Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | JOSÉ IGREJA MATOS | ||
| Descritores: | RECURSO REVOGAÇÃO NOVA DECISÃO NO TRIBUNAL RECORRIDO NOVO RECURSO COMPETÊNCIA DISTRIBUIÇÃO MESMO RELATOR | ||
| Nº do Documento: | RP20240509977/19.2T8STS.P2 | ||
| Data do Acordão: | 05/09/2024 | ||
| Votação: | DECISÃO SINGULAR | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA | ||
| Decisão: | DISTRIBUIÇÃO AO MESMO RELATOR | ||
| Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I – Acompanhando a previsão do artigo 218º do Código do Processo Civil, sempre que como consequência de revogação tiver “de ser proferida nova decisão no tribunal recorrido” em relação à qual foi “interposta e admitida nova apelação”, a consequência será que este novo recurso deve ser, sempre que possível, “distribuído ao mesmo relator”. II – Tal distribuição ao mesmo relator, por força do imposto pelo preceito em causa, deve ser feita independentemente de a revogação ser total ou parcial ou de o novo recurso dizer respeito a uma outra e distinta fase processual. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Processo n.º 977/19.2T8STS.P2 I – Relatório A Massa Insolvente de A..., Lda. instaurou ação declarativa sob forma comum contra AA e BB e B..., S.A.na Instância Local Cível de Santo Tirso, Comarca do Porto, peticionando: a) a condenação dos réus, pessoas singulares, a no prazo de 5 dias, a repor a parede que divide o prédio da autora e dos referidos réus conforme foto n.º 14; b) caso os réus pessoas singulares não cumpram o requerido em a) será a autora a repor a situação – levantamento da parede – apresentando os custos aos réus pessoas singulares; c) a condenação da ré pessoa coletiva a colocar contador na habitação dos réus pessoas singulares e a cortar todas as ligações ilegais no contador da autora que se encontra situado no seu prédio e/ou a colocar um novo, devendo ainda alterar o nome do mesmo tal como outrora existiu, ou seja, em nome da autora e, ainda, tomando todas as diligências necessárias para dar cumprimento ao exposto; d) a condenação dos réus, pessoas singulares, ao pagamento à autora dos danos patrimoniais no montante total de € 4.472,28; e) a condenação dos réus, pessoas singulares, ao pagamento à autora de indemnização pelos danos causados no montante € 11.000,00; f) a condenação dos réus, pessoas singulares ao pagamento de sanção pecuniária compulsória com um valor diário de € 100,00 desde o trânsito em julgado da decisão final proferida na ação n.º2384/08.3TBSTS-AF, ou seja, desde o dia 28 de outubro de 2014 até ao integral cumprimento, tudo nos termos do artigo 365º nº 2 do Código de Processo Civil; g) a condenação da ré pessoa coletiva ao pagamento de sanção pecuniária compulsória no valor diário de € 100,00 desde 11 de abril de 2017 até ao cumprimento efetivo requerido Após tramitação e exercício do contraditório, foi proferido despacho a fixar o valor da causa no montante de € 16.000,00, dispensou-se a realização de audiência prévia, julgou-se improcedente a exceção de ilegitimidade ativa, julgou-se verificada a exceção da nulidade parcial do processo, no que se refere aos pedidos formulados nas alíneas a) b) e d) (nesta parte no que se refere ao pedido de condenação dos réus no pagamento da quantia de € 2.764, 72, tendo em conta os factos constantes do artigo 27º da petição inicial), e) e f), absolvendo os réus da instância, nessa parte e julgou-se prejudicado o conhecimento da exceção de litispendência. Inconformada com a decisão que precede que absolveu parcialmente da instância os réus, a Massa Insolvente de A..., Lda. interpôs recurso de apelação, sendo proferido acórdão pelo Coletivo deste Tribunal da Relação e que terminou com o dispositivo que na parte pertinente se reproduz: “Pelo exposto, os juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pela Massa Insolvente de A..., Lda. e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida proferida em 17 de março de 2020 apenas no que tange ao pedido formulado na alínea d) do petitório final, no apontado segmento (€ 2.764,72) e bem assim quanto à parte do pedido formulado na alínea e) do mesmo petitório, que respeite a danos resultantes da mora na prestação de facto positivo a que os réus estavam obrigados e cumuláveis com a prestação de contas prevista no nº 2, do artigo 871º do Código de Processo Civil, revogando-se, no mais.” Tendo sido as decisões revogadas proferidas em sede de despacho saneador, o processo prosseguiu na 1ª instância tendo sido realizada audiência final e, após, proferida sentença que terminou com o seguinte dispositivo: “Nesta conformidade, julgo a presente ação parcialmente procedente, por provada, e em consequência: - reconhece-se a Autora MASSA INSOLVENTE DE A..., LDA. dona e legítima proprietária do prédio urbano situado na rua ..., anteriormente Lugar ..., descrito na Conservatória do Registo predial com a descrição n.º .../..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... (atual artigo ...); - condenam-se os 1.ºs Réus, AA e mulher, BB, a restituir à Autora o referido imóvel, repondo a parede que divide esse prédio do prédio do identificado em E., conforme foto n.º 14 junta com a petição inicial, no prazo de 10 dias, e a absterem-se de aceder, utilizar ou realizar qualquer puxada originária nesse contador, de modo a beneficiarem de energia elétrica que por ele seja contada; - condenam-se os 1.ºs Réus, AA e mulher, BB, a que caso não executem as obras no prazo concedido, paguem à Autora a quantia que a mesma vier a ter que despender para esse efeito”. Inconformados com esta decisão, os réus interpuseram recurso de apelação tendo sido os autos sido distribuídos a um Exmo. Desembargador desta Relação o qual proferiu o seguinte despacho que parcialmente se transcreve: “Manda o art. 218.º do CPCivil que “[s]e em consequência de anulação ou revogação da decisão recorrida (…) tiver de ser proferida nova decisão no tribunal recorrido e dela for interposta e admitida nova apelação ou revista, o recurso é, sempre que possível, distribuído ao mesmo relator”. Ora, os presentes autos sobem agora a esta Relação em recurso de apelação pela 2.ª vez, no seguimento de nova decisão pelo tribunal recorrido, cuja razão de ser, por sua vez, emerge diretamente do acórdão desta Relação de 8.3.2021, que revogou a 1.ª decisão proferida em 1.ª instância. Com efeito, tendo a dita primeira decisão proferida em 1.ª instância julgado “verificada a exceção da nulidade parcial do processo, no que se refere aos pedidos formulados nas alíneas a) b) e d) (nesta parte no que se refere ao pedido de condenação dos réus no pagamento da quantia de € 2.764, 72, tendo em conta os factos constantes do artigo 27º da petição inicial), e) e f), absolvendo os réus da instância, nessa parte”, o mencionado acórdão desta Relação confirmou a decisão recorrida “apenas no que tange ao pedido formulado na alínea d) do petitório final, no apontado segmento (€ 2.764,72) e bem assim quanto à parte do pedido formulado na alínea e) do mesmo petitório, que respeite a danos resultantes da mora na prestação de facto positivo a que os réus estavam obrigados”, e revogou-a quanto mais, designadamente quanto aos pedidos formulados nas alíneas a) e b). Em consequência dos termos da revogação ditada pelo acórdão, a tramitação prosseguiu em primeira instância, levando à prolação de sentença que, apreciando os ditos pedidos formulados sob as alíneas a) e b), condenou os Réus nos mesmos, e daí este novo recurso de apelação. Perante os trâmites descritos, não se vê razão alguma que justifique os termos em que foi feita a última distribuição, a relator distinto do que interveio no dito acórdão de 8.3.2021. Pelo exposto, julgo verificado erro na última distribuição e, consequentemente, ao abrigo do preceituado no art. 213.º, n.º 4, do CPCivil, determino a realização de nova distribuição, com a atribuição do processo ao Exmo. Relator do mencionado acórdão de 8.3.2021” Regressado o processo ao relator do primeiro acórdão o mesmo veio proferir douto despacho onde, na essência, argumenta como segue: - sem prejuízo do nosso despacho enquanto Presidente deste Tribunal da Relação, proferido em 26 de setembro de 2023, no processo nº 1521/21.4T8VFR.P2, entendeu-se dever tomar posição sobre o alcance do artigo 218º do Código de Processo Civil; - nessa tomada de posição, após citar-se a proposta de Lei nº 113/XII (2.ª), publicada no Diário da Assembleia da República, II Série-A, nº 41, 3ª Suplemento de 30 de novembro de 2012, designadamente onde se lê que “No que respeita aos tribunais superiores, estabelece-se identicamente como regra a manutenção do relator, no caso de ter de ser reformulada a decisão recorrida e, na sequência de tal reformulação, de vir a ser interposto e apreciado um novo recurso. Se, em consequência de anulação ou revogação da decisão recorrida ou do exercício pelo Supremo Tribunal de Justiça em sede de revista, tiver de ser proferida nova decisão no tribunal recorrido e dela for interposta e admitida nova apelação ou revista, o recurso é, sempre que possível, distribuído ao mesmo relator.” - a partir do trecho que se acaba de citar, entende-se que “resulta evidente, a nosso ver, que o disposto no artigo 218º do Código de Processo Civil foi talhado para os casos em que na sequência da decisão do Tribunal ad quem vem a ser reformulada a decisão recorrida e dela vem a ser interposto novo recurso.” Assim, só faria “sentido justificar o regime do artigo 218º do Código de Processo Civil no princípio da concentração do recurso se o recurso que deu origem ao acórdão revogatório ou anulatório se inserir na mesma fase processual do que venha a ser interposto na sequência do referido acórdão.” - afastados estariam os casos em que, tendo sido revogada ou anulada uma decisão do tribunal a quo, numa certa fase processual e, prosseguindo os autos os seus termos processuais, vem a ver proferida em ulterior fase processual nova decisão que depois vem a ser objeto de recurso. Neste sentido, invoca-se uma decisão proferida pelo Exmo. Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Évora a partir de uma citação doutrinal do CPC Anotado de António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Vol. I, 3ª Edição, Almedina 2022, anotação 1 ao artigo 218º do Código de Processo Civil, páginas 276 e 277 com o mesmo entendimento. - prossegue-se com o caso extremo relativo ao indeferimento liminar. Deste modo, “quando é revogada pela Relação uma decisão de indeferimento liminar, que justificação racional existe para que o recurso interposto da sentença que venha a ser proferida em tais autos após realização de audiência final seja distribuído ao mesmo relator que conheceu do recurso interposto contra o despacho de indeferimento liminar?” - conclui-se que tal entendimento não corresponde ao intento legislativo, não traz quaisquer vantagens na atribuição ao mesmo juiz de todos os recursos que nesses autos venham a ser interpostos e, sobretudo, não resulta que tal solução se possa fundar no princípio da concentração do recurso no mesmo juiz; determina-se, portanto, que os presentes autos sejam de novo “redistribuídos”, atribuindo-se ao primitivo relator. Regressado o processo ao relator a quem fora distribuído o mesmo tomou posição no sentido de manter o já por si defendido. Em síntese, argumenta que: - do texto da norma do art. 218.º do CPCivil, decorre com meridiana clareza que a “distribuição ao mesmo relator” depende unicamente da verificação dos seguintes pressupostos: que tenha sido proferida decisão pela Relação no sentido de anular ou revogar a decisão da 1.ª instância; que da decisão da Relação tenha resultado a necessidade de prolação de nova decisão pela 1.ª instância; e que da nova decisão tenha sido interposta e admitida nova apelação. - assim, o único pressuposto legal é que a dita “nova decisão” seja consequência da decisão da Relação que anulou ou revogou a “primeira decisão” – apenas isso. - ora “não fora o sentido da decisão tomada por este Tribunal da Relação, por acórdão de 8.3.2021, jamais haveria necessidade de o Tribunal de 1.ª Instância proferir nova decisão sobre os pedidos formulados sob as respetivas alíneas a) e b), e pela simples razão de que a primeira decisão do Tribunal a quo havia absolvido os Réus da instância quanto àqueles pedidos.” - daí que “com todo o respeito, nenhuma razão vemos para apelar a critérios de todo estranhos à simplicidade e clareza do dito texto legal, nomeadamente à “mesma fase processual”, com referência a uma e outra das decisões proferidas pela 1.ª instância, como parece defender-se no douto despacho de 5.2.2024. Se o pensamento do legislador fosse esse, certamente não lhe faltariam as palavras certas para o expressar.” - entende-se assim que outro critério que não o que resulta da letra da lei “não são aptos a acautelar o interesse “profilático” prosseguido pelo legislador, “de obviar à proliferação de decisões formais nas instâncias superiores”, assim como de alcançar “objetivos atinentes à eficiência dos mecanismos processuais”. - conclui, portanto, que, à luz da norma inserta no artigo 218.º do CPCivil, a não atribuição dos autos ao mesmo relator da decisão do primeiro recurso, apenas se justificará quando para a prolação da decisão objeto do segundo recurso em nada tenha contribuído a decisão do primeiro. Não é manifestamente o que se passa na situação em apreço pelo que se entende dever manter o entendimento que vem sendo adotado pelo Presidente do Tribunal da Relação do Porto. Desencadeado o presente conflito negativo de competência, foi cumprido o disposto no artigo 112º, nº1 e 2 do Código do Processo Civil (CPC), sendo colhido o douto parecer do Ministério Público. Neste foi propugnado que a competência para conhecer do processo em causa deveria ser atribuída ao Ex.mo Desembargador que já apreciou um recurso no processo, conforme a previsão normativa do art. 218º que se aplicaria, portanto, a este caso em apreço. II – Fundamentação Cumpre apreciar e decidir. Como vimos referindo, está em causa, em rigor, um conflito relativamente a um eventual erro de distribuição, sem prejuízo de, em qualquer caso, caber ao Presidente da Relação dirimir o mesmo, indicando a solução a adotar. Explicado o conflito, o qual se explicita numa interpretação distinta do artigo 218.º do Código do Processo Civil (CPC), temos que este preceito determina a manutenção do relator no caso de novo recurso nos seguintes termos: “Se, em consequência de anulação ou revogação da decisão recorrida ou do exercício pelo Supremo Tribunal de Justiça dos poderes conferidos pelo n.º 3 do artigo 682.º, tiver de ser proferida nova decisão no tribunal recorrido e dela for interposta e admitida nova apelação ou revista, o recurso é, sempre que possível, distribuído ao mesmo relator.” (sublinhados nossos) A tese propugnada pelo Exmo. Desembargador que entendeu não dever o presente processo ao mesmo relator pode igualmente ser encontrada no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 13 de fevereiro de 2020, processo 308/16.3T8SLV.E2, disponível em dgsi.pt. Defende-se que nos casos em que a primeira decisão versou sobre um dado tema que ficou definitivamente decidido/encerrado; assim, o novo recurso não deve ser distribuído ao mesmo relator. Citando o dito aresto: “trata-se de ir compartimentando o processado: fechando-se nele um tema, o recurso anterior que sobre ele haja sido proferido nada impõe aos recursos seguintes e não poderá vir ainda a condicioná-los, nomeadamente nesta questão da atribuição ao mesmo relator.” Como reproduzimos acima, distingue-se, portanto, a apreciação dos diversos recursos no âmbito do mesmo processo, consoante os mesmos ocorram em diferentes fases processuais, entendendo-se que, uma vez encerrada uma dessas fases, haveria que proceder a nova distribuição, desaplicando-se o disposto no referido artigo 218º. Indica-se como exemplo limite aquele relativo ao indeferimento liminar. Assim, neste caso extremo não haveria qualquer justificação racional para que o recurso interposto da sentença fosse distribuído ao mesmo relator que apenas apurou do recurso relativo a um despacho logo no início do processado. Em sentido contrário, temos igualmente uma argumentação ponderosa. Sabe-se que a importância prática do artigo 218º do CPC provem do aproveitamento do estudo – maior ou menor - que o relator já teve de realizar no recurso anterior sobre o respetivo objeto da causa; como afirma Abrantes Geraldes (in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2014, 2.ª edição, pág. 251): “como inovação do NCPC, sempre que a Relação anule a sentença ou determine a ampliação da decisão da matéria de facto, o recurso que eventualmente venha a ser interposto da sentença que for de novo proferida será apresentado diretamente ao mesmo relator do anterior acórdão (art. 218.º). Esta medida além de se revelar profilática relativamente a excessos formais que conduzam à anulação da sentença ou à ampliação do julgamento, tem a seu favor motivos de ordem racional, já que se mostra coerente que seja o mesmo relator do anterior acórdão a reapreciar o modo como a 1.ª instância acatou o que nele foi decidido e determinado. Acrescem ainda ganhos de eficácia que seriam desperdiçados se acaso o novo recurso de apelação entrasse na distribuição geral.” Pois bem. Reiterando o procedimento num caso similar por nós decidido e citado no presente incidente, comecemos por analisar o teor da decisão proferida em primeiro lugar nesta Relação na parte dispositiva, discernindo objetivamente qual foi a opção tomada pelo Coletivo. Ora, consta expressamente da mesma que a decisão recorrida foi parcialmente revogada. Concretizando, temos que a sentença da primeira instância foi confirmada “no que tange ao pedido formulado na alínea d) do petitório final, no apontado segmento (€ 2.764,72) e bem assim quanto à parte do pedido formulado na alínea e) do mesmo petitório” e foi revogada em tudo o mais. Porque se estava na fase do despacho saneador, esta revogação implicou o prosseguimento dos autos para apreciação e decisão dos demais pedidos formulados; a decisão final proferida resulta ser, justamente, a agora alvo de novo escrutínio, por via de novo recurso. Ou seja, acompanhando a previsão do artigo 218º do CPC, como consequência dessa “revogação (...) da decisão recorrida” teve “de ser proferida nova decisão no tribunal recorrido” em relação à qual foi “interposta e admitida nova apelação”; donde, explicitamente verificados todos estes pressupostos, a consequência será que este novo recurso deve ser “distribuído ao mesmo relator”. Não fora a decisão do primeiro recurso na parte revogatória, não teríamos nova decisão; existindo a mesma, a lei aponta a nomeação do mesmo relator. A circunstância daquela revogação ter sido parcial ao caso não importa – nisso todos estaremos de acordo - tanto mais que a nova apelação diz respeito precisamente à nova decisão que adveio por força daquela revogação. Ora, repetindo o por nós decidido em 26/09/2023, no Processo n.º 1531/21.4T8VFR.P2, sempre com o devido respeito por opinião contrária, não descortinamos motivo para entender que a revogação de uma decisão implique nuns casos a distribuição do novo recurso ao mesmo relator e noutros casos já não o imponha. A lei não distingue entre revogações – trata-as todas da mesma maneira, seja qual for o motivo que esteve na sua origem. E isto vale quer para as revogações, quer para as anulações. Revogada, ou anulada, uma decisão e regressando a nova sentença ao tribunal da Relação, o relator deve ser o mesmo. Como defendemos já: “Estamos no domínio da aplicação de um princípio intemporal do direito, expresso no brocardo latino: “ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus”, isto é, onde a lei não distingue, não deve o intérprete distinguir. Dito de outro modo, distinções interpretativas não devem ser reconhecidas quando sirvam para afastar uma regra legalmente estabelecida e de leitura unívoca.” Poderá inclusivamente ocorrer que o novo recurso verse sobre matéria que não tem que ver com a apreciada no recurso anterior; todavia, tal circunstância não põe em causa o preenchimento dos pressupostos definidos no referido artigo 218º conforme resulta da mera leitura do preceito o qual, mal ou bem, a nosso ver, não abre caminho para dúvidas. O caso mais abrasivo será, como bem se refere acima, o do indeferimento liminar. Não tanto, salvo opinião contrária, a situação ora em apreço a qual se debruçou sobre os pedidos formulados, estudou-os, decidiu da bondade de uns e da extemporaneidade da apreciação relativamente a outros. Mas, independentemente da bondade, discutível, da opção legislativa, não julgamos, mesmo neste caso extremo, poder entender diversamente. O legislador tomou uma opção única, a nosso ver inequívoca, de cariz essencialmente formal: uma vez distribuído o processo em sede de recurso, o coletivo que o aprecia, será sempre o mesmo, caso novos recursos se sucedam após anulações ou revogações – totais ou parciais, seja qual for a fase processual em causa, seja maior ou menor o volume de estudo processual antes efetuado. A lei não autoriza, na nossa opinião, distinções, subtilezas ou “nuances” nesta matéria; esta autoridade normativa torna, positivamente, escorreita esta gestão processual. As desvantagens de tal escolha – decidir é, essencialmente, escolher – também existem e foram sendo enumeradas; porém, igualmente se perfilam vantagens não escamoteáveis. As mesmas decorrem de um elevado, diríamos absoluto, grau de certeza e segurança jurídicas com a correspondente mais valia para todos os intervenientes. Mais: adotando esta solução, sabemos que, aquando da distribuição na Seção Central, quando, num dado processo, um segundo recurso surja na sequência de uma anulação ou revogação de decisão anterior, o mesmo deve ser averbado ao mesmo relator, independentemente dos fundamentos, ou consequências, daquela anulação ou revogação. Basta apenas ler o dispositivo do acórdão anterior, apurar da existência de uma anulação ou de uma revogação, e logo resulta cristalina, evidente, a aplicabilidade, ou não, do artigo 218º. Citando a nossa anterior decisão e que agora, numa lógica de coerência, seguimos de perto: “Uma vez que a interpretação por nós propugnada dita literal (literal provem do latim “littera”, que significa “letra”) é a que se atem justamente às palavras, à letra da lei, obter-se-ão ainda inegáveis ganhos, internamente, em termos de procedimento uniforme e homogéneo e, externamente, em termos de certeza e segurança jurídicas. Desenvolvendo: em termos de gestão do tribunal, resulta mais simples, eficaz, imediato, na fase da distribuição, simplesmente apurar se, na parte dispositiva, se determinou uma anulação (ou revogação) para depois logo concluir, em caso de novo recurso posterior, sobre o averbamento ao mesmo relator, sempre que possível (a impossibilidade, consabidamente, resulta, essencialmente, de promoção do juiz em causa ao STJ, da sua jubilação ou transferência para outro tribunal ou comissão de serviço, ou seja, fatores objetivamente discerníveis e facilmente apuráveis). Em termos de relacionamento externo com a cidadania, nomeadamente com litigantes ou mandatários, também esta solução resulta previsível e antecipável, afastando as “nuances” que a apreciação dos motivos para a anulação ou revogação inevitavelmente implicaria com a decorrente incerteza casuística que se geraria.” Por isso, a conclusão definitiva relativamente ao presente conflito, também partilhada no parecer do MP, é a de que a titularidade do recurso em apreço cabe a quem apreciou o primeiro recurso deduzido nestes autos. III - Decisão Pelo exposto, nos termos do artigo 218º do Código do Processo Civil, os presentes autos devem ser tramitados pelo Exmo. Sr. Desembargador Relator que tramitou o recurso anteriormente deduzido nos autos e proferiu o acórdão de 8.3.2021, mantendo-se, se possível, igualmente o mesmo coletivo. Notifique. Apresente a presente decisão para eventualmente ser selecionada para publicação no sítio da DGSI, elaborando-se abaixo o respetivo sumário. Sumário: ……………………………… ……………………………… ……………………………… Porto, 9 de Maio de 2024 José Igreja Matos [Presidente do Tribunal da Relação do Porto] |