Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | ANABELA DIAS DA SILVA | ||
Descritores: | PROCESSO DE INVENTÁRIO NOTÁRIO SUCESSÃO DE LEIS NO TEMPO DESPACHO DETERMINATIVO DA FORMA À PARTILHA LEGADO INOFICIOSIDADE REDUÇÃO ESCOLHA DE BENS | ||
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Nº do Documento: | RP2024111977/24.3T8OAZ.P1 | ||
Data do Acordão: | 11/19/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Indicações Eventuais: | 2. ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I – Quanto à aplicação da Lei n.º 117/2019, de 13/09, que entrou em vigor em 1.01.2020, no tempo dispõe o n.º2 do art.º 11.º, no que ao caso releva que o regime jurídico do processo de inventário, aprovado em anexo à Lei n.º 23/2013, de 5 de março, continua a aplicar-se aos processos de inventário que, na data da entrada em vigor da mesma lei, estejam pendentes nos cartórios notariais e aí prossigam a respetiva tramitação. II - O despacho determinativo da forma à partilha que é, nos termos referidos do n.º 4 do art.º 3.º do RJPI, da competência do notário, poder ser objeto autónomo de recurso, devendo sê-lo para o tribunal da comarca do cartório notarial onde o processo foi apresentado. III - As decisões interlocutórias proferidas após a prolação do despacho determinativo da forma da partilha não são recorríveis autonomamente, e competindo ao juiz a prolação da sentença homologatória da partilha, os recursos das decisões posteriores devem ser interpostos conjuntamente com o recurso que for interposto dessa sentença, competindo ao tribunal da Relação a sua apreciação. IV - Concluindo-se que o inventariado dispôs além do que a lei lhe permitia, ofendendo as legítimas, há lugar a redução das liberalidades, art.ºs 2168.º a 2718.º, e 959º, todos do C.Civil, ou seja, a proteção legal da quota legítima dos herdeiros legitimários é estabelecida, por via do instituto da inoficiosidade. V – A lei não reconhece ao herdeiro legatário em face dos herdeiros não legatários, o direito de escolher bens em espécie ou substância para o preenchimento do seu quinhão hereditário de entre os que excedem o valor que tem direito a receber, devendo tão só repor, em dinheiro, o correspondente excesso. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Apelação Processo n.º 77/24.3T8OAZ.P1 Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro – Juízo Local Cível de ... - Juiz 1 Recorrente – AA Recorridas – BB e CC Relatora – Anabela Dias da Silva Adjuntos – Desemb. Rodrigues Pires Desemb. João Proença I – BB requereu, a 3.04.2019, no Cartório Notarial de Dr.ª DD, em ... inventário por óbito de EE, ocorrido a 12.02.2019, e indicou como cabeça de casal, a viúva AA que veio assim a ser nomeada, por despacho de 4.06.2019. A cabeça de casal prestou as necessárias declarações e oportunamente juntou aos autos a relação de bens, As interessadas, - BB e CC - apresentaram reclamação contra a relação e bens. As mesmas interessadas vieram requerer que os autos fossem remetidos ao Tribunal competente. A cabeça de casal respondeu à reclamação apresentada, pedindo a sua improcedência. Notificou-se a cabeça de casal sobre o pedido de remessa dos autos para o Tribunal competente, esta veio opor-se ao mesmo. Por despacho de 5.11.2020 foi indeferido o pedido de remessa dos autos para Tribunal. Em 19.11.2020 a cabeça de casal juntou aos autos nova relação de bens. Em 23.11.2021 foi proferido o seguinte despacho: “No presente processo de inventário para partilha dos bens deixados por óbito do inventariado EE, falecido em ../../2019, no estado de casado, em segundas núpcias de ambos e segundo o regime da comunhão de adquiridos, com AA, a aqui cabeça de casal que apresentou a relação de bens, a qual se encontra depositada e registada na plataforma da gestão de processos de inventário sob o número ...64. A referida relação de bens apresentada mereceu reclamação, por parte das interessadas, CC e BB, a qual se encontra registada na dita plataforma sob o número ...24, que em súmula impugnou por inexistir a verba número 2, por ter sido já transmitida pelo inventariado, reclamou a relacionação da quantia recebida a título de subsídio de funeral pago pela segurança social e quantias em dinheiro depositadas em várias instituições em Portugal e Espanha e impugnou a relacionação destas quantias como doações à cabeça de casal e ainda o valor pago do IMI. Indiciou uma testemunha e requereu a notificação da Segurança Social e de todas as instituições bancárias em Portugal e Espanha. Respondeu a cabeça de casal, aceitando eliminar a verba número dois da relação de bens, aceitou relacionar o valor recebido a título do subsídio do funeral pela segurança social, alega a inexistência de quaisquer contas bancárias em nome do inventariado e indicou que o valor da verba descrita como pagamento do IMI se refere ao ano de 2018, mas liquidado em 2019. Indicou uma testemunha. Aqui chegados e não se afigurando possível a apresentação de qualquer outra peça processual, nem existindo quaisquer questões que o impeçam, cumpre apreciar e decidir como segue, quanto à reclamação apresentada pelas interessadas, BB e CC. Antes de mais, importa dizer que ao cabeça de casal incumbe fornecer os elementos necessários para o prosseguimento do inventário, designadamente juntar a relação de bens acompanhada de todos os elementos necessários à sua identificação e ao apuramento da situação jurídica. Assim, notificada da Reclamação, a cabeça de casal veio confessar a existência da quantia de 220,00 €, pagos pelos Serviços de Segurança Social a título de subsídio de funeral e excluiu da relação de bens a verba 2 (conforme reclamado) para tanto juntou nova relação de bens, depositada na plataforma da gestão de processos de inventário sob o número ...03, da qual foram notificados os restantes interessados. No que à restante matéria reclamada respeita, designadamente quanto às verbas 6 e 7, como seja o valor pago pelo funeral do inventariado e o valor pago de IMI, cumpre dizer que no passivo da herança devem constar todas as dívidas que os Inventariados tivessem à data do óbito para, aprovado que seja, ser de imediato deduzido à massa da herança para pagamento aos credores. A aprovação do passivo relacionado pelo Cabeça de Casal ou reclamado pela parte cabe à conferência preparatória, pelo que é nessa sede que se fará a sua apreciação. Devendo esta apreciação relegar-se para a conferência preparatória, conforme decorre do disposto no artigo 48º, número 3, da Lei 23/2013, de 5 de março. A determinação se deve ou não o passivo ser considerado no inventário, e qual o seu montante, deverá resultar da deliberação que ali venha a ser proferida e a eventual decisão de reconhecimento que se lhe siga. Das restantes contas, como sejam os lucros e despesas originados pelos bens dos Inventariados (após o óbito), dispõe o artigo 45.º Regime Jurídico do Processo de Inventário que o Cabeça de Casal deve apresentar a conta do cabecelato até ao 15º dia que antecede a Conferência Preparatória, cabendo aos restantes interessados ali impugná-las, querendo. Posto isto e no que às quantias alegadamente depositadas em instituições bancárias em Portugal e Espanha, a prova desta matéria encontrava-se sujeita às regras gerais da distribuição do ónus da prova, nos termos do disposto no artigo 342 e seguintes do Código Civil. Incumbia, portanto, às Reclamantes apresentar prova do que alegaram, prova essa que não lhes estava vedada porquanto as instituições bancárias não podem recusar informações requeridas por um herdeiro, desde que comprove essa mesma qualidade, uma vez que o sigilo bancário é-lhes inoponível. Ademais, as Reclamantes nem sequer alegaram qualquer impossibilidade em obtê-las. Proferido despacho em cinco de novembro de dois mil e vinte, no qual foi indeferido o pedido de notificação das Instituições Bancárias e da Segurança Social, e notificadas as Reclamantes para que diligenciassem no sentido de obter junto das instituições bancárias as informações pretendidas, estas nada vieram juntar. Analisado o documento junto como prova (testamento revogado), também dali nada se pode retirar. O facto de o testador outorgar um testamento deixando os valores que venham a encontrar-se à data do seu decesso em quaisquer instituições bancárias não prova que esses valores efetivamente ainda existam à data do óbito, desde logo, por poderem ter sido, por ele, gastos! Quanto à prova testemunhal indicada, a sua inquirição revelar-se-ia irrelevante porquanto o depoimento, nada acrescentaria para a descoberta da verdade material dos factos, porquanto a prova da matéria alegada quanto à existência de contas bancárias e dos valores ali depositados, é essencialmente documental. Pelo exposto julgo parcialmente procedente a Reclamação, julgando-se como não provada a existência de contas bancárias tituladas pelo Inventariado. No mais, fique nos autos a Relação de Bens aditada pela cabeça de casal em função do que foi reclamado, relegando para a Conferencia Preparatória a apreciação do Passivo. Custas a meias pelas Reclamantes e pela Cabeça de Casal, no valor de 1UC, sendo que as reclamantes já efetuaram o pagamento do valor de 62,73€/cada, assim deve a cabeça de casal proceder ao pagamento, no prazo de dez dias, no valor de 62,73€ (sessenta e dois euros e setenta e três cêntimos), para o que se indica o IBAN: ...91, do qual tem que juntar comprovativo de pagamento aos autos. Notifique”. Em 27.01.2022, foi proferido o seguinte despacho: “Compulsados os autos, verifica-se que não existem questões suscetíveis de influir na partilha, e que estão determinados os bens a partilhar. Face ao exposto, designo o próximo dia (…), para a realização, neste Cartório, da conferência preparatória da conferência de interessados, podendo estes fazer-se representar por mandatário com poderes especiais e confiar o mandato a qualquer outro interessado. A conferência destina-se a deliberar sobre: a) A composição total ou parcial dos quinhões dos interessados e o valor por que devem ser adjudicados os bens que os integram; a indicação dos bens que devem ser objeto de sorteio, e o eventual acordo na venda de bens da herança e na distribuição do produto da alienação pelos interessados ou, não havendo deliberação sobre estas matérias, deliberar sobre quaisquer questões cuja resolução possa influir na partilha. b) A aprovação do passivo relacionado e ou reclamado e da forma do seu cumprimento; c) Os pedidos de adjudicação de bens indivisíveis; e, eventualmente d) Quaisquer questões cuja resolução possa influir na partilha. Proceda-se à notificação dos interessados com a advertência de que: a) A conferência pode ser adiada, por determinação do notário ou a requerimento de qualquer interessado, por uma só vez, se faltar algum dos convocados e houver razões para considerar viável o acordo sobre a composição dos quinhões. b) A deliberação dos interessados presentes, relativa a questões cuja resolução possam influir na partilha, vincula os demais que, devidamente notificados, não tenham comparecido na conferência (…)”. Iniciou-se a conferência preparatória, no âmbito da qual se requereu e deferiu a avaliação do bem doado, identificado sob o n.º 5 e ainda às verbas n.ºs 3 e 4 da relação de bens, pelo que se suspendeu a dita diligência. O Sr. perito juntou aos autos os seus laudos de peritagem e notificados às interessadas vieram esta requerer a sua reformulação, o que mereceu em, 15.07.2022 o seguinte despacho: “No presente processo vieram as interessadas, BB e CC requerer que o bem imóvel sujeito a avaliação pericial, relacionado na verba número cinco da relação de bens seja avaliado, tendo em conta 50% à data da morte de FF e 50% à data da morte de EE. Ora, o presente processo de inventário foi aberto por óbito de EE, pelo que os valores a ter em conta serão os à data do óbito do referido, EE. Assim e face ao acima exposto, indefere-se o requerido. Notifique-se”. Continuou-se e ultimou-se a conferência preparatória onde as interessadas declararam que aprovam todo o passivo (verbas seis e sete) constante da relação de bens, o qual será levado em consideração, aquando da elaboração do mapa da partilha. Mais deliberaram adjudicar as verbas um e dois da relação de bens à cabeça de casal, AA, à qual fica também adjudicado o bem que lhe foi legado (verbas três e quatro) e à interessada, CC é adjudicado o bem que lhe foi doado (verba cinco). E foi ainda proferido o seguinte despacho: “No dia de hoje foi junto pelo Ilustre Mandatário Dr. GG um requerimento, no qual requer a redução das liberalidades inoficiosas, nos termos do artigo 2169º do Código Civil, que se encontra depositado na plataforma da gestão de inventários sob o número ...96 e do qual foi o Ilustre Mandatário da cabeça de casal notificado. Tendo em conta as adjudicações acima referidas, encontram-se adjudicados todos os bens relacionados na relação de bens, assim, foram todos os presentes notificados do conteúdo da presente ata e foram, ainda, os Ilustres Mandatários presentes notificados para se pronunciem sobre a forma à partilha, nos termos do número 1, do artigo 57º do RJPI”. Todas as interessadas vieram pronunciar-se sobre a forma à partilha. Foi elaborado, 21.06.2023, o mapa provisório ou informativo da partilha. Em 21.06.2023 foi proferido o seguinte despacho determinativo sobre a forma da partilha: “Procede-se a inventário por óbito de EE. O inventariado EE faleceu no dia ... de dois mil e dezanove, na união de freguesias ..., ..., Ul, ... e ..., concelho ..., o qual era natural da freguesia ..., concelho ... e teve a sua última residência habitual na Avenida ..., ..., na união de freguesias ..., ... e ..., concelho ..., no estado de casado, em segundas núpcias de ambos e segundo o regime da comunhão de adquiridos, com AA. Que o inventariado deixou testamento público outorgado, neste Cartório Notarial, no dia dois de julho de dois mil e dezoito, lavrado no respetivo livro de notas número oito, a partir de folhas cinquenta e uma, no qual legou a sua mulher, à referida AA, o prédio misto, melhor identificado no referido testamento, o qual era seu bem próprio e no qual instituiu, ainda, a sua referida mulher, AA, herdeira do remanescente da quota disponível dos seus bens e sucedendo-lhe como únicas herdeiras legitimárias: A cônjuge: AA; Suas duas filhas: BB, à data da abertura da sucessão casada com HH, segundo o regime da comunhão de adquiridos, presentemente dele viúva; e CC, casada com II, segundo o regime da comunhão de adquiridos. Que o inventariado e FF, à data casados segundo o regime da comunhão geral, haviam doado, por conta da quota disponível, à sua indicada filha, CC, por escritura outorgada no Primeiro Cartório, da Ex- Secretaria Notarial ..., lavrada no respetivo Livro de Notas para escrituras diversas número ..., a partir de folhas cinquenta e sete, o imóvel nessa escritura devidamente identificado. A herança é composta pelos bens constantes da Relação de Bens, com o valor dela constante ou com os valores constantes da avaliação, existindo bens comuns, verbas um e dois da relação de bens e bens próprios legados e doados, verbas três, quatro e cinco da relação de bens. Existe passivo, o qual foi aprovado na conferência preparatória da conferência de interessados, a ser pago por todas as interessadas na proporção do respetivo quinhão e a levar em consideração, aquando da elaboração do mapa da partilha, uma vez que o mesmo foi integralmente pago pela interessada e Cabeça de Casal AA. Procede-se à partilha do seguinte modo: Tomar-se-á em conta, para os bens do ativo descritos na relação de bens, o valor dela constante ou o resultante da avaliação, no valor global de €172.870,00. Ao valor assim obtido subtrai-se o valor do passivo, aprovado na conferência preparatória da conferência de interessados, no montante de € 3.140,14, chegando-se ao valor de €169.729,86, deste €2.179,67, corresponde ao valor de bens comuns e €167 550,19, ao valor de bens próprios. O valor dos bens comuns, no montante de €2.179,67 divide-se em duas meações iguais (€1.089,84) constituindo uma delas a meação da Cabeça de Casal, (artigo 1732º do Código Civil). À meação do inventariado é somado o valor dos bens próprios, correspondente ao bem legado e metade do valor do bem doado (meia conferência), tudo no montante de €168.640,03, sendo este valor dividido em três partes iguais, no valor de €56.213,34 (arredondado por defeito), constituindo uma delas a quota disponível do inventariado (artigo 2159º, número 1 do Código Civil). As restantes duas partes, no valor de €112.426,69, que correspondem à quota indisponível do inventariado, dividem-se em três quinhões iguais, no valor de €37.475,56 (arredondado por defeito), pertencendo um a cada uma das, AA, BB e CC (artigos 2133º, nº 1, alínea a) e 2139º, nº 1, do Código Civil). No valor da quota disponível imputa-se o valor da meia conferência do bem doado pela escritura atrás referida, até preencher o valor da quota disponível. No caso de essa imputação exceder o valor da quota disponível, o que se verifica, o excesso é imputado na respetiva legitima subjetiva da donatária. Caso se verifique ser necessário proceder à redução da doação, para respeitar a integridade das legítimas (artigo 2168º do Código Civil), a redução, neste caso, terá de ser efetuada em dinheiro, atendendo ao disposto no artigo 2174º do Código Civil. Atendendo a que o valor da quota disponível encontra-se toda ela preenchida com a imputação da meia conferência do bem doado, o legado efetuado pelo testamento acima mencionado é inoficioso, nos termos do artigo 2168º do Código Civil. (sublinhados e negrito nosso) O passivo da responsabilidade de cada uma das interessadas é apurado segundo as operações atrás referidas, sendo que a interessada AA é responsável pelo valor de €713,49, a interessada CC pelo valor de €1.733,32 e a interessada BB pelo valor de €693,33 e será levado em consideração, aquando da elaboração do mapa da partilha, fazendo-se a respetiva compensação. As adjudicações de bens às interessadas será feita com o acordado na conferência preparatória da conferência de interessados”. As interessadas BB e CC vieram, em 21.06.2023, reclamar o pagamento de tornas, de que foi a cabeça de casal notificada para o fazer no prazo de 10 dias. Por requerimento de 1.09.2023, a cabeça de casal tendo verificado da inoficiosidade do legado a si feito, veio ao processo requerer a redução dos bens que lhe foram legados e fossem as demais interessadas notificadas para requererem a composição dos seus quinhões. Por requerimento de 29.03.2023 vieram as interessadas dizer que o requerimento da cabeça de casal é extemporâneo, por isso deve ser indeferido. Foi, em 26.09.2023, proferido o seguinte despacho: “Proferido o despacho determinativo sobre a forma da partilha e organizado o respetivo mapa, vieram as Interessadas BB e CC reclamar o pagamento de tornas, nos termos do disposto no artigo 61, nº1 do RJPI (2642656). Posto isto, a cabeça de casal, veio requerer a redução das liberalidades por excesso de bens legados, escolhendo para preenchimento do seu quinhão o prédio urbano, por ser a casa de morada de família (...99). Opuseram-se as restantes interessadas, invocado a extemporaneidade do pedido, por ultrapassado o prazo de reclamação contra o mapa (...42). Cumpre apreciar: Decorre da Lei que, havendo excesso de bens legados, se os não legatários pretenderem ver preenchidos os seus quinhões hereditários com bens com que legatários também pretendam preencher o quinhão deles, como beneficiários de tornas, os não legatários podem optar pelo preenchimento dos seus quinhões com bens em espécie (art.º 61.º, n.º 2, do RJPI). Assim sendo, os legatários teriam de ceder, entre os bens legados, bens em espécie que permitissem aos demais herdeiros ver preenchido ou o mais possível aproximado, a composição dos quinhões destes. Não reconhecendo a Lei aos legatários herdeiros, face aos herdeiros não legatários, quanto ao preenchimento do quinhão hereditário, o direito de escolher bens em espécie que excedam o valor daquilo que têm direito a receber. Ora, o artigo 61 do RJPI, que reproduz com ligeiras alterações formais o anterior artigo 1377 do CPC, tem em vista impedir que os interessados economicamente mais débeis, sejam despojados dos bens, mercê das licitações pelos mais favorecidos economicamente, ou mercê do favorecimento em excesso pelos bens doados ou legados pelo de cujus. Assim, é fácil de entender que esse direito de escolha dos bens, só se aplica se, primeiramente, os herdeiros não donatários/legatários vierem requerer a composição dos seus quinhões com os bens legados em excesso. Ou seja, os interessados a quem caibam tornas, por terem sido preenchidos a menos, podem optar entre estas e a composição dos seus quinhões em bens, cumprindo-lhes a eles esta opção. Ainda assim, esta opção, ou melhor, o exercício deste direito por parte dos interessados a quem caibam tornas, só é reconhecido, quando o pagamento das tornas resulte da licitação excessiva ou do resultado de bens doados ou legados em excesso, e não de adjudicação consensual e unânime, em sede de Conferência Preparatória, como foi o caso. A Conferência Preparatória foi suspensa para serem efetuadas a avaliações aos bens doados e legados (...93), a inoficiosidade foi arguida, a redução foi efetuada, os bens doados e legados foram levados à partilha e a sua adjudicação foi feita por acordo de todos os interessados em sede de Conferência Preparatória (...93). Diga-se, ainda que, nesta sede, já a cabeça de casal sabia, pois, os bens já haviam sido avaliados, que havia lugar à redução, e ainda assim, acordou que a composição do seu quinhão fosse feito com a adjudicação dos bens descritos sob as verbas 1, 2, 3 e 4. Ademais, que ainda que se entendesse que a cabeça de casal podia escolher os bens para preenchimento do seu quinhão, a verba que escolheu, verba 3, é, na presente data, indissociável da verba 4. Pois, pese embora, na relação de bens a verba 3 e a verba 4 venham descritas como verbas distintas, trata-se de um prédio misto descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número ...6/19860424, cuja componente urbana e rústica foram descritas separadamente na relação de bens. Trata-se, portanto, de um só prédio que, na presente data, não está fracionado, não cabendo ao processo de inventário gerar prédios novos, fracioná-los ou alterar a fisionomia para passarem a existir na ordem jurídica com a conclusão do processo de inventário. Pelo exposto, indefere-se o requerido pela cabeça de casal, indo a mesma notificada para, em dez dias, proceder ao pagamento das tornas, devendo juntar aos autos o respetivo comprovativo de pagamento. Notifique-se”. Em 27.09.2023 elaborou-se o mapa de partilha definitivo. E em 8.11.2023 foi proferido o seguinte despacho: “No presente processo foi proferido o despacho determinativo sobre a forma da partilha e vieram as interessadas BB e CC reclamar o pagamento das tornas. Neste seguimento, veio a cabeça de casal requerer a redução das liberalidades por excesso de bens legados, escolhendo para preenchimento do seu quinhão o prédio urbano, por ser a casa de morada de família. As restantes interessadas vieram opor-se. Em vinte e seis de setembro de dois mil e vinte e três por despacho já proferido foi indeferido o requerido pela cabeça de casal e a mesma notificada para proceder ao pagamento das tornas e juntar o respetivo comprovativo, o que não se verificou até à presente data. Ora, o devedor de tornas fica automaticamente constituído em mora e, por isso, nos termos dos artigos 804º a 806º do Código Civil, com a obrigação de pagar juros legais a contar do primeiro dia posterior à expiração desse prazo, até integral pagamento, vide, neste sentido, Acórdão do STJ de 08/07/1997 e Partilhas Judiciais, volume II, Lopes Cardoso. Importa ainda referir que, de acordo com o estipulado pelo número 4 do artigo 62º do RJPI, os credores de tornas podem registar hipoteca legal sobre o bem imóvel adjudicado ao devedor de tornas. Acontece que, as credoras de tornas, já acima identificadas, também, não lançaram mão do disposto nos números 2 e 3, do artigo 62º do RJPI. Face ao exposto: Verifica-se que a partilha está em condições de ser homologada judicialmente. (…). Notifique-se”. As interessadas reclamantes de tornas vieram depois requerer, além do mais, nos termos do artigo 62.º n.º 3 do RJPI, a venda dos bens que foram adjudicados à interessada AA para pagamento daquelas tornas e juros, entretanto vencidos e vincendos, decorrido que esteja o trânsito em julgado da decisão homologatória. Venda esta que deve ser proferida pelo Sr. Juiz. E em 6.12.2023 foi proferido o seguinte despacho: ”Mostrando-se paga a taxa de justiça nos termos referidos, remetam-se os presentes autos de inventário ao Mmo. Juiz Cível da Comarca, a fim de proferir decisão homologatória da partilha nos termos do n.º 1 do artigo 66º da Lei número 23/2013, de 5 de março (RJPI). As interessadas BB e CC, face à falta de pagamento de tornas pela interessada AA, requereram se procedesse à venda dos bens, adjudicados àquela interessada para pagamento das tornas e juros devidos. As interessadas BB e CC são credoras de tornas no montante de 37.475,56 € e 34.288,90 €, respetivamente, tendo reclamado em devido tempo o seu pagamento. Não obstante a devedora ter sido regularmente notificada para as depositar, não o fez. Tem, assim, as aqui requerentes o direito de requerer, que tornando-se definitiva a decisão da partilha, se proceda à venda dos bens adjudicados à devedora de tornas, até onde seja necessário para pagamento de tornas, nos termos do n.º 3 do artigo 62 do RJPI. Pelo que se defere o pedido, sem embargo de a devedora de tornas poder sustar a providência, se as pagar. Com a entrada em vigor, em 1 de janeiro de 2020, da Lei 117/2019 de 13 de setembro, que alterou o Regime Jurídico do Processo de Inventário, a apreensão e venda de bens no âmbito do processo de inventário terão de ser realizadas pelo tribunal da área da situação dos bens. Notifique-se”. Remetido os autos a Tribunal, foi proferido em 24.01.2024, o seguinte despacho: “Nos presentes autos de inventário para partilha de bens por óbito de EE, que corre termos no Cartório Notarial, homologo a partilha constante de mapa de partilha elaborado nesses autos, adjudicando as verbas aos interessados conforme acordado e decidido em conferência preparatória da conferência de interessados, ficando por essa forma preenchidos os respetivos quinhões. Valor: €172.870,00. Custas na proporção do recebimento – cfr. art.º 1130º do CPC. Registe, notifique e dê baixa”. Inconformada com esta decisão, dela veio AA recorrer de apelação pedindo a sua revogação e substituição por outra que ordene a remessa do processo para a Exma. Senhora Notária para esta proceder à notificação das interessadas, neste caso, a recorrente, nos termos do artigo 60.º n.ºs 1 e 2 do RJPI, para escolher o bem legado, considerando nulo todo o processado após o mapa de partilha, ordenando o prosseguimento do processo de inventário, se assim se não entender, deverá ser atendida a escolha efetuada pela ora recorrente do bem legado, escolhido, que é a verba n.º 3, casa de morada de família, revogando-se a sentença homologatória proferida, por violação da lei. A apelante juntou aos autos as suas alegações que terminam com as seguintes e prolixas conclusões: Existindo testamento, o mesmo deve ser interpretado de acordo com aquilo que parecer mais ajustado com a vontade do testador, conforme o contexto do testamento. Os legados podem ser feitos por força da quota disponível, por conta da legítima ou em substituição da legítima. No legado por conta da quota disponível, há da parte do testador a manifestação de vontade no sentido de beneficiar o herdeiro contemplado com o legado e este nada confere, isto, claro está, sem prejuízo de a doação poder vira a ser reduzida por inoficiosidade, caso o seu valor ofenda a legítima dos restantes herdeiros legitimários. O valor que excede a legítima do herdeiro contemplado com o legado, deve ser imputado na sua quota disponível (no quinhão desse herdeiro nessa quota) conciliando-se assim o espírito de igualação dos herdeiros com o respeito pela vontade do testador de que o bem legado fosse transmitido àquele herdeiro. Se o valor de bem legado ultrapassar a legítima e o quinhão do herdeiro beneficiado com o legado na quota disponível, deve imputar-se a parte restante do legado na parte restante da quota disponível do “de cujus”, constituindo o sobrante desta o total dos quinhões hereditários dos restantes herdeiros, a dividir apenas entre eles. Para o cálculo da legítima prevê-se no art.º 2162.º (Cálculo da legítima) que deve atender-se ao valor dos bens existentes no património do autor da sucessão à data da sua morte, ao valor dos bens doador, às despesas sujeitas a colação e às dívidas da herança, não sendo atendido para o cálculo da legítima o valor dos bens que, nos termos do art.º 2112.º, não são objeto de colação. Nos termos do art.º 2168.º do CC dizem-se inoficiosas as liberalidades, entre vivos ou por morte, que ofendam a legítima dos herdeiros legitimários. No que concerne à redução das doações inoficiosas por envolverem ofensa da legítima dos herdeiros legitimários do doador há que observar o disposto nos n.ºs 1 e 2 do art.º 2174.º do CC que prescreve: “Quando os bens legados ou doados são divisíveis, a redução faz-se separando deles a parte necessária para preencher a legítima” (n.º1); “sendo os bens indivisíveis, se a importância da redução exceder metade do valor dos bens, estes pertencem integralmente ao herdeiro legitimário, e o legatário ou donatário haverá o resto em dinheiro, tendo este de pagar em dinheiro ao herdeiro legitimário a importância da redução” (n.º2). Ou seja, quanto às liberalidades consubstanciadas em doações, se os bens doados forem divisíveis, a redução faz-se separando deles a parte necessária para preencher a legítima (artigo 2174.º, n.º 1 do CC). Nesse sentido, caso o autor da sucessão haja feito uma liberalidade em vida ou por morte, de certa coisa, e essa liberalidade é comprovadamente inoficiosa, há que distinguir consoante a coisa doada ou legada tem caráter divisível (n.º 1) ou se se trata de um objeto indivisível (n.º 2). Neste caso, e uma vez que se trata de um bem divisível, a redução opera-se in natura, destacando-se da coisa doada a fração necessária para preencher a legítima, e deixando a fração restante nas mãos do donatário (cfr. D. Carvalho de Sá, “Do Inventário”, 5.ª edição, 2005, p.152). Importa realçar que estarmos perante um bem divisível. Porquanto se trata de prédios autónomos, caraterizando-se um como prédio urbano (o bem relacionado como verba n.º 3) e outro como prédio rústico (verba n.º 4). Conforme supramencionado, no dia 26.09.2023, foi proferido despacho pela Exma. Notária, invocando a indissociabilidade das verbas números 3 e 4 da relação de bens. Ora, a realidade é que, conforme consta da relação de bens, a verba n.º 3 e n.º 4 estão descritas, no âmbito do Registo Predial, como verbas distintas. Além disso, contrariamente ao referido pela Exma. Senhora Notária, em sede do suprarreferido despacho, não estamos aqui perante um prédio misto. Com efeito, a lei civil não conhece o conceito de prédio misto. O prédio misto é um “tertium genus”, já que os prédios, devem sempre que possível ser considerados de harmonia com a sua parte principal e essa, a priori, ou é rústica ou urbana. A distinção assenta, pois, numa avaliação casuística, tendo subjacente um critério de destinação ou afetação económica (cfr. Acórdão do STJ, processo n° 08A075, datado de 28.02.2008, Relator Fonseca Ramos, disponível em www.dgsi.pf). Acresce que, segundo o artigo 204.º, n.º 2 do CC, os imóveis ou são rústicos ou urbanos, não mistos. Posto isto, cumpre ainda mencionar que resulta da situação em apreço que os inventariados consideraram inequivocamente a existência de dois prédios distintos, como efetivamente consta do Registo Predial. Note-se ainda que em sede de Conferência Preparatória, nunca se falou de um só prédio, mas de dois prédios distintos, correspondentes às verbas n.ºs 3 e 4. Não olvidemos também o facto de que, aquando da realização de relatório pericial, para avaliação dos bens da herança, foi elaborada a descrição das referidas verbas, de forma autónoma, bem como foi efetuado o cálculo do valor das mesmas. Portanto, estas duas verbas relacionadas foram tratadas como bens distintos, com valores igualmente díspares. Tendo, inclusive, sido atribuído o valor de €75.000,00 à verba n.º 3 e de €36.250,00 à verba n.º 4, conforme consta do relatório pericial. Ademais, dispõe o artigo 52.º, n.º 3, alínea a) do RJPI, que quando se reconheça que a doação é inoficiosa, se a declaração recair sobre prédio suscetível de divisão (como é o caso), é admitida a licitação sobre a parte que o donatário tem de repor. Não obstante, cumpre aqui referir que, in casu, não houve lugar a licitação, porquanto todas as interessadas aceitaram os valores pelos quais os bens foram avaliados. Nesta senda, não se aplicando a referida alínea (a) do n.º 3 do artigo 52.º do RJPI, é de aplicar a alínea c) do n.º 3 do referido artigo, nos termos do qual “o donatário pode escolher, entre os bens doados, os bens necessários para o preenchimento da sua quota na herança e dos encargos da doação, e deve repor os que excederem o seu quinhão, (...)”. Pelo que é forçoso concluir que procedeu corretamente a recorrente, ao requerer a redução dos bens legados, por excesso dos mesmos (i.e., redução das liberalidades por excesso de bens legados) escolhendo, para preenchimento do seu quinhão, o prédio urbano, por se tratar da casa de morada de família da cabeça de casal e do seu falecido marido. Assim, e uma vez que se afigura como lícito à recorrente escolher, entre os bens legados, os bens necessários para o preenchimento da sua quota na herança, devendo, no entanto, repor os que excederem o seu quinhão, não se pode aceitar de que forma possam estes bens/prédios ter sido considerados indissociáveis/indivisos pela Exma. Senhora Notária, bem como não se pode a recorrente conformar com a douta sentença, que homologou a partilha constante de mapa de partilha elaborado nestes autos, ficando, dessa forma preenchidos os respetivos quinhões. Ora, uma vez que o quinhão da aqui recorrente corresponde ao montante de €38.565,40, e o total dos bens legados perfaz a quantia de €113.470,00, é de concluir, tal como indicado em sede de mapa da partilha junto aos autos, que esta levou a mais a quantia de €74.904,60. Devendo proceder ao pagamento às interessadas CC e BB, as quantias de €34.288,90 e €37.475,56, respetivamente. No entanto, e porquanto lhe é concedida a já aludida faculdade de opção, entre os bens legados, dos bens necessários para o preenchimento da sua quota na herança, não se configura exequível nem aceitável que essa possibilidade lhe seja vedada. Sendo que deve, não obstante, repor o valor dos bens que excederem o seu quinhão, ou seja, a quantia de €38.654,60. Assim, não andou bem o Tribunal recorrido, ao homologar a partilha constante de mapa de partilha, adjudicando, desse modo, as verbas aos interessados. Não considerando sequer que a cabeça de casal e ora recorrente havia já escolhido um dos bens legados (apenas a verba n.º 3 da relação de bens), que excediam o seu quinhão hereditário. Acresce que resulta ainda do artigo 60.º, n.º 1 do RJPI, que “se o notário verificar, no ato da organização do mapa, que os bens doados, legados ou licitados excedem a quota do respetivo interessado ou a parte disponível do inventariado, lança no processo uma informação, sob a forma de mapa, indicando o montante do excesso”. De facto, a Exma. Senhora Notária levou a cabo esta conduta, uma vez que indicou, em sede de mapa de partilha informativo, o montante em excesso. Não obstante, dispõe o n.º 2 do já referido artigo que, “se houver legados ou doações inoficiosas, o notário ordena a notificação dos interessados para requererem a sua redução nos termos da lei civil, podendo o legatário ou donatário escolher, entre os bens legados ou doados, os bens necessários para preencher o valor a que tenha direito a receber”. Nesta senda, importa mencionar que, no caso em apreço, não se verificou o cumprimento da exigida notificação dos interessados, após a elaboração do mapa de partilha, para que fosse requerida a redução. Razão pela qual estamos perante uma manifesta nulidade, por falta de notificação dos interessados (ato que a lei exige no caso em questão). Isto é, esta norma, que atribui ao notário esta competência, foi violada. Ou seja, cumpria, então, à Exma. Senhora Notária, a função de ordenar a notificação dos interessados para exercerem, querendo, a faculdade que lhes é conferida pelo citado preceito. Neste preciso sentido, cfr. Acórdão do STJ, processo n.º 299/05, datado de 19.06.2012, “verificada uma situação de inoficiosidade, é reconhecido aos herdeiros legitimários o direito (potestativo) de redução da liberalidade violadora da legítima em quanto for necessário para esta ser preenchida”. Por conseguinte, é forçoso concluir que a omissão deste ato (notificação) é geradora de nulidade, nos termos do artigo 195.º do CPC, nulidade que desde já se invoca para todos os devidos efeitos legais. Em suma, andou mal o Tribunal recorrido, ao homologar a partilha constante de mapa de partilha, adjudicando, desse modo, as verbas aos interessados, não tendo em consideração o que a ora recorrente havia escolhido como único bem legado para si, remetendo a verba n.º 4 para preenchimento do quinhão das interessadas CC e BB. Violou o Tribunal a quo os artigos 52.º e 60.º do RJPI e artigo 204.º do CC. As interessadas BB e CC juntaram aos autos as suas contra-alegações onde pugnam pela confirmação da decisão recorrida. Para o que apresentam as seguintes conclusões: O recurso interposto pela apelante e atento ao facto que o presente processo corre nos termos da lei de 23/2013 de maio de 2013, deve respeitar a norma prevista no artigo 76 do RJPI. A recorrente pretende com o presente recurso impugna uma decisão interlocutório datada de 26/09/2023 e proferida pela Sr. Notária. Ora, recurso interposto pela apelante da decisão final, só pode ter como objeto decisões judiciais, pelo que o douto Tribunal da Relação não pode conhecer a questão levantada pela apelante. Na verdade, a apelante, na hipótese de discordância do despacho da Sra. Notaria, deveria, no prazo estipulado pela Lei, impugnar o mesmo para o Tribunal da 1.º Instância e, Da decisão deste Tribunal – na hipótese de discordância - interpor recurso para o Tribunal da Relação. Assim, o despacho que a recorrente pretende impugnar já se encontra transitado em julgado não sendo possível por esta via a sua impugnação. Acresce que, a apelante, requer também a nulidade do processo, porque alegadamente não foi notificado para exercer um direito plasmado na lei. Ora, quanto a esta questão o regime das nulidades, previsto, na lei processual Civil, impõe ao interessado, apelante, um prazo para o fazer. Prazo este, que se inicia a partir da data que o mesmo deveria ter sido praticado. Assim, facilmente se constata que este prazo já se encontra esgotado. Não podendo a recorrente ver conhecida esta questão com o presente recurso. Não assiste assim, qualquer razão, à apelante. Deve o recurso interposto pela mesma ser julgado por improcedente. II – Os factos relevantes para a decisão do presente recurso são os que estão enunciados no supra elaborado relatório, pelo que, por razões de economia processual, nos dispensamos de os reproduzir aqui. III – Como é sabido o objeto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.ºs 5.º, 635.º n.º3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do C.P.Civil), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida. * Ora, visto o teor das alegações da apelante são questões a apreciar no presente recurso: 1.ª- Da alegada nulidade processual. 2.ª – Da alegada redução de doação por inoficiosidade. Nota prévia – Lei aplicável e regime de recursos. O presente processo de inventário para partilha dos bens deixados por morte de EE, iniciou-se em 12.02.2019 no Cartório Notarial de Dr.ª DD, em ..., ocasião de plena aplicação do Regime Jurídico do Processo de Inventário estabelecido pela Lei n.º 23/2013, de 05/03. A decisão recorrida foi proferida em 24.01.2024, ocasião em que já havia sido publicada a Lei n.º 117/2019, de 13/09, que, além do mais, revogou o regime jurídico do processo de inventário, aprovado pela Lei n.º 23/2013, de 5/03 e aprova o regime do inventário notarial, reintroduzindo no C.P.Civil as normas do processo de inventário, ou seja, “É aditado ao livro V o título XVI, denominado «Do processo de inventário», composto pelos capítulos I a III, os quais se organizam do seguinte modo: i) O capítulo I, denominado «Disposições gerais», integra os artigos 1082.º a 1096.º; ii) O capítulo II, denominado «Inventário destinado a fazer cessar a comunhão hereditária», é composto pela secção I, denominada «Fase inicial», a qual integra os artigos 1097.º a 1103.º, pela secção II, denominada «Oposições e verificação do passivo», a qual integra os artigos 1104.º a 1108.º, pela secção III, denominada «Audiência prévia de interessados», a qual integra o artigo 1109.º, pela secção IV, denominada «Saneamento do processo e conferência de interessados», a qual integra os artigos 1110.º a 1117.º, pela secção V, denominada «Incidente de inoficiosidade», a qual integra os artigos 1118.º e 1119.º, pela secção VI, denominada «Mapa da partilha e sentença homologatória», a qual integra os artigos 1120.º a 1125.º, pela secção VII, denominada «Incidentes posteriores à sentença homologatória», a qual integra os artigos 1126.º a 1129.º, e pela secção VIII, denominada «Custas», a qual integra o artigo 1130.º; iii) O capítulo III, denominado «Partilha de bens em casos especiais», integra os artigos 1131.º a 1135.º b) O livro VI passa a ser composto pelos artigos 1136.º a 1139.º”. Quanto à aplicação da Lei n.º 117/2019, de 13/09, que entrou em vigor em 1.01.2020, no tempo dispõe o art.º 11.º, ou seja: “1 - O disposto na presente lei aplica-se apenas aos processos iniciados a partir da data da sua entrada em vigor, bem como aos processos que, nessa data, estejam pendentes nos cartórios notariais mas sejam remetidos ao tribunal nos termos do disposto nos artigos 11.º a 13.º 2 - O regime jurídico do processo de inventário, aprovado em anexo à Lei n.º 23/2013, de 5 de março, continua a aplicar-se aos processos de inventário que, na data da entrada em vigor da presente lei, estejam pendentes nos cartórios notariais e aí prossigam a respetiva tramitação. 3 - Para efeitos do disposto no número anterior, os artigos 3.º, 26.º-A, 27.º, 35.º e 48.º do regime jurídico do processo de inventário, anexo à Lei n.º 23/2013, de 5 de março, passam a ter a redação prevista nos artigos 8.º e 9.º da presente lei”. E assim sendo e, em conclusão, aos presentes autos, que à data da entrada em vigor da Lei 117/2019, de 13/09, se encontravam pendentes em Cartório Notarial e aí prosseguiram os seus termos, continuou-se a aplicar-se o disposto na Lei n.º 23/2013, de 5/03, cfr. n.º 2 do art.º 11.º da Lei n.º 117/2019, de 13/09. E no que concerne à matéria de recursos, há que atentar ao preceituado nos art.ºs 3.º n.º4, 7.º, 16.º, 57.º, 66.º e 76.º da Lei n.º23/2013, de 5/03. Ora, preceituam os n.ºs 4 e 7 do art.º3.º, sob a epígrafe “Competência do cartório notarial e do tribunal”, “ao notário compete dirigir todas as diligências do processo de inventário (…)”, que “compete ao tribunal da comarca do cartório notarial onde o processo foi apresentado praticar os atos que, nos termos da presente lei, sejam da competência do juiz”. Em suma, o notário tem, por regra, a competência para o processo do inventário e que os atos reservados à competência do Tribunal são exceção a essa regra e são especificados no RJPI. E um dos atos especificamente atribuídos à competência do tribunal no referente à tramitação do inventário é o que se refere à decisão homologatória da partilha, a que se reporta o art.º 66º, que estabelece no seu n.º 1 que “a decisão homologatória da partilha constante do mapa e das operações de sorteio é proferida pelo juiz cível territorialmente competente”, sendo para tanto territorialmente competente o juiz cível do tribunal da comarca do cartório notarial onde o processo foi apresentado, cfr. n.º7 do art.º 3.º. Compulsada a Lei, verificamos que os demais atos especificamente atribuído à competência própria do tribunal, v.g. a designação do cabeça de casal no caso de todas as pessoas referidas no art.º 2080.º C.Civil se escusarem ou forem removidas; a decisão homologatória do acordo dos interessados que ponha termo ao processo de inventário na conferência, a que se alude o art.º 48.º n.º7, “ex vi” do art.º 66.º n.º1 do RJPI. Na verdade, era intenção do legislador a desjudicialização, tanto quanto possível, do processo de inventário, quer dizer, torna-lo, na medida do constitucionalmente possível, campo de intervenção apenas do notário, ou dito de outro modo, libertar os assoberbados tribunais de 1.ª instância do processamento dos processos de inventário e daí que se tivesse previsto também um regime em função do qual não viessem a reverter inteiramente sobre tais tribunais os recursos das decisões dos notários na pendência do inventário. Por outro lado, o despacho determinativo da forma à partilha que é, nos termos já referidos do n.º 4 do art.º 3.º, da competência do notário, poder ser objeto autónomo de recurso, devendo sê-lo para o tribunal da comarca do cartório notarial onde o processo foi apresentado, cfr. n.º4 do art.º 57.º, sendo que se tal recurso não for interposto se terão de entender precludidas as questões especificamente referentes à forma de partilha. Mas, já as decisões interlocutórias proferidas no processo de inventário que se mostrem recorríveis, quer o tenham sido pelo notário, quer o tenham sido pelo tribunal de comarca, são impugnadas por via do recurso que vier a ser interposto da decisão homologatória da partilha e, portanto, num caso e noutro, para o Tribunal da Relação territorialmente competente, com efeito meramente devolutivo, como preceituam o n.º 3 do art.º 66.º e 2.ª parte do n.º 2 do art.º 76.º, ambos do RJPI, exceção feita, se dessas decisões (sejam dos notários, sejam dos tribunais de comarca) caiba recurso de apelação autónomo, nos termos do C.P.Civil, cfr.1.ª parte do n.º 2 do art.º 76.º do RJPI. Segundo nos é dado a verificar, julgamos que o RJPI prevê, estranhamente, diga-se, verdadeiros recursos “per saltum” das decisões dos notários para os Tribunais da Relação, dizendo-se no n.º 1 do art.º 68.º do RJPI que “as Relações conhecem dos recursos”, sem distinguir da proveniência das respetivas decisões recorridas. No entanto, não se desconhece avultada jurisprudência que considera incompetentes, em razão da hierarquia, os tribunais da Relação, atento o disposto no art.º 67.º do C.P.Civil, para conhecerem das decisões interlocutórias dos notários, só podendo apreciar as interlocutórias dos tribunais da 1.ª instância, cfr. Acs. da Rel. de Évora de 5.04.2016, da Rel. de Coimbra de 9.01,2017, de 9.05.2017, de 20.06.2017, da Rel. do Porto de 26.04.2018, de 27.06,2018 e da Rel. de Lisboa de 25.09.2018, todos in www.dgsi.pt. Finalmente preceitua, o art.º 66.º n.º 1 do RJPI que “A decisão homologatória da partilha constante do mapa e das operações de sorteio é proferida pelo juiz cível territorialmente competente” e termina o n.º 3 de tal preceito dizendo que: “Da decisão homologatória da partilha cabe recurso de apelação, nos termos do Código de Processo Civil, para o Tribunal da Relação territorialmente competente, com efeito meramente devolutivo”. E é deste recurso de decisão final, de que trata o presente recurso autónomo para este Tribunal da Relação. 1.ªquestão - Da alegada nulidade processual. Começa a apelante por defender que ocorreu uma nulidade processual, pois que Tendo a Sr.ª Notária verificado oportunamente, ou seja, aquando da organização do mapa de partilha, que os bens legados à apelante excediam a respetiva quota ou quinhão hereditário, disso lançou informação no processo, contudo, omitiu a notificação a que alude o n.º 2 do art.º 60.º do RJPI, ao não notificação dos interessados para requererem a sua redução nos termos da lei civil. Vejamos. Como resulta dos autos, em 21.06.2023 foi proferido despacho determinativo da partilha de onde consta, além do mais, que: (…) No valor da quota disponível imputa-se o valor da meia conferência do bem doado pela escritura atrás referida, até preencher o valor da quota disponível. No caso de essa imputação exceder o valor da quota disponível, o que se verifica, o excesso é imputado na respetiva legitima subjetiva da donatária. Caso se verifique ser necessário proceder à redução da doação, para respeitar a integridade das legítimas (artigo 2168.º do Código Civil), a redução, neste caso, terá de ser efetuada em dinheiro, atendendo ao disposto no artigo 2174.º do Código Civil. Atendendo a que o valor da quota disponível encontra-se toda ela preenchida com a imputação da meia conferência do bem doado, o legado efetuado pelo testamento acima mencionado é inoficioso, nos termos do artigo 2168.º do Código Civil”. (…) As adjudicações de bens às interessadas será feita com o acordado na conferência preparatória da conferência de interessados”. Resulta do n.º 4 do art.º 57.º do RJPI que: “Do despacho determinativo da forma da partilha é admissível impugnação para o tribunal da 1.ª instância competente, no prazo de 30 dias, a qual sobe imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo”. Ora, do referido despacho não foi interposto oportunamente qualquer recurso, pelo que o mesmo transitou em julgado, e dele expressamente consta que a haver lugar redução da doação feita à cabeça de casal, que é inoficiosa, essa redução será efetuada em dinheiro, por se considerar os bens indivisíveis e mais resulta que o legado efetuado à cabeça de casal é inoficioso. Donde, sendo verídico que ao organizar o mapa de partilha, na sequência da prolação do despacho determinativo da mesma, conforme preceitua o art.º 60.º do RJPI, “1 - Se o notário verificar, no ato da organização do mapa, que os bens doados, legados ou licitados excedem a quota do respetivo interessado ou a parte disponível do inventariado, lança no processo uma informação, sob a forma de mapa, indicando o montante do excesso. 2 - Se houver legados ou doações inoficiosas, o notário ordena a notificação dos interessados para requererem a sua redução nos termos da lei civil, podendo o legatário ou donatário escolher, entre os bens legados ou doados, os bens necessários para preencher o valor a que tenha direito a receber”. Ora, “in casu”, o cumprimento do preceituado no n.º2 do referido art.º 60.º do RJPI sempre seria um ato absolutamente inútil e redundante, uma vez que, por via do despacho determinativo da partilha já se havia decidido que, a haver redução do doação efetuada, por inoficiosa, que era, como já aí resultou também decidido, essa redução seria efetuada em dinheiro e, que o legado efetuado à cabeça de casal excedia a quota disponível do “de cujus”, todavia, já anteriormente e em sede de conferência de interessados, é manifesto, após a avaliação das verbas doadas e legadas que existiam liberalidades inoficiosas, razão pela, à ocasião, o mandatário das ora interessadas/apeladas requereu a redução das mesmas, nos termos do art.º 2169º do Código Civil, sendo que à ocasião, conhecedora da mesma situação, a cabeça de casal, ora apelante, nada requereu. O art.º 195.º do C.P.Civil, no seu n.º 1 dispõe que a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influenciar a decisão da causa (nulidades secundárias ou atípicas). Estamos perante uma nulidade processual secundária que não é do conhecimento oficioso, dependendo de arguição da parte interessada, nos termos do disposto na parte final do art.º 196.º C.P.Civil. Considerando que no nosso direito processual o interesse predominante é a realização da finalidade da justiça do processo, a tendência é a de que os vícios processuais sejam, sempre que possível, sanáveis, independentemente de sua gravidade. No caso, a nulidade consiste, especificamente, na prática ou na omissão de um ato processual afastado desse conjunto de formas necessárias estabelecidas por lei. Será assim um desajuste entre a forma determinada na lei e a forma praticada ou omitida. A nulidade (e ressalvadas as nulidades principais previstas nos art.ºs. 193.º a 200.º do C.P.Civil, só se verifica quando a lei expressamente o declare ou quando a irregularidade possa influir no exame ou na decisão da causa, cfr. art.º 201.º, n.º 1 do C.P.Civil, dependendo a sua apreciação e julgamento de invocação por parte do interessado na observância da formalidade ou na repetição ou eliminação do ato, cfr. art.ºs 202.º, 2.ª parte e 203.º, n.º 1, ambos do C.P.Civil. A arguição de nulidade secundária é feita perante o tribunal onde a irregularidade foi cometida, podendo ser arguida no tribunal superior no caso de o processo ser expedido em recurso antes de findar o prazo para a parte a invocar, cfr art.º 205.º do C.P.Civil. Fácil concluir daqui que uma irregularidade processual, que possa influir no exame ou decisão da causa ou que a lei expressamente comine com a nulidade, tem de seguir o regime próprio para a sua arguição, não podendo ser atacada através de recurso, a menos que a infração processual esteja ao abrigo de uma posterior decisão judicial. “In casu”, verifica-se que na sequência da prolação do despacho determinativo da partilha e do respetivo mapa, a cabeça de casal veio aos autos, em 1.09.2023 e não arguiu qualquer nulidade, logo, a mesma que agora vem invocar em sede do presente recurso, a ter existido, sempre se teria de considerar sanada, atento o preceituado no art.º 199.º n.º1 do C.P.Civil “ex vi” do art.º 82.º do RJPT.. Todavia, e como acima já deixámos consignado, entendemos que a ter sido cometida a pontada nulidade a mesma encontra-se sanada. Pelo que, improcedem as respetivas conclusões da apelante. 2.ªquestão – Da alegada redução de doação por inoficiosidade. Como já acima se deixou consignado, sobre o notário recai a competência-regra para o processo do inventário, compete-lhe dirigir todas as diligências do processo de inventário, cfr. art.º 3.º n.º4 do RJPI e, os atos reservados à competência do tribunal, são exceção a essa regra, parte final desse mesmo preceito. Pelo que, à exceção das decisões referentes à designação do cabeça de casal e da decisão homologatória de acordo dos interessados que ponha termo ao processo em sede de conferência, a primeira intervenção prevista do tribunal da comarca no inventário será relativamente ao despacho determinativo da forma da partilha, de que cabe recurso para o tribunal da comarca, nos termos do n.º4 do art.º 57.º do RJPI. Também temos por certo que as decisões interlocutórias proferidas após a prolação do despacho determinativo da forma da partilha não são recorríveis autonomamente, e competindo ao juiz a prolação da sentença homologatória da partilha, os recursos das decisões posteriores devem ser interpostos conjuntamente com o recurso que for interposto dessa sentença, competindo ao tribunal da Relação conhecer do mesmo, neste sentido, Ac. do STJ de 23.04.2024, in www.dgsi.pt. Vejamos então o caso dos autos. Manifestamente, a apelante pretende agora insurgir-se contra o teor do despacho da Sr.ª Notária de 26.09.2023, em decisão do requerimento que a cabeça de casal, ora apelante havia feito aos autos para redução da seu legado e escolha de bens para preenchimento do seu quinhão e que indeferiu o assim requerido pela cabeça de casal, notificando para, em dez dias, proceder ao pagamento das tornas devidas. Contudo, no caso dos autos, como se viu, as interessadas, oportunamente, não recorreram do despacho determinativo da forma à partilha e nele está consignado, além do mais, que: “(…) Que o inventariado deixou testamento público outorgado, neste Cartório Notarial, no dia dois de julho de dois mil e dezoito, lavrado no respetivo livro de notas número oito, a partir de folhas cinquenta e uma, no qual legou a sua mulher, à referida AA, o prédio misto, melhor identificado no referido testamento, o qual era seu bem próprio e no qual instituiu, ainda, a sua referida mulher, AA, herdeira do remanescente da quota disponível dos seus bens (sublinhado nosso) (…) O inventariado e FF, à data casados segundo o regime da comunhão geral, haviam doado, por conta da quota disponível, à sua indicada filha, CC, por escritura outorgada no Primeiro Cartório, da Ex-Secretaria Notarial ..., lavrada no respetivo Livro de Notas para escrituras diversas número ..., a partir de folhas cinquenta e sete, o imóvel nessa escritura devidamente identificado (sublinhado nosso). (…) À meação do inventariado é somado o valor dos bens próprios, correspondente ao bem legado e metade do valor do bem doado (meia conferência), tudo no montante de €168.640,03 (…) (…) No valor da quota disponível imputa-se o valor da meia conferência do bem doado pela escritura atrás referida, até preencher o valor da quota disponível. No caso de essa imputação exceder o valor da quota disponível, o que se verifica, o excesso é imputado na respetiva legitima subjetiva da donatária. Caso se verifique ser necessário proceder à redução da doação, para respeitar a integridade das legítimas (artigo 2168.º do Código Civil), a redução, neste caso, terá de ser efetuada em dinheiro, atendendo ao disposto no artigo 2174.º do Código Civil. Atendendo a que o valor da quota disponível encontra-se toda ela preenchida com a imputação da meia conferência do bem doado, o legado efetuado pelo testamento acima mencionado é inoficioso, nos termos do artigo 2168.º do Código Civil”. Como é sabido a sucessão legitimária é caracterizada pela existência de certas pessoas com direito a determinada quota de bens da herança, de que o “de cujus” não pode dispor livremente, atenta essa afetação legal. Para o cálculo da legítima – e, consequentemente, da quota disponível – há que atender-se ao valor dos bens existentes no património do autor da sucessão à data da sua morte, ao valor dos bens doados, às despesas sujeitas à colação e às dívidas da herança, cfr. art.º 2162.º n.º 1 do C.Civil. Como se expressou no Ac. da Rel. de Guimarães de 4.04.2017, in www.dgsi.pt “Na sucessão legitimária, para efeitos de proteção dos herdeiros legitimários – cálculo da legítima, redução por inoficiosidade e colação –, haverá que encontrar o valor da herança para efeitos da calculo da legítima, de harmonia com os critérios constantes do citado artigo 2162.º CC – atendendo-se ao valor dos bens existentes no património do autor da sucessão à data da sua morte, deduzido do valor das dívidas da herança, adicionado das despesas sujeitas a colação e do valor dos bens doados – (Pereira Coelho, Direito das Sucessões, II, 1974, pág. 178). O produto final assim encontrado constituirá, então, o valor global da herança para efeitos do cálculo da legítima. Para esse efeito, são aplicáveis as regras próprias da relação de bens da herança, ou seja, ao seu valor à data da morte do de cuiús, à semelhança do que se verifica na colação, expressamente consignado no artigo 2109º, nºs 1 e 2, do CC.” Preceitua, pois, o art.º 2156.º do C.Civil que se entende por legítima a porção de bens de que o testador não pode dispor por ser legalmente destinada aos herdeiros legitimários, inserindo-se nesta categoria, o cônjuge e os filhos do inventariado, cfr. art.º 2157.º do C.Civil. Está em causa a legítima objetiva ou quota indisponível, que se encontra associada à existência de certas categorias de sucessíveis, isto é, a quota da herança legalmente destinada aos sucessores legitimários. Pelo que, concluindo-se que o inventariado dispôs além do que a lei lhe permitia, ofendendo as legítimas, há lugar a redução das liberalidades, art.ºs 2168.º a 2718.º, e 959º, todos do C.Civil, ou seja, a proteção legal da quota legítima dos herdeiros legitimários é estabelecida, por via do instituto da inoficiosidade. Ora, decorre do preceituado no art.º 2169.º do C.Civil que “As liberalidades inoficiosas são redutíveis, a requerimento dos herdeiros legitimários ou dos seus sucessores, em tanto quanto for necessário para que a legítima seja preenchida”. A redução das liberalidades é feita pela ordem seguinte: em primeiro lugar reduzem-se as disposições testamentárias a título de herança, em segundo lugar os legados e, por último, as liberalidades feitas em vida. A prevalência da doação sobre a disposição testamentária resulta, por um lado, da irrevogabilidade, por princípio, da doação, e por outro, da intangibilidade da legítima, que comprime a liberdade de disposição do testador, cfr art.ºs 969.º e segs. e 2156.º, ambos do C.Civil. “In casu” todas as interessadas são herdeiras legitimárias, mas apenas duas delas foram beneficiadas, pelo de cujus, com liberalidades: a apelante/cabeça de casal com um legado e, a interessada CC com uma doação. Pelo que acima já deixámos expresso, é para nós evidente que desde a conferência de interessados que a cabeça de casal, ora apelante, sabia da inoficiosidade do seu legado, e disso ficou absolutamente ciente, após a prolação do despacho determinativo da partilha. Mas tendo nós também por certo que, por força do preceituado na lei, os herdeiros legitimários mesmo sabendo, ou simplesmente presumindo, que a sua legítima possa ter sido ofendida por liberalidades concedidas pelo “de cujus”, têm de requerer expressamente a redução da oficiosidade, manifestando no fundo a sua vontade de redução, já que se trata de um direito potestativo, mas disponível. A cabeça de casal veio efetivamente requerer a redução do seu legado, escolhendo a composição do mesmo. Ou seja, os bens legados á cabeça de casal por conta da conta disponível do “de cujus” porque a excediam afetavam a legitima dos herdeiros hereditários, mormente, a legítima das restantes duas interessadas. Mas estas, vendo assim violada a integridade da sua quota ou quinhão hereditário nada requereram no sentido da redução do legado efetuado à cabeça de casal, como seria do seu interesse, (sem olvidar que se haviam anteriormente manifestado no sentido de serem os bens avaliados, como o foram no âmbito da referida conferência de interessados), à exceção, de posteriormente, apenas requererem o pagamento das tornas devidamente calculadas, ou seja, as interessadas não legatárias, conformaram-se com a reposição da integridade da sua quota em dinheiro. “In casu” em sede de conferência de interessados expressamente a cabeça de casal aceitou que lhe fossem adjudicados, para composição do seu quinhão, os bens descritos nas verbas n.ºs 1, 2, 3 e 4, ou seja, incluindo os bens legados, na qualidade de herdeira legitimária e de legatária. Ora, a existir uma situação de inoficiosidade decorrente do legado efetuado, como existe na realidade, haverá efetivamente que convocar, no plano do direito adjetivo, os art.ºs 1118.º e 1119.º do C.P.Civil e, no plano do direito substantivo, o disposto no art.º 2174.º do C,Civil, tudo “ex vi” do art.º 82.º do RJPI. Ora, preceitua o art.º 2174.º do C.Civil, sob a epígrafe, “Termos em que se efetua a redução”, que: “1. Quando os bens legados ou doados são divisíveis, a redução faz-se separando deles a parte necessária para preencher a legítima. 2. Sendo os bens indivisíveis, se a importância da redução exceder metade do valor dos bens, estes pertencem integralmente ao herdeiro legitimário, e o legatário ou donatário haverá o resto em dinheiro; no caso contrário, os bens pertencem integralmente ao legatário ou donatário, tendo este de pagar em dinheiro ao herdeiro legitimário a importância da redução. 3. A reposição de aquilo que se despendeu gratuitamente a favor dos herdeiros legitimários, em consequência da redução, é feita igualmente em dinheiro”. Preceituando o art.º 55.º do RJPI, sob a epígrafe “Consequências da inoficiosidade do legado” que: “1 - Se o legado for inoficioso, o legatário repõe, em substância, a parte que exceder, podendo sobre essa parte haver licitação, a que não é admitido o legatário. 2 - Sendo a coisa legada indivisível, observa-se o seguinte: a) Quando a reposição deva ser feita em dinheiro, qualquer dos interessados pode requerer a avaliação da coisa legada; b) Quando a reposição possa ser feita em substância, o legatário tem a faculdade de requerer licitação da coisa legada. 3 - É aplicável também ao legatário o disposto na alínea c) do n.º 3 do artigo 52.º” Como se viu, nos autos não houve licitações, uma vez que a composição dos quinhões hereditários foi efetuada por acordo de todas as interessadas. Como se defendeu no Ac. da Rel. de Coimbra de 16.01.2018, in www.dgsi.pt e, que aqui também defendemos, entendendo ser a melhor e mais adequada interpretação do preceituado no art.º 2174.º do C.Civil aquela, segundo a qual quando os legatários são também herdeiros legitimários, se deve respeitar a vontade do testador no sentido dos bens legados ingressarem no património do legatário, pelo que a reposição resultante da necessidade de redução do legado, por inoficiosidade, deve ser sempre feita em dinheiro e não em substância. Esta interpretação normativa, mormente do previsto no n.º 3 do art.º 2174.º do C.Civil, no sentido de não permitir a “redução dos legados em substância” quando feitos a outros herdeiros legitimários, julgamos não afrontar quaisquer princípios constitucionais, sendo a que se nos afigura mais consentânea com a inserção sistemática da norma e até a sua génese. Neste sentido, Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, Volume VI, pág. 282, onde refere que: “Prescreve-se, por fim, no n.º 3 deste artigo 2174.º que a reposição daquilo que se despendeu gratuitamente a favor dos herdeiros legitimários, em consequência da redução, é feita de igual modo em dinheiro.O texto da disposição pode cobrir, entre outras, situações como esta: A, pai de dois filhos, B e C, deixou à data da sua morte uma herança, no valor de 1500. A reserva legitimária dessa herança será de 2/3, equivalente a 1000 (dos quais 500 caberiam como legítima a B, e outros 500 a C, nos termos do art.º 2159.º, n.º 2), sendo de 500 a quota disponível. O de cujus dispôs, porém, dos dois imóveis que integram a herança a favor do mesmo filho B, parte através duma doação (em vida) e a outra parte por meio de deixa testamentária. Nesse caso, a reposição do que é devido a C, em virtude da redução imposta às liberalidades feitas exclusivamente a favor de B, é feita, em dinheiro, e não em espécie ou in natura.” Ora, temos também por justo que se deve, primordialmente, respeitar a vontade do testador no sentido de os bens legados ingressarem no património do legatário, “in casu” da cabeça de casal, ora apelante, pelo que a reposição resultante da necessidade de redução do legado por inoficiosidade, deve ser sempre feita em dinheiro e não em substância, por escolha a efetuar por si, como a mesma pretende. Em suma, julgamos que não tem apoio na lei a pretensão do legatário, mesmo também herdeiro legitimário, em face dos herdeiros não legatários, o direito de escolher bens em substância para o preenchimento do seu quinhão hereditário de entre os que excedam o valor que têm direito a receber. Finalmente sempre se dirá que, não obstante ter ficando prejudicado segundo o nosso entendimento acima consignado, a questão da divisibilidade ou indivisibilidade dos bens legados à cabeça de casal, certo é que dívidas não temos que estamos perante um “prédio misto” aliás assim o qualificou o “de cujus” quando no testamento público que outorgou no Cartório Notarial, no dia dois de julho de dois mil e dezoito, lavrado no respetivo livro de notas número oito, a partir de folhas cinquenta e uma, no qual legou a sua mulher, à referida AA, o prédio misto, melhor identificado no referido testamento, o qual era seu bem próprio e no qual instituiu, ainda, a sua referida mulher, AA, herdeira do remanescente da quota disponível dos seus bens. (sublinhado nosso). E como bem referiu a Sr.ª Notária “(…) na relação de bens a verba 3 e a verba 4 venham descritas como verbas distintas, trata-se de um prédio misto descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número ...6/19860424, cuja componente urbana e rústica foram descritas separadamente na relação de bens. Trata-se, portanto, de um só prédio que, na presente data, não está fracionado, não cabendo ao processo de inventário gerar prédios novos, fracioná-los ou alterar a fisionomia para passarem a existir na ordem jurídica com a conclusão do processo de inventário”. Destarte e sem necessidade de outros considerandos, porque se não reconhece à cabeça de casal/legatária em face das herdeiras não legatárias, o direito de escolher bens em espécie ou substância para o preenchimento do seu quinhão hereditário de entre os que excedem o valor que tem direito a receber, devendo, tão só, repor em dinheiro o respetivo valor apurado em excesso, nenhuma censura nos merece a decisão recorrida e com tal confirma-se a mesma. Improcedem as respetivas conclusões da apelante. Sumário: …………………………………… …………………………………… …………………………………… IV – Pelo exposto acordam os Juízes desta secção cível em julgar as presentes apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida. Custas pela apelante. Porto, 2024.11.19 Anabela Dias da Silva Rodrigues Pires João Proença |