Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
223/23.4T8MAI.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FRANCISCA MOTA VIEIRA
Descritores: RESPONSABILIDADE POR ACIDENTE DE VIAÇÃO
PROPOSTA DE INDEMNIZAÇÃO PELA SEGURADORA
PRIVAÇÃO DO USO DO VEÍCULO
Nº do Documento: RP20240704223/23.4T8MAI.P1
Data do Acordão: 07/04/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Se a seguradora após lhe ter sido participado um acidente de viação por terceiro lesado comunica a este que assume a responsabilidade pelos danos resultantes do acidente e propõe uma indemnização de determinado valor para indemnizar o lesado para proceder à reparação do veículo, e, insiste na resposta a essa comunicação, a qual, não obteve qualquer pronúncia por parte do lesado.
II - Se este lesado, que não respondeu à comunicação da seguradora, passado cerca de dois anos após o acidente de viação, instaura contra a seguradora do lesante uma ação para ser ressarcido pelo valor da reparação do veículo que atenda ao tempo decorrido desde a data do acidente de viação até ao pagamento efectivo, pretendendo ser indemnizado com uma quantia muito próxima daquela que foi proposta pela seguradora dois anos antes, esta actuação, revela-se censurável, porquanto a privação de uso do veículo desde a data em que o lesado não responde à proposta da seguradora é imputável exclusivamente à autora-lesada.
III - Pelo que, ao abrigo do art 570º do CC , uma vez que o comportamento da autora- lesada agravou o tempo de privação de uso do veículo, justifica-se que não seja atendido para efeito de indemnização pela privação de uso do veículo o período de tempo decorrido desde data em que ao autor-lesado não se pronunciou sobre a proposta da seguradora até hoje.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 223/23.4T8MAI.P1.

Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo Local Cível Juízo Local Cível da Maia – Juiz 4

Acordam no Tribunal da Relação do Porto.

I.RELATÓRIO

1.AA, NIF ......, com domicílio em 10 Rue ... ..., França, veio intentar a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra,

A... DAC, sociedade comercial de direito Irlandês, com sede no Bloco ..., ..., ..., ... ..., Ireland, cuja gestora de sinistros é a sociedade comercial de direito B..., Lda., com sede em ..., ..., ... ..., pedindo que a ré seja a ré condenada, a pagar à autora montante nunca inferior de €39.748,15 (trinta e nove mil setecentos e quarenta e oito euros e quinze cêntimos), a que deverão acrescer juros de mora calculados à taxa legal em vigor até efetivo e integral pagamento.

Fundamenta a sua pretensão num acidente de viação ocorrido 21de fevereiro de 2020, pelas 19.50 horas, na estrada de acesso ao C..., na Maia.

Alega para tanto e em síntese que quando se encontrava em circulação na estrada de acesso ao parque de estacionamento comercial C..., na Maia, foi embatida, de forma súbita e inesperada, pelo veículo segurado pela Ré, cujo condutor, ao fazer a manobra de saída do local de estacionamento, recuando, embateu na zona da frente esquerda do veículo da Autora.

O embate ficou a dever-se, a conduta do condutor do veículo segurado pela Ré, que, por desatenção ou imperícia, ao efetuar a manobra de marcha a trás, foi embater no veículo da autora.

2.Devidamente citada a ré, pugnou pela improcedência total da ação.

Alega que, não obstante já ter reconhecido a culpa do seu segurado na produção do sinistro, não aceita as importâncias peticionadas pela autora a título de indemnização, por reparação e por de imobilização.

3.Por sua vez a autora devidamente notificada da oposição veio apresentar resposta nos termos e fundamentos dela constante.

4.Foi proferido o despacho Saneador, e fixados o Objeto do Litígio e os Temas de Prova.

5.Realizou-se a audiência de julgamento a qual decorreu com observância do legal formalismo e foi proferida sentença que julgou  a presente ação parcialmente procedente, por parcialmente provada e em consequência condenou a ré a pagar à  autora a importância de € 23.848,15 (vinte e três mil, oitocentos e quarenta e oito euros e quinze cêntimos), acrescida dos juros moratórios, calculados á taxa de 4%, desde a citação, até efetivo e integral pagamento, absolvendo a ré da restante importância peticionada.

6.Inconformada a autora interpôs recurso de apelação e formulou as conclusões que aqui se reproduzem:

I. O presente recurso é de apelação e versa sobre a matéria de facto, mas também sobre a matéria de direito, nos termos do art. 639.º, n.º 2 do CPC, no tocante à subsunção jurídica que o Tribunal a quo fez dos factos que julgou provados.

II. Mal andou o Tribunal a quo ao julgar provados os factos 9), 11), e 27) dos factos julgados provados, bem como mal andou ao julgar não provados os dois primeiros pontos por si elencados.

III.O Tribunal a quo laborou em erro ao dar como provada a matéria constante do ponto 9 dos factos provados.

IV.A referida proposta apresentada pela Ré, não o era, pois não haveria lugar a qualquer indemnização até uma posição ulterior, fosse esta em que sentido fosse.

V. Pelo que deverá ser eliminado o ponto 9. da matéria de facto julgada provada.

VI. Consequentemente, o ponto 11. dos factos julgados provados terá de ser eliminado ou reescrito.

VII. A ali referida carta não é uma carta de insistência, mas sim a verdadeira proposta de indemnização.

VIII. Quanto ao ponto 27. dos factos tidos como provados, o Tribunal a quo não refere em momento algum qual o meio de prova em que fundou a sua convicção quanto ao apontado valor diário de 80€, pelo que ocorre nulidade da sentença por falta de fundamentação.

IX. Um veículo com características semelhantes às do veículo dos autos não é alugado em Portugal, e certamente também não na França, por valor inferior a 600€/dia.

X. O Tribunal a quo não considerou qualquer meio de prova quanto ao valor diário do custo do aluguer de um veículo de substituição de características semelhantes (ou qualquer outro), pelo que deve ser eliminado o ponto 27. dos factos provados.

XI. O presente recurso visa também a reapreciação dos documentos juntos aos autos com a Petição Inicial como DOC7 e DOC8.

XII. A desconsideração destes documentos feita pelo Tribunal a quo levou a que fossem dados como não provados os seguintes factos: «Entre 23JUL2020 e 23AGO2020 e entre 29AGO2020 e 28SET2020, num total de 60 dias, a Autora viu-se obrigada a alugar um veículo que lhe permitisse satisfazer as suas necessidades de deslocação. -Aluguer esse que importou o dispêndio do montante diário de €115,00 (+IVA), o que, incluindo impostos, representou uma despesa para a Autora no total de €8.280,00 – cfr. DOC7 e DOC8»

XIII. A Lei processual portuguesa não impõe que os documentos a integrar nos autos estejam escritos na nossa língua.

XIV. O art.º 134, n.º 1 do CPC dispõe que quando se ofereçam documentos escritos em língua estrangeira «que careçam de tradução, o juiz, oficiosamente ou a requerimento de alguma das partes, ordena que o apresentante a junte».

XV. Está implícito na norma contida no art. 134, n.º 1 do CPC qu e os documentos escritos em língua estrangeira sejam oferecidos sem tradução; o Juiz ordenará ao apresentante a junção da tradução quando o documento dela careça.

XVI. A Recorrente não pode aceitar que, sem mais, e de forma surpreendente, sem contraditório, sem convite ou direito a qualquer pronuncia, venha o Tribunal a quo desconsiderar os documentos já há muito juntos aos autos, justificando que não os pode ter em conta. Pode. E deve.

XVII. A tradução de Faturas redigidas em francês em nada alteraria a realidade fáctica.

XVIII. Os documentos juntos deverão se tidos em conta pelo Tribunal ad quem.

XIX. Ao decidir em sede de sentença desconsiderar os DOC 7 e DOC8 juntos com a Petição Inicial, o Tribunal a quo violou, de forma manifesta, o art.º 3, n.º3 do CPC, uma vez que se lhe impunha, na hipótese prevista no art.º 134 do CPC, notificar a Autora da necessidade de juntar aos autos a tradução de tais documentos.

XX. Incumprido o prazo legal para apresentação de uma verdadeira e séria proposta de indemnização por parte da Ré, sobre os valores devidos à Autora incidirão juros de mora em montante correspondente ao dobro da taxa legal aplicável, conforme disposto no artigo 38.º, n.º 2 do DL. 291/2007 e, não à taxa de 4% como o Tribunal a quo acabou por sentenciar.

XXI. Impõe-se a condenação da Ré em pagar à Autora também a despesa que esta teve com os dois períodos de aluguer de um veículo, conforme devidamente documentado nos autos (DOC7 e DOC8 juntos com a PI), sendo que à importância devida pela Ré à Autora haverão de acrescer juros ao dobro da taxa legal.

XXII.A Ré recusou ilicitamente o cumprimento da sua obrigação de reparar o veículo através de vários expedientes, desde a famigerada proposta inicial de indemnização, que não o era, pois não era verdadeira, até à invocada situação de perda total, que não o era, pois não era verdadeira.

XXIII. Não colhe o argumento da Ré —sempre inócuo, pois para tal a sanção prevista é a prescrição do direito— de que a Autora tardou em propor a acção.

XXIV. O valor de €15.000 peticionados correspondem hoje a cerca de 10€/dia de valor de privação de uso do veículo, que continua, ainda hoje, por reparar, porque a Ré “inventou” e defendeu até à última a falsa situação de perda total.Normas violadas:- Artigo 3º, n.º 3 do Código de Processo Civil;- Artigo 134º, n.º 1 do Código de Processo Civil.

Nestes termos e nos melhores de direito que v. exas. mui doutamente suprirão, concedendo provimento ao recurso interposto e determinando, nessa conformidade, a revogação da sentença proferida, substituindo-a por uma outra que, dando provimento à acção proposta, condene a ré em conformidade com as conclusões supra aduzidas, farão v. exas. inteira e sã justiça!

Não foram apresentadas contra–alegações.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO.

As questões colocadas nas conclusões recursórias são as seguintes:

Da impugnação da decisão de facto.

Do mérito da sentença recorrida.

III.FUNDAMENTAÇÃO.

3.1.Na 1ª instância foram julgados provados e não provados os seguintes fatos.

Factos Provados

1.A Autora é legitima proprietária do veículo automóvel de marca BMW, com a matrícula francesa ..-...-NB. — cfr. DOC1

2.A Ré é uma sociedade comercial que se dedica à actividade seguradora, no ramo não vida.

3. Por contrato de seguro titulado pela Apólice n.º ..., válida em 21FEV2020, a Ré assumiu a responsabilidade civil pelos danos causados a terceiros com a circulação do veículo automóvel de marca PEUGEOT, com a matrícula ..-TV-... — cfr. DOC2

4. No dia 21FEV2020, pelas 19h50m, ocorreu um acidente de viação no concelho da Maia, que envolveu o veículo de marca BMW propriedade da Autora, conduzido por BB, e o veículo de marca PEUGEOT, que então era conduzido por CC. – cfr. DOC2

5.O veículo da Autora encontrava-se em circulação na estrada de acesso ao parque de estacionamento do estabelecimento comercial C..., na Maia, quando foi embatida pelo veículo segurado pela Ré, cujo condutor, ao fazer a manobra de saída do local de estacionamento, recuando, embateu na zona da frente esquerda do veículo da Autora.

6.O segurado da Ré, por desatenção ou imperícia, ao efetuar a manobra de saída da posição de estacionamento, embateu no veículo da Autora.

7. O acidente foi comunicado à Ré.

8. A respetiva peritagem realizou-se em 17JUL2020 e terminou a 22 JUL2020

9.A ré em 24JUL. enviou uma carta á autora propondo-lhe o valor da indemnização em €15.495,00, proposta cuja validade terminaria a 21AGOST.

10.A autora não respondeu á proposta efetuada pela ré.

11.Por isso, a ré em 27AGOST, enviou nova carta de insistência, á autora, e de igual teor á que havia enviado a 24JUL., propondo-lhe o valor da indemnização no mesmo valor.

12.A 10SET2020 a ré insistiu, para que a autora desse uma resposta ao valor proposto para indemnização do sinistro em causa.

13.Proposta que a autora não aceitou.

14.Do descrito acidente resultaram danos na zona da frente esquerda e na lateral esquerda do veículo da Autora.

15.A ré atribuiu à viatura da Autora um valor venal de €18.995,00 (dezoito mil novecentos e noventa e cinco euros) e ao salvado o valor de €3.500,00 (três mil e quinhentos euros), a Ré propôs-se reparar os danos patrimoniais da Autora mediante o pagamento de €15.495,00, correspondente ao valor de mercado do veículo descontado do valor do seu salvado, invocando para o efeito que o veículo da Autora “não pode ser reparado, estando em situação de perda total, porque o valor de reparação é excessivamente oneroso face ao valor do mercado antes do acidente”. – cfr. DOC5

16.Segundo a peritagem final efetuada pela Ré, importam reparações no montante de €16.243,15.

17.O veículo da Autora tinha, à data do sinistro, mais de dois anos.

18.O seu valor venal, ou valor de mercado antes do sinistro, era, como apontou a Ré, de pelo menos €18.995,00.

19.O valor necessário à reparação (€16.243,15), acrescido do valor do salvado

(€3.500,00) —ambos de acordo com a peritagem e avaliação efectuadas pela Ré— ascende a €19.743,15.

20.Na sequência e como consequência directa do sinistro ocorrido, também o Tablet, de marca SAMSUNG, modelo ...— que, sendo propriedade da Autora, era no seu veículo transportado—, caiu do seu suporte, tendo ficado danificado no ecrã.

21.A reparação dos danos verificados no referido Tablet importou, para a Autora, o dispêndio de €225,00. – cfr. DOC6

22.Algumas semanas após a peritagem, a Autora deslocou o veículo para França, onde reside, uma vez que não podia suportar os custos com o seu parqueamento em Portugal.

23.Até à data o veículo da Autora permanece por reparar, encontrando-se imobilizado desde a data do sinistro.

24.A Autora necessitava, como necessita, de um veículo para as para as suas deslocações diárias, seja para efeitos profissionais, seja para efeitos pessoais.

25.Sendo certo que a opção da Autora pelo veículo em causa nos autos se prendeu

especificamente com as suas especiais características, designadamente em termos de segurança, que preza especialmente.

26.Dado que não lhe foi atribuído qualquer veículo para substituição, a Autora viu-se obrigada a recorrer à ajuda de familiares para acorrer às suas necessidades de

deslocação.

27.O aluguer de um veículo de substituição em França, com as mesmas características do veículo da Autora tem um custo diário não inferior a €80,00.

28.Entre a data do sinistro, em 21FEV2020, e 23JUL2020, a Autora esteve absolutamente privada do uso do seu veículo, vendo-se obrigada a recorrer à ajuda de amigos e familiares em ordem a garantir as suas necessidades de deslocação diárias.

29.O mesmo sucedeu entre os dias 24AGO2020 e 29AGO2020.

30.E desde 29SET2020, permanece absolutamente privada do uso do seu veículo, vendo-se obrigada a recorrer à ajuda de amigos e familiares em ordem a garantir as suas necessidades de deslocação diárias.

Factos não provados

- Entre 23JUL2020 e 23AGO2020 e entre 29AGO2020 e 28SET2020, num total de 60 dias, a Autora viu-se obrigada a alugar um veículo que lhe permitisse satisfazer as suas necessidades de deslocação.

-Aluguer esse que importou o dispêndio do montante diário de €115,00 (+IVA), o que, incluindo impostos, representou uma despesa para a Autora no total de €8.280,00 – cfr. DOC7 e DOC8

-A estimativa da reparação da viatura sem desmontagem e com o possível incremento após desmontagem é superior ao valor venal da mesma.

-Após desmontagem poderá haver danos nos radiadores e alguns componentes eletrónicos.

3.2 Da Impugnação da decisão de facto:

1.A recorrente impugna os itens 9º, 11º, e 27º dos factos provados bem como os dois primeiros pontos dos factos não provados.

Alega que o tribunal incorreu em erro ao julgar provados os itens 9º e 11º dos factos provados.

Alega que a referida proposta apresentada pela Ré, não o era, pois não haveria lugar a qualquer indemnização até uma posição ulterior, fosse esta em que sentido fosse.

.Consequentemente, alega que o ponto 11. dos factos julgados provados terá de ser eliminado ou reescrito, porquanto a ali referida carta não é uma carta de insistência, mas sim a verdadeira proposta de indemnização.

Quanto ao ponto 27. dos factos tidos como provados, alega que o Tribunal a quo não refere em momento algum qual o meio de prova em que fundou a sua convicção quanto ao apontado valor diário de 80€, pelo que ocorre nulidade da sentença por falta de fundamentação.

Alega que um veículo com características semelhantes às do veículo dos autos não é alugado em Portugal, e certamente também não na França, por valor inferior a 600€/dia.

Alega que o Tribunal a quo não considerou qualquer meio de prova quanto ao valor diário do custo do aluguer de um veículo de substituição de características semelhantes (ou qualquer outro), pelo que deve ser eliminado o ponto 27. dos factos provados.

Por último, impugna os dois primeiros itens dos factos não provados e pretende que este tribunal reaprecie os documentos juntos aos autos com a Petição Inicial como documentos nºs 7 e 8, os quais, estão escritos em francês, e deles resulta que se trata de duas facturas emitidas pela sociedade aí identificada no lado esquerdo em nome da autora, datadas de 24.08.20220 e 29.09.2020, relativas ao aluguer de um veículo BMW modelo ... cabriolet  matrícula ..-...-NB, nos valores, a primeira de € 4 140,00 com IVA incluído ea segunda de  € 4140 com IVA incluído.

Por estarem minimamente satisfeitos os requisitos do art 640º do CPC admitimos a impugnação da decisão de facto.

2.Apreciando e decidindo:

Quanto aos itens 9º e 11º dos factos provados reproduzimos aqui o conteúdo dos mesmos:

«9.A ré em 24JUL. enviou uma carta á autora propondo-lhe o valor da indemnização em €15.495,00, proposta cuja validade terminaria a 21AGOST.

11.Por isso, a ré em 27AGOST, enviou nova carta de insistência, á autora, e de igual teor á que havia enviado a 24JUL., propondo-lhe o valor da indemnização no mesmo valor.»

Reapreciamos as missivas juntas aos autos pelas partes e verificamos que no dia 24 de Julho a ré enviou uma carta à autora, na qual, entre o mais, informava a autora que considerava que o veículo desta estava em situação de perda total, e referiu que propunha como valor da indemnização o de €15.495,00, proposta cuja validade terminaria a 21AGOST.

E nessa missiva, escrevia ainda:

«Alertamos para o facto de ainda não haver uma definição de responsabilidade pelo que o processo encontra-se em instrução, não havendo lugar a qualquer indemnização até uma posição definitiva por parte desta seguradora.»

Assim, no tocante ao item 9º dos factos provados, procede parcialmente a impugnação de facto e determinamos que a redacção desse item passa a ser a seguinte:

«9. No dia 24 de Julho a ré enviou uma carta à autora, na qual, entre o mais  informava a autora que considerava que o veículo desta estava em situação de perda total,  referindo  que propunha como  valor da indemnização o de €15.495,00, proposta cuja validade terminaria a 21 de Agosto e  nessa missiva, escrevia ainda :«Alertamos para o facto de ainda não haver uma definição de responsabilidade pelo que o processo encontra-se em instrução, não havendo lugar a qualquer indemnização até uma posição definitiva por parte desta seguradora.»

.Relativamente ao item 11º dos factos provados, reapreciamos a missiva junta aos autos por ambas as partes, pela qual, no dia 27.08.2022 a ré informou a autora, que recebeu essa missiva,  que dava como finalizada a averiguação do processo, afirmava que a responsabilidade pela produção do acidente em referência deve-se ao veículo que seguramos, em 100%,que o  nexo causal para a produção do acidente residiu na inadequada manobra de marcha atrás realizada pelo veiculo seguro, pelo que a responsabilidade do sinistro em apreço deverá, assim, recair sobre o mesmo, por ter incumprido com o estatuído no n.º 1 do Art.º 35º e na b) do n.º 1 do Artigo 47.º do Código da Estrada.

Terminava da seguinte forma:

“Desta forma, propomos o valor de indemnização de 15495€ conforme já tinha sido informado a 24-07-2020.

Ficamos a aguardar o envio da documentação necessária para a emissão do Recibo de Indemnização.

-o documento único automóvel, cópia de B.I./cartão de cidadão, cartão de contribuinte, comprovativo de NIB/IBAN

Continuaremos à disposição para qualquer esclarecimento necessário e apresentamos os nossos melhores cumprimentos”

Em face do exposto alteramos a redacção do item 11º dos factos provados, a qual, passa a ser a seguinte:

«11. No dia 27.08.2022 a ré informou a autora, que recebeu essa missiva,  que dava como finalizada a averiguação do processo, afirmava que a responsabilidade pela produção do acidente em referência deve-se ao veículo que seguramos, em 100%,que o  nexo causal para a produção do acidente residiu na inadequada manobra de marcha atrás realizada pelo veiculo seguro, pelo que a responsabilidade do sinistro em apreço deverá, assim, recair sobre o mesmo, por ter incumprido com o estatuído no n.º 1 do Art.º 35º e na b) do n.º 1 do Artigo 47.º do Código da Estrada e terminava da seguinte forma:

“Desta forma, propomos o valor de indemnização de 15495€ conforme já tinha sido informado a 24-07-2020.

Ficamos a aguardar o envio da documentação necessária para a emissão do Recibo de Indemnização.

-o documento único automóvel, cópia de B.I./cartão de cidadão, cartão de contribuinte, comprovativo de NIB/IBAN

Continuaremos à disposição para qualquer esclarecimento necessário e apresentamos os nossos melhores cumprimentos”

E porque releva para a decisão da causa, com fundamento no nº4 do art 607º do CPC, ex via, art 663º nº2, do CPC com fundamento nos documentos juntos pela ré-recorrida  na contestação, não impugnados, julgamos provado, aditando um novo facto aos factos provados, que no dia 10-09-2020 a ré enviou missiva à autora, solicitando  resposta ao email enviado a 27-08-2020 e que a autora não respondeu.

Relativamente ao item 27º dos fatos provados, afigura-se-nos que assiste razão à recorrente quando alega que ocorre falta de indicação do meio de prova que sustentou a convicção do tribunal quanto ao afirmado valor diário (não inferior a € 80, 00) pelo aluguer em França de um veículo de substituição em França, com as mesmas características do veículo da Autora.

Em princípio, na hipótese desse facto ser essencial para a decisão da causa, a verificação dessa omissão determinaria, nos termos do art 662º, nº2 al d) do CPC a devolução dos autos ao tribunal de comarca para sanar essa irregularidade e não a nulidade da sentença recorrida, como indevidamente pretende a recorrente, ao abrigo do art 615º do CPC.

Todavia, esse facto, apenas seria possível de revelar para a decisão da acusa, se e na medida em que este Tribunal desse provimento à impugnação da decisão de facto relativamente aos dois primeiros itens dos factos não provados.

Pelo que, passaremos a apreciar e decidir a impugnação da decisão de facto relativamente a estes dois factos não provados e só depois nos iremos pronunciar sobre o item 27º dos factos provados.

Apreciando e decidindo:

Quanto aos itens 1 e 2º dos factos não provados a recorrente convoca apenas os documentos 7 e 8 juntos na petição, aos quais, fizemos referência.

E como resulta da motivação da sentença recorrida o tribunal a quo desconsiderou estes documentos com fundamento no facto de não estarem traduzidos, o que, não é aceite,  e bem pela recorrente, atento o preceituado no art 134º do CPC.

Quid iuris?

O art.º 134, n.º 1 do CPC dispõe que quando se ofereçam documentos escritos em língua estrangeira «que careçam de tradução, o juiz, oficiosamente ou a requerimento de alguma das partes, ordena que o apresentante a junte».

Assim, a Lei processual portuguesa não impõe que os documentos a integrar nos autos estejam escritos na nossa língua.

Está implícito na norma contida no art. 134, n.º 1 do CPC que os documentos escritos em língua estrangeira sejam oferecidos sem tradução; o Juiz ordenará ao apresentante a junção da tradução quando o documento dela careça.

Consequentemente, se o julgador perceber o conteúdo desses documentos estes devem ser considerados para efeitos de prova, sem necessidade de serem traduzidos.

Pelo que, dominando nós a língua francesa, decidimos considerar tais documentos como meio de prova a atender para o efeito de formular um juízo sobre a veracidade dos factos vertidos nos dois primeiros itens dos factos não aprovados, únicos meios de prova convocados pela recorrente para serem reapreciados quanto a esta parte da impugnação da decisão de facto.

E fazendo-o, apenas nos resta afirmar que tais faturas juntas provam, a, a sua emissão por parte da entidade que nelas consta como emitente. Como é evidente, não provam, nem contra terceiros, nem contra o putativo devedor, que os serviços nelas inscritos foram efetivamente executados.

Trata-se de faturas que são documentos particulares que, nos termos dos artigos 373.º a 375.º do CC, só têm força probatória plena, observados os requisitos referidos nos preceitos, se apresentados contra o seu autor.

Fora desses casos, a força probatória das factura está sujeita à livre apreciação do tribunal. art 127º do CPC.

Assim, analisando essas facturas , os respectivos dizeres, porque tais documentos não foram acompanhados da produção de outros meios de prova suscetíveis de criar a convicção que os serviços aí referidos ( aluguer veículo) foram prestados à autora em França e nas datas ali mencionadas , resta –nos afirmar que tais documentos são insuficientes para criar neste colectivo de juízes a convicção de serem verdadeiros os factos julgados não provados nos itens 1 e 2 dos factos não provados, improcedendo, assim, a impugnação da decisão de facto neste segmento.

.Consequentemente, mantendo nós a decisão de facto na parte relativa aos itens 1º e 2º dos factos não provados, revela-se inútil a devolução à primeira instância dos autos para o efeito de ser fundamentado juízo de prova relativo ao item 27 dos fatos provados.

Aliás, este item, por si, desacompanhado de factos relativos ao aluguer em França pela autora-recorrente de veículo em substituição do sinistrado, carece de relevância para a decisão a proferir e , por isso, determinamos a sua eliminação dos factos provados.

Por último, porque a ré na contestação alegou que a autora ficou na posse dos salvados, facto aceite pela autora-recorrente, aditamos, com fundamento nesse acordo o seguinte facto:

A autora ficou na posse dos salvados.

3.3 Os factos provados e não provados que agora estão definitivamente julgados são os seguintes:

Factos Provados

1.A Autora é legitima proprietária do veículo automóvel de marca BMW, com a matrícula francesa ..-...-NB. — cfr. DOC1

2.A Ré é uma sociedade comercial que se dedica à actividade seguradora, no ramo não vida.

3. Por contrato de seguro titulado pela Apólice n.º ..., válida em 21FEV2020, a Ré assumiu a responsabilidade civil pelos danos causados a terceiros com a circulação do veículo automóvel de marca PEUGEOT, com a matrícula ..-TV-... — cfr. DOC2

4. No dia 21FEV2020, pelas 19h50m, ocorreu um acidente de viação no concelho da Maia, que envolveu o veículo de marca BMW propriedade da Autora, conduzido por BB, e o veículo de marca PEUGEOT, que então era conduzido por CC. – cfr. DOC2

5.O veículo da Autora encontrava-se em circulação na estrada de acesso ao parque de estacionamento do estabelecimento comercial C..., na Maia, quando foi embatida pelo veículo segurado pela Ré, cujo condutor, ao fazer a manobra de saída do local de estacionamento, recuando, embateu na zona da frente esquerda do veículo da Autora.

6.O segurado da Ré, por desatenção ou imperícia, ao efetuar a manobra de saída da posição de estacionamento, embateu no veículo da Autora.

7. O acidente foi comunicado à Ré.

8. A respetiva peritagem realizou-se em 17JUL2020 e terminou a 22 JUL2020

9. No dia 24 de Julho a ré enviou uma carta à autora, na qual, entre o mais  informava a autora que considerava que o veículo desta estava em situação de perda total,  referindo  que propunha como  valor da indemnização o de €15.495,00, proposta cuja validade terminaria a 21 de Agosto e  nessa missiva, escrevia ainda :«Alertamos para o facto de ainda não haver uma definição de responsabilidade pelo que o processo encontra-se em instrução, não havendo lugar a qualquer indemnização até uma posição definitiva por parte desta seguradora.»

10.A autora não respondeu à proposta efetuada pela ré.

11. «No dia 27.08.2022 a ré informou a autora, que recebeu essa missiva,  que dava como finalizada a averiguação do processo, afirmava que a responsabilidade pela produção do acidente em referência deve-se ao veículo que seguramos, em 100%,que o  nexo causal para a produção do acidente residiu na inadequada manobra de marcha atrás realizada pelo veiculo seguro, pelo que a responsabilidade do sinistro em apreço deverá, assim, recair sobre o mesmo, por ter incumprido com o estatuído no n.º 1 do Art.º 35º e na b) do n.º 1 do Artigo 47.º do Código da Estrada e terminava da seguinte forma:

“Desta forma, propomos o valor de indemnização de 15495€ conforme já tinha sido informado a 24-07-2020.

Ficamos a aguardar o envio da documentação necessária para a emissão do Recibo de Indemnização.

-o documento único automóvel, cópia de B.I./cartão de cidadão, cartão de contribuinte, comprovativo de NIB/IBAN

Continuaremos à disposição para qualquer esclarecimento necessário e apresentamos os nossos melhores cumprimentos”

11.A. -No dia 10-09-2020 a ré enviou missiva à autora, solicitando resposta ao email enviado a 27-08-2020 e a autora não respondeu.

11.B- A autora ficou na posse dos salvados.

12. A 10SET2020 a ré insistiu, para que a autora desse uma resposta ao valor proposto para indemnização do sinistro em causa.

13.Proposta que a autora não aceitou.

14.Do descrito acidente resultaram danos na zona da frente esquerda e na lateral esquerda do veículo da Autora.

15.A ré atribuiu à viatura da Autora um valor venal de €18.995,00 (dezoito mil novecentos e noventa e cinco euros) e ao salvado o valor de €3.500,00 (três mil e quinhentos euros), a Ré propôs-se reparar os danos patrimoniais da Autora mediante o pagamento de €15.495,00, correspondente ao valor de mercado do veículo descontado do valor do seu salvado, invocando para o efeito que o veículo da Autora “não pode ser reparado, estando em situação de perda total, porque o valor de reparação é excessivamente oneroso face ao valor do mercado antes do acidente”. – cfr. DOC5

16.Segundo a peritagem final efetuada pela Ré, importam reparações no montante de €16.243,15.

17.O veículo da Autora tinha, à data do sinistro, mais de dois anos.

18.O seu valor venal, ou valor de mercado antes do sinistro, era, como apontou a Ré, de pelo menos €18.995,00.

19.O valor necessário à reparação (€16.243,15), acrescido do valor do salvado (€3.500,00) —ambos de acordo com a peritagem e avaliação efectuadas pela Ré— ascende a €19.743,15.

20.Na sequência e como consequência directa do sinistro ocorrido, também o Tablet, de marca SAMSUNG, modelo ...— que, sendo propriedade da Autora, era no seu veículo transportado—, caiu do seu suporte, tendo ficado danificado no ecrã.

21.A reparação dos danos verificados no referido Tablet importou, para a Autora, o dispêndio de €225,00. – cfr. DOC6

22.Algumas semanas após a peritagem, a Autora deslocou o veículo para França, onde reside, uma vez que não podia suportar os custos com o seu parqueamento em Portugal.

23.Até à data o veículo da Autora permanece por reparar, encontrando-se imobilizado desde a data do sinistro.

24.A Autora necessitava, como necessita, de um veículo para as para as suas deslocações diárias, seja para efeitos profissionais, seja para efeitos pessoais.

25.Sendo certo que a opção da Autora pelo veículo em causa nos autos se prendeu especificamente com as suas especiais características, designadamente em termos de segurança, que preza especialmente.

26.Dado que não lhe foi atribuído qualquer veículo para substituição, a Autora viu-se obrigada a recorrer à ajuda de familiares para acorrer às suas necessidades de deslocação.

27.Entre a data do sinistro, em 21FEV2020, e 23JUL2020, a Autora esteve absolutamente privada do uso do seu veículo, vendo-se obrigada a recorrer à ajuda de amigos e familiares em ordem a garantir as suas necessidades de deslocação diárias.

28.O mesmo sucedeu entre os dias 24AGO2020 e 29AGO2020.

29.E desde 29SET2020, permanece absolutamente privada do uso do seu veículo, vendo-se obrigada a recorrer à ajuda de amigos e familiares em ordem a garantir as suas necessidades de deslocação diárias.

Factos não provados

- Entre 23JUL2020 e 23AGO2020 e entre 29AGO2020 e 28SET2020, num total de 60 dias, a Autora viu-se obrigada a alugar um veículo que lhe permitisse satisfazer as suas necessidades de deslocação.

-Aluguer esse que importou o dispêndio do montante diário de €115,00 (+IVA), o que, incluindo impostos, representou uma despesa para a Autora no total de €8.280,00 – cfr. DOC7 e DOC8

-A estimativa da reparação da viatura sem desmontagem e com o possível incremento após desmontagem é superior ao valor venal da mesma.

-Após desmontagem poderá haver danos nos radiadores e alguns componentes eletrónicos.

3.4.Do Enquadramento Jurídico.

Das conclusões recursórias resulta que a autora-apelante aceitou a decisão recorrida na parte em que condenou a ré a pagar-lhe o valor de €16.243,15.

A recorrente no essencial argumenta:

«XX. Incumprido o prazo legal para apresentação de uma verdadeira e séria proposta de indemnização por parte da Ré, sobre os valores devidos à Autora incidirão juros de mora em montante correspondente ao dobro da taxa legal aplicável, conforme disposto no artigo 38.º, n.º 2 do DL. 291/2007 e, não à taxa de 4% como o Tribunal a quo acabou por sentenciar.

XXI. Impõe-se a condenação da Ré em pagar à Autora também a despesa que esta teve com os dois períodos de aluguer de um veículo, conforme devidamente documentado nos autos (DOC7 e DOC8 juntos com a PI), sendo que à importância devida pela Ré à Autora haverão de acrescer juros ao dobro da taxa legal.

XXII. A Ré recusou ilicitamente o cumprimento da sua obrigação de reparar o veículo através de vários expedientes, desde a famigerada proposta inicial de indemnização, que não o era, pois não era verdadeira, até à invocada situação de perda total, que não o era, pois não era verdadeira.

XXIII. Não colhe o argumento da Ré —sempre inócuo, pois para tal a sanção prevista é a prescrição do direito— de que a Autora tardou em propor a acção.

XXIV. O valor de €15.000 peticionados correspondem hoje a cerca de 10€/dia de valor de privação de uso do veículo, que continua, ainda hoje, por reparar, porque a Ré “inventou” e defendeu até à última a falsa situação de perda total.

Assim, a recorrente, pugnou pela condenação da Ré em pagar à Autora também a despesa que esta teve com os dois períodos de aluguer de um veículo, pela aplicação de juros de mora em montante correspondente ao dobro da taxa legal aplicável, conforme disposto no artigo 38.º, n.º 2 do DL. 291/2007 e, não à taxa de 4% como o Tribunal a quo acabou por sentenciar e pretende que a indemnização devida pela privação de uso do seu veículo automóvel seja elevada para € 15.000,00.

Quid iuris?

a.Quanto à primeira pretensão - condenação da Ré em pagar à Autora também a despesa que esta teve  com os dois períodos de aluguer de um veículo -  o não provimento da impugnação da decisão de facto relativamente relativamente aos itens 1º e 2 dos factos não provados, ditou a sorte da ação e do recurso nesta parte.

É que não estando provando os factos vertidos nos itens 1ºe 2 dos factos não provados não existe factualidade que suporte esta parte da pretensão recursória, o que, se determina.

b.Quanto à segunda pretensão importaria apreciar e decidir se a factualidade apurada permite afirmar que a recorrida –seguradora violou os deveres laterias de oneram a seguradora na condução e gestão do sinistro que lhe foi participado por terceiro, revelando para tanto a factualidade que a seguir se reproduz:

“8. A respectiva peritagem realizou-se em 17.07.2020 e terminou a 22.07.2020

9. No dia 24 de Julho a ré enviou uma carta á autora, na qual, entre o mais informava a autora que considerava que o veículo desta estava em situação de perda total, referindo que propunha como valor da indemnização o de €15.495,00, proposta cuja validade terminaria a 21 de Agosto e nessa missiva, escrevia ainda:

«Alertamos para o facto de ainda não haver uma definição de responsabilidade pelo que o processo encontra-se em instrução, não havendo lugar a qualquer indemnização até uma posição definitiva por parte desta seguradora.»

11. No dia 27.08.2022 a ré informou a autora, que recebeu essa missiva,  que dava como finalizada a averiguação do processo, afirmava que a responsabilidade pela produção do acidente em referência deve-se ao veículo que seguramos, em 100%,que o  nexo causal para a produção do acidente residiu na inadequada manobra de marcha atrás realizada pelo veiculo seguro, pelo que a responsabilidade do sinistro em apreço deverá, assim, recair sobre o mesmo, por ter incumprido com o estatuído no n.º 1 do Art.º 35º e na b) do n.º 1 do Artigo 47.º do Código da Estrada.

Terminava da seguinte forma:

“Desta forma, propomos o valor de indemnização de 15495€ conforme já tinha sido informado a 24-07-2020.

Ficamos a aguardar o envio da documentação necessária para a emissão do Recibo de Indemnização.

o documento único automóvel, cópia de B.I./cartão de cidadão, cartão de contribuinte, comprovativo de NIB/IBAN

Continuaremos à disposição para qualquer esclarecimento necessário e apresentamos os nossos melhores cumprimentos”

No dia 10-09-2020 a ré enviou missiva à autora, solicitando resposta ao email enviado a 27-08-2020 e que a autora não respondeu.

Resulta ainda dos autos que a ação foi instaurada no dia 12.01.2023, mais de dois anos após a última missiva da ré.

Todavia, a montante dessa questão existe uma outra cuja apreciação e decisão se impõe.

É que resulta da petição inicial que a autora não formulou pedido de aplicação de juros de mora em montante correspondente ao dobro da taxa legal aplicável, conforme disposto no artigo 38.º, n.º 2 do DL. 291/2007.

Em consequência, a pretensão recursória vertida na conclusão XII excede o pedido formulado na petição inicial, o qual, nos termos do art.609º, nº1, do CPC veda a apreciação por parte deste Tribunal da Relação dessa pretensão recursória que excede o pedido formulado na petição inicial, o que, de declara para todos os efeitos legais.

c. Relativamente à terceira pretensão recursória pela qual a autora pretende que seja fixado em sede de equidade o valor de € 15.000,00 pela indemnização devida pelo dano da privação de uso do seu veículo automóvel sinistrado, diremos o seguinte:

Resulta da petição inicial que a autora alega:

«42. Face à posição assumida pelas partes, a privação do uso do veículo da Autora deverá ser objecto de reparação por parte da Ré até que haja solução definitiva nos presentes autos, pelo que deverá a Ré ser condenada no pagamento de indemnização pela privação de uso, que se fixará no montante diário necessários ao aluguer de um veículo de características semelhantes, desde o dia do acidente até efectivo e integral pagamento dos restantes montantes indemnizatórios em que vier a ser condenada nos presentes autos, devendo este valor ser liquidado a final, a fixar por recurso a critérios de equidade.

43. Entre 23JUL2020 e 23AGO2020 e entre 29AGO2020 e 28SET2020, num total de 60 dias, a Autora viu-se obrigada a alugar um veículo que lhe permitisse satisfazer as suas necessidades de deslocação.

44. Aluguer esse que importou o dispêndio do montante diário de €115,00 (+IVA), o que, incluindo impostos, representou uma despesa para a Autora no total de €8.280,00 –cfr. DOC7 e DOC8

45. Entre a data do sinistro, em 21FEV2020, e a data em procedeu ao aluguer de uma viatura de substituição, em 23JUL2020, a Autora esteve absolutamente privada do uso do seu veículo, vendo-se obrigada a recorrer à ajuda de amigos e familiares em ordem a garantir as suas necessidades de deslocação diárias.

46.O mesmo sucedeu entre os dias 24AGO2020 e 29AGO2020.

47. Da mesma forma, desde a data em que entregou a última viatura que alugou por forma a suprir em espécie as suas necessidades de deslocação, em 29SET2020, a Autora permanece absolutamente privada do uso do seu veículo, vendo-se obrigada a recorrer à ajuda de amigos e familiares em ordem a garantir as suas necessidades de deslocação diárias.

48. Assim, entre 21FEV2020 e 23JUL2020, entre 24AGO2020 e 29AGO2020 e desde 29SET2020, a privação do uso do automóvel acidentado importou já para a Autora um dano patrimonial, que deverá fixado a final por recurso à equidade, em montante nunca inferior a €15.000,00 (quinze mil euros).»

Assim, a autora pretende que este tribunal atende na fixação da indemnização devida pelo dano da privação de uso de veículo ao tempo que decorreu e decorrerá desde a data da do sinistro até que até que haja solução definitiva nos presentes autos.

Todavia, conforme resulta dos fatos provados a ré comunicou à autora que assumia responsabilidade pelos danos resultantes do acidente e propôs uma indemnização de € 15.495,00 para indemnizar a autora com vista à reparação do veículo, e, em Setembro insistiu junto da autora para esta responder, o que, a autora não fez até à data da instauração desta ação em 12.01.2023.

E apenas com a presente ação a autora veio revelar que afinal pretende a condenação da ré no valor de € 16.243,15 com vista a proceder à reparação do veículo, o qual, entretanto, fez deslocar para França.

A revelar que a diferença entre a quantia pedida pela autora nesta ação e aquela quantia que a ré propôs para indemnizar a autora pela reparação do veículo, traduz-se em € 748,15, passados que estão mais de dois anos sobre o acidente de viação dos autos.

Ora esta actuação da autora-recorrente, traduzida em não responder à proposta de indemnização feita pela ré -recorrida e, decorridos que estão mais de dois anos sobre a última comunicação da ré, pretender ser indemnizada pela privação de uso do veículo por valor que atenda o período que decorreu e decorrerá desde a data do sinistro até que sejam fixados definitivamente os valores indemnizatórios, revela-se censurável, porquanto a privação de uso do veículo a partir de Setembro de 2020 é imputável exclusivamente da autora que, remetendo-se ao silêncio, não mandou reparar o veículo, sendo certo que não alegou falta de condições económicas para o fazer, nem exigiu à seguradora em tempo o pagamento da quantia que entendia ser devida por esta pela reparação do veículo.

Ora este comportamento da autora-apelante preenche o campo de previsão do art 570º do CC.

Pelo que, ao abrigo do art 570º do CC, uma vez que o comportamento da autora atrás descrito agravou o tempo de privação de uso do veículo, justifica-se que não seja atendido para efeito de indemnização pela privação de uso do veículo o período de tempo decorrido desde 10 de setembro de 2020 até hoje, o que, se determina.

Assim, a ré-recorrida apenas é responsável pela indemnização devida pela privação de uso desde a data do acidente- 21.02.2020- até 10.09.2020, num total de cerca de 6 meses, uma vez que a partir desta última data a privação de uso do veículo deve-se à inércia culposa da autora em instaurar a ação.

Assim, se considerarmos o período de privação do uso do veículo desde a data do acidente (21.02.2020) até 10.09.2020, correspondente a cerca de seis meses, se considerarmos os valores que em situações análogas vêm sendo fixados pela jurisprudência[1], afigura-se-me justa e equilibrada, em termos de equidade, (cfr. artigo 566º, nº 3 do Código Civil), a quantia de 2.700,00.

Todavia, por força do nº5 do art 635º do CPC, no qual, está consagrado o princípio da proibição da reformatio in pejus, de acordo com o qual, a força obrigatória da parte não recorrida da sentença recorrida transitada em julgado se impõe ao tribunal Superior não podendo este fixar montante indemnizatório em valor inferior àquele que foi fixado pelo tribunal a quo quando o recorrente é o autor que pugna pelo aumento desse valor, este tribunal da Relação está impedido de fixar um valor indemnizatório pelo dano da privação de uso de veículo em valor inferior a € 7.380,00, correspondente ao valor fixado na sentença recorrida.

Pelo que, também nesta parte improcede o recurso de apelação interposto pela recorrente,

Sumário.

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IV.DELIBERAÇÃO:

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em:

.conceder parcial provimento à impugnação da decisão de facto e

. julgar improcedente o recurso de apelação interposto, confirmando a sentença recorrida na parte que foi impugnada.

Custas da apelação a cargo da autora.


Porto, 04.07.2024
Francisca Mota Vieira
Paulo Duarte Teixeira
Paulo Dias da Silva
_________________
[1] Entre outros, Ac deste Tribunal da Relação do Porto de 10.01.2022, in proc. nº 8064/18.4T8SNT.P2, no qual, se entendeu adequado fixar um montante diário de €15,00 a título de indemnização pelo dano em questão, por se revelar ajustado, mostrando-se em linha com os valores que, em análogas situações, vêm sendo fixados na casuística; Ac deste Tribunal da Relação do Porto de 19.05.2022, Processo: 5126/19.4T8VNG.P1, relatado pela ora relatora; Ac. do STJ, Secção Cível, Processo 1056/06.8TVLSB.L1.S1, 1 de fevereiro de 2011; Ac Relação de Lisboa, processo 10514/11.1T2SNT.L1.S1, de 17.12.2014, Relator Orlando Afonso; Ac da RL Processo: 2430/16.7T8LRS.L1-2, de 22-10-2020,no qual se considerou o valor de 20 euros como adequado a fixar esse prejuízo diário decorrente da paralisação do veículo.