Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | MARIA ÂNGELA REGUENGO DA LUZ | ||
| Descritores: | ART.º 367 DO CÓDIGO PENAL - CRIME DE FAVORECIMENTO PESSOAL CONCURSO APARENTE COM FALSAS DECLARAÇÕES | ||
| Nº do Documento: | RP202510294149/22.0T9GDM.P1 | ||
| Data do Acordão: | 10/29/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | CONFERÊNCIA | ||
| Decisão: | PROVIDO O RECURSO DA ARGUIDA | ||
| Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - A prática do crime de falsas declarações, sendo instrumental para a prática do crime de favorecimento pessoal, remete-nos para uma relação de subsidiariedade reveladora do concurso aparente verificado entre ambos os tipos legais; II - Nos casos em que a alteração não substancial, operada ao abrigo do art.º358 n.º 3 do C.P.P, se traduz na mera alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na acusação, culminando na constatação de uma causa de exclusão da punibilidade da conduta, não ocorre qualquer violação dos direitos de defesa que reclame qualquer ato adicional de foro processual, pois que aquela alteração não acarreta um impacto negativo na determinação da responsabilidade penal da arguida, assim como não acarreta um agravamento da sua posição processual. (Sumário da responsabilidade da Relatora) | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Processo: 4149/22.0T9GDM.P1 Acordam em conferência na Primeira Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto * 1-RELATÓRIO No processo Comum nº 4149/22.0T9GDM, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo Local Criminal de Gondomar – Juiz 2, foi julgada a arguida AA tendo sido proferida sentença, em 20/05/2025, que a condenou como autora material, e na forma consumada, de um crime de falsas declarações, previsto e punido pelo art. 348-A, n. º1 e 2 do Código Penal, na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de €5,00 (cinco euros), o que perfaz a quantia global de €750,00 (setecentos e cinquenta euros). * Não se conformando com esta sentença, a arguida recorreu para este Tribunal da Relação, concluindo na sua motivação o seguinte (transcrição): «1.º - O presente recurso versa sobre a matéria de direito, discordando a Recorrente da sentença proferida nestes autos e que a condena pela prática de um crime de falsas declarações, p. e p. pelo artigo 348.º- A, n.º 1 e n. º 2 do Código Penal, na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de €5,00 (cinco euros), o que perfaz a quantia global de €750,00 (setecentos e cinquenta euros). 2.º - A Recorrente discorda da pena imposta pois considera ser excessiva e que deve ser reduzida para medidas que se aproximem dos respetivos limites mínimos. 3.º - A pena deverá, a seu ver e consequentemente, ser reformada e substancialmente reduzida. 4.º - Destarte, entende a Recorrente que foi violado o artigo 71º do Código Penal. 5.º - A recorrente, no presente momento, não sabe o que fazer da sua vida, perante o valor da pena de multa em que foi condenada a pagar, tendo em conta as suas condições económicas e familiares. 6.º - O seu agregado familiar é composto pela arguida, o seu cônjuge e três filhos, em que um dos menores, é ainda um bebé de 3 meses. 7.º - Nomeadamente, a recorrente e o seu cônjuge encontram-se a receber o rendimento social de inserção no valor global de 750,00€, pagam 200,00 de renda de habitação que é arrendada e uma média mensal de 40,00€ de luz. 8.º - A discordância da recorrente limita-se à medida da pena determinada, pretendendo a redução da multa penal, por a mesma se mostrar desproporcional ao crime cometido e pela manifesta carência económica da arguida. TERMOS EM QUE, CONCEDENDO-SE PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, DEVERÁ A DOUTA SENTENÇA ORA RECORRIDA SER REVOGADA, E SUBSTITUÍDA POR OUTRA QUE SE COADUNE COM A PRETENSÃO EXPOXTA, FAZENDO-SE A HABITUAL JUSTIÇA!» * O Ministério Público apresentou Resposta ao recurso interposto, pugnando pela sua improcedência. * Nesta sede, o Exmo. Procurador-geral Adjunto, no seu parecer, aderindo à argumentação do Ministério Público em primeira instância, pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso. * Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir. * 2-FUNDAMENTAÇÃO 2.1-QUESTÕES A DECIDIR Conforme jurisprudência constante e assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, em que sintetiza as razões do pedido (artigo 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objecto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior. Assim, identificamos duas questões de conhecimento oficioso e uma terceira questão apresentada pela recorrente, a conhecer pela ordem infra indicada atento o efeito que a resolução da primeira questão terá sobre as demais. Questões: A – alteração da qualificação jurídica dos factos; B – do vício previsto no art.º410 n. º2 a) do C.P.P. - insuficiência, para a decisão, da matéria de facto; E uma questão resultante da motivação/conclusões C – dosimetria da pena. * 2.2- A DECISÃO RECORRIDA: Tendo em conta as questões a apreciar, da decisão recorrida importa evidenciar a fundamentação da matéria de facto e de direito, que é a seguinte (transcrição parcial): “(…) 2. Factos provados Da discussão da causa resultaram provados todos os factos constantes da acusação ou do auto de notícia, e ainda, os seguintes: 1. A arguida é progenitora de BB, nascida a ../../2008. 2. No dia 04 de junho de 2022, pelas 21h30, na loja denominada "A...", sita no Centro Comercial ..., em ..., Gondomar, aquela menor BB foi intercetada por se suspeitar estar na posse de objetos que dali retirara sem pagar o valor devido. 3. Nesse contexto, quando interpelada pelo Agente Principal da PSP CC para atestar a identidade da menor e facultar o respetivo cartão de cidadão, a arguida alegou que deixara esse documento em casa e afirmou que o nome daquela sua filha era DD, nascida a ../../2008. 4. Foi com base nessa identificação fornecida pela arguida que o referido Agente Principal da PSP elaborou a "Participação por Factos Ilícitos" com o NPP ..., ali fazendo constar, como suspeita da sua prática, DD, dando origem ao inquérito tutelar educativo n.º ..., da procuradora do Juízo de Família e Menores de Marco de Canaveses, no âmbito do qual que se veio a apurar a verdadeira identidade da jovem como sendo BB, com a subsequente abertura da fase jurisdicional em nome desta e aplicação da respetiva medida tutelar educativa. 5. A arguida sabia que se encontrava perante um Agente da PSP, então devidamente identificado, envergando a farda própria daquela autoridade, no pleno exercício das suas funções, sabia também que aquele nome que lhe fornecia não correspondia ao nome da sua filha então intercetada, e sabia ainda que, por conseguinte, seria esse nome, sem correspondência com a realidade, que iria constar da respetiva participação policial, visando dessa forma a arguida encobrir a real identidade da menor e, assim, conseguir que a mesma se eximisse das consequências, nomeadamente tutelares educativas, que sabia lhe iriam advir por força da conduta que empreendera. 6. Agiu a arguida sempre de forma livre, voluntária e consciente, ciente de que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal. 7. Do registo criminal do arguido consta o seguinte: -Foi condenada, por sentença de 2015/03/02, pela prática em 2014/05/31, de 2 crimes(s) de injúria agravada e 1 crimes(s) de resistência e coacção sobre funcionário, na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de 5,00, que perfaz o total de 450,00 euros e 1 anos, 2 meses e 0 dias de prisão, suspensa por 1 anos, 2 meses; -Foi condenada, por sentença de 2016/01/12, pela prática em 2014/05/31, de 1 crimes(s) de venda, circulação ou ocultação de produtos ou artigos, na pena 50 dias de multa, à taxa diária de 6,00, que perfaz o total de 300,00 euros; -foi condenada, por sentença de 2021/09/16, pela prática em 2018/03/13, 1 crimes(s) de furto simples, 80 dias de multa, à taxa diária de 5,00, que perfaz o total de 400,00 euros; * 2. Factos não provados Não há. * 3. Exame crítico da prova O Tribunal formou a sua convicção, relativamente aos factos considerados como provados, com base na análise e valoração da prova produzida e examinada em audiência de discussão e julgamento, a qual foi apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador [cfr. art. 127º do Código de Processo Penal], designadamente nos documentos: - certidão de fls. 2 a 20; - print de fls. 33 a 35 e 47 a 51;- cópias de fls. 130 a 136 e do depoimento da testemunha CC, agente da PSP, tendo o mesmo, no essencial, referido ter sido chamado à loja A... devido a um furto na loja que teria sido efetuado por uma menor, refere ter efetuado a participação e o aditamento n.º2, na loja estava a menor, a arguida e o segurança, identificou a Mãe, pelo cartão de cidadão, a arguida, deu a identificação errada da filha suspeita de furto como sendo DD,, com o intuito de enganar, a menor não tinha identificação. O depoimento isento e credível da testemunha inquirida, conjugado com a prova documental supra referida criou a convicção no Tribunal da ocorrência dos fatos nos moldes constates da acusação e, por isso mesmo, dado por provados. Quanto aos antecedentes criminais, o Tribunal formou a sua convicção com base no certificado de registo criminal junto aos autos.
III. O Direito (…) Pelo exposto, a arguida AA praticou em autoria material, na forma consumada, um crime de falsas declarações, p. e p. pelo artigo 348º-A, n.º 1 e 2 do Código Penal.
IV. MEDIDA DA PENA Feito pela forma descrita o enquadramento jurídico-penal da conduta do arguido, importa, agora, determinar a natureza e medida da sanção a aplicar. Como sabido, as finalidades da pena são, nos termos do artigo 40.º do Código Penal, a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. E nos termos do artigo 40.º, n.º 2, a medida da culpa é o limite da pena. Também é sabido que os crimes tipificados na legislação penal, prevêem uma sanção com um limite mínimo e um limite máximo. Assim, caberá ao julgador, no caso concreto, determinar a medida concreta da pena a aplicar ao agente do crime. Como é sabido, a determinação da medida da pena é um processo que segue as seguintes etapas: 1. escolha da pena (prisão ou multa) quando a lei preveja que a prática do referido crime, o mesmo é alternativamente punido com pena de prisão ou com pena de multa, nos termos do artigo 70.º do Código Penal; 2. determinação da medida abstracta da pena (limite mínimo e máximo da pena); 3. determinação da medida concreta da pena, nos termos dos artigos 71.º e 72.º do Código Penal. Uma vez determinada a pena concreta principal, pode ainda impor-se, consoante os casos, que o tribunal pondere se a deve substituir por outra pena, dentro do leque das respectivas penas de substituição previstas na lei. * Explanado o processo de determinação da medida concreta da pena a aplicar, vejamos, agora, que penas aplicar ao arguido. Conforme “supra” mencionado, a arguida AA praticou em autoria material, na forma consumada, um crime de falsas declarações, p. e p. pelo artigo 348º-A, n.º 1 e 2 do Código Penal.. Este crime é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa. Prevendo este tipo de crime duas espécies de pena (pena de prisão e pena de multa) cumpre, agora, a este Tribunal optar por uma delas, segundo o critério estabelecido no artigo 70.º do Código Penal. Assim, tendo por base as finalidades das penas (artigo 40.º, n.º 1 do Código Penal), de protecção de bens jurídicos e de reintegração do agente na sociedade, no caso vertente e a ausência de antecedentes criminais por crime da mesma natureza, impõem a opção pela pena de multa, já que a mera sanção pecuniária se revela suficiente para realizar as finalidades da punição. Feita a opção pela pena de multa, importa agora determinar a pena concreta a aplicar, e, na determinação desta, recorre-se ao critério global previsto no n.º 1 do artigo 71º do Código Penal, que dispõe que tal determinação da medida da pena se fará em função da culpa do agente, tendo ainda em conta as exigências de prevenção de futuros crimes. Como refere Figueiredo Dias “Através do requisito de que sejam levadas em conta as exigências da prevenção, dá-se lugar à necessidade comunitária da punição do caso concreto e, consequentemente, à realização in casu das finalidades da pena. Através do requisito de que seja tomada em consideração a culpa do agente, dá-se tradução à exigência de que a vertente pessoal do crime - ligada ao mandamento incondicional de respeito pela eminente dignidade da pessoa do agente - limite de forma inultrapassável as exigências de prevenção”. --- In “As consequências Jurídicas do Crime”, Coimbra Editora, 2005, pág. 215 --- A pena concreta há-de, pois, fixar-se entre um limite mínimo já adequado à culpa e um limite máximo ainda adequado à culpa, tendo como referencial os mencionados fins de prevenção geral e especial. Acrescente-se ainda, citando Maria Fernanda Palma, que “a prevenção geral negativa e a prevenção especial modelam, elas próprias, o conteúdo do princípio da necessidade da pena, inflectindo-lhe a direcção apenas através da dinâmica dessa lógica de eficácia. A necessidade da pena pressuposta pela prevenção especial perspectiva a lógica da defesa de bens jurídicos apenas a partir do efeito da sanção criminal sobre o delinquente; a necessidade da pena, a que se refere a prevenção geral, perspectivando a lógica da defesa de bens jurídicos a partir do efeito produzido pela pena na generalidade das pessoas (potenciais delinquentes ou não)”. - In “Casos e Materiais de Direito Penal”, Almedina, pág. 46. No que respeita á culpa, limite inultrapassável da pena (cfr. artigo 40.º, n.º 2 do Código Penal), deve esta ser entendida no seu sentido comum, “como elemento do conceito de crime: o juízo de censura que é possível dirigir ao agente por não se ter comportado, como podia, de acordo com a norma; e olhada em concreto, como culpa pela personalidade quanto às facetas desta que, através dela, devam reflectir-se na pena (…)” - assim, Adelino Robalo Cordeiro, in “A Determinação da Pena”, Jornadas de Direito Criminal, Revisão do Código Penal, Alteração ao Sistema Sancionatório e Parte Especial, Vol. II, Centro de Estudos Judiciários, 1998, págs. 43/44. Determina o n.º 2 do referido artigo 71.º do Código Penal, que “na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele,...”. Assim, neste caso, e como factores de graduação da pena importa considerar: - As especiais necessidades de prevenção geral no que se refere a este crime em concreto; - O modo de execução do crime, designadamente o propósito expresso de dar uma identidade falsa à autoridade; - O dolo, que foi intenso e directo. Tudo ponderado, entende o tribunal ser de aplicar ao agente, por se afigurar justa e adequada uma pena no limite médio da respectiva moldura abstracta, Assim, fixa-se a pena em 150 (cento e cinquenta) dias de multa. * A cada dia de multa corresponde uma quantia a fixar em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais, nos termos do artigo 47º, n.º 2, do Código Penal. Porque importa não desvirtuar o carácter sancionatório da pena de multa tendo em vista a harmonia do ordenamento jurídico, entende-se fixar a taxa diária da multa em € 5,00 (cinco euros), o que perfaz a quantia de 750,00€ (setecentos e cinquenta euros). (…)” * 2.3.- APRECIAÇÃO DO RECURSO. 2.3.2. Alteração da qualificação jurídica dos factos imputados à arguida. A factualidade descrita na decisão recorrida não foi alvo de recurso pelo que a mesma encontra-se estabilizada. Essa mesma factualidade integra, efectivamente, a prática do crime de falsas declarações imputado à arguida e bem andou o juiz a quo ao integrar a conduta da arguida no referido tipo legal. Porém, essa mesma factualidade exige um enquadramento jurídico mais complexo do que aquele que foi assumido em sede de acusação pública e, posteriormente, em sede de decisão da 1.ª instância, na medida em que deparamo-nos perante a prática, não de um crime apenas, mas de dois crimes em concurso aparente. Vejamos. Os factos provados permitem enquadrar a conduta da arguida, não só no crime de falsas declarações previsto no art.º 348-A, n. º1 e 2 do Código Penal, mas também no tipo legal previsto no art.º367 n. º1 e n. º5 b) do C. Penal, com especial enfâse para a causa de exclusão de punibilidade dada a relação de parentesco detectada. Reza este preceito legal o seguinte: “Artigo 367.º Favorecimento pessoal 1 - Quem, total ou parcialmente, impedir, frustrar ou iludir actividade probatória ou preventiva de autoridade competente, com intenção ou com consciência de evitar que outra pessoa, que praticou um crime, seja submetida a pena ou medida de segurança, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa. 2 - Na mesma pena incorre quem prestar auxílio a outra pessoa com a intenção ou com a consciência de, total ou parcialmente, impedir, frustrar ou iludir execução de pena ou de medida de segurança que lhe tenha sido aplicada. 3 - A pena a que o agente venha a ser condenado, nos termos dos números anteriores, não pode ser superior à prevista na lei para o facto cometido pela pessoa em benefício da qual se actuou. 4 - A tentativa é punível. 5 - Não é punível: a) O agente que, com o facto, procurar ao mesmo tempo evitar que contra si seja aplicada ou executada pena ou medida de segurança; b) O cônjuge, os adoptantes ou adoptados, os parentes ou afins até ao 2.º grau ou a pessoa, de outro ou do mesmo sexo, que viva em situação análoga à dos cônjuges com aquela em benefício da qual se actuou.” Inexistem dúvidas que a conduta da arguida, sendo mãe da menor que havia, indiciariamente, cometido um ilícito, identificou esta última com um nome falso, sabendo que esses elementos iriam constar do auto de ocorrência elaborado pelo agente policial, o que fez com o manifesto intuito de eximir aquela menor ao procedimento judicial, in casu, um processo tutelar educativo, que efectivamente foi instaurado, conduta que sabia ser proibida e punida por lei. Estão pois verificados todos os elementos objectivos e subjectivo do tipo legal do favorecimento pessoal, crime este punido com uma moldura penal abstracta cujo limite máximo (3 anos de prisão) é superior ao limite máximo do crime de falsas declarações (2 anos de prisão). Resulta ainda da mesma factualidade que a prática do crime de falsas declarações foi instrumental relativamente ao crime de favorecimento pessoal a que acima aludimos, o que nos remete para a relação de subsidiariedade do tipo legal previsto no art.º348- A, n.º1 e 2 do C. Penal perante o crime de favorecimento pessoal previsto no art. º 367 do mesmo diploma legal. A propósito do concurso de crimes o Tribunal da Relação de Coimbra de 20/02/2024 explicita que “Existe concurso de crimes, na aceção de verdadeiro ou efetivo, quando não há uma mútua exclusão entre as normas nas quais é subsumível um comportamento, sendo tal concurso real quando existe uma pluralidade de ações que preenchem vários tipos de crimes. Paralelamente, falamos em concurso aparente de crimes quando várias previsões legais são preenchidas, mas uma delas basta para esgotar o conteúdo ilícito do facto, segundo regras de especialidade (quando um crime qualificado contem em si todos os elementos de um tipo geral, acrescentando-lhe um ou alguns elementos especializadores), subsidiariedade (quando um crime se apaga perante outro, como forma menos intensa de agressão), ou consumpção (quando a realização de um crime implicou a realização de um outro). Assim considerando, não poderíamos estar mais de acordo com a resposta do Ministério Público a esta mesma questão (acompanhada pela assistente), ao considerar, no seguimento do Ac. do STJ de 13.10.2004 (disponível em http://www.dgsi.), que o critério da efetividade do concurso de crimes (“crimes efetivamente cometidos”) do artigo 30.º do CP remete essencialmente ao critério do bem jurídico protegido em cada crime, do seu sentido e alcance. (…) Desse modo, e atendendo a que ambas as condutas consubstanciam violação de deveres funcionais, identificamos, à semelhança do recorrente e contrariamente ao acórdão recorrido, uma relação de concurso aparente – subsidiariedade - entre o tipo legal de peculato - art.º 375.º- e o tipo legal de abuso de poder - art.º 382.º (neste sentido Conceição Ferreira da Cunha, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo III, Coimbra Editora, 2001, pág. 702, e Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, 2008, pág. 891). À vista disso, e na medida em que se mostram preenchidos os elementos do crime de peculato, apenas tem lugar a punição por este crime mais grave, porquanto prevê um maior conteúdo de ilícito..(…)[1]” Regressando ao caso ora em apreço, é notório que os dois tipos legais - falsas declarações e favorecimento pessoal - foram equacionados no quadro da protecção e eficácia na boa administração da justiça, sendo o crime de favorecimento pessoal alvo de uma moldura penal abstracta mais grave, resultando notória a relação de subsidiariedade do primeiro em relação ao segundo. Em suma, cumpre proceder à alteração da qualificação jurídica dos factos[2] tal como os mesmos se encontram fixados em primeira instância, o que se determina sob a égide do Acórdão de fixação de jurisprudência do S.T.J. de 06/07/1995. O que nos remete para o preceituado no art.º358 n. º3 do Cód. Processo Penal sob a epígrafe “Alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou pronúncia”: «1 - Se no decurso da audiência se verificar uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, com relevo para a decisão da causa, o presidente, oficiosamente ou a requerimento, comunica a alteração ao arguido e concede-lhe, se ele o requerer, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa. 2 - Ressalva-se do disposto no número anterior o caso de a alteração ter derivado de factos alegados pela defesa. 3 - O disposto no n.º 1 é correspondentemente aplicável quando o tribunal alterar a qualificação jurídica dos factos descritos na acusação ou na pronúncia. [sublinhado e bold da autoria da relatora] Alteração esta que, contudo, não exige qualquer ato adicional de foro processual uma vez que acarreta o acionamento de uma causa de exclusão da punibilidade da conduta da arguida, não sofrendo, pois qualquer abalo os seus direitos de defesa. Na verdade, a alteração não substancial levada a efeito nestes termos, com o acionamento de uma causa de exclusão da punibilidade, não reflecte um impacto negativo na determinação da responsabilidade penal da arguida pois que não se traduz numa alteração essencial da ilicitude típica do comportamento da mesma, assim como não acarreta um agravamento da sua posição processual.[3]
Face ao exposto, julga-se procede-se à alteração não substancial dos factos traduzida na alteração da qualificação jurídica dos mesmos e, consequentemente julga-se a arguida AA autora material de um crime de favorecimento pessoal p. e p. pelo art.º367 n. º1 do C.Penal, em concurso aparente com um crime de falsas declarações, previsto e punido pelo art. 348-A, n. º1 e 2 do Código Penal. Ao abrigo do n. 5, al. b), do art. º 367 do C. Penal, segundo o qual “ Não é punível: (…) b) O cônjuge, os adoptantes ou adoptados, os parentes ou afins até ao 2.º grau ou a pessoa, de outro ou do mesmo sexo, que viva em situação análoga à dos cônjuges com aquela em benefício da qual se actuou.”, determina-se a não punibilidade da conduta da arguida. * 2.3.3 No que toca ao vício previsto no art.º410 n. º2 a) do C.P.P. - insuficiência, para a decisão, da matéria de facto, face ao determinado por este tribunal ad quem no sentido da não punibilidade da conduta da arguida, mercê do preceituado no art.º367 n. º5 b) do Código Penal, o vício detectado e o seu suprimento deixam de ter relevância ou utilidade, nada cumprindo decidir neste âmbito. E a idêntica conclusão se chega no que se reporta à questão da dosimetria da pena suscitada pela recorrente. * Em suma, merece provimento o recurso interposto ainda que por razões diversas das suscitadas pela recorrente. * III- DO DISPOSITIVO Atento o exposto, acordam as Juízes deste Tribunal da Relação do Porto em: A) julgar procedente o recurso interposto pela arguida, ainda que por razões diversas das motivações recursórias; B) consequentemente, julga-se a arguida AA autora material de um crime de favorecimento pessoal p. e p. pelo art.º367 n. º1 do C.Penal, em concurso aparente com um crime de falsas declarações, previsto e punido pelo art. 348-A, n. º1 e 2 do mesmo diploma legal; C) ao abrigo do n. 5, al. b), do art. º 367 do C. Penal, determina-se a não punibilidade da conduta da arguida. * Sem custas, atento o provimento do recurso.
Texto elaborado e revisto nos termos legais – art. º94 n. º2 do C.P.P. * data e assinaturas electrónicas no topo do documento. Maria Ângela Reguengo da Luz Paula Natércia Rocha Amélia Catarino __________________ [1], conforme Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 20/02/2024, disponível in dgsi.pt; [2] Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 4/95: O tribunal superior pode, em recurso, alterar oficiosamente a qualificação jurídico-penal efectuada pelo tribunal recorrido, mesmo que para crime mais grave, sem prejuízo, porém, da proibição da «reformatio in pejus». Acórdão 1995.06.07, Ferreira Vidigal (Relator) DR/I 1995.07.06. [3]a este propósito, leia-se a anotação 8 ao artigo 358 do C.P.P:de Paulo Pinto de Albuquerque, página 414, 5.edição; |