por cima do seu posto de trabalho, de forma a evitar um gotejamento que o perturbava, depois duma empresa que havia sido contatada para tal não comparecer no local – cfr. comprovado em 10) e 11). Agindo para o efeito do modo descrito em 3), 4) e 15) – que, perante as suas declarações, se tiveram assim como comprovados. Descrevendo ainda o sinistrado, de forma plenamente credível, que na execução de tal tarefa, quando se encontrava a tentar voltar ao solo – e não ao tentar chegar a telha a reparar, o que levou ao teor do facto não provado a) - e após pisar uma telha como referido em 4), o peso do seu corpo levou a que tal telha se partisse, levando à sua queda duma altura de cerca de seis metros, como descrito e comprovado em 5). As declarações de parte produzidas, as testemunhas inquiridas, e prova documental junta ao processo, são igualmente consentâneas na inexistência de qualquer equipamento de proteção utilizado, nem de qualquer formação ou sequer conselhos dados ao sinistrado antes da execução da tarefa de substituição da telha – conforme factos provados 6) a 8) e facto não provado i) – sendo o sinistrado contundente ao referir que pura e simplesmente lhe foi dito para reparar a telha, não sendo dadas quaisquer instruções da forma como o deveria fazer. Foi também das declarações de parte prestadas e testemunhas inquiridas que resultou a prova do vertido em 12), 13 e 14), descrevendo os inquiridos em juízo a conformação e estado do telhado em termos consonantes com os ali descritos.” Conclui a Apelante que o facto nº 4 não descreve o local da queda, nem o movimento antecedente da queda, também referidos pelo Sinistrado. Ainda que o mesmo item deve ficar, segundo a prova feita, com a seguinte redação: “O A. deslocou-se de cócoras em cima da escada posta sobre o telhado, até à placa fissurada e no regresso ao sair da escada para a voltar a colocar à sua frente falhou a viga e foi aí que o telhado cedeu”. Invoca a Apelante as declarações do Sinistrado, procedendo à transcrição dos excertos tidos por relevantes, indicando o minuto da gravação (00:09:30). Procedemos à leitura do mesmo excerto. Vejamos: Foi alegado no artigo 3º da petição inicial, nomeadamente que o Sinistrado no decurso da execução da tarefa, ao colocar o pé diretamente sobre uma das telhas de fibrocimento, esta partiu-se e provocou a sua queda. O Sinistrado ao referir que falhou a viga, admite implicitamente ter colocado o pé sobre uma das telhas, como ficou assente. A dinâmica do acidente é também matéria de outros itens: - No momento e lugar referido em 2) o Sinistrado subiu por uma escada encostada à parede que, depois, estendeu sobre o telhado, para alcançar a telha a substituir. Item 3º dos factos provados - Ao fazê-lo, a telha partiu com o peso do seu corpo e o sinistrado caiu para o interior do edifício, numa altura de cerca de seis metros. Item 5º dos factos provados Ainda que tenha merecido de parte do Mm.º Juiz na motivação da decisão de facto a observação do que foi dito pelo Sinistrado sobre tal matéria: “Descrevendo ainda o sinistrado, de forma plenamente credível, que na execução de tal tarefa, quando se encontrava a tentar voltar ao solo – e não ao tentar chegar a telha a reparar (…)”, a matéria que a Apelante pretende que passe a constar do item 4º dos factos provados relativa ao percurso feito - começou por se deslocar até à placa fissurada e foi no regresso ao sair da escada que o telhado cedeu - não é matéria que se tenha como relevante, sendo que ficou assente no item 5º não que o telhado cedeu mas que a telha partiu com o peso do seu corpo e o Sinistrado caiu para o interior do edifício. Improcede nesta parte a pretensão da Apelante. É este o teor do item 10º dos factos provados: - Antes do momento referido em 2), tendo começado a cair alguns pingos de chuva no sítio em que o Autor fazia o seu trabalho de chapeiro, e perturbavam o seu desempenho, a Ré empregadora contratou com uma empresa de construção civil o serviço de substituição da placa defeituosa do telhado, de cerca de 1,5 m por 1,5 m. A este respeito lê-se na motivação da decisão de facto: “Sendo que a prova produzida acabou por ser unívoca no relato do ocorrido, sendo especialmente relevantes as declarações de parte do sinistrado, que duma forma que se teve como concretizada e coerente, sem empolamentos nem contradições que sejam de destacar, e de forma consonante com o descrito pela legal representante da Ré Entidade Empregadora e pelas testemunhas inquiridas, descreveu que foi instado a reparar a placa de fibrocimento que se encontrava por cima do seu posto de trabalho, de forma a evitar um gotejamento que o perturbava, depois duma empresa que havia sido contatada para tal não comparecer no local – cfr. comprovado em 10) e 11).” Conclui a Apelante que o facto nº 10 não reflete totalmente a prova produzida, designadamente a premência da substituição da telha ou placa fissurada, devendo ser aditado outro com a seguinte redação: “Entretanto o tempo ameaçava chuva (chuvas de outono) e era necessário proceder à substituição dessa placa para evitar impedimentos no serviço do sinistrado que tinha de ser feito nesse local”. Invoca e transcreve excertos das declarações do Sinistrado indicando minutos da gravação (00:10:55) e das declarações da Legal representante da Ré, indicando minutos da gravação (00:06:60). Lemos os mesmos excertos, sendo que do respetivo teor nada resulta em contrário relativamente ao teor do item 10. Já quanto ao facto que a Apelante alega “deve ser aditado”, trata-se de matéria conclusiva. Improcede, como tal, também nesta parte a Apelação. É este o teor das alíneas c), d) e) e f) dos factos não provados: - Entretanto, o tempo ameaçava chuva (chuvas do outono) e era necessário proceder à substituição da placa para evitar impedimentos no serviço do sinistrado, que tinha de ser feito nesse local. alínea c) dos factos não provados - A substituição da placa tinha de ser feita antes da chuva. alínea d) dos factos não provados - Sendo por estarem conscientes dessa premência que entre a gerência e o sinistrado ficou consertada a subida deste ao telhado para fazer a substituição mencionada em 2). alínea e) dos factos não provados - Com exceção da placa fissurada, todo o telhado mostrava-se em bom estado, sendo resistentes as placas de fibrocimento, e pouco espaçados entre si os apoios de vigas de ferro em que assentavam, com algumas placas translúcidas para claridade no interior. alínea f) dos factos não provados. A este respeito, consta da motivação da decisão de facto: “Certo é igualmente que contrariamente ao referido na contestação da Entidade Empregadora não podemos ter por certo o referido em c) a e). Sendo certo que a “ameaça” de período de chuva foi confessada pelo Autor, o certo é que não o foi pela Seguradora, pelo que tal confissão não pode ter como efeito a imediata prova de tais factos. Não decorrendo de forma certa de qualquer elemento instrutório adicional que estivesse previsto um qualquer período de chuva concreto, efetivo, que determinasse, com urgência, a substituição da placa de fibrocimento danificada e que levava ao gotejamento, ou sequer que tal gotejamento impedisse, em absoluto, o trabalho do sinistrado. Só tal impedimento absoluto (e não a mera perturbação) perante chuvas concretas é que justificaria concluirmos pela alegada urgência na reparação indicada nestes preceitos não provados. Razão pela qual, pese embora a assentada realizada – e que não importa a imediata confissão de todos os factos confessados pelo Autor em face da posição assumida pela Ré Seguradora – os pontos aqui em apreço se tiveram como não provados. Pelo contrário, o relatado pelos inquiridos em juízo, designadamente pelas declarações de parte da legal representante da Ré Entidade Empregadora, denota que o trabalho foi ordenado após alguma frustração com a falta de comparência de agentes de empresa contratada para o efeito, mas sem que existisse um verdadeiro perigo para o trabalho dos funcionários de Ré Entidade Empregadora que se impusesse afastar, com rapidez. A própria legal representante da Ré Entidade Empregadora admitiu igualmente que as telhas da oficina eram já antigas, sendo igualmente certo, de acordo com as regras da experiência, que placas de fibrocimento não são habitualmente resistentes ao ponto de permitirem a um adulto andar, de forma segura, em cima das mesmas – sendo as fotos a fls. 3v dos autos demonstrativas da aparente fragilidade das mesmas. Do exposto decorrendo a não prova do facto f).” Conclui a Apelante: - Os factos das alª c) e d), pelos fundamentos expostos, aqui dados por reproduzidos, devem passar a integrar o facto aditado referido na conclusão XI. - O facto da alª e) não deve manter-se como não provado, devendo ser integrado no dito facto aditado, por ser dominante; este facto não provado é contrário a toda a prova produzida, visto ser do conhecimento, tanto do Sinistrado como da Entidade empregadora, que era premente e necessária a substituição da telha ou placa, em face do período das chuvas eminente. - O facto da alª e) deve transitar para os factos provados com a seguinte redação: “Por estarem conscientes da premência da substituição da placa, face às consequências no trabalho do A., por causa do período de chuvas, e por a empresa encarregada do trabalho ter falhado, foi concertada entre A. e gerência a subida ao telhado para a dita substituição.” Como referido supra, a matéria de que, “Entretanto, o tempo ameaçava chuva (chuvas de outono) e era necessário proceder à substituição dessa placa para evitar impedimentos no serviço do sinistrado que tinha de ser feito nesse local”, é matéria conclusiva. Quanto à matéria “Por estarem conscientes da premência da substituição da placa, face às consequências no trabalho do A., por causa do período de chuvas”, foi diferentemente dado como provado, matéria que se entende por relevante, ou seja que antes de subir ao telhado no dia do acidente, tinham começado a cair alguns pingos de chuva no sítio em que o Autor fazia o seu trabalho de chapeiro, e perturbavam o seu desempenho. Sobre a matéria “(…) a empresa encarregada do trabalho ter falhado”, está dado como provado que a Ré empregadora contratou com uma empresa de construção civil o serviço de substituição da placa defeituosa do telhado, de cerca de 1,5 m por 1,5 m e que a empresa contratada para realizar o serviço faltou à palavra, não aparecendo na data marcada, nem a seguir, qualquer empregado seu, itens 10 e 11 dos factos provados. A matéria de que, “(…) foi concertada entre A. e gerência a subida ao telhado para a dita substituição”, é matéria contrária ao que ficou assente no item 2, de que “o Autor, por determinação da representante legal da empresa (BB), subiu ao telhado para proceder à colocação de uma telha.” Improcede como tal também nesta parte a pretensão da Apelante. É este o teor da alínea f): - Com exceção da placa fissurada, todo o telhado mostrava-se em bom estado, sendo resistentes as placas de fibrocimento, e pouco espaçados entre si os apoios de vigas de ferro em que assentavam, com algumas placas translúcidas para claridade no interior. A este respeito lê-se na motivação da decisão de facto: “A própria legal representante da Ré Entidade Empregadora admitiu igualmente que as telhas da oficina eram já antigas, sendo igualmente certo, de acordo com as regras da experiência, que placas de fibrocimento não são habitualmente resistentes ao ponto de permitirem a um adulto andar, de forma segura, em cima das mesmas – sendo as fotos a fls. 3v dos autos demonstrativas da aparente fragilidade das mesmas. Do exposto decorrendo a não prova do facto f).” Conclui a Apelante que o facto não provado da alª f) não deve manter-se visto que o telhado era regularmente vistoriado para substituição de placas que não estavam em condições, para além da placa translúcida inadvertidamente fraturada pelo Autor e a que estava a ser substituída não há qualquer outra referência ao estado do telhado; por outro lado, sendo uma oficina de automóveis, é impensável pelas regras de experiência, que possa chover dentro da oficina (no caso de mau estado do telhado).. Conclui ainda que deve transitar para os factos provados, com a seguinte redação: “O telhado, composto de placas de fibrocimento e translúcidas, não demonstrava fragilidades, além da placa a substituir, tendo sido já substituídas ao longo do tempo algumas placas.” Procede à transcrição de excertos que lemos, tidos por relevantes das declarações do Sinistrado (registo 00:32:16 e ss) das declarações da Legal representante da Ré, indicando os minutos da gravação em que ficaram registados (00:07:10) e (00:10:00). É conclusiva a matéria o telhado não demonstrava fragilidades. É irrelevante a matéria terem sido já substituídas ao longo do tempo algumas placas. Ficou assente que o Sinistrado “ao colocar o pé diretamente sobre uma das telhas de fibrocimento, esta partiu-se e provocou a sua queda.”, pelo que é também matéria irrelevante ser o telhado “composto de placas de fibrocimento e translúcidas”. Improcede como tal ainda a este respeito a pretensão da Apelante. Ao abrigo dos poderes oficiosos contemplados no artigo 662º, nº1 do Código de Processo Civil, impõe-se alterar a decisão sobre a matéria de facto dada como provada. É este o teor do item 7): - Não foi utilizado equipamento de proteção individual adequado, designadamente arnês e cinto de segurança, criação de uma linha de vida, botas e capacete de proteção. Ser equipamento adequado é conclusivo. Como tal o teor do mesmo item passa a ser: - Não foi utilizado equipamento de proteção individual, designadamente arnês e cinto de segurança, criação de uma linha de vida, botas e capacete de proteção. 2.2. Fundamentação de direito: Num primeiro segmento, conclui a Apelante que está em Plano de Insolvência, conforme o facto nº 29, não tendo sido notificada a Administradora da Insolvência, para informar se subsiste alguma obrigação legal junto do tribunal. Em caso de existir, há ilegitimidade da Ré. Na resposta, o Ministério Público pronuncia-se no sentido de ser a Ré Entidade Empregadora parte legítima na ação, porquanto o acidente de trabalho em apreço nos autos ocorreu em data anterior à declaração de insolvência, sendo discutida a responsabilidade da mesma pelo acidente, decorrente da violação de regras de segurança. Ficou provado: - A Ré entidade empregadora foi declarada insolvente por sentença transitada em julgado a 3-3-2021 no âmbito do processo 280/21.8T8VNG, tendo o referido processo sido declarado encerrado por homologação de plano de insolvência. (item 29 dos factos provados) A sentença proferida na presente ação especial de acidente de trabalho foi proferida já depois do trânsito em julgado da sentença que declarou a insolvência da Entidade empregadora. Não tem neste segmento razão a Apelante. A este respeito esta secção pronunciou-se no acórdão de 27/11/2023 proferido no processo nº 541/19.6T8VLG-B.P1 (mesmo coletivo), nos termos que se transcrevem e que traduzem a posição assumida a respeito desta primeira questão, como fundamentação bastante para a mesma. É este o teor das normas do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE): «Artigo 47.º Conceito de credores da insolvência e classes de créditos sobre a insolvência 1 - Declarada a insolvência, todos os titulares de créditos de natureza patrimonial sobre o insolvente, ou garantidos por bens integrantes da massa insolvente, cujo fundamento seja anterior à data dessa declaração, são considerados credores da insolvência, qualquer que seja a sua nacionalidade e domicílio. 2 - Os créditos referidos no número anterior, bem como os que lhes sejam equiparados, e as dívidas que lhes correspondem, são neste Código denominados, respetivamente, créditos sobre a insolvência e dívidas da insolvência. 3 - São equiparados aos titulares de créditos sobre a insolvência à data da declaração da insolvência aqueles que mostrem tê-los adquirido no decorrer do processo. 4 - Para efeitos deste Código, os créditos sobre a insolvência são: a) ‘Garantidos’ e ‘privilegiados’ os créditos que beneficiem, respetivamente, de garantias reais, incluindo os privilégios creditórios especiais, e de privilégios creditórios gerais sobre bens integrantes da massa insolvente, até ao montante correspondente ao valor dos bens objeto das garantias ou dos privilégios gerais, tendo em conta as eventuais onerações prevalecentes; b) ‘Subordinados’ os créditos enumerados no artigo seguinte, exceto quando beneficiem de privilégios creditórios, gerais ou especiais, ou de hipotecas legais, que não se extingam por efeito da declaração de insolvência; c) ‘Comuns’ os demais créditos.» «Artigo 51.º Dívidas da massa insolvente 1 - Salvo preceito expresso em contrário, são dívidas da massa insolvente, além de outras como tal qualificadas neste Código: a) As custas do processo de insolvência; b) As remunerações do administrador da insolvência e as despesas deste e dos membros da comissão de credores; c) As dívidas emergentes dos atos de administração, liquidação e partilha da massa insolvente; d) As dívidas resultantes da atuação do administrador da insolvência no exercício das suas funções; e) Qualquer dívida resultante de contrato bilateral cujo cumprimento não possa ser recusado pelo administrador da insolvência, salvo na medida em que se reporte a período anterior à declaração de insolvência; f) Qualquer dívida resultante de contrato bilateral cujo cumprimento não seja recusado pelo administrador da insolvência, salvo na medida correspondente à contraprestação já realizada pela outra parte anteriormente à declaração de insolvência ou em que se reporte a período anterior a essa declaração; g) Qualquer dívida resultante de contrato que tenha por objeto uma prestação duradoura, na medida correspondente à contraprestação já realizada pela outra parte e cujo cumprimento tenha sido exigido pelo administrador judicial provisório; h) As dívidas constituídas por atos praticados pelo administrador judicial provisório no exercício dos seus poderes; i) As dívidas que tenham por fonte o enriquecimento sem causa da massa insolvente; j) A obrigação de prestar alimentos relativa a período posterior à data da declaração de insolvência, nas condições do artigo 93.º 2 - Os créditos correspondentes a dívidas da massa insolvente e os titulares desses créditos são neste Código designados, respetivamente, por créditos sobre a massa e credores da massa.» Temos presente ser mais vantajoso um crédito sobre a massa insolvente do que sobre a insolvência, (…). Ainda assim, entendemos que o crédito indemnizatório do Sinistrado, por o seu fundamento, o acidente que vitimou aquele, ter ocorrido em momento anterior à declaração judicial de insolvência, atento o disposto no artigo 47º, nº1 do CIRE, é um crédito sobre a insolvência. As dívidas da massa são dívidas contraídas após a declaração de insolvência e relacionadas com o processo em que tal declaração é decidida. No caso, não se trata de uma dívida da massa insolvente pelo que se referiu, ainda que o processo emergente de acidente de trabalho tenha prosseguido, como se impunha, uma vez declarada a insolvência. Neste sentido, acórdão desta Relação de 07.04.2014, proferido no processo nº 918/12.8TTPRT.P1 (Relatora Desembargadora Paula Roberto, in www.dgsi.pt). Aí se lendo: “O presente processo como ressalta do n.º 1, e) e n.º 3, do artigo 26.º, do C.P.T. é um processo urgente e corre oficiosamente. Acresce que, o processo emergente de acidente de trabalho destina-se à efetivação de direitos resultantes deste e que se encontram definidos nas respetivas LAT, sendo que os créditos provenientes do direito às prestações estabelecidas na lei são inalienáveis, impenhoráveis e irrenunciáveis (Base XLI da Lei n.º 2127/65). (…) Acontece que, o presente processo, (…), não pode ser entendido como uma ação para cobrança de dívida tal como a mesma se encontra prevista no citado artigo 17.º-E, do CIRE. Na verdade, o objetivo primeiro dos presentes autos é a fixação da incapacidade e o respetivo grau (se for caso disso) (…) Assim sendo, entendemos que o processo emergente de acidente de trabalho não consubstancia uma ação para cobrança de dívida tal como se encontra prevista no citado artigo 17.º-E, do CIRE. Neste sentido já se pronunciou Adelaide Domingues [2], pese embora a propósito do artigo 85.º do CIRE (e não de uma situação de PER ou de pré-insolvência): <<(…) as ações especiais emergentes de acidentes de trabalho são afetadas por essa declaração de insolvência? Continuam a sua normal tramitação? Estas ações não se enquadram nas passíveis de apensação a que se reporta o artigo 85.º do CIRE, considerando o que atrás se referiu sobre a interpretação deste preceito. Mas também não se extinguem com a declaração de insolvência, prosseguindo a sua normal tramitação. (…) (…) [1] Acórdão do STJ n.º 1/2014 de 08/05/2013. [2] IX e X Congressos Nacionais de Direito do Trabalho, Memórias, Almedina, págs. 285 e 286.”» O entendimento a que chegamos, de que se trata de um crédito sobre a insolvência, tem presente a tutela assegurada ao direito do trabalhador/sinistrado às prestações que lhe forem devidas em resultado do acidente, pela intervenção no processo do Fundo de Acidentes de Trabalho (FAT) - criado pelo DL nº 142/99 de 30.04, atualizado pelo DL nº 185/2007, de 10.05, - a quem compete «garantir o pagamento das prestações que forem devidas por acidentes de trabalho sempre que, por motivo de incapacidade económica objetivamente caracterizada em processo judicial de falência ou processo equivalente, ou processo de recuperação de empresa (…) não possam ser pagas pela entidade responsável» - (artigo 1º). A responsabilidade do FAT não é autónoma ou principal, mas antes subsidiária ou de garante do pagamento das obrigações que impendem sobre as entidades responsáveis pela reparação dos acidentes de trabalho. Importa também aqui realçar que a matéria de acidentes de trabalho reporta-se a direitos indisponíveis. “O direito à reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho é um direito absolutamente irrenunciável e de exercício necessário, e para evitar que o trabalhador diminuído ou incapacitado em consequência de lesões sofridas num acidente tenha de aguardar, durante anos, que lhe seja reconhecido o direito à reparação e que lhe sejam pagas as prestações indemnizatórias que lhe tenham sido fixadas, pondo seriamente em risco a sua dignidade e a sua própria subsistência, a lei determina que os processos onde se discutem estes direitos e o pagamento destas prestações (tanto na fase declarativa como na fase executiva) tem curso oficioso e natureza urgente (arts. 26º, n.º 3, 89º e 90º, n.º 4 do CPT) e para prevenir que, em caso algum, o trabalhador sinistrado deixe de receber as prestações que lhe sejam fixadas pelo tribunal, a lei impõe a intervenção do FAT, sempre que a entidade responsável, por motivo de incapacidade económica ou por motivo de ausência, desaparecimento ou impossibilidade de identificação, não possa pagar essas prestações (art. 39º, n.º 1 da LAT, 1º, n.º 1, al. a) do DL 142/99, de 30/04). Essa incapacidade económica, como a lei igualmente determina, deve estar objetivamente caracterizada em processo judicial de insolvência ou processo equivalente ou em processo de recuperação de empresa,(…).”- Acórdão da Relação de Lisboa de 24.06.2009 (Relator Desembargador Ferreira Marques, in www.dgsi.pt), com referência à anterior LAT. Prevê o artigo 283º, nº6 do Código do Trabalho que «A garantia do pagamento das prestações que forem devidas por acidentes de trabalho que não possam ser pagas pela entidade responsável, nomeadamente por motivo de incapacidade económica, é assumida pelo Fundo de Acidentes de Trabalho, nos termos da lei.» Na atual LAT, o artigo 82º dispõe: «Garantia e atualização de pensões 1 - A garantia do pagamento das pensões estabelecidas na presente lei que não possam ser pagas pela entidade responsável, nomeadamente por motivo de incapacidade económica, é assumida e suportada pelo Fundo de Acidentes de Trabalho, nos termos regulamentados em legislação especial. (…) 3 - O Fundo referido nos números anteriores constitui-se credor da entidade economicamente incapaz, ou da respetiva massa falida, cabendo aos seus créditos, caso a entidade incapaz seja uma empresa de seguros, graduação idêntica à dos credores específicos de seguros. (…)». Em suma, é transferida para o FAT a responsabilidade da Entidade empregadora insolvente, nos termos que fiquem definidos na sentença sobre a responsabilidade desta pelo ressarcimento dos danos provenientes do acidente, ocorrido este antes de a mesma ser declarada insolvente, devendo ainda no processo emergente de acidente de trabalho, oportunamente, ser assegurada a intervenção desse organismo estadual, que passará a assegurar o pagamento das prestações devidas e em que aquela seja condenada. Ainda desta Relação, lê-se no acórdão de 11.07.2018 (Relator Conselheiro Domingos Morais, in www.dgsi.pt, com intervenção da aqui 2ª Adjunta): “Na verdade, o regime jurídico de acidentes de trabalho em Portugal assenta na subscrição de um seguro privado de contratação obrigatória, entregue a entidades privadas (Empresas de Seguros). Tal não significa que o Estado não assuma ele próprio um papel fundamental e direto no âmbito da proteção e reparação dos danos aos sinistrados de acidentes de trabalho e seus beneficiários legais. Esse papel está atribuído ao Fundo de Acidentes de Trabalho (FAT), um fundo que visa essencialmente a promoção de fins de cariz eminentemente social, no âmbito da reparação dos acidentes de trabalho. Em concreto, através do Fundo de Acidentes de Trabalho, o Estado funciona como o garante das situações que o mercado segurador, de per si, não contempla, como é o caso das atualizações das pensões, nos termos do citado artigo 82.º da LAT, ou aquelas em que intervém, subsidiariamente, relativamente à sociedade civil no que concerne à substituição da entidade responsável, sempre que esta não possa assumir o pagamento das prestações devidas em caso de acidente de trabalho em que foi condenada, por motivos de incapacidade económica, insolvência, ausência, desaparecimento ou impossibilidade de identificação da mesma. (…) Daqui resulta que sempre que na ação especial emergente de acidente de trabalho ficar demonstrada, por declaração de insolvência, a incapacidade económica do responsável patronal para proceder ao pagamento das prestações devidas ao sinistrado pelo acidente de trabalho de que foi vítima, deverá, oportunamente, fazer-se intervir o FAT no âmbito dessa ação especial, o qual passará a assegurar o pagamento dessas mesmas prestações.” Como adiantado, a conclusão a que chegamos é a de que se justifica a condenação da insolvência no pagamento da indemnização, uma vez que que os autos de processo emergente de acidente de trabalho prosseguiram, designadamente para se aferir da responsabilidade da Entidade empregadora, pelo ressarcimento dos danos provenientes do acidente, ocorrido antes da respetiva declaração de insolvência e não obstante esta, assegurando-se oportunamente, a intervenção do FAT perante a incapacidade económica daquela.” - No segundo segmento, importa saber se o trabalho do Sinistrado estava a ser executado com violação de regras de segurança imputadas à Empregadora. Na subsunção dos factos ao direito, a este respeito, lê-se na decisão recorrida: “(…) parece-nos absolutamente claro que foram violadas pela Entidade Patronal regras de segurança no trabalho, as quais foram causais da consumação do acidente, tendo omitido a Entidade Patronal o cuidado exigível a um empregador normal. Pois que resulta comprovado que o sinistrado foi encarregado pela Entidade Patronal de proceder à reparação duma placa de fibrocimento no telhado da oficina onde laborava sem que tivesse qualquer formação para desempenhar tais funções, e jamais tendo exercido tal tipo de tarefa a nível profissional no passado. Fê-lo, em suma, duma forma amadora mas por ordem profissional… Ora, como já abordamos, tentar a reparação de placas de fibrocimento instaladas num telhado, atenta a sua fragilidade, é uma atividade perigosa, que pode potenciar, como aqui se viu, quedas aparatosas. De resto, esta atividade que foi encetada pelo sinistrado é algo que temos como algo que um cidadão comum facilmente antevê como uma atividade perigosa e arriscada, pelos resultados que pode acarretar no caso duma placa não suportar o peso de quem nelas se desloca. Perante tal risco na atividade de que incumbiu ao sinistrado (reparação do telhado), atividade essa totalmente alheia às funções habituais do mesmo, que meios ofereceu a Entidade Empregadora para os minorar? Ora, como resulta da factualidade provada, não ofereceu quaisquer meios ou formação que o pudessem proteger. Foi usada, tão somente, uma escada – cujo uso nem foi sequer sugerido pela Entidade Patronal – o que é claramente insuficiente para considerarmos que preenche as obrigações legais previstas nas normas supra citadas. Houvesse a Entidade Patronal encarregado um funcionário, próprio ou de outra empresa, habilitado e experiente na realização de reparações arriscadas como a aqui em análise para desempenhar a atividade de que encarregou o sinistrado seguramente o acidente não teria ocorrido. Colocar um bate-chapas, como o era e é o aqui sinistrado, a fazer trabalhos de construção civil em altura como aqui sucedeu é, na verdade, uma conduta claramente negligente e violadora de deveres de cuidado incidentes sobre a Entidade Patronal, designadamente os previstos nas normas supra citadas e cujos resultados desvaliosos, que aqui infelizmente ocorreram, eram mais do que previsíveis – sendo que a negligência/mera culpa desta Ré, não sendo exigível na segunda hipótese prevista no art. 18º da LAT, como referimos, não pode deixar aqui de ser sublinhada. Impunha-se à Ré Entidade Patronal que salvaguardasse os meios necessários para evitar a queda dum seu funcionário pela rutura (previsível) de placas de fibrocimento durante a sua reparação acaso, por erro, tal funcionário se debruçasse de forma mais demorada sobre as mesmas, como aqui sucedeu. Assegurando a disponibilização de equipamento de segurança, a aferir de acordo com a conformação do local, que afastasse tais riscos mais que previsíveis, e que preveniriam, se tivessem sido utilizados, a ocorrência do acidente aqui em discussão. Não sendo a mera ordem dada a um funcionário para reparar o telhado (que foi o que tal Ré se limitou a fazer) uma adequada planificação e identificação dos riscos associados a tal atividade, com salvaguarda e afastamento, nos termos exigíveis, de tais riscos. Concluindo-se assim, repetimos, por uma violação pela Ré Empregadora de regras de segurança ou saúde no trabalho que a mesma estava diretamente obrigada a observar e de cuja omissão resultou o acidente Face ao exposto, subsiste a responsabilidade infortunístico-laboral da Entidade Empregadora (a par com a da Ré Seguradora, sem prejuízo do direito de regresso desta sobre aquela) abrangendo a responsabilidade da Empregadora a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais – cfr. artigo 18º da LAT – sendo as prestações devidas fixadas nos termos ali prescritos.” Vejamos: É aplicável o Código de Trabalho de 2009, aprovado pela Lei 7/2009 de 12/2 e o «Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho e de Doenças Profissionais», aprovado pela Lei nº 98/2009, de 4/09, atenta a data (28 de setembro de 2020) em que ocorreu o acidente em causa. De harmonia com o disposto no artigo 8° nº 1 da Lei nº 98/2009, de 4 de Setembro (LAT), caracteriza-se como de trabalho o acidente que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza direta ou indiretamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte. Face às posições desde logo assumidas pelas partes nos respetivos articulados, não restam dúvidas de que o acidente sofrido pelo Sinistrado se caracteriza como um acidente de trabalho, uma vez que ocorreu no local e no tempo de trabalho. A questão objeto do recurso prende-se com a eventual responsabilidade da Ré Empregadora na eclosão do acidente, com fundamento na violação de normas de segurança. É inquestionável a obrigação de o Empregador assegurar aos trabalhadores condições de segurança em todos os aspetos relacionados com o trabalho, devendo para o efeito aplicar as medidas necessárias, nomeadamente combatendo na origem os riscos previsíveis, anulando-os ou limitando os seus efeitos, dando prioridade à proteção coletiva em relação às medidas de proteção individual (Lei nº 102/2009 de 10/09, da qual se realça o disposto pelos artigos 15º e 17º quanto às obrigações gerais do empregador e do trabalhador, respetivamente). Nos termos do artigo 18º, nº 1, da Lei 98/2009 (LAT), a responsabilização subjetiva da empregadora exige que o acidente tenha sido provocado pela Entidade empregadora ou seu representante, ou resulte de falta de observação das regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho. Considerou a 1ª instância ter ocorrido violação por parte da Ré Empregadora de concretas regras de segurança. Considerou a 1ª instância também que está provado o nexo de causalidade entre tal violação e a ocorrência do acidente que vitimou o Sinistrado. Começando por aqui: Consigna-se que o Supremo Tribunal de Justiça pronunciou-se, recentemente, a este respeito, em diversos acórdãos. Lê-se no sumário do Acórdão de 03.11.2023, do STJ (in www.dgsi.pt): “I- A responsabilidade agravada do empregador pode ter dois fundamentos autónomos: um comportamento culposo da sua parte (a título de dolo ou negligência), criador de uma situação perigosa (e inerente esfera de risco); ou a violação pelo empregador de regras de segurança ou saúde no trabalho que ele estivesse diretamente obrigado a observar e de cuja omissão resulte o acidente (hipótese em que é desnecessária prova da culpa, ao contrário do que acontece naquele primeiro caso). II- Ambos os fundamentos exigem (para além do “comportamento culposo” ou da violação normativa) a prova do nexo causal entre determinada conduta (ato ou omissão) e o acidente. III- O ónus de alegar e provar os factos que agravam a responsabilidade do empregador compete ao respetivo beneficiário, nos termos do artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil. (…)” (https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/696fa541231452a480258a6000333f2b?OpenDocument) No Acórdão de 21.02.2024, do STJ (in www.dgsi.pt): “Dispõe o artº 14º, nº 1, al. a), da Lei 98/2009 (LAT): 1 - O empregador não tem de reparar os danos decorrentes do acidente que: a) For dolosamente provocado pelo sinistrado ou provier de seu ato ou omissão, que importe violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei”. Quanto ao nexo de causalidade, temos que, e segundo Galvão Teles, Manual de Direito das Obrigações, 229, no direito civilístico português vigora a doutrina da causalidade adequada: "determinada ação ou omissão será causa de certo prejuízo se, tomadas em conta todas as circunstâncias conhecidas do agente e as mais que um homem normal poderia conhecer, essa ação ou omissão se mostrava, à face da experiência comum, como adequada à produção do referido prejuízo, havendo fortes probabilidades de o originar" No Ac. do STJ de 23/9/2012, proc. 289/09.0TTSTB.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt, escreveu-se o seguinte: “Debruçando-se sobre esta temática, Pessoa Jorge começa por aludir à “teoria da equivalência das condições”, para a qual “... cada condição sine qua non seria causa de todo o efeito, porque, sem ela, as outras condições não teriam atuado” (in “Ensaio Sobre os Pressupostos Da Responsabilidade Civil” – “Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal”, Lisboa, 1 a 72, reedição, página 389). Sendo notório, porém, que uma tal teoria jamais poderia ser transposta, na sua genuinidade, para o domínio da responsabilidade civil – por ser patentemente injusto responsabilizar alguém por prejuízos que nada tiveram a ver em concreto, com a sua conduta – haverá que eleger então, de entre as várias condições do dano, aquelas que legitimam a imposição, ao respetivo agente, da obrigação de indemnizar. O nosso sistema positivo acolheu a “teoria de causalidade”, ao consignar, no artigo 563.º do Código Civil, que “...a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”. A inadequação de uma dada causa para um resultado deriva da sua total indiferença para a sua produção, que, por isso mesmo, só ocorreu por circunstâncias excecionais ou extraordinárias. A teoria da causalidade adequada impõe, pois, num primeiro momento, a existência de um facto naturalístico concreto, condicionante de um dano sofrido, para que este seja reparado; e, num segundo momento, que o facto concreto apurado seja, em geral e abstrato, adequado e apropriado para provocar o dano. E assim sendo, o facto gerador do dano só pode deixar de ser considerado sua causa adequada se se mostrar inidóneo para o provocar ou quando para a sua produção tiverem contribuído decisivamente circunstâncias anormais, excecionais, extraordinárias ou anómalas, que intervieram no caso concreto- ac. do STJ de 25/10/2018, proc. 92/16.0T8BGC.G1.S2. “(...) o artigo 563.º do Código Civil estabelece a respeito da obrigação de indemnização que esta “só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão” (…). Quer se considere que a norma consagra assim a chamada “causalidade adequada” na sua formulação negativa, quer se ponha o acento no escopo da norma violada e na interação entre o fundamento da responsabilidade e a imputação do dano ao agente 3, o lesado tem aqui apenas que invocar que a não observância das regras de segurança terá provavelmente influído na ocorrência do acidente. Como bem destacou o Tribunal da Relação de Guimarães, em Acórdão também ele recente, “trata-se de elaborar um juízo de prognose sobre se aquele facto, em abstrato e em condições normais, tem aptidão genérica para produzir aquele resultado típico que é, assim, sua consequência normal, recorrendo-se à probabilidade fundada em conhecimentos médios e em regras da experiência comum”- ac. do STJ de 3/11/2023, Proc. n.º 1694/20.6T8CSC.C1.S1. Constitui jurisprudência deste STJ (veja-se, por exemplo, o acórdão de 23-06-2023, Proc. n.º 179/19.8T8GRD.C1.S1, para cuja fundamentação exaustiva remetemos) que, para prova do nexo causal, basta a demonstração de que o sinistro é uma consequência normal, previsível da violação das regras de segurança, independentemente de se provar ou não, com todo o rigor e extensão, “a vertente naturalística”, a chamada dinâmica do acidente - cfr., igualmente, o citado Ac. de 3/11/2023.” (https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/946e6082f7adc44d80258acb003bc011?OpenDocument) No mesmo sentido, também o recente Acórdão do STJ de 22.05.2024 (in www.dgsi.pt): “ I - O nosso sistema positivo acolheu a “teoria de causalidade”, ao consignar, no artigo 563.º do Código Civil, que “...a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”. II- Para prova do nexo causal, basta a demonstração de que o sinistro é uma consequência normal, previsível da violação das regras de segurança, independentemente de se provar ou não, com todo o rigor e extensão, a chamada dinâmica do acidente.” Por último, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 6/2024, Uniformizando Jurisprudência, proferido em 17.04.2024: «Para que se possa imputar o acidente e suas consequências danosas à violação culposa das regras de segurança pelo empregador ou por uma qualquer das pessoas mencionadas no artigo 18.º, n.º 1, da LAT, é necessário apurar se nas circunstâncias do caso concreto tal violação se traduziu em um aumento da probabilidade de ocorrência do acidente, tal como ele efetivamente veio a verificar-se, embora não seja exigível a demonstração de que o acidente não teria ocorrido sem a referida violação.» (realce aqui introduzido) Já o ónus de prova dos factos que agravam a responsabilidade do empregador, cabe a quem dela tirar proveito, no caso, à Ré/Seguradora. Como referido, considerou a 1ª instância ter ocorrido violação por parte da Ré Empregadora de concretas regras de segurança. Cumpre analisar se é de manter o assim decidido. É a seguinte a redação do artigo 11º da Portaria 101/96, de 3 de Abril: «11.º Quedas em altura 1 - Sempre que haja risco de quedas em altura, devem ser tomadas medidas de proteção coletiva adequadas e eficazes ou, na impossibilidade destas, de proteção individual, de acordo com a legislação aplicável, nomeadamente o Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil. 2 - Quando, por razões técnicas, as medidas de proteção coletiva forem inviáveis ou ineficazes, devem ser adotadas medidas complementares de proteção individual, de acordo com a legislação aplicável», (sublinhado nosso). Este artigo, limitando-se a estabelecer princípios gerais quanto ao uso de equipamento anti queda e ainda que remetendo para o Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil, o Decreto nº 41821, de 11.08.58, não se aplica apenas se a Entidade empregadora se dedicar à Construção Civil. Estipula-se no Decreto Lei 50/05, de 25 de Fevereiro, (diploma que transpôs para a ordem jurídica interna a Diretiva nº98/655/CEE, do Conselho, de 30.11., alterada pela Diretiva nº95/63/CE, do Conselho, de 05.12, e pela Diretiva nº2001/45/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27.06., relativa às prescrições mínimas de segurança e de saúde para a utilização pelos trabalhadores de equipamentos de trabalho): Artigo 36º «Disposições gerais sobre trabalhos temporários em altura 1 - Na situação em que não seja possível executar os trabalhos temporários em altura a partir de uma superfície adequada, com segurança e condições ergonómicas apropriadas, deve ser utilizado equipamento mais apropriado para assegurar condições de trabalho seguras. 2 - Na utilização de equipamento destinado a trabalhos temporários em altura, o empregador deve dar prioridade a medidas de proteção coletiva em relação a medidas de proteção individual. 3 - O dimensionamento do equipamento deve corresponder à natureza dos trabalhos e às dificuldades que previsivelmente ocorram na sua execução, bem como permitir a circulação de trabalhadores em segurança. (…)» Artigo 37.º «Medidas de proteção coletiva 1 - As medidas de proteção coletiva destinadas a limitar os riscos a que os trabalhadores que executam trabalhos temporários em altura estão sujeitos devem atender ao tipo e características dos equipamentos de trabalho a utilizar. 2 - Sempre que a avaliação de riscos considere necessário, devem ser instalados dispositivos de proteção contra quedas, com configuração e resistência que permitam evitar ou suster quedas em altura. 3 - Os dispositivos de proteção contra quedas só podem ser interrompidos nos pontos de acesso de escadas, verticais ou outras. 4 - Se a execução de determinados trabalhos exigir, tendo em conta a sua natureza, a retirada temporária de dispositivos de proteção coletiva contra quedas, o empregador deve tomar outras medidas de segurança eficazes e, logo que a execução dos trabalhos termine ou seja suspensa, instalar esses dispositivos», (sublinhado nosso). Da matéria que resultou provada importa atender a que: - O Autor, exercendo a sua atividade de chapeiro de automóveis, sob as suas ordens, direção e fiscalização da segunda Ré, ao serviço desta, no dia 28 de setembro de 2020, pelas 10h, em ... e por determinação da Representante legal da empresa, subiu ao telhado para proceder à colocação de uma telha, por uma escada encostada à parede que, depois, estendeu sobre o telhado, para alcançar a telha a substituir. - Antes do acidente, tendo começado a cair alguns pingos de chuva no sítio em que o Autor fazia o seu trabalho de chapeiro, e perturbavam o seu desempenho, a Ré Empregadora contratou com uma empresa de construção civil o serviço de substituição da placa defeituosa do telhado, de cerca de 1,5 m por 1,5 m, tendo a empresa contratada para realizar o serviço faltado à palavra, não aparecendo na data marcada, nem a seguir, qualquer empregado seu. - Foi o Sinistrado quem sugeriu o emprego de uma escada de alumínio composta de duas partes, deitada sobre o telhado, em cima da qual ia deslocar-se, o que permitia não fazer incidir o peso do corpo sobre qualquer placa, mas distribuí-lo pela superfície da escada. - No decurso da execução da tarefa, depois de se deslocar de cócoras até ao fim da escada, impunha-se sair da escada para a deslocar mais, o que o Sinistrado fez pisando uma das telhas de fibrocimento, sendo que ao colocar o pé diretamente sobre a telha, esta partiu-se com o peso do seu corpo e provocou a sua queda para o interior do edifício, numa altura de cerca de seis metros. - Não existia no local da obra qualquer equipamento de proteção contra o risco de quedas em altura, nomeadamente passadiços sobre o telhado, não foi utilizado equipamento de proteção, designadamente arnês e cinto de segurança, com a criação de uma linha de vida, botas e capacete de proteção. - A Entidade empregadora não avaliou a extensão do telhado em placas de fibrocimento, o peso do Sinistrado com 1,79 m de altura e não foi dada formação específica sobre os riscos do trabalho em altura ao Sinistrado, que à data do evento em apreço, não tinha experiência profissional na execução de trabalhos em altura. - A inclinação da cobertura é suave, não constituindo perigo de escorregadela, o tempo estava seco e as placas não estavam húmidas. - As vigas de metal em que assentam as ditas placas são espaçadas cerca de 1 m entre elas. Encontrando-se o Trabalhador na cobertura do armazém da Entidade empregadora, importa antes de mais, averiguar se no caso era exigível o uso de proteção individual. O Decreto 41821/58, de 11.08.1958 - Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil -, determina: «Obras em Telhados Artigo 44.º No trabalho em cima de telhados que ofereçam perigo pela inclinação, natureza ou estado da sua superfície, ou por efeito de condições atmosféricas, tomar-se-ão medidas especiais de segurança, tais como a utilização de guarda-corpos, plataformas de trabalho, escadas de telhador e tábuas de rojo. § 1.º As plataformas terão a largura mínima de 0,40 m e serão suportadas com toda a segurança. As escadas de telhador e as tábuas de rojo serão fixadas solidamente. § 2.º Se as soluções indicadas no corpo do artigo não forem praticáveis, os operários utilizarão cintos de segurança providos de cordas que lhes permitam prender-se a um ponto resistente da construção. Artigo 45.º Nos telhados de fraca resistência e nos envidraçados usar-se-á das prevenções necessárias para que os trabalhos decorram sem perigo e os operários não se apoiem inadvertidamente sobre pontos frágeis» (sublinhado nosso). As medidas de segurança previstas no artigo 44º, do Decreto nº 41821, só são obrigatórias, nas circunstâncias aí referidas, quando existe risco de queda devido a) à inclinação do telhado, b) à fragilidade do material de cobertura e c) à existência de condições atmosféricas adversas. Por sua vez, o artigo 11.º da Portaria n.º 101/96, de 3 de abril, prevê o risco de queda em altura e determina que «sempre que haja risco de quedas em altura, devem ser tomadas medidas de proteção coletiva adequadas e eficazes ou, na impossibilidade destas, de proteção individual, de acordo com a legislação aplicável, nomeadamente o Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil» [n.º 1] e «quando, por razões técnicas, as medidas de proteção coletiva forem inviáveis ou ineficazes, devem ser adotadas medidas complementares de proteção individual, de acordo com a legislação aplicável» [n.º 2]. Lê-se ainda no acórdão desta secção, proferido no processo 104/14.2T4AGD.P1, «(…), o facto de se andar em cima de um telhado, por si só, não obriga à adoção de medidas de proteção, competindo à entidade responsável provar que na situação em concreto o telhado não oferecia condições para sobre ele se caminhar por se verificar alguma das situações atrás indicadas. Na verdade, a averiguação do risco de queda tem de ser analisada, em função das concretas circunstâncias do caso. Por outras palavras, devemos colocar-nos na posição do sinistrado no momento que antecedeu o cumprimento da tarefa que se propunha executar, e avalia-la em termos de risco de queda. Como se refere no acórdão desta Secção Social, de 09.12.2013 (…) “para que se verifique a responsabilidade agravada do empregador é necessário que a previsibilidade do risco lhe possa ou deva ser imputável, sendo o juízo de prognose quanto à avaliação do risco feito a priori, perante o circunstancialismo que se verificava aquando do acidente, e não, a posteriori, perante a ocorrência do mesmo” – Colectânea Jurisprudência, ano 2013, tomo V, página 332. Igual posição foi tomada no acórdão desta Secção Social de 13.01.2014, (…), onde se refere que “Não basta que tenha ocorrido um acidente de trabalho traduzido em queda em altura para, de imediato e sem mais, se poder afirmar que houve violação das regras de segurança, não podendo a eclosão do acidente ser o ponto de partida para se ajuizar da necessidade de implementar uma determinada medida de segurança” – Colectânea Jurisprudência, ano 2014, tomo I, página 334». Mais recentemente, o Acórdão desta secção proferido no processo nº38/19.4T8AVR.P1, em 12.07.2023 (Relatora Desembargadora Rita Romeira, com intervenção do Desembargador António Luís Carvalhão, ambos aqui Adjuntos, in www.dgsi.pt,) citando também os acórdãos de 09.12.2013 e 13.01.2014 e ainda a sentença recorrida: “não podermos deixar de subscrever e salientar o referido pelo Mº Juiz “a quo” quando afirma que, “Tratando-se de um domínio em que, conforme já referido, se vem entendendo que a deslocação numa cobertura não é, por si só, bastante para justificar a utilização de meios específicos de segurança, […]”.” No mesmo sentido, ainda o Acórdão desta secção proferido no processo nº1564/15.0Y2MTS.P1, de 04-02-2019 (Relator Desembargador Nélson Fernandes, com intervenção da aqui relatora e 2ªAdjunta, in www.dgsi.pt), no sumário: “(…) A simples prova de que o sinistrado, pontualmente, por estar entupida uma canalização, com vista a essa essa substituir, subiu a um telhado, composto de telhas de fibrocimento e algumas translúcidas, e que, ao pisar uma destas últimas, a mesma se deslocou/desprendeu, determinando a queda daquele ao solo, não é suficiente – provando-se nomeadamente que estava bom tempo, que a cobertura estava em bom estado de conservação e que a sua inclinação não era acentuada – para se poder concluir que o estado dessa cobertura fosse deficiente, em termos de resistência e segurança, para justificar que, previamente, face aos dados disponíveis, se tivessem de tomar previamente medidas de Segurança coletivas ou individuais. (como se provou, estava bom tempo).” (sublinhado introduzido) Em concreto, sobre as condições atmosféricas existentes no dia do acidente, provou-se que o tempo estava seco. Já sobre a inclinação da cobertura provou-se que é suave, não constituindo perigo de escorregadela. Mais se provou que a cobertura tinha uma placa defeituosa, as vigas de metal em que assentam as placas são espaçadas cerca de 1 m entre elas e as placas não estavam húmidas. Quanto ao estado das telhas de fibrocimento que se encontravam no telhado e à fragilidade do respetivo material, nada mais se demonstrou. Assim sendo e ainda que tenha sido quando o Sinistrado colocou o pé numa das telhas de fibrocimento que esta se partiu, com o peso do seu corpo, provocando a sua queda para o interior do edifício, numa altura de cerca de seis metros, por si só, e em termos de normal previsibilidade, não pode dizer-se que a tarefa comportava a existência de risco de queda em altura e ser exigível à Empregadora a adoção de medidas especiais de segurança. Provou-se que como sugerido pelo Sinistrado, foi utilizada uma escada de alumínio composta de duas partes, deitada sobre o telhado, em cima da qual ia deslocar-se, o que permitia não fazer incidir o peso do corpo sobre qualquer placa, mas distribuí-lo pela superfície da escada. Concluímos que a partir de uma avaliação de prognose, a única possível antes da realização dos trabalhos, não resulta da factualidade provada que quaisquer outras medidas de proteção eram imperativas para evitar o risco de quedas. Dito de outro modo, a factualidade que se deixou evidenciada não é suficiente para se concluir pela generalizada fragilidade do material de cobertura do telhado - «(…) situação que exigiria o uso de equipamentos de proteção contra quedas para efetivar qualquer deslocação nesse espaço», como se lê no acórdão do S.T.J. de 19.10.2005, in www.dgsi.pt, - afigurando-se que as circunstâncias concretas em que ocorreu o acidente não permitem aferir que se justificava um resguardo acrescido e que, não tendo assim sido assegurado, se possa concluir que a Ré Empregadora violou, sem causa justificativa, as normas de segurança que se impunham adotar no caso. Em conformidade, a matéria factual é insuficiente para permitir concluir ter havido a violação consciente de regras legais de segurança causadora do sinistro. Como tal, entendemos que não se verificam os pressupostos do funcionamento do artigo 18º, nº 1, da LAT, já que se provou que a inclinação da cobertura é suave, não constituindo perigo de escorregadela [ponto 12) dos factos provados] e a Seguradora não logrou fazer prova, designadamente, de que o telhado estava "em más condições". Com arrimo no acórdão desta secção de 04.02.2019, supra citado, cuja fundamentação temos como pertinente aqui transcrever: “Na verdade, aceitando-se que os trabalhos em cima de um telhado possam apresentar algum risco de queda em altura, precisamente por decorrem em altura, pois que um telhado, regra geral, se situa a alguma distância do solo, o certo é que o legislador, naturalmente ciente desse facto, nos citados artigos 44.º e 45.º do DL 41.821/58, antes citados, como bem se afirma no Acórdão desta Relação de 23 de março de 2015[7] anteriormente citado, considerou que não seria esse, por si só, o fator determinante da necessidade de adoção de medidas de proteção. Diversamente, como resulta das citadas normas, entendeu-se que essas medidas se justificariam nos casos em que os telhados ofereçam perigo pela inclinação, natureza ou estado da superfície, ou por efeito de condições atmosféricas (artigo 44.º), ou em que tenham fraca resistência (artigo 45.º). Ora, no caso, face ao que se provou, não vemos como possamos concluir pela verificação de qualquer das indicadas previsões, pois que não se demonstrou, sendo esse como se disse anteriormente ónus que impendia sobre o Autor e sobre a Ré seguradora [(…)]. [(…)] Concluindo, não foi feita no caso a prova de que, pela sua inclinação, natureza ou estado da superfície, por efeito de condições atmosféricas ou que a sua estrutura não fosse suscetível de suportar o peso do Sinistrado/autor, o telhado, a que este acedeu, apresentasse particular perigo de queda, que impusesse a adoção de outras medidas de segurança, nomeadamente de proteção coletiva (redes antiqueda, plataforma de trabalho ao nível da cobertura e tábuas de rojo, etc.) ou de proteção individual (arnês ou cinto de segurança), sem esquecermos que os riscos (e na sequências as medidas a adotar), como se disse já, terão de ser aferidos, perante o concreto circunstancialismo provado, em momento anterior ao acidente. Daí que, no caso, verdadeiramente, não se nos afigure que, num juízo de prognose anterior ao acidente (e não pois a posteriori, a partir da constatação do mesmo), o acidente que é objeto de apreciação nos presentes autos possa ser imputável, ou possa sequer ser imputado, à violação pela Ré empregadora de normas de segurança.” Impõe-se revogar a sentença recorrida na parte em que considerou existir responsabilidade subjetiva da Empregadora e que esta responde nos termos do artigo 18º, nº 1, da LAT, por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo Sinistrado e que a Ré Seguradora responde, nos termos do artigo 79º, nº 3, da LAT, pela satisfação do pagamento das prestações que seriam devidas caso não houvesse atuação culposa, sem prejuízo do direito de regresso. Procede, em conformidade, nesta parte, o recurso interposto. 3. Decisão: Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto: - Julgar parcialmente procedente a impugnação da matéria de facto; - Julgar procedente a apelação revogando a sentença recorrida na parte em que condenou a Ré B... Lda. Confirmar no mais a sentença recorrida. Custas da ação e da apelação pela Seguradora. Porto, 11/12/2024. Teresa Sá Lopes António Carvalhão Rita Romeira |